Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
73/12.3TTVNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANTÓNIO JOSÉ RAMOS
Descritores: VIGILÂNCIA À DISTÂNCIA
GPS
VALORAÇÃO PROIBIDA DE PROVA
Nº do Documento: RP2013042273/12.3TTVNF.P1
Data do Acordão: 04/22/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE.
Indicações Eventuais: SOCIAL - 4ª SECÇÃO.
Área Temática: .
Sumário: I – O empregador não está impedido de, na ação de impugnação judicial do despedimento, invocar elementos probatórios que não considerou no processo disciplinar.
II - O efeito horizontal dos direitos fundamentais constitucionalmente garantidos faz com que estes direitos devam ser respeitados não apenas pelas entidades públicas, mas também pelas entidades privadas, e, assim, também, no contexto das relações laborais de direito privado.
III - Se é verdade que o empregador está impedido de invocar na acção de impugnação judicial do despedimento factos e fundamentos que não constem da decisão disciplinar ( artigo 98º- J, nº 1 do CPT e 387º, nº 3 do CT) e que nesta não podem ser invocados factos não constantes na nota de culpa ou da resposta do trabalahdor, salvo se atenuarem a sua responsabilidade (artigo 357º, nº 3, parte final do CT), tal não significa que esteja impedido de invocar outros elementos probatórios que não considerou no processo disciplinar. E a invocação destes «outros» meios de prova não põem em causa o direito de defesa do trabalhador, pois este pode, na respectiva acção judicial, defender-se, exercendo o respectivo contraditório.
IV - O artigo 20º, nº 1 do Código do Trabalho consagra um princípio geral que consiste na proibição de o empregador utilizar quaisquer meios tecnológicos com a finalidade exclusiva de vigiar, à distância, o comportamento do trabalhador no tempo e local de trabalho ou o modo de exercício da prestação laboral.
V - A vigilância a que se refere a proibição deste princípio incide sobre o comportamento profissional do trabalhador no tempo e local de trabalho. Ao empregador é vedado controlar não apenas condutas que reentrem na esfera da vida privada do trabalhador [cfr. art. 16º], como vigiar ou fiscalizar o modo de execução da prestação laboral pelo trabalhador.
VI - “A utilização de meios de vigilância à distância só será lícita se e enquanto tiver por finalidade exclusiva a protecção de pessoas e bens. Protecção ou segurança dos sujeitos da relação de trabalho, de terceiros ou do público em geral, mas também de instalações, bens, matérias-primas ou processos de fabrico, nomeadamente. Significa isto que a vigilância não será permitida se tiver por finalidade última ou determinante o mero controlo do modo de execução da prestação laboral.
VII - Seja através de uma interpretação extensiva ou mediante uma interpretação actualista o dispositivo GPS instalado no veículo automóvel atribuído ao trabalhador deve ser englobado no conceito de meio de vigilância à distância no local de trabalho.
VIII - A geolocalização mediante a utilização do GPS pode ser utilizada com o objectivo de “protecção de pessoas e bens”, mas não pode servir de meio de controle desempenho profissional do trabalhador, uma vez que a respectiva utilização com esses objectivos comprime o direito à reserva da vida privada do trabalhador.
IX - A utilização do GPS – como equipamento electrónico de vigilância e controlo que é – e o respectivo tratamento, implica uma limitação ou restrição do direito à reserva da intimidade da vida privada, consignada no artigo 26.º n.º 1 da CRP, nomeadamente uma restrição à liberdade de movimento, integrando esses dados, por tal motivo, informação relativa à vida privada dos trabalhadores.
X - A utilização do GPS está sujeita à autorização da Comissão Nacional de Protecção de Dados.
XI - A consequência da utilização ilícita dos meios de vigilância à distância invalida a prova obtida para efeitos disciplinares. Assim, à luz do artigo 32º, nº 8 da Constituição da República Portuguesa, a prova produzida através desses registos é nula, uma vez que a sua aquisição, o seu tratamento e posterior utilização constitui uma evidente violação da dignidade e privacidade do trabalhador, não podendo, assim, a mesma ser utilizada como meio de prova em sede de procedimento disciplinar.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
Recurso de Apelação: nº 73/12.3TTVNF.P1 Nº 270
Relator: António José Ascensão Ramos
1º Adjunto: Des. Eduardo Petersen Silva
2º Adjunto: Des. João Diogo Rodrigues
Recorrente: B......
Recorrida: C...... –, S.A.
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I – RELATÓRIO
1.
B...... intentou, ao abrigo do artigo 98º-C, do Código de Processo do Trabalho, em conjugação com o artigo 387º do Código do Trabalho, a presente acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, contra C......, S.A., opondo-se ao seu despedimento ocorrido em 10.01.2012.
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2.
Foi realizada a audiência de partes, tendo-se frustrado a tentativa de conciliação.
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3.
A Ré[1] apresentou o articulado a que alude o artigo 98-J do CPT, alegando que o despedimento do Autor é lícito, uma vez que foi despedido com justa causa nos termos do disposto no artigo 128º e 351º, nº1 e 2, alíneas a), d), e), h) e m) do Código do Trabalho, pois o comportamento do autor torna impossível com efeitos imediatos a subsistência da relação de trabalho, posto que o trabalhador efectuou diversos desvios na sua rota de viagem de transporte de combustíveis, para locais que não constavam daquela, facto que obrigou ao pagamento de horas extraordinárias e que foi causador de prejuízos á empregadora.
Desobedeceu, pois, a ordens expressas e legitimas recebidas da sua entidade patronal, causou-lhe prejuízos sérios, revelou desinteresse repetido pelo cumprimento com a diligencia devida das suas obrigações, cometeu faltas quanto á observância de regras de segurança e reduziu anormalmente a sua produtividade, faltando à verdade no preenchimento das folhas de cálculo de ajudas de custo e horas extraordinárias.
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4.
O Autor respondeu ao articulado da Ré, nos termos do artigo 98º-L, nº 3 do CPT, alegando que na presente acção a Ré invoca factos que não se encontram insertos na nota de culpa ou na decisão de despedimento, pelo que, a atendendo ao disposto nos artigos 98º-J, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho e 387º, n.º 3 e 357º, n.º 4 do Código do Trabalho tais factos ser considerados para efeitos de sustentação da justa causa do despedimento do Autor.
Negou a prática dos actos que lhe foram imputados no procedimento disciplinar e pugnando pela impossibilidade de utilização dos registos de GPS do veículo por si conduzido por se tratarem de meios de controlo à distância da actividade do trabalhador.
Mais alegou que os registos do GPS, e outros documentos, não se encontravam juntos ao procedimento disciplinar quando o consultou.
Concluiu pela ilicitude do seu despedimento, tendo, ainda, deduzido reconvenção, através da qual peticiona a condenação da Ré a pagar-lhe:
i. A quantia de € 2 500,00 (dois mil e quinhentos euros), pelos danos não patrimoniais sofridos pelo Autor com a conduta da Ré, artigo 389º, n.º 1 alínea a) do Código do Trabalho;
ii. A indemnização por antiguidade correspondente a 30 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano de antiguidade ou fracção computada até ao trânsito em julgado da decisão do Tribunal, nos termos do artigo 391º do Código do Trabalho, a qual na data da propositura da acção ascende a € 26 622,18 (vinte e seis mil seiscentos e vinte e dois euros e dezoito cêntimos);
iii. A retribuição referente aos 30 dias anteriores à propositura da presente acção no montante de € 656,94 (seiscentos e cinquenta e seis euros e noventa e quatro cêntimos), artigo 390º, n.º 2 alínea b) do Código do Trabalho;
iv. O subsídio de férias vencidas em 1 de Janeiro de 2012, no montante de € 656,94 (seiscentos e cinquenta e seis euros e noventa e quatro cêntimos);
v. A retribuição das férias vencidas em 1 de Janeiro de 2012, no valor de € 656,94 (seiscentos e cinquenta e seis euros e noventa e quatro cêntimos);
vi. O subsídio de Natal, férias e subsídio de férias proporcionais ao tempo de trabalho prestado até à data da cessação do contrato de trabalho, no montante de € 82,13 (oitenta e dois euros e treze cêntimos);
vii. As ajudas de custo e horas extraordinárias relativas ao mês de Novembro de 2011, dos vencimentos em relativos ao mês de Dezembro de 2011 e de Janeiro de 2012 num total de € 1 133,17 (mil cento e trinta e três euros e dezassete cêntimos);
viii. O montante das retribuições vincendas desde a data da propositura da presente acção e até ao trânsito em julgado da decisão do Tribunal;
ix. As retribuições referentes a férias, subsídio de férias e subsídio de Natal que se vencerem desde a data da propositura da presente acção e até trânsito em julgado da decisão do Tribunal;
x. Os juros que se vencerem sobre tais quantias, à data no montante de € 397,39 (trezentos e noventa e sete euros e trinta e nove cêntimos);
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5.
A Ré respondeu impugnado a reconvenção deduzida pelo Autor, concluindo pela licitude do despedimento e pela improcedência do pedido reconvencional, alegando, ainda, que o GPS não pode ser visto como um sistema de controlo de vigilância à distância.
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6.
Foi proferido despacho saneador, onde se julgou “improcedente a excepção invocada de declaração de nulidade do processo disciplinar e da decisão proferida por falta de alegação de factos, quer na nota de culpa quer na decisão.”
Foi ainda seleccionada a matéria assente e a que constitui a base instrutória.
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7.
Foi realizada a audiência de julgamento, com gravação da prova pessoal.
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8.
Foi proferida sentença, cuja parte decisória tem o seguinte conteúdo:
“Nestes termos, o Tribunal julga a acção procedente e parcialmente procedente a reconvenção e, consequentemente:
a) declara lícito, por existência de justa causa, o despedimento do trabalhador B...... por C….. SA;
b) condena a empresa a pagar ao A., a título de créditos salariais, a quantia de 2.243,80 euros, acrescida de juros de mora contabilizados desde a data da citação da R., até integral pagamento, aplicando-se qualquer alteração que seja introduzida a esta taxa de juro até que aquele ocorra;
c) absolve a empresa reconvinda do restante pedido formulado, nomeadamente no que diz respeito à declaração da ilicitude do despedimento.
Custas da acção pelo trabalhador e pela empregadora (art. 446º do C. P. Civil), sem prejuízo do benefício do apoio judiciário concedido ao primeiro, na proporção do respectivo decaimento, fixando-se o da empregadora em 2.243,80 euros.
O Tribunal mantém o valor da acção já fixado.
Registe e notifique.”
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9
Inconformado com esta decisão dela recorre o Autor, pedindo que se revogue a sentença recorrida, tendo deduzido as seguintes conclusões:
A. O ora Recorrente intentou a presente acção peticionando que fosse declarada a ilicitude/irregularidade do seu despedimento operado pela sua entidade patronal aqui Recorrida, e invocando os direitos que lhe assistem na sequência da reclamada ilicitude do seu despedimento.
B. O argumentatório com base no qual o Recorrente fundamentou a sua lide foi por um lado, o facto de terem sido juntos à acção pela Recorrida documentos que não se encontravam juntos ao procedimento disciplinar quando o Recorrente o consultou, nomeadamente, o manual de motorista, os registos de GPS, entre outros,
C. E, por outro lado, o facto de os registos do GPS instalado no veículo conduzido pelo Recorrente ao serviço da Recorrida terem sido utilizados por este última como (principal) meio de prova no procedimento disciplinar (embora note-se sem que junto do mesmo se encontrassem os documentos físicos daqueles registos) e na acção judicial para sustentar a sua decisão de despedimento do Recorrente,
D. Quando tal não era possível visto tratar-se de um meio de vigilância/controlo à distância da actividade do trabalhador, violador dos direitos de personalidade deste último e por isso meio de prova ilegal.
E. Entende o Recorrente que daqueles argumentos resulta uma irregularidade do procedimento disciplinar que, irremediavelmente, conduz à ilicitude do despedimento em apreço nos presentes, conforme o Recorrente o peticionou.
F. O Tribunal de 1ª Instância, porém, considerou não existir qualquer obstáculo à utilização dos registos de GPS como meio de prova e,
G. Considerou provados a maioria dos factos que constituem justa causa do despedimento alegados pela Recorrida, pelo que considerou lícito o despedimento operado por que, no seu entendimento, com justa causa e com um procedimento disciplinar regular.
H. No que à Decisão sobre a Matéria de Facto diz respeito, o Recorrente, atendendo à prova produzida nos autos (testemunhal e documental), considera que os quesitos 41º, 43º, 48º e 49º da base instrutória deveriam ser considerados provados e o quesito 42º devia ter sido considerado totalmente provado e não apenas parcialmente provado.
I. Relativamente aos factos descritos nos quesitos 48º e 49º da base instrutória, os quais estão directamente relacionados com a problemática da consulta do procedimento disciplinar por parte do Recorrente nas instalações da Recorrida e da existência ou não junto do mesmo dos documentos juntos por esta última com o seu articulado, prestou depoimento a testemunha D......, do qual é forçoso admitir que de facto o Recorrente foi às instalações da Recorrida consultar o procedimento disciplinar, e que este não teria mais do que trinta páginas, pelo que não poderia dele fazer parte os documentos n.º 1 a 51 juntos pela Recorrida com o seu articulado.
J. Resulta ainda que no mesmo só se encontravam documentos de texto corrido e já não documentos tabelados ou com gráficos, pelo que nele não se encontrava um registo de GPS ou uma escala de serviço.
K. Assim, é manifesto que de facto junto ao procedimento disciplinar não se encontravam aqueles documentos juntos pela Recorrida com o seu articulado,
L. Razão pela qual deve a resposta aos quesitos 48º e 49º da Base Instrutória ser alterada por outra que os considere factos provados.
M. Relativamente à matéria inserta nos quesitos 41º, 42º e 43º da Base Instrutória, a mesma relaciona-se com o problema por um lado, de se determinar se o Recorrente sabia ou não que através do GPS a Recorrida registava os trajectos e distâncias pelo primeiro realizadas no camião que conduzia, o tempo e horários das paragens pelo mesmo efectuadas e que controlava a circulação do veículo e da mercadoria naquele camião transportada, e, por outro lado, de se saber se o Recorrente tinha ou não acesso aqueles registos.
N. Do depoimento da Testemunha E……, depreende-se que o Recorrente não sabia que o GPS instalado no camião por si conduzido registava trajectos e distâncias percorridas, horários e tempo das paragens pelo mesmo executadas, O. E que com o mesmo (GPS e respectivos registos) poderia a Recorrida controlar a circulação do camião e da mercadoria por ele transportada (não se confunda isto com a função que o GPS dispõe de se localizar o veículo).
P. É a própria testemunha que diz que o mesmo nunca foi comunicado ao Recorrente e aos demais trabalhadores, nomeadamente, nas formações havidas sobre o GPS.
Q. Do depoimento da testemunha F......, realça-se que de facto o Recorrente não tinha acesso nem nunca teve acesso aos registos do GPS, conforme aliás a própria Juiz conclui naquele sentido no decorrer da sua inquirição.
R. Face ao exposto não cabe a resposta dada pelo Tribunal de 1ª Instância aos quesitos 41º, 42º e 43º da Base Instrutória que deverá ser alterada por outra que os julgue totalmente provados.
S. Já no que concerne à Decisão da Matéria de Direito, o Recorrente pretende ver sindicada a questão da ausência de documentos junto do procedimento disciplinar e/ou da sua não junção ou junção tardia à acção judicial.
T. Em relação a esta questão, entendeu o Juiz a quo que o procedimento disciplinar operado pela Recorrida não padece de qualquer vicio, “tendo ou não o trabalhador consultado o processo (e não provou que o fez) e constando ou não do mesmo os documentos em causa (e não provou que não constassem)!”
U. Deveria no entanto ter sido dado como provado que o Recorrente consultou o procedimento disciplinar e que do mesmo não constavam os documentos que a Recorrida mais tarde veio juntar à acção judicial no seu articulado e com o quais sustentava/provava os factos reveladores da justa causa de despedimento.
V. Ao não ter junto qualquer documento de prova no procedimento disciplinar do Recorrente, e ao juntar ao processo judicial o procedimento disciplinar com documentos que não faziam parte do mesmo e não estavam juntos do procedimento disciplinar até àquele momento, fica afectado o direito de defesa do trabalhador, ora Recorrente o que gera a irregularidade do procedimento disciplinar e concomitantemente a ilicitude do despedimento do Recorrente, o que se requer.
W. Acresce ainda que o Recorrente apontou estar em falta no procedimento disciplinar quando o consultou, na sua resposta à nota de culpa e na sua Contestação, o Manual de Motorista.
X. O Juiz a quo, na sua decisão sobre a matéria de facto, classifica aquele documento como decisivo para a fundamentação da decisão da Recorrida de despedir o Recorrente.
Y. Ora, deveria a Recorrida juntar o procedimento disciplinar no prazo de 15 dias após tentativa de conciliação, nos termos do artigo 98º-I, n.º 4, alínea a) do Código de Processo do Trabalho, com a consequência de, se não o fizer, o Juiz declarar imediatamente a ilicitude do despedimento do trabalhador, de acordo com o artigo 98º-J, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho.
Z. O que é certo, é que o mesmo foi junto apenas no dia 04 de Julho de 2012 durante a terceira sessão da audiência de julgamento, o que só pode demonstrar que o Manual de Motorista não existia junto do procedimento disciplinar, pois se existisse junto do procedimento disciplinar a Recorrida o teria junto também com o seu articulado.
AA. Razão pela qual, e sendo aquele documento um suporte fulcral no âmbito do processo disciplinar que resultou no despedimento do Recorrente, deverá da sua ausência resultar a nulidade do procedimento disciplinar por violação do direito de defesa do Recorrente e consequentemente a ilicitude do referido despedimento.
BB. Sem conceder, sempre se deverá considerar incumprida a obrigação que impendia sobre a Demandada prevista no artigo 98º-I, n.º 4, alínea a) do Código de Processo do Trabalho, uma vez que assim sendo a Recorrida não juntou à acção judicial o procedimento disciplinar, mas parte dele,
CC. O que necessariamente deverá ter como consequência o estatuído no n.º 3, do artigo 98º-J do mesmo diploma legal, isto é, a declaração pelo Tribunal da ilicitude do despedimento no caso do Recorrente, sentido no qual deveria o Juiz a quo ter decidido, alteração que se requer à Sentença pelo mesmo prolatada.
DD. Ainda quanto à Decisão da Matéria de Direito, o Recorrente pretende ver sindicada a questão dos registos do GPS como meio de vigilância à distância para controlo da prestação de trabalho e a sua proibição com meio de prova em procedimento disciplinar.
EE. Quanto a esta questão, refere o próprio Juiz na sua decisão de que o GPS e os seus registos podem ser utilizados como meio de prova da localização do trabalhador em procedimento disciplinar para despedimento do mesmo.
FF. Em relação ao primeiro dos argumentos utilizados pelo Juiz a quo para sustentar o seu entendimento, o de que o GPS permite tão só a localização, em tempo real, do veículo, e que do mesmo não resulta nem uma violação dos direitos de personalidade do trabalhador, aqui Recorrente, nem uma ingerência ou devassa da vida privada do mesmo, não pode o Recorrente concordar.
GG. Impõe-se portanto determinar por um lado, se o GPS é ou não um meio de vigilância à distância susceptível de lhe ser aplicado o preceituado no artigo 20º do Código do Trabalho.
HH. Ora, o conceito de meios de vigilância à distância é flexível, e integram este conceito todos os meios que permitem um controlo e uma vigilância permanente, atentatórios e vexatórios dos direitos de quem é alvo dos mesmos, por que muitos deles são imperceptíveis.
II. Ainda que o sistema GPS não permita afectar o direito à imagem, tem o mesmo a virtualidade de afectar os demais direitos que integram os direitos de personalidade do trabalhador (entre eles o direito à reserva da vida privada), pois o mesmo permite pois conhecer a localização exacta do trabalhador, os tempos de permanência do mesmo em determinado local, o que existe nesse local, os percursos realizados e por onde, etc., possibilitando assim uma maior intromissão na esfera privada do trabalhador, maior do que qualquer outro sistema de controlo, pois acompanha sempre o trabalhador, mesmo nas horas do seu descanso ou refeição, sabendo sempre o empregador onde aquele se encontra.
JJ. Este controlo contínuo, possível através do GPS, afecta o direito geral de personalidade do trabalhador, e gera ainda no mesmo uma enorme pressão e se enquadrável em termos disciplinares capaz de incutir nos trabalhadores um temor reverencial ao ponto de colidir com a liberdade e dignidade daqueles, entre outros, pela sensação de perseguição que irá impor.
KK. Deste modo, não podem restar dúvidas que o GPS deve ser considerado um meio de vigilância à distância, sujeito à proibição prevista no artigo 20º do Código do Trabalho.
LL. Importa ainda determinar, por outro lado, se pelo controlo que o GPS permitiu à Recorrida e que a mesma operou da prestação de trabalho do Recorrente no âmbito do procedimento disciplinar resultaram ou não violados os direitos de personalidade e da vida privada do trabalhador controlado (o Recorrente) nos termos do disposto no citado artigo.
MM. Foi só com a informação resultante do GPS, que a Recorrida conseguiu estruturar o procedimento disciplinar que instaurou contra o Recorrente e provar os factos no mesmo alegados reveladores da justa causa de despedimento daquele.
NN. Ora, aquele meio de prova constitui uma violação do disposto no artigo 20º, n.º 1 do Código do Trabalho, porque o trabalhador, aqui Recorrente, corre o risco de se ver prejudicado pelos dados inexatos ou incompletos fornecidos por aqueles registos, além de que a sua descontextualização, impossível de afastar com recurso às escalas de serviço e até aos registos dos tacógrafos, permite a distorção da informação referida.
OO. A Recorrida usou os registos gerados por aquele equipamento para obter os trajectos e distâncias percorridas e tempos horários e locais de paragem efectuados pelo camião do Recorrente e aproveitou os mesmos para controlar a prestação do trabalho por parte do Demandante, conseguindo informação apenas possível mediante o recurso àqueles registos (e, impossível no caso em concreto por recurso a qualquer outro meio tecnológico ou não, nomeadamente o tacógrafo),
PP. Todo o procedimento disciplinar, a presente acção judicial e consequentemente o despedimento do Demandante foram alicerçados naqueles registos e controlo, que em suma consistiu na visualização e fiscalização de todos os registos provenientes do GPS e, que não conseguiria de outra forma.
QQ. Não se pode portanto concordar com o Tribunal de 1ª Instância, quando o mesmo, para sustentar a sua posição em relação ao GPS, afirma que não é possível dizer que o GPS visa vigiar ou controlar o trabalhador RR. É que, para além de o GPS permitir saber onde o condutor/trabalhador se encontra e se está parado ou em circulação (e também por que caminhos e estradas andou),
SS. Permite igualmente saber o que o condutor faz, pois no âmbito do procedimento disciplinar que correu contra o Recorrente, saber o que o mesmo estava a fazer era precisamente saber por onde andou o Recorrente, por que estradas circulou, em que locais esteve parado, entre outros, pois foi com base nisso que se fundamentou o despedimento do Recorrente.
TT. Assim, a Recorrida não podia ter lançado mão do GPS e dos registos deste para controlar o desempenho profissional do Demandante (proíbe-o o artigo 20º, n.º 1), muito menos o podia ter feito para sindicar disciplinarmente o comportamento do Demandante.
UU. Ao fazê-lo é ilícita e nula a prova produzida com base nos mesmos, não podendo ser valorada pelo que é inválido o procedimento disciplinar que conduziu ao despedimento do Demandante que, consequentemente, deve ser considerado ilícito atendendo ao disposto nos artigos 381º e 382º do Código do Trabalho.
VV. Acresce que, o Tribunal de 1ª Instância parece confundir o supra mencionado com uma questão absolutamente diferente e que consiste em saber se a Recorrida podia ou não instalar e usar um GPS no camião conduzido pelo Recorrente.
WW. Nada impedia ou impede a Recorrida de utilizar meios de vigilância à distância em geral (nomeadamente, câmaras de vigilância, GPS ou outros), instalados no local de trabalho dos seus trabalhadores, desde que o faça para a protecção e segurança de pessoas e bens (princípio da finalidade previsto no artigo 20º, n.º 2 do Código do Trabalho), e sujeito a autorização da Comissão Nacional de Protecção de Dados para o efeito (artigo 21º, n.º 1 do Código do Trabalho), o que a Recorrida não tinha.
XX. Aceita-se pois a utilização do GPS para localizar o camião conduzido pelo Recorrente e o combustível pelo mesmo transportado naquele, para protecção e segurança de bens de que a Recorrida era proprietária e, desde que autorizado pela Comissão Nacional de Protecção de Dados, o que conforme referido não existia.
YY. Já não se aceita a utilização daquele meio e os registos obtidos do mesmo para fins diferentes dos que justificam a sua recolha e registo e que em nada têm que ver com a protecção de pessoas e bens
ZZ. E o facto de ter sido dado conhecimento ao Recorrente da instalação do GPS no seu camião (como ficou provado) em nada afecta o supra exposto que se mantém integralmente, na medida em que dali não resulta válida qualquer forma de controlo do desempenho profissional do trabalhador que se faça por aquele meio.
AAA. Em relação ao segundo dos argumentos utilizados pelo Juiz a quo para sustentar o seu entendimento, o de que através dos registos do tacógrafo do camião conduzido pelo Recorrente seria possível chegar às mesmas conclusões e demonstrar os mesmos factos que se provou através do GPS e dos seus registo, e que sendo o tacógrafo um mecanismo de instalação até obrigatória em veículos como o conduzido pelo Recorrente, não existe no entendimento do Juiz a quo razão para considerar o GPS e até o tacógrafo como meio de vigilância à distância,
BBB. Erra o Tribunal a quo quando faz esse entendimento, pois nunca o tacógrafo ou os seus registos permitiam desvendar a deslocação a locais não previstos e a utilização de percursos (no sentido de tipo de estrada, exemplo nacional, autoestrada e outros) não autorizados segundo as instruções contidas no Manual de Motorista.
CCC. Mais, não é por o tacógrafo ser um mecanismo de instalação obrigatória em veículos como o que o Recorrente conduzia que pode ser afastada a hipótese do mesmo ser considerado um meio de vigilância à distância, violador ou não do disposto no artigo 20º do Código do Trabalho se do mesmo resultar uma violação dos direitos de personalidade dos trabalhadores em geral.
DDD. Tal não é possível aferir nos presentes autos atendendo a que nos mesmos não é feita qualquer referência ao tacógrafo, ao que se adivinha, instalado no camião conduzido pelo Recorrente e aos registos pelo mesmo gerados, nem foi junto qualquer documento com aquele relacionado.
EEE. Não pode um Juiz, como o faz o Juiz a quo, sustentar e tomar decisões com base em elementos que não existem no processo, nem nos mesmos foram alegados, na medida em que nesse caso estará a entrar no campo da adivinhação.
FFF. Razão pela qual, se não por outra deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente e procedente porque provada a presente acção, do mesmo resultando entre outros ser declarado ilícito o despedimento do Recorrente, operado pela Recorrida com as repectivas consequências legais.
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10.
A Ré contra-alegou, alegando que a sentença não merece qualquer censura, pelo que o recurso deve ser julgado improcedente, tendo apresentado as seguintes conclusões:
I – A Recorrente impugna a decisão do Tribunal a quo sobre a matéria de facto, concretamente os quesitos 41º, 43º, 48º e 49º que, no seu entender, deveriam ser considerados provados e, ainda o quesito 42.º que deveria ser considerado totalmente provado.
II- Mas, não lhe assiste qualquer razão, pois a motivação da decisão da matéria de facto proferida pelo Tribunal a quo, está coerentemente fundada, e a valoração efetuada pela Juíza, a partir dos depoimentos prestados, inscreve-se no princípio da livre apreciação da prova.
III- Alega o recorrente que os quesitos 48º e 49º (relacionados com a problemática da consulta do procedimento disciplinar, pelo autor/recorrente) teriam resposta contrária se o depoimento da testemunha, D...... (que transcreve e aqui se dá por reproduzido, por brevitatis causa) tivesse sido apreciado segundo o que propugna nos pontos 23 a 41 das suas alegações.
IV- Apesar de extensas “as ilações que friamente”, o recorrente retira do depoimento da aludida testemunha, são ilações totalmente destituídas de substrato contextual, com falta de raciocínio lógico e fundamentalmente não foi tido em linha de conta o depoimento de parte prestado pelo autor/recorrente.
V- Ora, perante tal descalabro ilativo, não pode senão serem aceites as respostas que a Mma. Juíza a quo, de forma escorreita deu aos quesitos em apreço (não provados).
VI - Além do mais a Mma. Juíza a quo formulou (e bem) a sua convicção apreciando o conjunto da prova produzida, considerando decisivo o depoimento de parte prestado pelo autor/recorrente.
VII- Nesse depoimento, que se encontra gravado em suporte digital, o recorrente admite ter alterado os trajetos que lhe haviam sido fixados na ordem de serviço, bem como admite que esteve nas localidades de Trofa e Vila do Conde, ou seja, confirmou os registos do GPS.
VIII- Sendo certo, que a apreciação da prova é condicionada pelos princípios da imediação e da livre apreciação da prova por parte do julgador.
IX- Resulta, assim, que aqueles princípios conferem imparcialidade à apreciação do julgador e tornam difícil senão impossível a sua sindicância.
X- Logo, perante o vazio argumentativo do recorrente, bem como a inexistência de razão de ciência que, a Mma. Juíza a quo, atribuiu ao depoimento da testemunha não se concebe que o Tribunal ad quem, reexaminando, de per se, o dito depoimento, perfilhe de interpretação contrária à da Mma Juíza a quo.
XI- Relativamente à impugnação da matéria dos quesitos 41,42º e 43º o recorrente consolida a sua impugnação com os depoimentos das testemunhas, E...... e F......, (que transcreve e aqui se dão por reproduzidos, por brevitatis causa).
XII- E apenas com o reexame desses depoimentos pretende que o Tribunal ad quem altere as respostas dadas pela Mma. Juíza a quo, que por sua vez alicerçou a sua convicção no conjunto da prova produzida.
XIII- Olvida, propositadamente, o recorrente o seu depoimento de parte prestado em audiência de julgamento, o qual foi primordial e decisivo para formar a convicção da Mma. Juíza a quo, concretamente a seguinte passagem retirada da sua motivação e que aqui se deixa transcrita: “… Quanto ao que o A. sabia ou não sobre os registos de GPS, aos quais, segundo as testemunhas da própria empregadora, não tinha tido acesso anterior, é o próprio trabalhador que, na resposta à nota de culpa, fls. 101, artº.4º, faz referência à sua existência para verificação dos factos que lhe eram imputados na nota de culpa, admitindo-se assim que sabia bem mais do que admitiu agora no processo sobre os elementos registados”.
XIV- Bem como ignora o recorrente os documentos juntos aos autos pela empresa Petrogal que referem que não houve qualquer alteração à escala de serviço nos dias em que o recorrente diz ter-se deslocado a Vila do Conde e á Trofa.
XV- Assim, as alegações do recorrente caiem num vazio e, por isso, o Tribunal ad quem só pode rejeitar a alteração da matéria de facto impugnada e, consequentemente, manter as respostas aos quesitos dadas pela Mma. Juíza a quo.
XVI- Ademais, é pertinente afirmar que o recorrente não teve em conta o ónus de alegar prescrito no art.º 685º-A do C.P.C., concretamente não apresentou as suas alegações de forma sintética, com indicação precisa dos fundamentos em que estriba o seu pedido de alteração da decisão da matéria de facto em apreço.
XVII- Quanto à impugnação da matéria de direito que a recorrente limita a dois pontos:
Da ausência de documentos junto do Procedimento Disciplinar e/ou da sua não junção ou junção tardia à Ação Judicial” e Do GPS e seus registos como meio de vigilância à distância para controlo da prestação de trabalho e a sua proibição como meio de prova em procedimento disciplinar”.
XVIII- Neste conspecto, o recorrente alega, confusamente, ou seja, fá-lo formal e substancialmente como se estivesse a articular a ação judicial, pedindo a prestação jurisdicional, quando devia (e tão só) pedir o reexame da decisão do Tribunal a quo, pois, como é sabido, o recurso é mero prolongamento do exercício de direito de ação.
XIX- Da alegada ausência de documentos”, é uma inverdade absoluta, pois o recorrente consultou o procedimento disciplinar, na sede da recorrida, e teve acesso a todos os documentos que serviram para instruir o procedimento, e se mais não viu ou consultou foi porque não lhe aprouve nem necessitou para responder à nota de culpa.
XX- No entanto, ainda que os documentos não se encontrassem juntos ao procedimento disciplinar (que não era o caso sub judice) nunca constituiria violação do direito de defesa do recorrente.
XXI- Nem acarretaria a nulidade do procedimento disciplinar, uma vez que a temática factual estava devidamente especificada na nota de culpa e em todo o procedimento que o recorrente teve a oportunidade de consultar.
XXII- Ademais, embora o processo disciplinar de despedimento esteja sujeito a determinado formalismo, a lei não prevê quaisquer preclusões de natureza processual.
XXIII- Acresce que, para a impugnação do despedimento com base em invalidade do procedimento disciplinar, não basta que o procedimento disciplinar sofra de uma qualquer situação de invalidade. É também necessário, cumulativamente, que o despedimento seja impugnável com base numa situação concreta que determine a invalidade de todo o procedimento disciplinar, ou seja, que o despedimento seja ilícito, nos termos legais, por causa da invalidade de todo o processo disciplinar, nestes termos Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18/10/2007, em que é Relator Azevedo Mendes – Proc.º n.º 555/06.6TTCBR.C1, in www.dgsi.pt.
XXIV- Assim, de nenhum vício padece o procedimento disciplinar, sendo lícito o despedimento.
XXV- Relativamente á problemática “Do GPS Como Meio de Vigilância à Distância” o recorrente alega que o Tribunal a quo “está errado e distante da realidade da vigilância/controlo à distância da prestação do trabalho do trabalhador “, mas, efetivamente, quem está errado ou parece não conhecer o que são meios tecnológicos de vigilância à distância no local de trabalho é o próprio recorrente.
XXVI- Desde logo, porque trata do equipamento de GPS como se estivesse a referir-se a câmaras de filmar ou sistema adequado a gravar imagens e a controlar o desempenho do trabalhador.
XXVII- Ora, o GPS traduz-se numa forma de vigilância genérica, destinado a detetar factos, situações ou acontecimentos incidentais, e não numa vigilância directamente dirigida aos postos de trabalho ou ao campo de ação dos trabalhadores, neste sentido, Acórdão do STJ de 27-05-2008, in www.dgsi. pt..
XXVIII- No caso em apreço, o GPS foi instalado no camião atribuído ao recorrente, por imposição da Petrogal (entidade que contratou á recorrida a prestação de serviços de transporte de combustíveis), e com a finalidade de proteger a segurança de pessoas e bens, atendendo às particulares exigências inerentes à natureza da atividade (in casu, transporte de combustíveis, matéria perigosa a que se aplicam regras especiais, designadamente as constantes do Manual do Motorista), neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18.05.2005, in CJ, Ano XXX, Tomo III, pág. 143.
XXIX- Veritas, o sistema de GPS instalado no veículo automóvel atribuído ao recorrente, permitia controlar a localização daquele veículo e os respetivos percursos, bem como referenciar, embora por forma indireta, a localização geográfica do trabalhador, enquanto este permanecesse na viatura, conclusões a que se chegaria através dos registos obtidos através do Tacógrafo instalado obrigatoriamente no veículo ou até do dispositivo da via verde.
XXX- Acresce que, uma vez que a atribuição ao recorrente do veículo é limitada às necessidades do serviço, está afastado qualquer controlo da sua vida privada, neste sentido, Acórdão do STJ de 22.05.2007, Relator Pinto Hespanhol, in www.dgsi.pt.
XXXI- Assim, dúvidas não restam que o GPS não é considerado um meio tecnológico de vigilância à distância no local de trabalho e, por isso, está legitimado o seu uso por força do disposto no n.º 2 do art.º 20.º do C.T..
XXXII- Bem como é legal à recorrida utilizar os registos disponibilizados pelo GPS, instalado no veículo atribuído ao recorrente, como meio de prova em sede de procedimento disciplinar.
XXXIII- Daí que, não se pode exigir à recorrida que mantenha ao seu serviço o recorrente que não cumpriu, ostensivamente, as suas funções e as ordem legais que lhe foram transmitidas, porquanto essa conduta representa uma grave quebra da disciplina, incompatível com a organização da recorrida e com o desenvolvimento dos fins por ela prosseguidos.
XXXIV- Mais, o comportamento do recorrente, nas circunstâncias concretas em que se verificou, tornou, pela sua gravidade, imediata e impossível a subsistência da relação laboral, afetando a relação de confiança que deve existir entre a empregadora e o trabalhador e gerando fundadas dúvidas sobre a idoneidade futura do desempenho das suas funções.
XXXV- Pelo que, o comportamento do recorrente é ilícito e culposo e, por isso, preenche a invocada justa causa de despedimento e legitima a sanção aplicada, a qual, no dito contexto, se mostra adequada e proporcional à gravidade das infracções cometidas pelo recorrente.
XXXVI- Por isso, contrariamente ao que defende o recorrente (sem qualquer base legal) bem andou a Mma Juíza a quo, proferindo a douta decisão que irá, com toda a certeza, ser confirmada pelo Tribunal ad quem.
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11.
A Ex.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta deu o seu parecer no sentido de que ao recurso deve ser negado provimento.
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12.
Colhidos os vistos legais foi o processo submetido à conferência para julgamento.
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II – QUESTÕES A DECIDIR

Como é sabido o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da recorrente, nos termos do disposto nos artigos 684º, nº 3, e 685º-A, nº 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do disposto nos artigos 1º, nº 2, al. a), e 87º do Código de Processo do Trabalho, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso (artigo 660º, nº 2). Assim, dentro desse âmbito, deve o tribunal resolver todas as questões que as partes submetam à sua apreciação, exceptuadas as que venham a ficar prejudicadas pela solução entretanto dada a outras (artigo 660.º, n.º 2, do CPC), com a ressalva de que o dever de resolver todas as questões suscitadas pelas partes, este normativo, não se confunde nem compreende o dever de responder a todos os “argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes”, os quais, independentemente da sua respeitabilidade, nenhum vínculo comportam para o tribunal, como resulta do disposto no artigo 664.º do Código de Processo Civil[2].
De modo que, tendo em conta os princípios antes enunciados e o teor das conclusões formuladas pela apelante, os fundamentos opostos à sentença recorrida as questões a decidir são as seguintes:
1º- IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO: CONSIDERAR «PROVADOS» OS QUESITOS 41º, 43º, 48º E 49º DA BASE INSTRUTÓRIA E «PROVADO» NA TOTALIDADE O QUESITO 42º TAMBÉM DA BASE INSTRUTÓRIA.
2º- SABER SE O PROCESSO DISCIPLINAR SOFRE DE IRREGULARIDADE, PELO FACTO DE TEREM SIDO JUNTOS À ACÇÃO PELA RECORRIDA DOCUMENTOS QUE NÃO SE ENCONTRAVAM JUNTOS AO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR QUANDO O RECORRENTE O CONSULTOU E DAÍ RESULTANDO UMA INCONTORNÁVEL LIMITAÇÃO DO DIREITO DE DEFESA.
3º- DA (IN)VALIDADE DA PROVA OBTIDA MEDIANTE OS REGISTOS DO GPS INSTALADO NO VEÍCULO CONDUZIDO PELO RECORRENTE AO SERVIÇO DA RECORRIDA.
4º- DA (I)LICITUDE DO DESPEDIMENTO DO AUTOR.
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III – FUNDAMENTOS
1.
SÃO OS SEGUINTES OS FACTOS QUE A SENTENÇA RECORRIDA DEU COMO PROVADOS:
A - O trabalhador possuía um telemóvel fornecido pela entidade patronal, que devia permanecer ligado para se manter em contacto com a entidade patronal e a Petrogal e para poder receber destas chamadas e instruções para o desempenho das suas tarefas, bem como para comunicar as ocorrências derivadas do desempenho das suas tarefas.
B - Ao trabalhador foi distribuído há mais de 12 meses o veículo ..-AG-...
C - O trabalhador tem já precedentes disciplinares, tendo-lhe sido aplicada em 29/11/2004 uma pena disciplinar de 10 dias de suspensão sem vencimento que cumpriu, nos termos da decisão de fls. 96, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido
D - A empregadora elaborou a nota de culpa de fls. 110 e sgs., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzida.
E - A nota de culpa referida foi enviada ao Autor em 20/12/2011 e recepcionada por este a 22/12/2011.
F - O trabalhador respondeu à nota de culpa nos termos de fls. 100 e segs., cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido, não tendo sido apresentado ou requerido qualquer meio de prova.
G - A empregadora elaborou a decisão de fls. 124 e sgs., datada de 10/01/2012, concluindo pelo despedimento do trabalhador com justa causa, nos termos que constam da mesma e que aqui se consideram integralmente reproduzidos.
H - Em 10/01/2012, o trabalhador auferia a quantia mensal de € 656,94, sendo € 582,06 de retribuição base e € 74,88 de diuturnidades.
I - O trabalhador foi admitido para trabalhar sob as ordens, direcção e fiscalização da empregadora para exercer as funções de motorista em 27/01/1987.
J - O trabalhador encontrava-se afecto ao serviço de transporte de combustível da Petrogal, tendo-se obrigado através das respectivas acções formativas, normas internas e Manual do Motorista, a cumprir todos os procedimentos contratualizados com esta empresa.
L - Todos os dias carregava a mercadoria nas instalações da Petrogal, e recebia instruções precisas para descarregar a mesma nos clientes daquela previamente anunciados.
M - O trabalhador sempre esteve obrigado a cumprir as instruções da Petrogal, utilizando os equipamentos fornecidos por esta ou os fornecidos pela entidade patronal, e cumprindo as instruções do Manual do Motorista que conhece.
N - A actividade de cada motorista da empregadora é espelhada no relatório diário detalhado (equipamento Masternaut/GPS) e escala de serviço, folha de cálculo de ajudas de custo e horas extraordinárias.
O - A escala de serviço determina as tarefas a cumprir em cada dia e o equipamento Masternault/GPS regista, através de equipamento instalado no veículo, os trajectos percorridos, distâncias, tempos de paragem e horários.
P - Por vezes a escala de serviço era alterada por iniciativa da Petrogal e comunicada ao motorista, existindo documento escrito que permitia a deslocação do combustível para os clientes que não constassem inicialmente da escala de serviço, documento esse que era emitido pelo próprio motorista, mediante as instruções dadas pela Petrogal.
Q - As indicações que eram dadas ao trabalhador pela empregadora eram o nome e a morada dos clientes da Petrogal que eram para abastecer e a quantidade de combustível que era para fornecer a cada um daqueles clientes naquelas moradas.
R - Essa informação constava da escala de serviço emitida diariamente.
S - O uso do equipamento GPS estava reservado à empregadora e à Petrogal, podendo os registos ser consultados pelos trabalhadores, mas não tendo tido, antes destes factos, o trabalhador A. acesso a estes.
T - Os relatórios diários a que a empregadora se reporta correspondem aos registos de GPS e o trabalhador, antes destes factos, não teve acesso a eles.
U - No dia 02 de Dezembro de 2011 a empregadora foi contactada pelo programador da Petrogal que alegou pretender contactar o motorista do veículo ..-AG-../L160382, B......, e que não conseguia, pois tinha o seu telemóvel de serviço desligado, ou inacessível.
V - Os serviços da empregadora tentaram o contacto com o trabalhador em causa, mas pelas mesmas razões tal foi impossível.
X - Socorrendo-se da consulta ao equipamento Masternault/GPS, o quadro da entidade patronal responsável pelo tráfego verificou que o referido veículo conduzido pelo trabalhador circulava em área que não era abrangida pelo percurso que lhe foi destinado naquele dia.
Z - Nesse dia o trabalhador deveria carregar a mercadoria na refinaria da Petrogal em Matosinhos e dirigir-se para sul: Vila Nova de Gaia, Albergaria-a-Velha, Vila Nova de Paiva, Arouca e Branca.
AA - Nesse dia, o trabalhador, contrariando as instruções recebidas, dirigiu-se por duas vezes á localidade de Vila do Conde, não estando no seu trajecto, nem no seu destino definido pela ordem de serviço respectivo, deslocar-se a esta localidade.
BB - Nessa localidade – Vila do Conde – fez duas paragens, uma de manhã outra de tarde com a duração respectiva de 0,50 e 1h,06 minutos.
CC - Ao longo de todo o dia de 02 de Dezembro de 2011 os serviços de tráfego tentaram ligar via telemóvel com o motorista, o que foi impossível pois este nunca atendeu.
DD - Pelas 20 horas do referido dia 02/12 quando o trabalhador regressou às instalações da empresa foi confrontado com os factos referidos, questionando-o porque não tinha o telemóvel disponível e porque circulou injustificadamente fora da sua área de serviço.
EE - O trabalhador B...... mostrou-se então constrangido e limitou-se a dizer quanto ao telemóvel, que o tinha deixado em casa e quanto ao facto de ter circulado por trajectos não previstos e fora da sua área de serviço que tinha ido almoçar com um amigo.
FF - Perante estes factos, fizeram-se várias pesquisas, tendo-se verificado que no dia 09/09/2011 estava destinado pela respectiva escala de serviço que após carregar a mercadoria na Petrogal se dirigisse para Viseu, quando, contrariando essa instrução, se dirigiu para a Trofa, mais concretamente para a Rua ……, onde permaneceu 1,40h.
GG - No dia 13/09/2011 estava destinado pela respectiva escala de serviço que após carregar a mercadoria na Petrogal se dirigisse para Vila Nova de Gaia – S. Pedro do Sul, quando, contrariando essa instrução, se dirigiu para a Vila do Conde, onde permaneceu parado cerca de 1,00h.
HH - No dia 16/09/2011 estava destinado pela respectiva escala de serviço que após carregar a mercadoria na Petrogal se dirigisse para Arouca, quando, contrariando essa instrução, se dirigiu para a IC1 – Vila do Conde, onde permaneceu cerca de 1,00h.
II - No dia 19/09/2011 estava destinado pela respectiva escala de serviço que após carregar a mercadoria na Petrogal se dirigisse para Viseu, quando, contrariando essa instrução, se dirigiu para a Trofa (Estrada nº 14), onde permaneceu cerca de 0,20m.
JJ - No dia 27/09/2011 estava destinado pela respectiva escala de serviço que após carregar a mercadoria na Petrogal se dirigisse para Mira e Figueira de Foz, quando, contrariando essa instrução se dirigiu para a Rua ......, Trofa, onde permaneceu cerca de 0,37m.
LL - No dia 28/09/2011 estava destinado pela respectiva escala de serviço que após carregar a mercadoria na Petrogal se dirigisse para Aveiro, quando, contrariando essa instrução, se dirigiu para a IC1 Vila do Conde, onde permaneceu cerca de 49m.
MM - No dia 30/09/2011 estava destinado pela respectiva escala de serviço que após carregar a mercadoria na Petrogal se dirigisse para Vila do Conde, quando, contrariando essa instrução, se dirigiu para a Vila Conde, onde permaneceu cerca de 55m.
NN - No dia 07/10/2011 estava destinado pela respectiva escala de serviço que após carregar a mercadoria na Petrogal se dirigisse para S. João da Madeira, quando, contrariando essa instrução, se dirigiu para a Vila Conde, onde permaneceu cerca de 0,50m.
OO - No dia 13/10/2011 estava destinado pela respectiva escala de serviço que após carregar a mercadoria na Petrogal se dirigisse para Albergaria e Seia, quando, contrariando essa instrução, se dirigiu para a Trofa, onde permaneceu cerca de 0,49m.
PP - No dia 17/10/2011 estava destinado pela respectiva escala de serviço que após carregar a mercadoria na Petrogal se dirigisse para Pena Cova e Santa Comba Dão, quando, contrariando essa instrução, se dirigiu para a Vila do Conde, onde permaneceu cerca de 1h,08m.
QQ - No dia 25/10/2011 estava destinado pela respectiva escala de serviço que após carregar a mercadoria na Petrogal se dirigisse para Vila Nova de Gaia, quando, contrariando essa instrução, se dirigiu para a Trofa (Rua ….), onde permaneceu cerca de 1h,16m.
RR - No dia 28/10/2011 estava destinado pela respectiva escala de serviço que após carregar a mercadoria na Petrogal se dirigisse para Vila Nova de Gaia, Estarreja e Aveiro, quando, contrariando essa instrução, se dirigiu para a Vila do Conde, onde permaneceu cerca de 57m da parte da manhã, voltando a esta localidade da parte de tarde, onde permaneceu 0,44m.
SS - No dia 02/11/2011 estava destinado pela respectiva escala de serviço que após carregar a mercadoria na Petrogal se dirigisse para Oliveira de Frades e Sever do Vouga, quando, contrariando essa instrução, se dirigiu para a Trofa onde permaneceu na Rua …. cerca de 15m e na Rua ….. de 39m, ambas estas localidades da Trofa.
TT - No dia 04/11/2011 estava destinado pela respectiva escala de serviço que após carregar a mercadoria na Petrogal se dirigisse para Vila Nova de Gaia, quando, contrariando essa instrução se dirigiu para Vila do Conde, onde permaneceu cerca de 0,51m.
UU - No dia 10/11/2011 estava destinado pela respectiva escala de serviço que após carregar a mercadoria na Petrogal se dirigisse para Vila Nova de Gaia e Cantanhede, quando, contrariando essa instrução se dirigiu para Rua …., Trofa, onde permaneceu cerca de 0,47m.
VV - No dia 11/11/2011 estava destinado pela respectiva escala de serviço que após carregar a mercadoria na Petrogal se dirigisse para Castelo de Paiva, quando, contrariando essa instrução, se dirigiu para IC1 Vila do Conde, onde permaneceu cerca de 0,46m.
XX - No dia 17/11/2011 estava destinado pela respectiva escala de serviço que após carregar a mercadoria na Petrogal se dirigisse para Mealhada, quando, contrariando essa instrução, se dirigiu para Rua ...... – Trofa, onde permaneceu cerca de 0,48m.
ZZ - No dia 25/11/2011 estava destinado pela respectiva escala de serviço que após carregar a mercadoria na Petrogal se dirigisse para Penacova e Mortágua, quando, contrariando essa instrução, se dirigiu para Rua ......, Trofa, onde permaneceu cerca de 0,45m.
AAA - Estas deslocações á Trofa e a Vila do Conde não constavam de alterações á escala de serviço.
BBB - Nestas deslocações, o trabalhador B...... percorreu um total de 866,20 quilómetros não justificados, saindo do trajecto que permitiria a deslocação do veículo da Petrogal aos clientes de cada desses dias, despendendo 49 horas em paragens que não se encontram justificadas nas ordens de serviços e que contabilizou como tempo de trabalho, consequentemente, pago, determinando ainda o pagamento de horas extraordinárias e ajudas de custo acrescidas.
CCC - Os quilómetros percorridos a preço de tabela praticados pela empresa atingiram pelo menos o valor de € 866,20.
DDD - O trabalhador com os referidos procedimentos expôs o veículo e a respectiva carga a riscos não previstos e se ocorresse algum acidente seria a empregadora C...... , SA a responsável pelo mesmo, perante a sua cliente e proprietária da mercadoria transportada.
EEE - Os comportamentos do trabalhador poderão pôr em causa as relações com a cliente Petrogal, que não deixará de tomar os seus procedimentos.
FFF - O trabalhador vivia dos rendimentos do seu trabalho.
GGG - O trabalhador receia não encontrar novo emprego.
2.1.
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
2.1.1.
Discordando, como discorda, o apelante da matéria de facto dada como provada e não provada, terá que dar cumprimento a determinadas normas.
Assim:
Dispõe o artigo 685.º-B, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, o seguinte:
1 — Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
2 — No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 522.º-C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.

Por sua vez, estabelece o n.º 2 do artigo 522.º-C do mesmo diploma, o seguinte:
Quando haja lugar a registo áudio ou vídeo, devem ser assinalados na acta o início e o termo da gravação de cada depoimento, informação ou esclarecimento, de forma a ser possível uma identificação precisa e separada dos mesmos.

Por último e ainda do mesmo diploma, dispõe o artigo 712.º, n.º 1, alínea a):
1 — A decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação:
a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 685.º-B, a decisão com base neles proferida.

Compulsando as alegações de recurso, apesar de alguma imperfeições, o apelante dá cumprimento a estes ónus, pelo que inexiste qualquer obstáculo à apreciação desta questão recursal.
2.1.2.
A reapreciação, pela Relação, com base em meios de prova com força probatória não vinculativa, da decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto deverá ser feita com o cuidado e ponderação necessárias, face aos princípios da oralidade, imediação e livre apreciação da prova[3]
Com efeito, inúmeros são os factores relevantes na apreciação da credibilidade do teor de um depoimento que só são apreensíveis pelo julgador mediante o contacto direto com os depoentes em audiência. Embora a reapreciação da matéria de facto, no que ao Tribunal da Relação se reporta, esteja igualmente subordinada ao princípio da livre apreciação da prova e sem limitação (à excepção da prova vinculada) no processo de formação da sua convicção, deverá ela, no entanto, ter em conta que dos referidos princípios decorrem aspectos de relevância indiscutível (reacções do próprio depoente ou de outros, hesitações, pausas, gestos, expressões) na valoração dos depoimentos pessoais que apenas são, ou melhor são, perceptíveis pela 1ª instância. À Relação caberá analisar o processo de formação da convicção do julgador, apreciando, com base na prova gravada e demais elementos de prova constantes dos autos, se as respostas dadas apresentam erro evidenciável e/ou se têm suporte razoável nas provas e nas regras da lógica, experiência e conhecimento comuns e, bem assim, ponderando embora as mencionadas limitações, formar a sua convicção, não bastando para eventual alteração diferente avaliação que o Recorrente possa fazer quanto à prova testemunhal produzida.

Vejamos, pois.
2.1.3.
Pretende o recorrente que as respostas dadas aos artigos 41º, 43º, 48º e 49º, que mereceram a resposta de «Não provado», sejam alteradas para «Provado» e que o quo artigo 42º seja «provado na totalidade».

Estes artigos têm a seguinte redacção:
41º
O trabalhador não sabia que através do sistema de gps eram registados os trajectos e distâncias percorridas pelo camião e o tempo e horários das paragens pelo mesmo efectuadas?
42º
O trabalhador não tinha acesso àqueles registos por qualquer meio, estando o uso daquele equipamento reservado à empregadora?
43º
O trabalhador desconhecia que a empregadora utilizava aquele registo para controlar a circulação do veículo e da mercadoria por ele transportado?
48º
O trabalhador consultou o procedimento disciplinar?
49º
Não estando juntos ao mesmo então quaisquer documentos?
2.1.4.
O Tribunal a quo julgou estes artigos não provados, excepto no que tange ao artigo 42º, cuja resposta foi a seguinte:
“ Provado que o uso do equipamento de GPS estava reservado à empregadora e à Petrogal, podendo os registos ser consultados pelos trabalhadores, mas não tendo tido, antes destes factos, o trabalhador A. acesso a eles.”
2.1.5.
O Tribunal a quo na formação da sua convicção deu a seguinte motivação:
“- o depoimento de parte do trabalhador quando lhe foi perguntado onde se deslocava na Trofa e em Vila do Conde. O mesmo foi vago, impreciso, titubeante, aflito, diria mesmo, sem conseguir precisar a quem foi vender combustível (pois que foi esta a explicação que deu para tais deslocações). Seria de pensar que no dia em que foi confrontado com dúvidas sobre o porquê da sua deslocação a Vila do Conde, se esta correspondesse a um serviço efectivamente prestado a um cliente da Petrogal, pelo menos em relação a essa, soubesse ter dito, logo então e posteriormente no procedimento disciplinar, a quem foi vender o combustível.
Não é crível que quem perdeu o emprego por alagadas deslocações indevidas, não procure justificar de forma concreta onde se deslocou (o nome do cliente) se estivesse efectivamente ao serviço da Petrogal. Note-se que não colhe a argumentação de não saber o respectivo nome, pois que quem se deslocou tantas vezes ao mesmo local, certamente saberia dizer a quem vendeu o combustível pois que, não constando tais deslocações das escalas de serviço (e não constam), os documentos de suporte do transporte seriam emitidos pelo próprio motorista que, assim, teria de o saber e utilizar em concreto.
Quanto ao que o A. sabia ou não sobre os registos de gps, aos quais, segundo as testemunhas da própria empregadora, não tinha tido acesso anterior, é o próprio trabalhador que, na resposta à nota de culpa, fls. 101, art. 4º, faz referência à sua existência para verificação dos factos que lhe eram imputados na nota de culpa, admitindo-se assim que sabia bem mais do que admitiu agora no processo sobre os elementos registados.
- quanto ao contrato de trabalho, o que foi junto a fls. 725;
- no que respeita não facto 39º, é o próprio trabalhador que refere as datas em questão na resposta à nota de culpa de fls. 100;
- quanto aos factos 54º a 57º, a declaração efectuada pela empregadora (de não terem as quantias em causa sido pagas) e que consta de fls. 442.
- no que concerne ao facto 53º nenhuma prova específica se fez, pois que as testemunhas desconheciam pormenores da vida patrimonial do A..
- quanto à prova testemunhal produzida:
. o tribunal reputou de essencial o depoimento da primeira testemunha inquirida, E......, chefe de tráfego que, com clareza, isenção e distanciamento, relatou os factos nos termos em que estes resultaram provados, demonstrando-se dessa forma a credibilidade que lhe foi conferida pelo Tribunal.
A testemunha relatou os termos do contrato celebrado com a Petrogal, que não inclui a área geográfica da Trofa e Vila do Conde (tendo já incluído no passado), razão pela qual o facto de o gps ter identificado o veículo em Vila do Conde, na data em que o condutor não foi encontrado via telemóvel, suscitou de imediato dúvidas.
Os elementos recolhidos quanto à localização do veículo em desvio de rota (ou seja, por um percurso que não se encontrava entre o local de partida e o destino de chegada), o tempo de paragem e os kms percorridos foram analisados por esta testemunha de acordo com os registos de gps que descreveu o local indicado pelo gps situado em Vila do Conde como sendo um descampado.
A testemunha descreveu ainda que foi a Petrogal que impôs a instalação do gps no último contrato celebrado e a forma como era indicado, em cada dia, a distribuição do serviço e as situações em que podia existir alteração à própria escala de serviço. Neste caso, a instrução era dada pela Petrogal, alterando o cliente a visitar ou o volume de combustível a deixar em cada posto, emitindo o próprio motorista um documento manual que suportaria o transporte da mercadoria para o novo cliente ou nas novas quantidades.
Este procedimento foi confirmado pelo próprio trabalhador que afirmou que não entregava combustível sem documentos de suporte.
A testemunha F...... descreveu de igual forma os termos do contrato existente com a Petrogal e a execução de cada transporte, embora em relação aos factos tivesse menos conhecimento directo.
. as duas últimas testemunhas do trabalhador, que exerceram as funções de motoristas para a empregadora no passado (e já longínquo) referiram no essencial os mesmos termos de execução do trabalho como foram referidos pelas testemunhas da empregadora, desconhecendo contudo qual a área geográfica abrangida pelo contrato da empregadora com a Petrogal.
Aliás, de todas as testemunhas ouvidas indicadas pelo trabalhador, apenas G...... afirmou saber porque razão o trabalhador foi despedido (afirmando que o foi porque saiu de rota), acrescentando que no tempo em que trabalhou para a empregadora não estavam obrigados a fazer determinado percurso, sendo os motoristas livres para escolher o seu.
O Tribunal tem dúvidas que esta escolha fosse efectivamente livre – e o manual do motorista que o trabalhador conhecia nega-o -, pois que numa empresa que se dedica ao transporte de mercadorias, o custo do frete tem de ser avaliado previamente para fixação do respectivo preço e, assim sendo, não pode ser o motorista a determinar se tal custo inclui ou não portagem, por exemplo, ou esta ou aquela quilometragem.
Por outro lado, o que está aqui em causa não é um desvio de rota no sentido referido pela testemunha (destinando-se ao sul, a opção entre a A1 ou a A29, por exemplo), mas o afastar-se para uma localidade que não se compreende entre o ponto de partida e o de chegada.
Ou seja, nem a esta testemunha o trabalhador referiu que o que estava em causa era dizer-se que tinha ido a uma localidade que não se encontrava entre aqueles dois pontos e onde a empregadora dizia que não tinha de ir entregar combustível.
. quanto às demais testemunhas, respectivamente, ex companheira do trabalhador e sobrinho, o seu depoimento não podia ser mais contraditório quanto às condições de vida do trabalhador, sendo certo que desconheciam porque foi despedido.
A primeira, com quem esteve, apesar de casado e ter agora regressado à casa de morada de família, teve então uma relação extra-conjugal, sabia apenas que era uma pessoa reservada e que tinha ficado triste com o despedimento (o que teria até motivado o fim daquela relação pois que este não era homem de viver às custas de uma mulher, tendo por isso regressado à casa de família e passando assim, acrescentámos nós, então a viver à custa da esposa!), tendo estes factos sido negados peremptoriamente pelo sobrinho que disse que o tio sempre viveu com a tia, embora tivesse aquele relacionamento, sendo antes dos factos uma pessoa alegre e que gostava de conviver.
Perante estes depoimentos, o Tribunal considerou apenas o que será normal, segundo as regras da experiência comum, numa pessoa com a idade do A. que é despedido e não tem ainda outro emprego.
Esta testemunha estava ainda indicada aos factos relativos à consulta do processo disciplinar. Referiu que acompanhou o tio e que do processo que o tio viu não constavam quaisquer documentos.
Contudo, referiu, por um lado, que quando esta consulta aconteceu, o tio estava já despedido (o que, admitimos, poderia resultar da confusão entre a suspensão e o despedimento), e que não leu qualquer das páginas consultadas pelo tio, não sabendo uma única palavra do que lá constava (tanto mais que, na data do julgamento, desconhecia ainda o motivo do despedimento).
Ora, assim sendo, a afirmação efectuada pelo trabalhador é destituída de qualquer razão de ciência pois que não sabendo o que alegadamente foi lido pelo tio, não pode saber o que lá estava escrito.
Não se fez prova contudo que não compareceu nas instalações da empresa para consultar o procedimento, pois que as testemunhas da empregadora admitiram que este pudesse ter ido à empresa e estes não terem sabido desse facto.
A vasta prova documental permite confirmar, ipsis verbis, o depoimento da primeira testemunha da empregadora, sendo decisivo o manual do motorista junto, a informação prestada pela Petrogal relativamente a desvios nas escalas nos dias indicados.”
2.1.6.
No que se refere aos artigos 48º e 49º o recorrente indica como meio de prova a impor que tais factos se considerem provados, o depoimento da testemunha D......, que transcreve (folhas 1054 a 1064).
De tal depoimento resulta que a testemunha acompanhou o Autor – seu tio – quando este foi às instalações da empresa a consultar o processo disciplinar.
Porém, não viu, nem leu a testemunha o processo disciplinar, desconhecendo o respectivo conteúdo, bem como o motivo pelo qual o seu tio foi despedido.
Assim, salvo o devido respeito, não se vislumbra como se pode extrair deste depoimento a conclusão almejada pelo recorrente, razão pela qual mantemos inalterada a resposta dada.
2.1.7.
No que concerne aos artigos 41º, 42º e 43º o recorrente, como meio de prova para a alteração pretendida, indica o depoimento das testemunhas E…… (cujo depoimento transcreveu – folhas 1067/1070) e F...... (cujo depoimento transcreveu – folhas 1070/1071)
Do depoimento da testemunha E...... resulta que o Recorrente tinha conhecimento da existência do GPS no camião; que este assistiu à montagem na viatura; que teve formação para saber como funcionava; que o mesmo era visível; que sabia qual da instalação do GPS, embora esclarecesse que não tinha a certeza se o recorrente sabia que o GPS permitia registar tempos, trajectos e distâncias. Por seu turno, resulta do depoimento da testemunha F…… que, se o motorista quiser, pode ter acesso à informação registada pelo GPS, não no camião, mas chegando ao escritório e perguntando.
Ora, salvo melhor opinião, não resulta destes depoimentos qualquer substrato factual, por mínimo que seja, que suporte a pretensão deduzida pelo recorrente.
Razão pela qual, mantemos inalteradas as respostas dadas.
◊◊◊
3.
SABER SE O PROCESSO DISCIPLINAR SOFRE DE IRREGULARIDADE, PELO FACTO DE TEREM SIDO JUNTOS À ACÇÃO PELA RECORRIDA DOCUMENTOS QUE NÃO SE ENCONTRAVAM JUNTOS AO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR QUANDO O RECORRENTE O CONSULTOU E DAÍ RESULTANDO UMA INCONTORNÁVEL LIMITAÇÃO DO DIREITO DE DEFESA.

A decisão recorrida sobre esta questão salienta que «Os fundamentos de invalidade do procedimento disciplinar estão previstos na lei e nenhum dos invocados se subsume à norma em causa – arts. 381º e 382º do C. do Trabalho.
Cumpre pois apreciar a validade /regularidade do procedimento disciplinar.
Contrariamente ao que parece defender o trabalhador, não resulta de nenhuma norma do Código do Trabalho que a empregadora tenha de realizar qualquer acto de instrução para elaborar a nota de culpa ou para comprovar os factos que dela constam.
Basta pensar, por exemplo, que os factos podem ter-se verificado precisamente com o empregador, ou terem-lhe sido comunicados informalmente, instrutor do processo, não fazendo sentido um auto de declarações emitido perante o próprio.
O que a lei exige é que o direito de defesa do trabalhador não seja ignorado, o que significa, na esteira do Acórdão do Tribunal Constitucional 338/10 de 22/09/2010, que se exige que sejam realizadas as diligências requeridas pelo trabalhador ou, pelo menos, fundamentada a recusa da sua realização. No caso, o trabalhador nada requereu no procedimento disciplinar.
A hipótese de a empregadora assumir, sem a produção de prova, que os factos que constam da nota de culpa são verdadeiros legitima que profira uma decisão em conformidade com os mesmos, ainda que nenhuma prova exista que os sustente, tanto mais que, impugnado tal despedimento, é perante o Tribunal que a empregadora tem de demonstrar os fundamentos de facto da decisão.
Assim sendo, tendo ou não o trabalhador consultado o processo (e não provou que o fez) e constando ou não do mesmo os documentos em causa (e não provou que não constassem), de nenhum vício padece o procedimento disciplinar.»

Discorda deste entendimento o Recorrente para quem a junção pela Ré dos documentos 1 a 51 com o seu articulado, na medida em que nenhum deles estava junto do procedimento disciplinar quando o consultou, gera a irregularidade do procedimento disciplinar.
Sem nos debruçarmos sobre a razão ou da sua falta quanto à questão propiamente dita, a verdade é que o Autor, aqui Recorrente, não provou, como lhe competia (artigo 342º, nº 1 do Código Civil) que quando consultou o processo disciplinar tais documentos não estivessem juntos ao mesmo. Assim sendo, improcede esta questão.

No entanto, o Recorrente alega ainda que não se encontrando junto ao processo disciplinar o Manual do Motorista que apenas foi junto aos autos na terceira sessão da audiência de discussão e julgamento ocorrida em 4.7.2012, dever-se-á considerar incumprida a obrigação que impendia sobre a Recorrida prevista no artigo 98º-I, n.º 4, alínea a) do Código de Processo do Trabalho, uma vez que esta não juntou à acção judicial o procedimento disciplinar, mas parte dele, o que necessariamente deverá ter como consequência o estatuído no n.º 3, do artigo 98º-J do mesmo diploma legal, isto é, a declaração pelo Tribunal da ilicitude do despedimento no caso do Recorrente, sentido no qual deveria o Juiz a quo ter decidido, alteração que se requer à Sentença pelo mesmo prolatada.

Salvo o devido respeito, não assiste razão ao Recorrente.
Em primeiro lugar, para que a Relação pudesse apreciar a questão – só – agora invocada no presente recurso de apelação, deveria o A., na devida altura, invocá-la, dando possibilidade à R. de, eventualmente, exercer o contraditório sobre a questão e possibilitando a pronúncia do Tribunal a quo sobre tal matéria.
É que os recursos destinam-se a proceder ao reexame de questões já apreciadas pelos tribunais hierarquicamente inferiores e não a conhecer de matérias novas, não submetidas à decisão do Tribunal a quo.
Mas, independentemente desta questão, não se verificam os pressupostos alegados, uma vez que a sanção prevista no nº 3 do artigo 98º-J do Código de Processo do Trabalho apenas se verifica nos casos em que o empregador não junte aos autos o procedimento disciplinar. Acontece, que no caso, o procedimento disciplinar foi junto.
Por outro lado, teria de estar demonstrado, e não está, que aquando da consulta do processo disciplinar pelo Recorrente houve ocultação de meios prova por parte da Recorrida. Aí sim, ocultada a existência de elementos probatórios que fundamentavam a nota de culpa e existentes no respectivo processo disciplinar, haveria uma violação do direito de defesa do trabalhador, já que se veria privado de exercer o princípio do contraditório[4].
Nada impede que a prova de determinados factos imputados na nota de culpa não sejam provados por outros meios de prova que não os indicados no procedimento disciplinar e também nada impede que as partes juntem na acção de impugnação judicial de despedimento quaisquer documentos (ou outros meios de prova), como forma de comprovarem os factos alegados.
E não é pelo facto de os documentos em causa não terem sido juntos com o articulado motivador do despedimento que faz precludir a sua junção mais tarde, embora com multa, como aconteceu no caso, nem tem como consequência a sanção prevista no nº 3 do artigo 98º-J do CPT.
Se é verdade que o empregador está impedido de invocar na acção de impugnação judicial do despedimento factos e fundamentos que não constem da decisão disciplinar ( artigo 98º- J, nº 1 do CPT e 387º, nº 3 do CT) e que nesta não podem ser invocados factos não constantes na nota de culpa ou da resposta do trabalahdor, salvo se atenuarem a sua responsabilidade (artigo 357º, nº 3, parte final do CT), tal não significa que esteja impedido de invocar outros elementos probatórios que não considerou no processo disciplinar. E a invocação destes «outros» meios de prova não põem em causa o direito de defesa do trabalhador, pois este pode, na respectiva acção judicial, defender-se, exercendo o respectivo contraditório.
Improcede, assim, também esta questão.
◊◊◊
4.
DA (IN)VALIDADE DA PROVA OBTIDA MEDIANTE OS REGISTOS DO GPS INSTALADO NO VEÍCULO CONDUZIDO PELO RECORRENTE AO SERVIÇO DA RECORRIDA

4.1.
O Recorrente alega que a Recorrida não podia lançar mão do GPS e dos seus registos para exercer o seu poder disciplinar sobre o Recorrente, utilizando a informação fornecida pelos mesmos como meio de prova da existência de justa causa para promover o seu despedimento.
Esta questão subdivide-se em duas componentes, as quais são, por um lado, (i) em saber se o GPS é ou não um meio de vigilância à distância e, como tal, sujeito ao regime dos artigos 20º e 21º, ambos do Código do Trabalho e, por outro, (ii) determinar se a utilização pela Recorrida no processo disciplinar dos dados provenientes dos registos do GPS violou ou não os direitos de personalidade e da vida privada do trabalhador.

4.2.
Como dissemos no ponto anterior há que indagar se o GPS pode ser considerado um meio de vigilância à distância e, como tal, sujeito ao regime dos artigos 20º e 21º, ambos do Código do Trabalho.

4.2.1.
O artigo 20º do Código do Trabalho, sob a epígrafe «Meios de vigilância a distância», dispõe do seguinte modo:
“1 – O empregador não pode utilizar meios de vigilância a distância no local de trabalho, mediante o emprego de equipamento tecnológico, com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador.
2 – A utilização de equipamento referido no número anterior é lícita sempre que tenha por finalidade a protecção e segurança de pessoas e bens ou quando particulares exigências inerentes à natureza da actividade o justifiquem.
3 – Nos casos previstos no número anterior, o empregador informa o trabalhador sobre a existência e finalidade dos meios de vigilância utilizados, devendo nomeadamente afixar nos locais sujeitos os seguintes dizeres, consoante os casos: «Este local encontra-se sob vigilância de um circuito fechado de televisão» ou «Este local encontra-se sob vigilância de um circuito fechado de televisão, procedendo-se à gravação de imagem e som», seguido de símbolo identificativo.
4 – Constitui contra-ordenação muito grave a violação do disposto no nº 1 e constitui contraordenação leve a violação do disposto no nº 3.”

Este normativo está inserido no Livro I, Título II, Capítulo I, Secção II, Subsecção II – Direitos de Personalidade[5].
A Constituição da República Portuguesa consagra um conjunto de direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores (artigos 53º a 59º), mas, como salienta ANTÓNIO MONTEIRO FERNANDES[6], muitos outros direitos fundamentais constitucionalmente previstos – próprios do estatuto geral de “cidadão” – podem ser colocados em jogo em situações próprias dos ambientes de trabalho. A “transposição” desses direitos para o domínio laboral é realizada pelo próprio Código do Trabalho, sob a epígrafe “direitos de personalidade” (artigos 14º a 22º).
Porém, adverte o mesmo Autor que tal transposição não seria necessária para garantir eficácia plena a esses direitos, uma vez que bastaria constarem no texto constitucional.
Um desses direitos é o chamado direito à reserva da intimidade da vida privada, cuja previsão se encontra consagrada no artigo 16º do Código do Trabalho, com desenvolvimentos nos artigos 17º a 21º do mesmo diploma legal e cuja conjugação deve ser feita com o artigo 26º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa e artigo 80º do Código Civil. Este direito, como refere MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO[7], deve ser entendido em, termos amplos, de modo a incluir os aspectos ligados à esfera íntima, à esfera pessoal e à vida familiar do trabalhador, conforme decorre do nº 2 do artigo 16º do Código do Trabalho.
Segundo a mesma Autora[8] este direito determina, na execução do contrato de trabalho, a proibição de certas formas de controlo da actividade do trabalhador na empresa, que a evolução tecnológica moderna veio facilitar, como o controlo à distância (artigos 20º e 21º do Código do Trabalho).
Também o nº 1 do artigo 8º da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais estatui que «qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do seu domicílio e da sua correspondência»[9].
Igualmente o artigo 8º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, sob a epígrafe ”Protecção de dados pessoais” dispõe que:
“1. Todas as pessoas têm direito à protecção dos dados de carácter pessoal que lhes digam respeito.
2. Esses dados devem ser objecto de um tratamento leal, para fins específicos e com o consentimento da pessoa interessada ou com outro fundamento legítimo previsto por lei. Todas as pessoas têm o direito de aceder aos dados coligidos que lhes digam respeito e de obter a respectiva rectificação.
3. O cumprimento destas regras fica sujeito a fiscalização por parte de uma autoridade independente.”

A Convenção nº 108 do Conselho da Europa - PARA A PROTECÇÃO DAS PESSOAS RELATIVAMENTE AO TRATAMENTO AUTOMATIZADO DE DADOS DE CARÁCTER PESSOAL - que se destinou “a garantir, no território de cada Parte, a todas as pessoas singulares, seja qual for a sua nacionalidade ou residência, o respeito pelos seus direitos e liberdades fundamentais, e especialmente pelo seu direito à vida privada, face ao tratamento automatizado dos dados de carácter pessoal que lhes digam respeito («protecção dos dados»)” teve como seu fundamento o alargamento da protecção dos direitos e das liberdades fundamentais de todas as pessoas, nomeadamente o direito ao respeito pela vida privada, tendo em consideração o fluxo crescente, através das fronteiras, de dados de carácter pessoal susceptíveis de tratamento automatizado.
O reconhecido efeito horizontal dos direitos fundamentais faz com que estes direitos devam ser respeitados não apenas pelas entidades públicas, mas também pelas entidades privadas, e, assim, também, no contexto das relações laborais de direito privado. A vinculação, quer das entidades públicas, quer das entidades privadas a estes preceitos constitucionais protectores de direitos, liberdades e garantias é uma consequência directa do disposto no artigo 18º, nº 1 da Constituição, que lhes atribui uma eficácia erga omnes[10].
Assim, o reconhecimento do direito à reserva da intimidade da vida privada do trabalhador implica a superação de uma distinção entre um estatuto geral de cidadão e um estatuto de trabalhador que, por força da relação de subordinação, se encontraria à partida diminuído nas suas liberdades, ou seja, o trabalhador não deixa de gozar do direito à reserva da intimidade da vida privada quando executa a prestação laboral.
Antes da entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003, exceptuando algumas disposições constantes de regimes laborais especiais, nomeadamente, as que referentes ao trabalho no domicílio[11] e ao trabalho do praticante desportivo[12], inexistiam quaisquer disposições normativas do campo laboral directa [13] e especificamente destinadas à protecção do direito à reserva da intimidade da vida privada do trabalhador, sendo que a protecção deste direito teria de ser concretizada através da Constituição da República Portuguesa, do Código Civil, do Código Penal e da Lei da Protecção de Dados Pessoais[14].
A progressiva, senão galopante, introdução de novas tecnologias no local de trabalho, constitui, podemos afirmar com alguma enfâse, um autêntico assalto à reserva da intimidade da vida privada do trabalhador. Constituindo ameaça a esse direito o legislador viu-se obrigado a tutelar a utilização desses meios tecnológicos.
Segundo MARIA REGINA REDINHA[15] «[a] utilização das novas tecnologias da informação e comunicação no ambiente de trabalho fez aumentar exponencialmente o risco de devassa da esfera de reserva privada e pessoal do trabalhador, ao alargar a sua exposição ao controlo do empregador e ao diluir as próprias noções de tempo e local de trabalho. Por outro lado, uma vez que se trata de um domínio relativamente novo, a cada passo surgem problemas de redefinição das fronteiras da subordinação, renovando a tensão entre tutela da personalidade e extensão do poder de direcção do empregador. Se o empregador é o proprietário dos equipamentos e sistemas tecnológicos instalados na empresa e portanto adstritos à execução da prestação de trabalho, o trabalhador, no tempo e local de trabalho, não deixa de ser titular do direito a uma zona de reserva pessoal, pelo que a articulação de ambos os direitos pode ser, na prática, de difícil alcance».
DAVID OLIVEIRA FESTAS[16] refere que “[o] artigo 20º do Código do Trabalho tem subjacente uma colisão de direitos e de interesses: por um lado, o empregador tem, como corolário do seu poder de direcção e também do direito de propriedade sobre os meios de produção, o poder de vigiar e de controlar a prestação do trabalho e a utilização que é feita dos instrumentos de laboração; por outro lado, o trabalhador tem direito à reserva da intimidade da sua vida privada[17]”.
Porém este direito à reserva da intimidade da vida privada deve conviver com poder de controlo do empregador, uma vez que este tem o direito, na fase de execução do contrato de trabalho, de controlar e vigiar a prestação realizada. Poder esse que é inerente ao próprio contrato de trabalho já que, como salienta TERESA ALEXANDRA COELHO MOREIRA[18], «não teria lógica que o empregador pudesse ditar ordens e instruções ao abrigo do seu poder directivo e, depois, não pudesse verificar se elas estariam a ser bem cumpridas».
Se é verdade que o empregador tem o direito de verificar e controlar, enquanto titular do poder de controlo e de vigilância, a actividade laboral dos trabalhadores e de apurar as faltas passíveis de justificarem procedimentos disciplinares, não se pode olvidar que tal poder tem de conciliar-se com as exigências de legalidade, de lealdade, de proporcionalidade e de boa-fé, bem como com a protecção da dignidade e da privacidade dos trabalhadores[19].
A mesma Autora[20] refere que este poder de controlo com as novas tecnologias de informação e comunicação conheceu uma “nova realidade e uma nova actualidade, na medida em que a evolução tecnológica e a mutação das formas de organização das empresas contribui para criar novos momentos de tensão entre o legítimo poder de controlo do empregador e os direitos fundamentais dos trabalhadores. Aquele não é novo nem proibido, sendo que a questão que se coloca não é a da legitimidade desse poder mas a dos seus limites, tendo em consideração que com estas novas tecnologias ressurgiu o clássico debate entre o equilíbrio do direito fundamental à privacidade dos trabalhadores e os legítimos direitos dos empregadores de os dirigir e de controlar as suas tarefas.
A incidência das novas tecnologias nas relações laborais tem precisamente uma das suas manifestações mais visíveis nas novas dimensões que as mesmas podem ter na fiscalização da actividade laboral do trabalhador, o que cria a necessidade de proceder ao seu adequado enquadramento jurídico.
[…]
A inovação tecnológica permite e favorece mesmo, através de instrumentos como as videocâmaras, ou a monitorização dos computadores, nas vertentes de controlo dos programas de computadores, de controlo da world wide web e de controlo dos e-mails, das redes sociais, dos telefones e dos samrtphones, de controlo através de badges, de smartcards, de chips incorporados na roupa de trabalho dos trabalhadores, de RFID, de GPS instalados na viatura, de controlo através de dados biométricos, da áudio, vídeo e webvigilância, entre outras formas de controlo, a vigilância da actividade dos trabalhadores contínua e centralizada, transformando assim, por um lado, uma das máximas básicas do taylorismo e da direcção cientifica da empresa relacionada com a supervisão e controlo do trabalhador através da observação do comportamento laboral do trabalhador de forma imediata e pessoal.
Assim, a transformação operada pelos novos modos de vigilância e controlo origina uma complexa concepção deste poder de controlo do empregador já que este se renova, inclusive dando lugar a novas formas, e chegando a originar, (…) um “taylorismo de diverso modo”, diferente, que aumenta, e muito, este poder de controlo.”
Acrescentando que “embora estes meios tragam inúmeras vantagens para a relação de trabalho, há que ter algumas cautelas na sua aplicação pois poderão conduzir, se não forem devidamente aplicadas e reguladas, ao parcial desaparecimento de alguns direitos fundamentais no âmbito da empresa, como o da privacidade, liberdade e dignidade dos trabalhadores. A vigilância impessoal, sub-reptícia e constante, que os novos meios de controlo proporcionam, converte-se num substituto perfeito dos tradicionais meios de controlo, directos e pessoais, contribuindo para um aumento da dimensão desumana do poder de controlo e que pode originar o quase total desaparecimento da privacidade dos trabalhadores. O enorme aumento do poder de controlo pode levar ao adormecimento e, mesmo, ao esquecimento de que a liberdade pessoal dos trabalhadores e os seus direitos fundamentais são limites infranqueáveis a este poder do empregador. Esta dimensão desumana do poder ao permitir um controlo potencialmente vexatório, contínuo e total, pode inclusivamente, comportar riscos para a saúde dos trabalhadores, tanto físicos, como psíquicos, nomeadamente por saber ou sentir-se constantemente vigiado, o que pode provocar, inter alia, uma grande pressão psicológica que poderá conduzir a casos de assédio moral e doenças como depressões e stress.”
E, por fim, conclui a mesma Autora[21] que “o trabalhador não é um vassalo do empregador e assiste-lhe sempre o direito à sua vida privada, sem ingerências ilegítimas deste e a não estar a ser constantemente controlado.”
Podemos, pois, dizer, em forma de conclusão, que se, os poderes do empregador têm fundamento constitucional, assentes na ideia de liberdade de empresa, isso não significa uma ilimitada faculdade de controlo do desempenho da actividade do trabalhador face à sua subordinação jurídica. O mesmo tem como limite os direitos fundamentais dos trabalhadores, os quais têm plena eficácia, a não ser que a eles se oponham interesses legítimos do empregador ou de terceiros. Portanto, o problema não está na legitimidade do controlo mas na dos seus limites, uma vez que com a utilização das novas tecnologias foram criadas mais sofisticadas e efectivas formas de controlo dos trabalhadores e, assim, uma maior propensão e possibilidade de ingerência na privacidade da vida desses mesmos trabalhadores, pois este poder de controlo advindo das novas tecnologias, ao invés do controlo tradicional, permite ”um controlo à distância, frio, incisivo, sub-reptício e aparentemente infalível[22]”. Por outro lado, o carácter ambivalente das novas tecnologias de informação e comunicação, permite simultaneamente a sua utilização como instrumento produtivo e como mecanismo de controlo[23] da prestação da actividade laboral por parte do trabalhador.

4.2.2.
Secundando DAVID OLIVEIRA FESTAS[24] diremos que no panorama legislativo pré-existente à entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003, e à luz da tutela dos direitos de personalidade conferida pelo Código Civil, a utilização de meios de vigilância seria, em princípio, ilícita. A utilização de meios de vigilância à distância só seria lícita nos quadros da limitação voluntária dos direitos de personalidade, ou mediante colisão de direitos, solucionada nos termos do artigo 335° do Código Civil.

4.2.3.
O artigo 20º, nº 1 do Código do Trabalho consagra um princípio geral, que consiste na proibição de o empregador utilizar quaisquer meios tecnológicos com a finalidade exclusiva de vigiar, à distância, o comportamento do trabalhador no tempo e local de trabalho ou o modo de exercício da prestação laboral[25].
A vigilância a que se refere a proibição deste princípio incide sobre o comportamento profissional do trabalhador no tempo e local de trabalho. Ao empregador é vedado controlar não apenas condutas que reentrem na esfera da vida privada do trabalhador [cfr. art. 16º], como vigiar ou fiscalizar o modo de execução da prestação laboral pelo trabalhador[26].
No entanto, o nº 2 do mesmo normativo, dispõe que, a que a utilização de meios de vigilância à distância poderá ser lícita quando (i) tenha por finalidade a protecção e segurança de pessoas e bens ou (ii) quando particulares exigências inerentes à natureza da actividade o justifiquem.
Estas excepções estão sujeitas a rigorosos critérios de necessidade, proporcionalidade e adequação.
Na primeira das excepções englobam-se as situações em que se justifique a instalação no local de meios de videovigilância para protecção e segurança de pessoas e bens relativamente a terceiros e relativamente a trabalhadores, como por exemplo, a instalação de sistemas de videovigilância numa repartição bancária ou num posto de abastecimento de combustível.
Na segunda excepção incluem-se as situações em que estejam em causa materiais particularmente valiosos ou particularmente perigosos[27] [28].
“A utilização de meios de vigilância à distância só será lícita se e enquanto tiver por finalidade exclusiva a protecção de pessoas e bens. Protecção ou segurança dos sujeitos da relação de trabalho, de terceiros ou do público em geral, mas igualmente de instalações, bens, matérias-primas ou processos de fabrico, nomeadamente. Significa isto que a vigilância não será permitida se tiver por finalidade última ou determinante o mero controlo do modo de execução da prestação laboral.”[29]
Portanto, a intenção do legislador foi evitar a utilização destes sistemas de controlo à distância para uma finalidade diferente ou diversa da «protecção de pessoas e bens», nomeadamente, o controlo do desempenho do trabalhador. Sendo assim, o trabalhador tem o direito a não ser controlado à distância, mesmo nas ocasiões em que esse controlo ocorra ocasionalmente em virtude das excepções previstas no nº 2 do artigo 20º do Código do Trabalho.
Como referem PAULA QUINTAS E HÉLDER QUINTAS[30], “os meios de vigilância à distância não podem ser convertidos em meios de controlo à distância, do desempenho do trabalhador”.

4.2.4.
Por outro lado, deveremos considerar que subjacentes à permissão da utilização de meios de vigilância à distância estão os princípios da adequação e da pertinência os quais têm a sua derivação no artigo 5º, nº 1, alínea c) da Lei de Protecção de Dados Pessoais que estatui que os dados pessoais têm de ser “adequados, pertinentes e não excessivos relativamente às finalidades para que são recolhidos” e 21º, nº 2 do Código do Trabalho.
Daqui se retira a conclusão que no tratamento de dados apenas se podem nele incluir os dados recolhidos relacionados com a finalidade que foi permitida e não os que lhe são estranhos.
No âmbito do princípio da adequação deve-se ter em consideração a questão da conservação dos dados pessoais e da sua manutenção temporal, que tem cobertura constitucional no artigo 35º da CRP.
Estamos perante aquilo a que é apelidado de direito ao esquecimento[31] que assiste ao titular de dados, ou seja, estes apenas poderão ser conservados de modo a permitirem a identificação durante o período necessário para a prossecução das finalidade de recolha ou tratamento posterior, nos termos da alínea e), nº 1, artigo 5º da LPDP e do nº 3 do artigo 21º do CT.

4.2.5.
Sobre a problemática de saber qual o prazo em que devem ser conservados os dados pessoais a resposta não é inequívoca pelo que os mesmos devem ser eliminados quando a sua manutenção deixar de ser pertinente para o objectivo definido[32].
Como achega temos o artigo 13º, nº 2 do Decreto- Lei nº 35/2004, de 21 de Fevereiro[33], que estabelece que “A gravação de imagens e som feita por entidades de segurança privada ou serviços de autoprotecção, no exercício da sua actividade, através de equipamentos electrónicos de vigilância deve ser conservada pelo prazo de 30 dias, findo o qual será destruída”.

4.2.6.
Decorre, ainda, do artigo 6º, nº 1, alínea b) da Directiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de Outubro de 1995, relativa à protecção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados, que os dados pessoais serão apenas «recolhidos para finalidades determinadas, explícitas e legítimas, e que não serão posteriormente tratados de forma incompatível com essas finalidades». Esta Directiva foi transporta para o direito nacional através da Lei nº 67/98, de 26 de Outubro, cuja na alínea b) do nº 1 do artigo 5º dispõe que os dados pessoais devem ser «recolhidos para finalidades determinadas, explícitas e legítimas, não podendo ser posteriormente tratados de forma incompatível com essas finalidades».
Daqui se extrai que o empregador não pode servir-se dos dados recolhidos através dos meios de vigilância à distância no trabalho para lhe dar um uso diferente da finalidade originária para a qual foram aceites – assim se obedece ao princípio da finalidade.

4.2.7.
Um outro principio subjacente à utilização dos meios de vigilância à distância é o da proporcionalidade[34], segundo o qual os respectivos registos deverão ser adequados, pertinentes e não excessivos relativamente às finalidades para que são recolhidos e posteriormente tratados.

4.2.8.
O nº 3 do artigo 20º consagra o direito de informação dos trabalhadores que é imposto ao empregador sobre a existência e finalidade dos meios de vigilância utilizados. Trata-se da concretização da obrigação geral constante nos artigos 106º a 109º do Código do Trabalho e do princípio da boa-fé nas relações laborais constante no artigo 126º do mesmo diploma legal.
Este direito de informação tem subjacente o chamado princípio da transparência, ou seja, a comunicação ao trabalhador das condições e o alcance dos compromissos que podem ser realizados relativamente ao tratamento de dados pessoais que vai ser realizado, para que este tenha conhecimento do tipo, do tempo e por quem o controlo está a ser realizado[35].
Princípio esse que tem logo a sua previsão no artigo 2º da LPDP ao estabelecer que “O tratamento de dados pessoais deve processar-se de forma transparente e no estrito respeito pela reserva da vida privada, bem como pelos direitos, liberdades e garantias fundamentais”.
Conforme refere TERESA ALEXANDRA COELHO MOREIRA[36]” este conhecimento da vigilância pode ser, ainda, essencial para determinar a legitimidade ou a ilegitimidade da intromissão, por vários motivos.
Em primeiro lugar, a exigência constitucional de conhecimento das restrições fundamentais do trabalhador é sempre necessária, pois é através deste conhecimento que se determina se esta, na sua adopção e aplicação, se adequa à finalidade pretendida, sendo proporcional aos sacrifícios que implica.
Em segundo lugar, o desconhecimento por parte dos trabalhadores das medidas de controlo adoptadas configura uma violação do principio da boa fé no exercício dos poderes do empregador.”
A garantia do direito à informação está ainda prevista no artigo 35º da CRP, o mesmo acontecendo com o artigo 10º da Lei de Protecção de Dados Pessoais.
Na esteira de TERESA ALEXANDRA COELHO MOREIRA[37] também entendemos que tem de ser feita uma interpretação extensiva do nº 3 do artigo 20º do Código do Trabalho pois não parece que a intenção do legislador tenha sido a de cingir a obrigatoriedade de informação aos trabalhadores apenas aos sistemas audiovisuais de tipo circuito fechado de televisão, embora a letra do artigo faça alusão a este tipo de aparelhos.
Também MARIA REGINA REDINHA[38] refere que «o art 29º da RCT[39] veio introduzir alguma perturbação na consistência hermenêutica do nº. 3, ao referir unicamente, como concretizações do dever de informação e comunicação a cargo do empregador, dizeres[40] relativos a hipóteses de videovigilância. Não se trata de uma redução do âmbito de aplicação material do artigo, mas apenas de uma concretização exemplificativa de um dos meios de vigilância mais correntemente utilizados. As exigências de esclarecimento e conhecimento do trabalhador quanto aos meios utilizados e modo da sua actuação fazem sentir-se, de resto, quaisquer que eles sejam, razão pela qual se impõe a interpretação extensiva do art. 29º da RCT de modo a abarcar todo e qualquer meio de vigilância à distância».
Assim, devendo este poder de controlo electrónico do empregador ser exercido de modo legítimo, proporcional e transparente, são proibidos os procedimentos de controlo clandestinos, ocultos ou sem conhecimento dos trabalhadores, os quais derivam em autênticas surpresas, já que a sua utilização nesses parâmetros constituí uma clara violação da dignidade e da privacidade destes. Neste caso, a prova obtida terá de ser considerada nula à luz do artigo 32º, nº 8 da Constituição da República Portuguesa.
Aliás a própria CNPD através da orientação sobre «PRINCÍPIOS SOBRE A PRIVACIDADE NO LOCAL DE TRABALHO[41] » recomenda que as entidades empregadoras observem os seguintes princípios na utilização das novas tecnologias:
“3. Tal como resulta dos artigos 2.º, 5.º n.º 1 al. a) e b), 10.º n.º 1 da Lei 67/98 e do artigo 39º n.º 1 da LCT[42], a entidade empregadora deve – antes de iniciar qualquer tipo de tratamento – informar o trabalhador sobre as condições de utilização dos meios da empresa para efeitos particulares ou do grau de tolerância admitido, sobre a existência de tratamento, suas finalidades, existência de controlo (formas e metodologias adoptadas), sobre os dados tratados e o tempo de conservação, bem como sobre as consequências da má utilização ou utilização indevida dos meios de comunicação colocados à sua disposição.”

4.2.9.
A pergunta que se nos coloca é saber o que se deve entender por “meios de meios de vigilância à distância no local de trabalho” e se o GPS faz parte desse núcleo.
O STJ por acórdão proferido em 22.05.2007[43], no âmbito do Código do Trabalho de 2003, decidiu que “Embora a formulação literal do nº 1 do artigo 20º do Código do Trabalho não permita restringir o âmbito da previsão daquela norma à videovigilância, a verdade é que a expressão adoptada pela lei, «meios de vigilância a distância no local de trabalho, mediante o emprego de equipamento tecnológico, com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador», por considerações sistemáticas e teleológicas, remete para formas de captação à distância de imagem, som ou imagem e som que permitam identificar pessoas e detectar o que fazem, quando e durante quanto tempo, de forma tendencialmente ininterrupta, que podem afectar direitos fundamentais pessoais, tais como o direito à reserva da vida privada e o direito à imagem”. Assim, consigna ainda o aludido aresto, “não se pode qualificar o dispositivo de GPS instalado no veículo automóvel atribuído a um técnico de vendas como meio de vigilância a distância no local de trabalho, já que esse sistema não permite captar as circunstâncias, a duração e os resultados das visitas efectuadas aos seus clientes, nem identificar os respectivos intervenientes”.

Salvo o devido respeito, não perfilhamos este entendimento.

4.2.10.
Em primeiro lugar, e independentemente de se considerar o GPS como fazendo ou não parte da previsão do artigo 20.º do Código do Trabalho, a introdução pelo empregador de quaisquer meios tecnológicos com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador e que sejam susceptíveis de colocarem em causa ou constituírem uma ameaça plausível para com o direito à reserva da intimidade da vida privada dos trabalhadores não serão, em princípio, permitidos. Dever-se-á fazer uma ponderação casuística face aos interesses e valores em jogo, bem como aos princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade e concluir, se a utilização do GPS (ou de outros meios tecnológicos de vigilância) viola ou não o direito à reserva da intimidade da vida privada do trabalhador. Se a resposta for positiva será inadmissível a utilização do GPS, já que os direitos fundamentais - constitucionalmente garantidos -, como se disse, tanto se aplicam às entidades públicas como às privadas e a sua violação tem efeitos erga omnes.

4.2.11.
Por outro lado, defender-se como se defende no aludido aresto que “não se pode qualificar o dispositivo de GPS instalado no veículo automóvel atribuído a um técnico de vendas como meio de vigilância a distância no local de trabalho, já que esse sistema não permite captar as circunstâncias, a duração e os resultados das visitas efectuadas aos seus clientes, nem identificar os respectivos intervenientes” não nos parece, ressalvando o devido respeito, que seja a melhor interpretação a extrair do artigo 20º do Código do Trabalho[44].
Na verdade, seguimos o entendimento de que tais meios de vigilância à distância no local de trabalho não têm de captar todos os aspectos da actividade laboral levada a cabo pelo trabalhador, isto é, não é pelo facto de não captarem tudo o que um trabalhador faz ou deixa de fazer que se deixam de considerar como tal, basta que captem uma importante parcela da actividade do trabalhador e simultaneamente invadam a reserva da sua intimidade da vida privada. Como salienta MARISA OURO[45] «[a]ssim tanto é que uma câmara de vídeo colocada dentro da viatura, que capte a imagem mas não o som, também não conseguiria “captar as circunstâncias, a duração e os resultados das visitas efectuadas” aos seus clientes, nem identificar os respectivos intervenientes, uma vez que os encontros com os clientes não ocorrem dentro da viatura, e no entanto, ninguém põe em dúvida de que se trata de um meio de vigilância à distância.»

Se é certo que a legislação laboral não nos dá a noção de “meios de vigilância à distância”, daí advindo as habituais incertezas e divergência interpretativas, não deixa de ser certo que uma interpretação restritiva como a que é feita pelo STJ no acórdão mencionado, no sentido de que a expressão legal «meios de vigilância a distância no local de trabalho, mediante o emprego de equipamento tecnológico, com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador», por considerações sistemáticas e teleológicas, remete para formas de captação à distância de imagem, som ou imagem e som, deixa de fora do âmbito legal um grande número de situações de difícil compreensão.
Seja através de uma interpretação extensiva ou mediante uma interpretação actualista o dispositivo GPS instalado no veículo automóvel atribuído ao trabalhador deve ser englobado no conceito de meio de vigilância à distância no local de trabalho.
MARIA REGINA REDINHA[46] salienta que o princípio geral enunciado no nº 1 do artigo 20º do Código do Trabalho, «nas discussões públicas anteriores à entrada em vigor do CT e mesmo posteriormente, foi sendo circunscrito o campo de actuação deste princípio à questão da videovigilância no local de trabalho, mas o conteúdo útil do preceito não se esgota neste meio electrónico. Com efeito, a previsão normativa estende-se a qualquer forma de controlo e/ou fiscalização à distância do trabalhador através de equipamentos técnicos.
O âmbito material deste princípio pressupõe, somente, a monitorização não presencial do trabalhador ou do seu desempenho por quaisquer meios técnicos, de natureza electrónica ou não. É, o caso da videovigilância, obviamente, mas também, entre muitos outros, dos sistemas de recolha de som no posto de trabalho, dos métodos de controlo electrónico da prestação de trabalho, através de software que permita registos quantitativos e descritivos das tarefas realizadas no computador do trabalhador, dos programas que registam o tráfico na internet, dos sensores de cadeira que registam o tempo durante o qual o trabalhador permanece sentado no seu posto de trabalho, dos mecanismos dos automóveis que gravam as distâncias percorridas ou o consumo de combustível ou das placas de identificação dos trabalhadores com chip incorporado que permitem reconstituir o percurso dos trabalhadores nas instalações da empresa»[47].
DANIEL PÉREZ DEL PRADO[48] refere que um dos mais recentes avanços trazidos ao mundo do controle dos trabalhadores foi precisamente o Dispositivo de Posicionamento Global, mais conhecido pela sua sigla inglesa, GPS (Global Positioning System). Trata-se de um sistema de localização, concebido pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos, com fins militares, para fornecer estimativas precisas de posição, velocidade e tempo.
O sistema é composto por três segmentos básicos, sendo os dois primeiros de responsabilidade militar: o chamado “segmento de espaço”, formado por 24 satélites; o “segmento de controle”, consiste em cinco estações monitoras encarregadas de manterem em órbitra os satélites e supervisionar o seu correcto funcionamento, três antenas terrestes enviam aos satélites os sinais a serem transmitidos e uma estação encarregue da supervisão de todas as operações; e, por fim, o” segmento do usuário”, formado pelas antenas e receptores passivos situados na Terra. Os receptores, a partir das mensagens provenientes de cada satélite, calculam distâncias e proporcionam uma estimativa de posição e tempo.
A actividade destes satélites e receptores permite calcular não só a posição de qualquer objecto na Terra, como observar os seus movimentos e calcular as distâncias que percorre ou pretende percorrer.
A utilização do GPS não escapou ao âmbito das relações laborais. Com efeito, o GPS converteu-se num instrumento de grande utilidade em actividades como o transporte terreste, marítimo e aéreo, mas também é um instrumento eficaz para que o empresário possa conhecer como estão a ser utilizados os materiais postos à disposição do trabalhador e o que é mais controverso, onde está em cada momento.
A diferença entre o GPS e a videovigilância é que esta, além de permitir controlar não só onde o trabalhador se encontra a dado momento, permite saber o que o mesmo está a fazer. Isto é assim quando a actividade laboral se desenvolve nas instalações da entidade empregadora, mas se a mesma se desenrola extramuros, isto é, quando a própria natureza da actividade laboral pressupõe o seu desenvolvimento fora de um determinado local no interior das instalações empresariais, como é o caso das empresas de transporte, de táxi, de ambulância, etc., impõe-se a necessidade, não tanto de saber o que o trabalhador faz na cabine da viatura, mas essencialmente, controlar por onde anda, onde se encontra, para onde se dirige com a mesma, bem como os fins com que se utiliza o património da empresa.
Com a utilização do GPS o empregador pode seguir passo a passo o percurso do trabalhador e apesar de não ver o que este faz, sabe onde ele está a cada momento. E para se vigiar alguém não é necessário ver-lhe a face, mas tão só saber-se da sua posição, onde se encontra, por anda e por onde vai. E com os registos dos «passos do trabalhador» e da sua posição pode o empregador proceder a um tratamento de dados pessoais, identificando o respectivo condutor/trabalhador[49], assim, caindo no âmbito do artigo 17º, nº 2 do Código do Trabalho.
Em abono da nossa posição podemos socorrer-nos da Autorização nº 857/2005 da Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD)[50] onde uma empresa de telecomunicações fez um pedido de tratamento de dados pessoais com a finalidade de registar o tratamento e análise de reclamações de clientes do serviço Frotalink[51]. A CNPD salienta que ”[a]identificação das viaturas pode processar tratamentos pessoais estando em causa a protecção da privacidade e, eventualmente, o controlo de trabalhadores nos termos dos artigos 35.º, n.º 3 da Constituição e 7.º da Lei n.º 67/98.
De acordo com o considerando 14 da Directiva n.º 2002/58: os dados de localização podem incidir sobre a latitude, a longitude e a altitude do equipamento terminal do utilizador, sobre a direcção de deslocação, o nível de precisão da informação de localização, a identificação da célula de rede em que o equipamento terminal está localizado em determinado momento e sobre a hora de registo da informação de localização . Esta informação tem a natureza de dado pessoal nos termos do artigo 3.º da Lei n.º 67/98.
A transposição da Directiva competiu, na matéria em causa, à Lei 41/2004”.
E, deveras importante, adianta a mesma CNPD que ”[a]s informações captadas por GPS afiguram-se verdadeiros tratamentos de dados pessoais quando se identifica ou torna identificável um titular, pessoa singular.
[...].
Se alguém instala no seu veículo este sistema para protecção pessoal não terá que notificar a CNPD. Se uma empresa proceder à mesma instalação, para idêntica finalidade, em relação aos seus funcionários, esta Comissão deve ser notificada.
Nos tratamentos de dados pessoais com esta natureza deve tomar-se em consideração o artigo 20.º do Código do Trabalho.[52]”
A mesma Comissão através da orientação já aludida sobre «PRINCÍPIOS SOBRE A PRIVACIDADE NO LOCAL DE TRABALHO» considera que “As novas tecnologias têm um impacto decisivo na vida social, económica e nas relações estabelecidas entre empregadores e empregados; As novas tecnologias se apresentam como factor decisivo para a modernização, organização, aumento da produtividade e de competitividade os agentes económicos. Podem, simultaneamente, também, ser utilizadas para potenciar um maior controlo dos trabalhadores em matéria de produtividade, na verificação do grau de eficiência ou na apreciação da sua competência e, até, servir de instrumento de aferição do cumprimento das ordens e instruções da entidade empregadora”. A subordinação jurídica, quando confrontada com a utilização das novas tecnologias e com o tratamento de dados pessoais do trabalhador, deve ser adequada às exigências legais atinentes ao regime de protecção de dados, assumindo particular relevância, nomeadamente, os princípios da transparência, do direito de informação e acesso, boa-fé, lealdade, adequação, pertinência e o direito de oposição. A escolha dos meios de controlo, por parte do empregador, deve obedecer aos princípios da necessidade, suficiência, razoabilidade, da proporcionalidade e da boa-fé, devendo o empregador comprovar que escolheu as formas de controlo que têm menor impacto sobre os direitos fundamentais dos trabalhadores”, pelo que recomenda que as entidades empregadoras observem os seguintes princípios na utilização das novas tecnologias:
“1. Princípios Genéricos
1. Qualquer tratamento de dados pessoais que recorra a meios total ou parcialmente automatizados, ou utilize ficheiros manuais estruturados, e que tenha como finalidade o controlo de trabalhadores – por mínimo que seja – está submetido às disposições da Lei 67/98, de 26 de Outubro.”

Por outro lado, deveremos considerar que o elemento teleológico do artigo 20º do Código do Trabalho é a proibição da utilização de meios de vigilância à distância no local de trabalho, com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador, sob pena de violação do direito à reserva da vida privada do trabalhador. Esta protecção vai muito para além do direito à imagem, a qual justificaria que o âmbito da norma ficasse restrito à videovigilância, abrangendo a própria dignidade do trabalhador dado que o poder legítimo de controlo do empregador não justifica uma vigilância permanente e contínua sobre toda a actividade daquele[53].
Ora, a geolocalização mediante a utilização do GPS pode ser utilizada com o objectivo de “protecção de pessoas e bens”, mas não pode servir de meio de controle desempenho profissional do trabalhador, uma vez que a respectiva utilização com esses objectivos comprime o direito à reserva da vida privada do trabalhador.

Parece-nos ser patente que a utilização do GPS – como equipamento electrónico de vigilância e controlo que é – e o respectivo tratamento, implica uma limitação ou restrição do direito à reserva da intimidade da vida privada, consignada no artigo 26.º n.º 1 da CRP, nomeadamente uma restrição à liberdade de movimento, integrando esses dados, por tal motivo, informação relativa à vida privada dos trabalhadores.
Assim sendo, é nossa firme convicção de que, estando em causa o tratamento de dados pessoais e recolha de registos através da utilização do GPS, a mesma está sujeita às considerações previstas nos artigos 20º e 21º do Código do Trabalho.

4.3.
Decidido que o GPS está abrangido pelo âmbito dos artigos 20º e 21º do Código do Trabalho, há que verificar se o empregador deu cumprimento aos respectivos requisitos de utilização.

No caso em apreço, resulta da matéria de facto que o trabalhador se encontrava ao serviço de transporte de combustível da Petrogal, tendo-lhe sido distribuído há mais de 12 meses o veículo ..-AG-... Ora, tendo em atenção o tipo de actividade e a respectiva natureza a utilização do GPS, em abstracto, mostra-se lícita, uma vez que, além da protecção de segurança das pessoas e bens a natureza da actividade (perigosidade resultante do transporte de combustíveis) justificam essa mesma utilização (cfr. artigo 20º, nº 2 do CT).
Porém, não basta a satisfação daquelas exigências, necessário se torna que o empregador informe o trabalhador sobre a existência e finalidade dos meios de vigilância utilizados. É o chamado princípio da transparência, a que já aludimos e tivemos ocasião de explicitar, que obriga o empregador a informar os trabalhadores de como, quando e de que forma o controlo electrónico é realizado.
Ora, no caso em apreço, não resulta da matéria de facto provada nenhum facto específico que indique que o empregador tenha informado o trabalhador da instalação do GPS na sua viatura, como refere o Recorrente no seu ponto 133 das alegações de recurso. A confusão resultará certamente da motivação da matéria de facto e das declarações de algumas das testemunhas, conforme o que expusemos aquando da apreciação da impugnação da matéria de facto. No entanto, resulta da apreciação global dos factos dados como provados esse conhecimento [cfr. alíneas N), O), P), S)].
Contudo, tal dever de informação para ser realizado na sua plenitude, tem de ir muito mais além do que a mera informação ao trabalhador da instalação do GPS na sua viatura. Como já anteriormente salientamos, tal obrigação, que impende sobre o empregador, abrange não só a informação ao trabalhador da existência dos meios de vigilância utilizados, mas também sobre a respectiva finalidade destes meios (artigo 20º, nº 3 do Código do Trabalho), ou seja, a comunicação ao trabalhador das condições e o alcance dos compromissos que podem ser realizados relativamente ao tratamento de dados pessoais que vai ser realizado, para que este tenha conhecimento do tipo, do tempo e por quem o controlo está a ser realizado. O que manifestamente não foi levado a cabo pela aqui Recorrida.
O incumprimento do dever de informação acarreta preterição de requisito de licitude da utilização de meios de vigilância à distância[54].
Independentemente desta questão, estipula-se ainda no artigo 21º, nº 1 do Código do Trabalho, que a utilização de meios de vigilância à distância no local de trabalho está sujeita à autorização da Comissão Nacional de Protecção de Dados. Acontece, que no caso em apreço não está demonstrado que essa autorização tenha ocorrido, nem sequer que a mesma tenha sido requerida.
A demostração destes elementos incumbe à entidade empregadora, pois pretendendo a mesma socorrer-se da utilização do GPS e fazer prova através dos seus registos de determinados factos, a ela pertence tal encargo face ao estatuído no artigo 342º, nº 1 do Código Civil.

4.4.
Decidido que o empregador não deu cumprimento aos requisitos de utilização previstos nos artigos 20º e 21º do Código do Trabalho, chegou a altura de saber quais as consequências jurídicas daí advenientes.

A consequência da utilização ilícita dos meios de vigilância à distância invalida a prova obtida para efeitos disciplinares. Assim, à luz do artigo 32º, nº 8 da Constituição da República Portuguesa, a prova produzida através desses registos é nula, uma vez que a sua aquisição, o seu tratamento e posterior utilização constitui uma evidente violação da dignidade e privacidade do trabalhador, não podendo, assim, a mesma ser utilizada como meio de prova em sede de procedimento disciplinar[56] [57].
Já TERESA ALEXANDRA COELHO MOREIRA[58] está de acordo com tal proibição, no entanto, admite que, «em determinadas circunstâncias, pode ser lícita a utilização de dados com fins disciplinares quando o que se descobre acidentalmente são factos particularmente gravosos, e que constituem ilícitos penais de relevo. Parece, assim, que o principio da finalidade […] não deve amparar a impunidade dos que nele se refugiam para cometer ilícitos, nem lesar o direito do empregador a proteger-se do prejuízo ou da responsabilidade que poderá derivar das acções licitas dos seus trabalhadores como seria o caso, inter alia, de agressões, roubos e furtos[59] ». Acrescenta[60], porém, que a utilização desses dados, além de constituírem ilícitos penais que consubstanciam infracções disciplinares graves, a imagem (ou qualquer outro registo, acrescentamos nós) não pode constituir a única prova[61].
DAVID OLIVEIRA FESTAS[62] tem posição diferente ao defender que “ estranho seria que a videovigilância, instalada e utilizada, por exemplo, para a protecção e segurança de pessoas e bens, não pudesse fundamentar uma actuação contra aqueles que, pelas funções que desempenham, mais poderão atentar contra as finalidades que a instalação visa defender. Assim, cumpre proteger pessoas e bens não apenas contra actos ilícitos de terceiros mas também de trabalhadores”. Esta também é a posição de URIA MENÉNDEZ[63] o qual salienta, na estribeira de AMADEU GUERRA[64],que “[s]e é verdade que os trabalhadores não perdem a sua qualidade de cidadãos no exercício da sua actividade laboral, não é menos verdade que não beneficiam de uma especial protecção e impunidade pelo simples facto de terem celebrado um contrato de trabalho”.
Esta corrente doutrinal teve acolhimento no Acórdão da Relação de Évora de 09.11.2010[65] ao referir que “[a] limitação constante do nº 1 do artigo 20º do CT/2003, não deve ser acolhida quando a violação cometida pelo trabalhador seja igualmente atentatória da finalidade de protecção e segurança de pessoas e bens para que foi concedida, pois seria estranho que a videovigilância, instalada e utilizada para a protecção e segurança de pessoas e bens, não pudesse fundamentar uma actuação contra aqueles que, pelas funções que desempenham, mais poderão atentar contra as finalidades que a instalação visa defender”. Este aresto mereceu a discordância por parte de TERESA ALEXANDRA COELHO MOREIRA[66] para quem este entendimento «significa que a finalidade da instalação, que é a da protecção de pessoas e bens, parte da premissa que todos os trabalhadores são potenciais criminosos, pois refere que “ pelas funções que desempenham, mais poderão atentar contra as finalidades que a instalação visa defender”.

5.
Acrescentamos ainda que mesmo que perfilhássemos o entendimento adoptado no Acórdão do STJ de 22.05.2007, a que já aludimos, no sentido de que o GPS não estava abrangido no âmbito do artigo 20º do Código do Trabalho, a verdade é que a utilização do mesmo e a posterior recolha, armazenamento e uso dos seus registos, não pode violar o direito à reserva da intimidade da vida privada do trabalhador. Como já dissemos quando abordamos esta questão, este direito tem garantias constitucionais e legais, que se impõem tanto às entidades públicas como às privadas e a sua violação tem efeitos erga omnes.
E, como já se referiu, o tratamento de dados pessoais que recorra a meios total ou parcialmente automatizados, ou utilize ficheiros manuais estruturados, e que tenha como finalidade o controlo de trabalhadores – por mínimo que seja – está submetido às disposições da Lei 67/98, de 26 de Outubro.
Como salienta MARIA REGINA GOMES REDINHA[67] «Sob a epígrafe protecção de dados pessoais o Código acolhe não apenas a protecção de dados stricto sensu, como o direito à recolha de informação. No que respeita à protecção de dados pessoais recolhidos, temos, no essencial, uma transposição da regulamentação geral da matéria constante do art. 35º da Constituição da República e da Lei nº 67/98, de 26-10, nomeadamente no que se refere ao acesso, controlo e conhecimento da finalidade da recolha ou do tratamento. Deste modo, o trabalhador ou o candidato a emprego vê reafirmado o seu direito ao controlo de dados, aqui englobando o conhecimento do seu teor e finalidade, e o direito de rectificação e actualização — art. 17º, nº 3[68]. Quanto aos ficheiros e acessos informáticos que incluam dados pessoais o Código remete sem mais para a lei de protecção de dados — art. 17º, nº 5[69] — pelo que o empregador tem, em princípio, obrigação de notificar a Comissão Nacional de Protecção de Dados do tratamento de dados a que irá proceder – art. 27º, Lei 67/98.
Contas feitas, temos que nesta matéria de protecção de dados pessoais, a lei aplicável continua a ser a Lei nº 67/98, seja por força da reafirmação dos seus princípios fundamentais, seja por reenvio directo».
E nesta lei[70] impõe-se que qualquer entidade ou indivíduo que pretenda proceder ao tratamento de dados pessoais deve notificar previamente a Comissão Nacional de Protecção de Dados desse objectivo (art. 27.º). Além do mais, ter-se-ão de observar os princípios gerais consagrados no referido diploma, como sejam, o (i) princípio da transparência dos dados (art. 2.º)[71], o (ii) princípio da qualidade dos dados (art. 5.º, n.º 1, alínea c)[72]; o (iii) princípio da finalidade (art. 5.º, n.º 1, alínea b)[73]; o (iv) princípio da legitimidade do tratamento dos dados pessoais (art. 6.º)[74]; o (v) princípio da limitação do período de conservação dos dados (art. 5.º, n.º 1, alínea e))[75]; o (vi) princípio da proibição da tomada de decisões automatizadas (art. 13.º)[76]; o (vii) princípio da confidencialidade (art. 17.º)[77]; o (viii) princípio da notificação (art. 27.º)[78].

E, no caso, a utilização de tais registos viola frontalmente o direito à reserva da intimidade da vida privada do trabalhador, não só porque não foram tidos em conta os princípios estabelecidos na LPDP, como não foi tido em conta na sua utilização o princípio geral da boa-fé e da lealdade entre os contraentes, que obriga a que na execução do contrato, o empregador informe o trabalhador de todas e quaisquer alterações que possam influenciar ou afectar a relação anteriormente estabelecida, nomeadamente que o trabalhador tenha conhecimento no mais curto lapso de tempo possível de que vai ser sujeito a observação.
Estamos perante tecnologias, que como refere MARIA REGINA GOMES REDINHA[79], «vieram redefinir ou diluir as noções de tempo e local de trabalho e que ameaçam constantemente a conservação de uma esfera pessoal e até a integridade do trabalhador». E, como refere a mesma Autora[80] «a não inclusão dos direitos de personalidade na legislação do trabalho não significa uma absoluta ausência de protecção, o contrato de trabalho não é nem nunca foi uma licença para matar a dignidade humana, não obstante a imanente conflitualidade que o caracteriza, pois dispusemos sempre do recurso aos instrumentos gerais de tutela da Constituição e do Código Civil. Simplesmente, esta tutela geral nem sempre se revelou suficientemente plástica e dirigida para as especificidades da relação laboral. E, por isso, é benéfico este enriquecimento, tanto mais que, salvo as excepções legitimadoras da regra, a nossa jurisprudência tem denotado um vezo neo-positivista e formalista pouco dado ao aproveitamento criativo ou exaustivo das potencialidades de princípios e cláusulas gerais que nesta matéria são frequentemente convocados, como é o caso da tutela geral de personalidade prevista no art. 70º do Código Civil».
Secundando, mais uma vez a Autora que ultimamente temos mencionado, diremos que «um dos aspectos mais problemáticos da relação laboral moderna é, precisamente, a salvaguarda de uma esfera pessoal no tempo e local de trabalho. As potenciais agressões desmultiplicam-se e a omnipresença do “contramestre” podem alcançar o que se faz, quando e durante quanto tempo. As comunicações telefónicas, as conexões à internet, os movimentos no local de trabalho, a exacta localização geográfica do trabalhador, as pausas e o tempo útil de actividade, tudo pode ser monitorizado. Não se trata somente de resguardar a intimidade da vida privada do trabalhador, de resto também prevista no Código, mas de (re)estabelecer o direito a uma vida pessoal no trabalho, o direito a conservar um espaço de reserva, livre do constrangimento que representa a contínua exposição ao “olhar da Medusa”[82].

Assim sendo, é clarividente que os dados pessoais referentes ao trabalhador, aqui recorrente, não foram recolhidos de forma lícita e em obediência aos imperativos legais, pelo que não poderão ser utilizados pelo empregador como meio de prova em sede de procedimento disciplinar.

4.3.
Aqui chegados cumpre verificar quais os factos considerados provados pelo Tribunal a quo tiveram o seu fundamento nos registos do GPS.
Resulta de forma evidente de que os factos constantes nas alíneas BB a EEE derivam dos registos provenientes do GPS, sendo as alíneas BBB a EEE conclusões e repercussões dos factos derivados desses registos.
Ora, todos estes factos derivam de um meio de prova ilícito, pelo que os mesmos não podem ser considerados, conforme acima expusemos, nem valorados em sede de procedimento disciplinar – como é o caso em apreço.
No que tange aos factos insertos nas alíneas U a AA entendemos que os mesmos devem ser considerados nesta sede, uma vez que derivam de uma circunstância legítima face ao facto de o trabalhador, contra as ordens que tinha, não ter o seu telemóvel de serviço acessível ou ligado, e assim se encontrar incontactável. Nesta situação é legítima a actuação da empregadora no sentido de proteger não só os seus bens como o próprio trabalhador.

4.3.1.
Alega a recorrida, aliás secundando a sentença recorrida, que seria possível chegar às mesmas conclusões e demonstrar os mesmos factos registados no GPS, através dos registos do tacógrafo instalado no veículo atribuído ao recorrente ou até através da via verde.
Ora, salvo o devido respeito, não podemos concordar com esta tese.
Em primeiro lugar, mesmo que assim fosse, no caso em apreço, não está em causa a utilização dos tacógrafos ou até da via verde. E, ao contrário, do que se alega nenhum destes mecanismos tem as virtudes (ou defeitos) do GPS, já que as finalidades são diferentes. Se assim fosse, questiona-se a razão da colocação do GPS no veículo. É que o “O tacógrafo digital, ou aparelho de controlo, é um equipamento destinado a ser instalado em veículos dedicados ao transporte rodoviário a fim de indicar, registar e memorizar, automática ou semi-automaticamente, dados relativos à condução desses veículos e aos tempos de trabalho e de repouso dos condutores.
O aparelho de controlo (tacógrafo digital) deve ser instalado e utilizado nos veículos afectos ao transporte rodoviário de passageiros ou de mercadorias, matriculados em Portugal a partir do dia 1 de Maio de 2006, com excepção dos veículos enunciados no artigo 3.º do Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março e no artigo 2.º da Portaria n.º 222/2008, de 5 de Março[83]”.
Daqui resulta que o tacógrafo não indica o local onde o trabalhador se encontra a cada momento e o mesmo também não tem como finalidade o controlo ou a vigilância do trabalhador, nem o respectivo desempenho. Se assim fosse, pôr-se-ia em causa o direito à privacidade do trabalhador, conforme já expusemos, e seria também um mio de prova ilícito. Aliás ele tem como fundamento a protecção do trabalhador, de modo a que o mesmo tenha o descanso necessário e adequado ao desenvolvimento da sua actividade profissional e é uma forma de as respectivas autoridades poderem controlar as pausas e a duração do tempo de condução.
E o mesmo se dirá da via verde que ”é um sistema automático de cobrança de serviços oferecido a partir da utilização do Identificador, para permitir maior rapidez e comodidade, no pagamento em mais de 300 portagens, 101 postos de abastecimento de combustível (GALP) e 97 parques de estacionamento”[84] e cuja utilização nunca poderá ser a de controlo ou vigilância do trabalhador por parte da entidade empregadora.

4.3.2.
Mais alega a Recorrida que o trabalhador admitiu no seu depoimento de parte “ter alterado os trajectos que lhe haviam sido fixados na ordem de serviço, bem como admite que esteve nas localidades de Trofa e Vila do Conde, ou seja, confirmou os registos do GPS”.
Em primeiro lugar diremos que não se encontra reduzido a escrito qualquer confissão por parte do depoente/trabalhador, como é imposto pelo nº1 do artigo 563º do Código de Processo Civil.
Mas independentemente dessa questão formal, resulta da motivação à matéria de facto dada pelo Tribunal a quo efectivamente que o mesmo alicerçou a sua convicção, inter alia, no depoimento de parte do trabalhador “quando lhe foi perguntado onde se deslocava na Trofa e em Vila do Conde. O mesmo foi vago, impreciso, titubeante, aflito, diria mesmo, sem conseguir precisar a quem foi vender combustível (pois que foi esta a explicação que deu para tais deslocações). Seria de pensar que no dia em que foi confrontado com dúvidas sobre o porquê da sua deslocação a Vila do Conde, se esta correspondesse a um serviço efectivamente prestado a um cliente da Petrogal, pelo menos em relação a essa, soubesse ter dito, logo então e posteriormente no procedimento disciplinar, a quem foi vender o combustível.
Não é crível que quem perdeu o emprego por alagadas deslocações indevidas, não procure justificar de forma concreta onde se deslocou (o nome do cliente) se estivesse efectivamente ao serviço da Petrogal. Note-se que não colhe a argumentação de não saber o respectivo nome, pois que quem se deslocou tantas vezes ao mesmo local, certamente saberia dizer a quem vendeu o combustível pois que, não constando tais deslocações das escalas de serviço (e não constam), os documentos de suporte do transporte seriam emitidos pelo próprio motorista que, assim, teria de o saber e utilizar em concreto.
Quanto ao que o A. sabia ou não sobre os registos de gps, aos quais, segundo as testemunhas da própria empregadora, não tinha tido acesso anterior, é o próprio trabalhador que, na resposta à nota de culpa, fls. 101, art. 4º, faz referência à sua existência para verificação dos factos que lhe eram imputados na nota de culpa, admitindo-se assim que sabia bem mais do que admitiu agora no processo sobre os elementos registados”. No entanto, não resulta daqui que o mesmo tenha confessado os factos que lhe foram imputados e que derivam dos registos do GPS. Mas mesmo que assim fosse, dois aspectos haverá que atender:
(i)O primeiro lugar, é que a confissão, assim entendida pela Recorrida, está sujeita ao princípio da indivisibilidade, ou seja, de acordo com o preceituado no artigo 360º do Código Civil, «se a declaração confessória, judicial ou extrajudicial, for acompanhada da narração de outros factos ou circunstâncias tendentes a infirmar a eficácia do facto confessado ou a modificar ou extinguir os seus efeitos, a parte que dela quiser aproveitar-se como prova plena tem de aceitar também como verdadeiros os outros factos ou circunstâncias, salvo se provar a sua inexactidão». E, no caso, o depoente no seu depoimento indica circunstâncias tendentes a infirmar a aludida confissão.
(ii)Em segundo lugar, mesmo a aceitar que estávamos perante uma confissão, a mesma deriva de questões que foram colocadas ao trabalhador/depoente tendo por base factos que derivam ou têm como suporte probatório um meio ilícito e que não pode ser valorado. Só através da utilização de um meio de prova ilícito é que se teve conhecimento de factos que posteriormente foram questionados ao trabalhador. Não fosse aquele conhecimento ilícito nunca esta confissão poderia ter ocorrido. Ora, esta segunda prova – a aludida confissão – é aquilo que se chama um “fruto envenenado[85]”.
Numa aproximação ao direito penal diremos de forma breve que se trata daquilo a que se apelida de “taint doctrine” (“doutrina da nódoa” ou “Makel-Theorie”, “réplica germânica” da teoria da “fruit of the poisonous tree”). E nesta doutrina discute-se os efeitos derivados da prova ilícita, o chamado «efeito à distância”, ou seja, saber “se os seus efeitos apenas se restringem ao meio de prova obtido directamente de maneira proibida ou se são extensivos (efeito extensivo, efeito à distância) aos meios de prova indirectamente obtidos, ou seja, se os meios de prova obtidos através e na sequência de meio de prova proibido podem ser valorados pelo Tribunal”[86].
A resposta, nesta questão em apreço, não pode deixar de ser de que tais efeitos se estendem à confissão, apesar de esta ter sido obtida licitamente, uma vez que a primeira das provas o foi contra a violação de princípios constitucionais do trabalhador, como seja, o princípio da reserva à privacidade da vida privada. E sendo esta – a confissão – uma prova reflexa, secundária ou indirecta, obtida através da primeira, a mesma não pode ser usada contra o trabalhador, na medida em que esta só teve lugar através de questões colocadas ao trabalhador derivadas de factos cujo único conhecimento deriva da utilização de um meio de prova ilícito, sendo tal proibição abrangida pelo artigo 32º, nº 8 da Constituição da República Portuguesa[87]. A confissão[88] é, assim, uma prova ilícita por derivação.
5.
DA (I)LICITUDE DO DESPEDIMENTO DO AUTOR

5.1.
No elenco das sanções disciplinares (art. 328º) o despedimento é a mais gravosa.
O artigo 53º da Constituição da República Portuguesa consagra o princípio da estabilidade no emprego proibindo os despedimentos sem justa causa. Princípio este que cede quando a permanência do trabalhador na empresa ponha em causa a existência ou a eficácia da estrutura produtiva, fruto de um seu comportamento culposo ou ilícito.
Na aplicação das sanções disciplinares, face ao princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 330º do Código do Trabalho, é necessário ponderar a gravidade da infracção e a culpa do infractor.
De acordo com o disposto no artigo 351º, nº 1, do C. T. constitui justa causa de despedimento “o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho”.
A definição de justa causa assenta assim num particular juízo de censura sobre um comportamento culposo do trabalhador, violador dos respectivos deveres laborais[89].
Entendido o despedimento como a pena de morte das sanções disciplinares, a sua aplicação só é legítima e válida quando a gravidade da falta cometida o justifica.
A gravidade calcula-se pela infracção em si, pelo grau de culpabilidade do trabalhador e pelas consequências em que ocorreu a sua prática.
A existência de justa causa pressupõe a verificação cumulativa de três requisitos:
1º – Um comportamento ilícito, culposo do trabalhador, violador dos deveres de conduta ou de valores inerentes à disciplina laboral, que seja grave em si mesma e nas suas consequências – é o elemento subjectivo da justa causa;
2º – a impossibilidade prática e imediata de subsistência do vínculo laboral – é o elemento objectivo da justa causa;
3º – a verificação de um nexo de causalidade entre os dois elementos anteriores, no sentido em que a impossibilidade de subsistência do contrato tem que decorrer, efectivamente, do comportamento do trabalhador outro, configurado na existência de nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade.[90]
No que concerne ao primeiro dos elementos – o subjectivo – convém esclarecer, conforme refere Maria do Rosário Palma Ramalho,[91] “A exigência de ilicitude do comportamento do trabalhador não resulta expressamente do art. 351º, nº 1[92], mas constituiu um pressuposto geral do conceito de justa causa para despedimento[93], uma vez que, se a actuação for lícita, ele não incorre em infracção que possa justificar o despedimento.
O acto ilícito e culposo há-de corresponder a uma violação grave, por parte do trabalhador, dos seus deveres contratuais (seja dos deveres principais, secundários ou acessórios), por acção ou omissão, não sendo necessário que essa violação ocorra no local de trabalho[94], podendo essa violação revestir qualquer uma das três modalidades de incumprimento das obrigações: o não cumprimento definitivo, a simples mora e o cumprimento defeituoso.
A culpa do trabalhador (a título de dolo ou negligência) há-de ser apreciada segundo um critério objectivo, isto é, pela diligência que um bom pai de família teria adoptado, em face das circunstâncias do caso (art.º 487.º, n.º 2, do C.C.), e não segundo os critérios subjectivos do empregador[95]. Neste contexto, também devem ser relevadas e valoradas as circunstâncias atenuantes e as causas de exclusão da culpa que possam ter existido[96], nomeadamente, o estado de necessidade desculpante, o erro, a falta de consciência da ilicitude do facto, a anomalia psíquica ou obediência desculpante[97].
Para que se verifique a justa causa, não é suficiente um qualquer incumprimento dos deveres contratuais, por parte do trabalhador. É necessário, ainda, que se trate de um comportamento que, pela sua gravidade[98] e consequências, leve a concluir que a subsistência da relação de trabalho se tornou imediata e praticamente impossível.
No entanto, a impossibilidade em questão não é uma impossibilidade de ordem material, correspondendo, antes, a uma situação de inexigibilidade reportada a um padrão essencialmente psicológico, qual seja o das condições mínimas de suporte de uma vinculação duradoura, implicando mais ou menos frequentes e intensos contactos entre os sujeitos[99], e que, na apreciação dessa inexigibilidade, há que atender, no quadro da gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses da entidade empregadora, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes (art.º 351.º, n.º 3, do CT), tudo à luz dos critérios de um bonus paterfamilias, ou seja, de um empregador normal, e não à luz da sensibilidade do real empregador.
O conceito de justa causa é assim um conceito indeterminado, pois não facultando uma ideia precisa quanto ao seu conteúdo, aponta para modelos de decisão a elaborar em concreto e, constituindo a mais grave das sanções disciplinares, visa o sancionamento da conduta do trabalhador que, pela sua gravidade objectiva e pela imputação subjectiva, torna impossível a subsistência das relações que o contrato de trabalho supõe[100].
A inexigibilidade há-de, pois, ser aferida através de um juízo de probabilidade, de prognose, sobre a viabilidade da relação de trabalho, sendo de concluir pela existência de justa causa quando, sopesando os interesses em presença, se verifique que a continuidade da vinculação representaria, objectivamente, uma insuportável e injusta imposição ao empregador, isto é, quando, nas circunstâncias concretas, a permanência do contrato e das relações (pessoais e patrimoniais) que ele supõe seriam de molde a ferir de modo desmesurado e violento a sensibilidade e a liberdade psicológica de uma pessoa normal colocada na posição do empregador[101].
Podemos, assim concluir, que a justa causa pressupõe sempre uma infracção por parte do trabalhador, ou seja, uma violação, deste, por acção ou omissão, de deveres legais ou contratuais, nestes se incluindo os deveres acessórios de conduta derivados da boa fé no cumprimento do contrato; e é sobre essa actuação ilícita que deve recair um juízo de censura ou de culpa e a posterior ponderação sobre a viabilidade de subsistência, ou não, do vínculo contratual.
A este propósito, a doutrina e a jurisprudência vêm sublinhando o papel da confiança no vínculo laboral, acentuando a forte componente fiduciária da respectiva relação.
Reiteradamente o Supremo Tribunal de Justiça tem mencionado que ao quebrar-se a confiança entre o empregador e o trabalhador, deixa de existir o suporte mínimo para a manutenção dessa relação: porque o contrato de trabalho assenta numa base de recíproca confiança entre as partes, se o comportamento do trabalhador de algum modo abala e destrói essa confiança, o empregador interioriza legitimamente a dúvida sobre a idoneidade futura da sua conduta[102].
No mesmo sentido temos Batista Machado[103] ao referir que […] o núcleo mais importante de violações do contrato, capazes de fornecer justa causa à resolução, é constituído por violações do princípio da leal colaboração imposto pelo ditame da boa fé. Em termos gerais, diz-se que se trata de uma quebra da “fider” ou da base de confiança do contrato (…). Esta é afectada quando se infringe o dever de leal colaboração, cujo respeito é necessário ao correcto implemento dos fins prático-económicos a que se subordina o contrato.
O mesmo acontece com Lobo Xavier ao salientar o relevo da confiança mútua, afirmando que integra justa causa, o […] comportamento que vulnera o pressuposto fiduciário do contrato[104].

5.1.2.
Assim enquadrado o conceito geral de justa causa, importa apurar se a mesma se verificou no caso concreto.
A decisão recorrida entendeu que o comportamento do Autor/trabalhador se enquadrava no conceito de justa causa para o despedimento, pelo que, considerou o despedimento lícito. Fundamentou a sua posição nos seguintes argumentos:
“Com todo o respeito por opinião contrária, dificilmente nos depararíamos com uma situação tão ostensivamente violadora da relação de confiança que o empregador tem de ter num motorista que conduz veículos de transporte de mercadorias perigosas.
Como flui da matéria de facto provada, em menos de três meses, foram 18 as vezes em que o trabalhador, tendo como destino de entrega de combustível uma localidade situada a sul de Matosinhos, rumou a norte e, ora em Vila do Conde ora na Trofa, esteve imobilizado, com o veículo carregado de combustível, por períodos variáveis, mas sempre dentro do respectivo horário de trabalho.
Desconhece-se o que esteve o A. a fazer.
O que se sabe é que a empregadora – e por via indirecta a Petrogal enquanto cliente daquela a cujo serviço o trabalhadora estava afecto – não lhe determinou tais deslocações.
Está assim em causa, por um lado, os Kms que foram por si a mais percorridos e, por outro, o tempo de trabalho despendido a fazer algo que não estava no plano de trabalho do trabalhador e que gerou para a R. o pagamento de horas extraordinários ao A. pois que o tempo restante não foi suficiente para a conclusão do transporte que lhe havia sido efectivamente determinado.
Está em causa também a irresponsabilidade de quem não percebe os riscos de circulação de um veículo pesado de combustíveis e que, por não o perceber, circula com o mesmo para além do percurso estritamente necessário ao transporte da mercadoria do local de recolha ao local de entrega.
Está em causa também o comportamento de quem ignora que circulando em locais onde não era suposto encontrar-se (porque simplesmente não se situam geograficamente entre os pontos de recolha e entrega da mercadoria), corre o risco de ser fiscalizado pelas autoridades policiais e, dessa forma, a cliente da sua empregadora, no caso a Petrogal, tomarem conhecimento que a mercadoria – perigosa, com restrições de circulação – cujo transporte solicitaram andava sem qualquer controlo na estrada, elevando os riscos que o transporte destas mercadorias já potencia e que deve restringir-se ao necessário para abastecimento dos respectivos clientes – veja-se o que dispõe o DL 147/2003, de 11/07 que disciplina os documentos que devem sempre acompanhar as mercadorias em circulação, estando em violação a tal diploma a circulação de uma mercadoria em Vila do Conde cujo local de carga foi Matosinhos e tem como local de descarga Aveiro.
A mercadoria perigosa transportada andou, literalmente, a “passear” entre as localidades de Matosinhos, Vila do Conde e Trofa sem qualquer explicação e pela livre iniciativa do trabalhador que a transportava.
O A. violou assim os deveres que resultam das alíneas a), e), g), h), i), j) do nº1 do art. 128º do C. do Trabalho.
Não é legítimo defender-se que é ainda exigível que uma empresa mantenha ao seu serviço um trabalhador que coloca em causa o contrato que a empregadora tem com a cliente Petrogal, causa prejuízos económicos – o custo dos Kms percorridos a mais e o tempo de trabalho pago e que não aproveitou á empregadora -, mas que, sobretudo, revela irresponsabilidade numa matéria tão sensível como é o transporte de mercadorias perigosas.
Entendemos assim que o comportamento do trabalhador viola efectivamente, de forma grave e irremediável, os deveres a que está obrigado enquanto trabalhador, pelo que existe justa causa que legitima a cessação do contrato de trabalho por preenchimento do disposto no art. 351º, nº1, do C. do Trabalho”.

5.1.3.
Acontece, no entanto que a grande parte dos factos considerados pela sentença recorrida como consubstancia dores da violação dos direitos laborais por parte do Recorrente/trabalhador e da justa causa do seu despedimento não podem ser valorados, conforme atrás deixamos exposto.
Assim sendo, apenas nos podemos basear nos restantes factos não atingidos pela ilicitude do meio de prova, como sejam, para o que aqui interessa, os factos constantes nas alíneas U a AA. Ora, destes factos resulta que o trabalhador, ao arrepio das ordens que tinha, tinha o seu telemóvel de serviço desligado ou inacessível, impossibilitando o contacto que a Petrogal lhe queria fazer e encontrando-se em local não abrangido pelo percurso que lhe foi destinado naquele dia.
Como se sabe os deveres a que o trabalhador está adstrito estão elencados no artigo 128º do Código do Trabalho e o incumprimento baseado no comportamento ilícito e culposo do trabalhador tanto pode proceder do desrespeito de deveres principais, como o dever de realizar o trabalho com zelo e diligência [alínea c)], de deveres secundários, como o dever de velar pela conservação e boa utilização de bens relacionados com o seu trabalho que lhe forma confiados pelo empregador [alínea g)], ou de deveres acessórios de conduta, deduzidos do princípio geral da boa-fé no cumprimento das obrigações, acolhido no n.º 2 do artigo 762.º do Código Civil e reiterado no artigo 126º do Código do Trabalho, figurando, entre eles, o dever de guardar lealdade ao empregador, nomeadamente não negociando por conta própria ou alheia em concorrência com ele, nem divulgando informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios [alínea f)], que são apenas afloramentos do dever de lealdade, como flui do termo «nomeadamente» aí utilizado.

Por sua vez, o artigo 351º do Código do Trabalho, sob a epígrafe “Noção de justa causa de despedimento”, dispõe:
1 — Constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
2 — Constituem, nomeadamente, justa causa de despedimento os seguintes comportamentos do trabalhador:
a) Desobediência ilegítima às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores;
b) Violação de direitos e garantias de trabalhadores da empresa;
c) Provocação repetida de conflitos com trabalhadores da empresa;
d) Desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, de obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto de trabalho a que está afecto;
e) Lesão de interesses patrimoniais sérios da empresa;
f) Falsas declarações relativas à justificação de faltas;
g) Faltas não justificadas ao trabalho que determinem directamente prejuízos ou riscos graves para a empresa, ou cujo número atinja, em cada ano civil, cinco seguidas ou 10 interpoladas, independentemente de prejuízo ou risco;
h) Falta culposa de observância de regras de segurança e saúde no trabalho;
i) Prática, no âmbito da empresa, de violências físicas, injúrias ou outras ofensas punidas por lei sobre trabalhador da empresa, elemento dos corpos sociais ou empregador individual não pertencente a estes, seus delegados ou representantes;
j) Sequestro ou em geral crime contra a liberdade das pessoas referidas na alínea anterior;
l) Incumprimento ou oposição ao cumprimento de decisão judicial ou administrativa;
m) Reduções anormais de produtividade.
3 — Na apreciação da justa causa, deve atender -se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes.

Ora, se é certo que o trabalhador no dia 02.12.2011 teve um comportamento violador de tais deveres, nomeadamente, o dever de zelo e diligência e o dever de obediência às ordens legitmamente recebidas da sua entidade empregadora, a questão que colocamos é saber se tal violação constituiu justa causa de despedimento.
Tal comportamento, pela sua gravidade e consequências, pôs em crise a relação de trabalho, tornando impossível a sua subsistência? A continuidade do vínculo laboral representa para a Recorrida, entidade patronal, uma insuportável e injusta imposição? No caso concreto a permanência do contrato e das relações (pessoais e patrimoniais) que ele supõe serão de molde a ferir de modo desmesurado e violento a sensibilidade e a liberdade psicológica de uma pessoa normal colocada na posição da entidade empregadora?
Se «na base da justa causa há-de estar um comportamento culposo do trabalhador, a verdade é que esse comportamento, por si só, não constitui a situação de justa causa»...« decisivo é averiguar se esse comportamento foi de tal forma grave que tenha por consequência tomar impossível a prossecução da relação de trabalho»[105].
Se é certo que os factos revestem alguma gravidade, a verdade é que a mesma não releva um grau tão desmesurado que imponha o corte e o fim da relação laboral. Gravidade essa que pode muito bem ser punida com uma medida sancionatória não extintiva da relação contratual, isto apesar de já ter sido sancionado em 29/11/2004 com uma pena disciplinar de 10 dias de suspensão sem vencimento que cumpriu. Mostra-se assim desproporcional a medida punitiva do despedimento encontrada para sancionar os factos praticados pelo trabalhador
Assim, considera-se que, no presente caso, a sanção de despedimento é excessiva, na medida em que o comportamento da trabalhadora não é enquadrável nos nºs 1, e 3 do artigo 351º do Código do Trabalho, tendo em conta que a sanção deve ser proporcional à gravidade da infracção e à culpabilidade do infractor, conforme dispõe o nº 1 do artigo 330º do mesmo Código, não sendo os factos, apesar de revestirem alguma gravidade, susceptíveis de criarem uma situação geradora de uma absoluta necessidade de fazer fracturar a relação laboral.
Sendo assim, os factos não integram causa que justifica o despedimento, sendo o mesmo ilícito (artigo 381º, nº 1, alínea b) do CT).

5.1.4.
Decidida a ilicitude do despedimento compete apreciar agora as respectivas consequências jurídicas, nomeadamente, o quantum indemnizatório.

A declaração de ilicitude do despedimento tem como consequência:
i) Que o empregador seja condenado a indemnizar o trabalhador por todos os danos, patrimoniais e não patrimoniais, causados [artigo 389º, nº 1, alínea a) do CT];
ii) Que o empregador seja condenado a reintegrar o trabalhador no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade [artigo 389º, nº 1, alínea b) do CT]; ou, em substituição da reintegração, caso seja essa a opção do trabalhador que pode ocorrer até ao termo da discussão em audiência final de julgamento, a condenação no pagamento de uma indemnização a fixar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude decorrente da ordenação estabelecida no artigo 381º[106], não podendo ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades, contando-se para o efeito o tempo decorrido desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial [artigo 391º, nºs 1, 2 e 3 do CT];
iii) no pagamento da importância correspondente ao valor das retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento (deduzida do montante das retribuições respeitantes ao período decorrido desde o despedimento até 30 dias antes da propositura da acção, se esta não for proposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento, bem como das importâncias que o trabalhador aufira com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento e, ainda, do montante do subsídio de desemprego atribuído ao trabalhador no período que mediou entre o despedimento e o trânsito em julgado da decisão que declarou a ilicitude deste) [artigo 390º do CT].

No caso o Autor declarou optar pela indemnização em substituição da reintegração (cfr. artigo 159º do seu articulado de resposta).
O autor foi admitido ao serviço da ré em 27 de Janeiro de 1987 e o contrato terminou no dia 10 de Janeiro de 2012.
O autor auferia como retribuição base na altura do despedimento a quantia mensal de € 582,06 e de diuturnidade € 74,88, ou seja, num total de € 656,94.
Há, assim, que proceder à graduação do número de dias de retribuição a atender por cada ano, uma vez que a moldura legal se encontra fixada entre 15 e 45 dias, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude decorrente da ordenação estabelecida no artigo 381º.
Quanto ao critério da retribuição, entendem uns que ele não constitui verdadeiramente nenhuma indicação, sendo irrelevante enquanto tal, enquanto outros opinam no sentido de que ela deve ser tomada na razão inversa da sua grandeza, isto é, quanto menor for a retribuição auferida pelo trabalhador, maior deve ser o número de dias a atender no cálculo da indemnização e quanto maior for a retribuição auferida, menor deverá ser o número de dias a graduar entre os 15 e 45, de modo que um trabalhador que aufira uma retribuição próxima do nível do salário mínimo deverá ser contemplado com uma indemnização calculada com base num número de dias perto do máximo.
Cremos que esta segunda interpretação, a de dar relevo ao montante da retribuição auferida, deverá ser a seguida, pois algum sentido há-de ter o critério, sendo certo que na interpretação das normas sempre teremos de atender à presunção constante do artigo 9.º do Cód. Civil.
Quanto ao grau da ilicitude o mesmo é o que decorre da ordenação estabelecida no artigo 381º, ou seja, o respectivo grau atinge a sua plenitude quando está em causa um despedimento devido a motivos políticos, ideológicos, étnicos ou religiosos, ainda que com invocação de motivo diverso, indo diminuindo a mesma conforme estejamos perante um despedimento em que o motivo justificativo do despedimento for declarado improcedente; se não for precedido do respectivo procedimento e em caso de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante ou de trabalhador durante o gozo de licença parental inicial, em qualquer das suas modalidades, se não for solicitado o parecer prévio da entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres.
Há quem defenda que, além dos já referidos critérios da retribuição e do grau de ilicitude, a outros se poderia atender, como sejam a idade, as habilitações e a experiência e o currículo profissionais[107].
Seja como for, certo é que na determinação do montante da indemnização de antiguidade há que atender ao critério da retribuição auferida pelo trabalhador e ao grau de ilicitude do despedimento, como se referiu.
Analisando os factos provados, verificamos que o Autor auferia a retribuição base de € 582,06 e a ilicitude do seu despedimento deriva do respectivo motivo justificativo ter sido declarado improcedente.
Ora, assim atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude do despedimento, o qual se situa no segundo patamar do escalão previsto no artigo 381º do Código do Trabalho, entendemos por adequado, proporcional e justo, fixar o montante em vinte e cinco dias de retribuição base e diuturnidades, no caso, uma retribuição de € 547,45 (€ 656,94:30x25), sendo certo que não se procede a qualquer cálculo, uma vez que se desconhece quando decisão transitará em julgado.

5.1.5.
No que se refere à compensação prevista no artigo 390º, nº 1 do CT, sempre se dirá o seguinte:
O Autor foi despedido no dia 10 de Janeiro de 2012 e intentou a presente acção no dia 02 de Fevereiro de 2012[108]. Sendo assim, porque a acção foi intentada antes de decorrem 30 dias após o despedimento não há que proceder à dedução a que alude a alínea b) do nº 2 do artigo 390º do Código do Trabalho, tendo, pois, direito a receber as retribuições que deixou de auferir desde o dia 10 de Janeiro de 2012 (data do despedimento) até ao trânsito em julgado deste acórdão. O dever de pagamento destas retribuições vencidas abrange a «generalidade das prestações com natureza de retribuição que seria suposto o trabalhador auferir no período em análise, incluindo a retribuição-base e os complementos retributivos de atribuição certa e valor fixo a que o mesmo tinha direito se executasse o trabalho. Incluem-se aqui, em primeiro plano, os subsídios de Natal e de férias, o que implica que no período correspondente a um ano civil os salários intercalares abarquem, em princípio, 14 mensalidades, isto é, as retribuições mensais correspondentes aos 12 meses do ano, o subsídio e férias e o subsídio de Natal»[109].
Não se procede, no entanto, a qualquer cálculo, uma vez que se desconhece quando o acórdão transitará em julgado.

5.1.6.
A alínea c) do nº 2 do artigo 390º do Código do Trabalho preceitua que às retribuições que o trabalhador deixar de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão que declarou a ilicitude do despedimento deduz-se o subsídio de desemprego atribuído ao trabalhador no período referido no n.º 1, devendo o empregador entregar essa quantia à segurança social.
Sendo o despedimento ilícito o facto constitutivo do direito ao pagamento das retribuições intercalares referidas no nº 1 do artigo 390º do Código do Trabalho ao trabalhador cabe, nos termos do nº 1 do artigo 342º do Código Civil, provar os factos que integram tal direito. Já sobre a entidade empregadora impende o encargo da prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito ao referido pagamento, em conformidade com o disposto no nº 2 do artigo 342º do Código Civil ou sejam aquelas circunstâncias anormais que, nos termos legais, impedem a eficácia daquele facto constitutivo do direito.
Face à sua conexão com o direito estabelecido pelo nº 1 do artigo 390º do CT, as deduções previstas no nº 2 deste normativo, funcionam como factos extintivos do direito, no todo ou em parte, às retribuições intercalares conferidas por aquele nº 1, competindo, assim, à entidade empregadora contra quem é invocado o direito a estas retribuições a prova daqueles factos extintivos.
Assim, a condenação da entidade empregadora nos termos do nº 1) do artigo 390º é a regra, sendo as deduções contempladas no nº 2 do mesmo artigo a excepção, cuja finalidade tem em vista aproximar, tanto quanto possível o montante das retribuições vencidas até à data do trânsito em julgado da sentença ao prejuízo efectivamente sofrido pelo trabalhador e evitar situações de dupla fonte de rendimentos, socialmente injustificadas. Pretende-se que “o despedimento ilícito não seja causa de enriquecimento do trabalhador através de percepção de rendimentos de trabalho que precisamente esse despedimento tornou possível, por ter libertado, temporariamente, o trabalhador da sua normal actividade laboral. Se, decidido que o despedimento foi ilícito, a entidade patronal é condenada a reintegrar o trabalhador e a pagar-lhe as remunerações como se nunca tivesse sido despedido, injustificado enriquecimento do trabalhador representaria manter ele incólumes as retribuições e rendimentos de trabalho recebidos após o despedimento, de outra entidade patronal[110]”.
O ónus da prova da percepção pelo trabalhador de rendimentos de trabalho em actividades iniciadas posteriormente ao despedimento que fundamenta a dedução na importância das retribuições que o trabalhador deixou de auferir, bem como o dos montantes do subsídio de desemprego auferidos pelo trabalhador recai sobre a entidade empregadora.
E, sendo tais deduções um facto extintivo do direito do trabalhador/autor à Ré/empregadora cabe o ónus de na contestação deduzir a respectiva excepção, a não ser que haja motivos para a dedução de articulado superveniente (artigo 489º do CPC)[111].
Ora, a aqui Recorrida, Ré ou empregadora na acção, não deduziu tal excepção, no que tange a qualquer das alíneas) do nº 2 do artigo 380º do Código do Trabalho.
Poderá esta Relação proceder ao conhecimento de tais excepções?
Se entendermos que estamos perante uma questão de conhecimento oficioso a que o tribunal terá sempre de se pronunciar, independentemente de a parte a suscitar, então, haverá que dela conhecer. Se, pelo contrário, partilharmos a orientação de que esta questão não reveste natureza oficiosa, estando o seu conhecimento pelo tribunal dependente da alegação pela parte interessada, então, não haverá que proceder a qualquer pronúncia.
Há quem defenda uma terceira via, que podemos chamar de mitigada, e que consiste no conhecimento pelo tribunal da questão prevista na alínea c) – subsídio de desemprego –, se, apesar de não suscitada pela parte, o processo fornecer o necessário suporte factual para se decidir sobre aquelas deduções.
E, uma outra solução se pode perfilhar, que consiste em defender que no que concerne ao nº 2, alínea a) do artigo 390º do CT [as importâncias que o trabalhador aufira com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento] o tribunal só se pronunciará se a parte interessada tiver suscitado atempadamente a questão (a segunda tese), mas, no que se refere à alínea c) do nº 2 [o subsídio de desemprego atribuído ao trabalhador] o tribunal, independente da questão ter ou não sido suscitada, ter-se-á sempre de pronunciar, face ao conhecimento oficioso da questão, nesta parte.
Diga-se que quanto às deduções previstas no nº 2, alínea a) do artigo 390º do CT perfilhamos o entendimento de que a parte interessada terá de deduzir atempadamente a respectiva excepção, cabendo-lhe ainda fazer a prova da respectiva percepção pelo trabalhador das respectivas importâncias.
O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 23/01/2002, nº convencional JSTJ00000207 refere que “ […] na fixação daquela obrigação da entidade patronal, impõe-se que da importância correspondente ao valor das retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde a data do despedimento até à data da sentença sejam deduzidos (são deduzidos, diz a lei em tom que se afigura imperativo) o montante das retribuições respeitantes ao período decorrido desde a data do despedimento até 30 dias antes da propositura da acção se esta não for proposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento e o montante das importâncias relativas ao rendimento de trabalho auferidos pelo trabalhador em actividades iniciadas posteriormente ao despedimento.
A peremptoriedade com que a lei impõe se proceda à dedução dos montantes referidos nas duas alíneas do nº. 2 do art. 13º da L.C.C.T., permite concluir que nem será necessário que a entidade patronal alegue a existência dessas retribuições e rendimentos de trabalho, para que o Juiz os possa ter em consideração caso da sua existência venha a ter conhecimento no decurso da acção.”[112] Este acórdão vem ao encontro daqueles que defendem a terceira via atrás mencionada. No mesmo sentido podemos ver o Acórdão do STJ de 7/10/2003, CJS, Ano XI, Tomo III/2003, pág. 263/264, cujo refere que a dedução prevista na alínea b) do artigo 13º, nº 2 da LCCT “ é de considerar oficiosamente se do processo constarem elementos que levam a concluir que há rendimentos a abater, ainda que não quantificados”.
Mesmo que sufragássemos esta tese, e que não sufragamos, a verdade, é que não constam dos autos quaisquer elementos que nos possa levar a concluir que há rendimentos a abater, ainda que não quantificados.
E, como se diz no Acórdão do STJ de 17/06/2010[113], “A imperatividade do regime estabelecido no artigo 13.º da LCCT não dispensa a entidade empregadora de alegar e provar que o trabalhador auferiu rendimentos de trabalho por actividade iniciada após o despedimento, pelo que, se o não fizer, não é possível operar a dedução aludida na alínea b) do seu n.º 2, entendimento que salvaguarda pilares estruturantes do nosso sistema jurídico, como são o princípio do dispositivo e as regras de distribuição do ónus de prova.
Entendemos, assim, que quanto às deduções previstas no nº 2, alínea a) do artigo 390º do CT, as mesmas não são de conhecimento oficioso, dependendo o seu conhecimento pelo Tribunal da alegação e prova, pela entidade empregadora, que o trabalhador auferiu rendimentos de trabalho por actividade iniciada após o despedimento.
Já quanto à dedução prevista no nº 2, alínea c) do citado artigo [o subsídio de desemprego atribuído ao trabalhador] sufragamos o entendimento vertido no acórdão de 19/03/2007, desta Secção Social, Processo nº de 19-03-2007[114]. Aí se refere que “ no que se reporta ao subsídio de desemprego, tal disposição foi introduzida pelo CT, dando resposta ao entendimento que, até então, vinha sendo perfilhado de que ao montante das retribuições intercalares devidas em consequência da ilicitude do despedimento não seria de descontar os montantes auferidos pelo trabalhador a título de subsídio de desemprego, quer porque estes respeitavam a prestação de natureza previdencial no âmbito da relação entre o trabalhador e a segurança social, quer porque, inexistindo disposição que determinasse ou possibilitasse a condenação do empregador no reembolso à segurança social das quantias por esta pagas, se entendia, e bem, que não haveria razão para desresponsabilizar o empregador por tal pagamento (e, onerando a Segurança Social), quando o respectivo encargo provinha de acto ilícito daquele.
O CT, veio, precisamente prever esse desconto, porém já com o encargo de o empregador reembolsar a Segurança Social pelos pagamentos que esta haja feito, a título de subsídio de desemprego, em consequência da ilicitude do despedimento. Ora, tal norma prossegue um evidente interesse público e tem natureza imperativa, não estando na disponibilidade das partes accioná-la e, consequentemente, não dependendo da iniciativa processual de nenhuma delas.
Consideramos, assim, que, independentemente da questão ter ou não sido suscitada pelas partes, ou de se ter feito, ou não, prova do pagamento de subsídio de desemprego, sempre deverá o tribunal, oficiosamente, acautelar tal possibilidade, prevendo e determinando na sentença a necessidade de tais descontos para o caso do referido subsídio ter sido auferido.
O mesmo já não se dirá, porém, no que se reporta às retribuições que o trabalhador possa, eventualmente, ter auferido por actividade profissional subsequente ao despedimento, tal como, aliás e anteriormente, já se vinha entendendo.
Essa possibilidade não prossegue qualquer interesse de ordem pública, mas, tão-só, mero interesse particular do empregador que, se assim o quiser ou entender, poderá, nos termos processualmente previstos, accionar tal possibilidade, a qual está na disponibilidade das partes. Aliás, o preceito em questão não se basta com a eventualidade da percepção de quantias subsequentes ao despedimento, antes exigindo a comprovação desse recebimento.
Assim, às remunerações devidas ao Autor em consequência da ilicitude do despedimento e em que a Recorrente foi condenada nos termos acima transcritos, haverá que descontar as quantias que aquele haja, porventura, recebido a título de subsídio de desemprego pago em consequência do despedimento ilícito em apreço nos autos, a liquidar nos termos do artigo 661º, nº 2, do CPC, as quais deverão ser entregues pela Recorrida à Segurança Social.

5.1.7.
Apesar de o Recorrente não ser explícito nas suas alegações quanto à questão dos danos não patrimoniais iremos, no entanto, debruçar-nos sobre a mesma já que termina pedindo que se revogue a sentença recorrida e se dê «provimento ao presente Recurso, julgando-se, em consequência a presente acção procedente e condenando-se a Recorrida no pedido».
O Recorrente formulou pedido de indemnização por danos não patrimoniais à luz do artigo 389º, nº 1, línea a) do Código do Trabalho, no valor de € 2 500,00 com o fundamento de «em virtude do despedimento o Demandante viu-se de repente sem auferir a principal fonte de rendimento com a qual enfrenta as despesas diárias (…). Do que resultou que toda a sua vida familiar fosse prejudicada pela conduta da Demandada (…). Além disso o Demandante anda triste desde que aconteceram os eventos supra relatados e dorme mal (…). Fala repetidamente no sucedido, acabando invariavelmente por chorar (…). Vive em estado de ansiedade, receando não encontrar outro trabalho que lhe permita auferir a mesma quantia à qual havia habituado o seu modo de vida».

A sentença recorrida julgou este pedido improcedente, uma vez que entendeu que o despedimento não foi ilícito. Ora, tendo esta Relação considerado tal despedimento ilícito o artigo 389º, nº 1, alínea a) do Código do Trabalho, prevê, como acima expusemos, como uma das consequências da declaração de ilicitude do despedimento a condenação do empregar a indemnizar o trabalhador por todos os danos causados, patrimoniais e não patrimoniais. No caso estão em causa estes últimos.
Como se sabe, os danos não patrimoniais podem consistir em sofrimento ou dor, física ou moral, provocados por ofensas à integridade física ou moral duma pessoa, podendo concretizar-se, por exemplo, em dores físicas, desgostos por perda de capacidades físicas ou intelectuais, vexames, sentimentos de vergonha ou desgosto decorrentes de má imagem perante outrem, estados de angústia, etc.
Os prejuízos não patrimoniais são aqueles que se verificam em relação a interesses insusceptíveis de avaliação pecuniária, interesses de ordem espiritual[115].
De acordo com o artigo 496º, nº 1 do Código Civil «[n]a fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito».
A apreciação da gravidade dos danos desta natureza reclama o recurso a “um critério o mais objectivo possível e em que o juiz se possa desprender da atribuição de reparações a casos em que o sofrimento ou a dor dependam, exclusivamente, de sensibilidades particularmente requintadas, portanto, anormais”[116], ou seja, tal apreciação ou validade da sua gravidade tem de aferir-se segundo um padrão objectivo, e não á luz de factores subjectivos[117], sendo, nessa linha, orientação consolidada na jurisprudência, “com algum apoio na lei”, que as simples contrariedades ou incómodos apresentam “um nível de gravidade objectiva insuficiente para os efeitos do n.º 1 do art. 496º”[118].
Por outro lado, deveremos atender que “dano grave não terá que ser considerado apenas aquele que é “exorbitante ou excepcional”, mas também aquele que “sai da mediania que ultrapassa as fronteiras da banalidade. Um dano considerável que, no seu mínimo, espelha a intensidade de uma dor, duma angústia, dum desgosto, dum sofrimento moral que, segundo as regras da experiência e do bom senso, se torna inexigível em termos de resignação”[119].
Não são, porém, merecedores da tutela do direito os meros incómodos, as indisposições, preocupações e arrelias comuns. A obrigação de indemnizar terá de se fundamentar num facto ilícito e culposo da Ré causador de danos (não patrimoniais) ao Autor.
São pressupostos exigidos pelo artigo 483º do Código Civil, para que exista obrigação de indemnizar, a violação de um direito ou interesse alheio, a ilicitude, o vínculo de imputação do facto ao agente, dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano[120].
Compete ao autor a prova da factualidade integradora dos pressupostos que permitam a verificação da existência da obrigação de indemnizar – artigo 342º, nº 1 do Código Civil.
Como se refere no Acórdão do STJ de 24.05.2007 “o dano não patrimonial não reside em factos, situações ou estados mais ou menos abstractos aptas para desencadear consequências de ordem moral ou espiritual sofridas pelo lesado, mas na efectiva verificação dessas consequências[121]”.
E, secundando mais uma o Supremo Tribunal de Justiça[122], diremos que” em direito laboral, para haver direito à indemnização com fundamento em danos não patrimoniais, terá o trabalhador de provar que houve violação culposa dos seus direitos, causadora de danos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, o que se verificará, em termos gerais, naqueles casos em que a culpa do empregador seja manifesta, os danos sofridos pelo trabalhador se configurem como objectivamente graves e o nexo de causalidade não mereça discussão razoável.
No que concerne ao despedimento promovido pelo empregador que se venha a caracterizar de ilícito, para se aferir se o mesmo justifica, ou não, a condenação daquele por danos não patrimoniais é necessário tomar em consideração, antes de mais, que é inerente à cessação da relação laboral, indesejada pelo trabalhador, que esta cessação comporte para o mesmo trabalhador a lesão de bens de natureza não patrimonial, traduzida em sofrimento, inquietação, angústia, preocupação pelo futuro, etc. E isto independentemente, da licitude ou ilicitude do despedimento e de a entidade empregadora ter usado de maior ou menor precaução para obviar à lesão destes bens do trabalhador.
[…]
Por outro lado, sempre será necessário atentar em que os danos sofridos pelo trabalhador devem integrar uma lesão grave, que vá para além daquela que sempre acontece em situações similares de despedimento, porque o direito a indemnização com fundamento em danos não patrimoniais não é de admitir como regra, mas apenas no caso singular de haver uma justificação segura, que leve a concluir pela necessidade de reparar uma lesão que restaria apodicticamente não satisfeita.
Assim, se se verificar que esses danos não patrimoniais não tenham especial relevo por se traduzirem nos que, comummente, se verificam em idênticas situações, como os do desgosto, da angústia e da injustiça, não se legitima a tutela do direito justificadora da condenação por danos não patrimoniais”.
Assim, tendo em conta estes critérios, não resulta da matéria de facto apurada força bastante para concluirmos que estamos perante danos que mereçam a tutela legal/indemnizatória.
O que o Autor logrou provar, relacionado com esta questão, foi tão só que «vivia dos rendimentos do seu trabalho» e que «receia não encontrar novo emprego».
Ora, estes factos não atingem aquele mínimo, aquela baliza ou limite, que, objectivamente, coloque o aqui trabalhador num grau de intensidade consideravelmente superior ao da posição de qualquer outro trabalhador vítima de um despedimento ilícito e que faça despoletar a tutela do direito.
Improcede, pois, nesta parte o recurso.

5.1.8.
No que concerne aos juros peticionados e relacionados com a ilicitude do despedimento diremos o seguinte:
O Autor, aqui Recorrente, peticou juros de mora afirmando que «as importâncias supra referidas (no montante global de € 32 308,30) tinham prazo certo para o seu cumprimento, a Demandada constituiu-se em mora na data em que as mesmas se venceram, artigo 804º, n.º 1 e 806º, n.º 1 do Código Civil». Acrescentando que «Tem assim, o Demandante, o direito de exigir, como efectivamente exige da Demandada, o pagamento dos juros vencidos e vincendos sobre as quantias supra referidas, desde a data do respectivo vencimento até integral pagamento, calculados à taxa de juro legal».

Vejamos:
A mora constitui o devedor na obrigação de indemnizar (artigo 804.º, n.º 1, do Código Civil) e, tratando-se de obrigações pecuniárias, como é o caso, a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora (artigo 806.º, n.º 1, do Código Civil).
De acordo com o disposto no artigo 805.º do Código Civil, o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir (n.º 1), havendo, porém, mora do devedor, independentemente de interpelação, se a obrigação tiver prazo certo [n.º 2, alínea a)], se a obrigação provier de facto ilícito [n.º 2, alínea b)], ou se o próprio devedor impedir a interpelação [n.º 2, alínea c)]; se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor (n.º 3, 1.ª parte); tratando-se de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja então mora, nos termos da primeira parte do n.º 3 (2.ª parte do mesmo número).
«A regra in illiquidis non fit mora, acolhida na primeira parte do n.º 3 do artigo 805.º citado, justifica-se na medida em que não é razoável exigir ao devedor que cumpra, enquanto não souber qual o montante ou o objecto exacto da prestação que deve realizar, e a única excepção é a da falta de liquidez poder ser imputada ao próprio devedor, isto é, se o devedor for o culpado da não liquidação da prestação», sendo que a «obrigação é ilíquida quando é incerto o seu quantitativo (Alberto dos Reis, Processo de Execução, vol. I, p. 446) ou, no dizer de Antunes Varela, é ilíquida a obrigação cuja existência é certa, mas cujo montante não está ainda fixado (Das Obrigações em Geral, vol. I, 7.ª edição, pp. 918 e 920)»[123].
Ora, a ilicitude do despedimento confere ao trabalhador uma indemnização, a determinar entre quinze e quarenta e cinco dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo (…) – [artigo 391.º, n.º 1].
Neste contexto, o valor da indemnização devida pela ilicitude do despedimento só se torna líquida com o trânsito em julgado da decisão do tribunal, pelo que os respectivos juros de mora só devem ser contados desde então[124].
E a razão de ser reside no facto de que o Código do Trabalho estabelecer uma moldura dentro da qual a indemnização pode, em larga margem, variar, não permitindo, antes de transitada em julgado a decisão, ao devedor saber quanto deve, o que, no domínio da responsabilidade subjectiva por facto ilícito contratual, se apresenta como condição da constituição em mora (sendo certo, por outro lado, que a 2ª parte do n.º 3 do artigo 805.º do Código Civil apenas contempla os casos de responsabilidade extracontratual).
O mesmo se passa com as retribuições intercalares.
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6.
As custas da acção e do recurso ficam a cargo do recorrente e recorrida, de acordo com o decaimento (artigo 446º do CPC).
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◊◊◊
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IV. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, em julgar parcialmente procedente o recurso e em consequência, julgam ilícito o despedimento de que foi alvo o trabalhador B...... e, em consequência:
A) Condenam a empregadora C......, S.A., a pagar ao aludido trabalhador:
i) uma indemnização correspondente a vinte e cinco dias (25) de retribuição base e diuturnidades (€ 547,45 – quinhentos e quarenta e sete euros e quarenta e cinco cêntimos) por cada ano completo ou fracção de antiguidade, desde a admissão ao seu serviço (27 de Janeiro de 1987) até ao trânsito em julgado deste acórdão, nos termos do artigo 391º, nº 1 do Código do Trabalho, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% (ou outra que entretanto vier a ser aplicada por força legal), devidos após a liquidação da dívida a efectuar oportunamente, até efectivo e integral pagamento.
ii) A quantia que vier a ser liquidada, a título de retribuições ( aqui se incluindo a retribuição base e os subsídios de férias e de Natal) que deixou de auferir desde 10 de Janeiro de 2012 até ao trânsito em julgado deste Acórdão, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% (ou outra que entretanto vier a ser aplicada por força legal), devidos após a liquidação da dívida a efectuar oportunamente, até efectivo e integral pagamento, devendo-se subtrair a este montante o subsídio de desemprego atribuído ao trabalhador no período que mediou entre o despedimento e o trânsito em julgado deste acórdão.
B) No restante mantêm o decidido.
Condenam o recorrente e a recorrida no pagamento das custas da acção e do recurso de acordo com o decaimento [artigo 446º, nº 1 e 2 do CPC]
Anexa-se o sumário do Acórdão – artigo 713º, nº 7 do CPC.
(Processado e revisto com recurso a meios informáticos (artigo 138º nº 5 do Código de Processo Civil).
Porto, 22 de Abril de 2013
António José Ascensão Ramos
Eduardo Petersen Silva
João Diogo Rodrigues
____________________________
SUMÁRIO – a que alude o artigo 713º, nº 7 do CPC.
I - Nada impede que a prova de determinados factos imputados na nota de culpa não sejam provados por outros meios de prova que não os indicados no procedimento disciplinar e também nada impede que as partes juntem na acção de impugnação judicial de despedimento quaisquer documentos (ou outros meios de prova), como forma de comprovarem os factos alegados.
II - E não é pelo facto de os documentos em causa não terem sido juntos com o articulado motivador do despedimento que faz precludir a sua junção mais tarde, embora com multa, como aconteceu no caso, nem tem como consequência a sanção prevista no nº 3 do artigo 98º-J do CPT.
III - Se é verdade que o empregador está impedido de invocar na acção de impugnação judicial do despedimento factos e fundamentos que não constem da decisão disciplinar ( artigo 98º- J, nº 1 do CPT e 387º, nº 3 do CT) e que nesta não podem ser invocados factos não constantes na nota de culpa ou da resposta do trabalahdor, salvo se atenuarem a sua responsabilidade (artigo 357º, nº 3, parte final do CT), tal não significa que esteja impedido de invocar outros elementos probatórios que não considerou no processo disciplinar. E a invocação destes «outros» meios de prova não põem em causa o direito de defesa do trabalhador, pois este pode, na respectiva acção judicial, defender-se, exercendo o respectivo contraditório.
IV - O efeito horizontal dos direitos fundamentais constitucionalmente garantidos faz com que estes direitos devam ser respeitados não apenas pelas entidades públicas, mas também pelas entidades privadas, e, assim, também, no contexto das relações laborais de direito privado. A vinculação, quer das entidades públicas, quer das entidades privadas a estes preceitos constitucionais protectores de direitos, liberdades e garantias é uma consequência directa do disposto no artigo 18º, nº 1 da Constituição, que lhes atribui uma eficácia erga omnes.
V - Assim, o reconhecimento do direito à reserva da intimidade da vida privada do trabalhador implica a superação de uma distinção entre um estatuto geral de cidadão e um estatuto de trabalhador que, por força da relação de subordinação, se encontraria à partida diminuído nas suas liberdades, ou seja, o trabalhador não deixa de gozar do direito à reserva da intimidade da vida privada quando executa a prestação laboral.
VI - A utilização das novas tecnologias da informação e comunicação no ambiente de trabalho fez aumentar exponencialmente o risco de devassa da esfera de reserva privada e pessoal do trabalhador, ao alargar a sua exposição ao controlo do empregador e ao diluir as próprias noções de tempo e local de trabalho.
VII - “O trabalhador não é um vassalo do empregador e assiste-lhe sempre o direito à sua vida privada, sem ingerências ilegítimas deste e a não estar a ser constantemente controlado.”
VIII - O artigo 20º, nº 1 do Código do Trabalho consagra um princípio geral, que consiste na proibição de o empregador utilizar quaisquer meios tecnológicos com a finalidade exclusiva de vigiar, à distância, o comportamento do trabalhador no tempo e local de trabalho ou o modo de exercício da prestação laboral.
IX - A vigilância a que se refere a proibição deste princípio incide sobre o comportamento profissional do trabalhador no tempo e local de trabalho. Ao empregador é vedado controlar não apenas condutas que reentrem na esfera da vida privada do trabalhador [cfr. art. 16º], como vigiar ou fiscalizar o modo de execução da prestação laboral pelo trabalhador.
X - No entanto, o nº 2 do mesmo normativo, dispõe que, a que a utilização de meios de vigilância à distância poderá ser lícita quando (i) tenha por finalidade a protecção e segurança de pessoas e bens ou (ii) quando particulares exigências inerentes à natureza da actividade o justifiquem.
XI - “A utilização de meios de vigilância à distância só será lícita se e enquanto tiver por finalidade exclusiva a protecção de pessoas e bens. Protecção ou segurança dos sujeitos da relação de trabalho, de terceiros ou do público em geral, mas igualmente de instalações, bens, matérias-primas ou processos de fabrico, nomeadamente. Significa isto que a vigilância não será permitida se tiver por finalidade última ou determinante o mero controlo do modo de execução da prestação laboral.
XII - O nº 3 do artigo 20º consagra o direito de informação dos trabalhadores que é imposto ao empregador sobre a existência e finalidade dos meios de vigilância utilizados. Trata-se da concretização da obrigação geral constante nos artigos 106º a 109º do Código do Trabalho e do princípio da boa-fé nas relações laborais constante no artigo 126º do mesmo diploma legal.
XIII- Este direito de informação tem subjacente o chamado princípio da transparência, ou seja, a comunicação ao trabalhador das condições e o alcance dos compromissos que podem ser realizados relativamente ao tratamento de dados pessoais que vai ser realizado, para que este tenha conhecimento do tipo, do tempo e por quem o controlo está a ser realizado.
XIV - Os meios de vigilância à distância no local de trabalho não têm de captar todos os aspectos da actividade laboral levada a cabo pelo trabalhador, isto é, não é pelo facto de não captarem tudo o que um trabalhador faz ou deixa de fazer que se deixam de considerar como tal, basta que captem uma importante parcela da actividade do trabalhador e simultaneamente invadam a reserva da sua intimidade da vida privada.
XV - Uma interpretação restritiva no sentido de que a expressão legal «meios de vigilância a distância no local de trabalho, mediante o emprego de equipamento tecnológico, com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador», por considerações sistemáticas e teleológicas, remete para formas de captação à distância de imagem, som ou imagem e som, deixa de fora do âmbito legal um grande número de situações de difícil compreensão.
XVI - Seja através de uma interpretação extensiva ou mediante uma interpretação actualista o dispositivo GPS instalado no veículo automóvel atribuído ao trabalhador deve ser englobado no conceito de meio de vigilância à distância no local de trabalho.
XVII - Se e certo que o princípio geral enunciado no nº 1 do artigo 20º do Código do Trabalho, «nas discussões públicas anteriores à entrada em vigor do CT e mesmo posteriormente, foi sendo circunscrito o campo de actuação deste princípio à questão da videovigilância no local de trabalho, mas o conteúdo útil do preceito não se esgota neste meio electrónico, uma vez que a previsão normativa estende-se a qualquer forma de controlo e/ou fiscalização à distância do trabalhador através de equipamentos técnicos.
XVIIII - O âmbito material deste princípio pressupõe, somente, a monitorização não presencial do trabalhador ou do seu desempenho por quaisquer meios técnicos, de natureza electrónica ou não. É, o caso da videovigilância, obviamente, mas também, entre muitos outros, dos sistemas de recolha de som no posto de trabalho, dos métodos de controlo electrónico da prestação de trabalho, através de software que permita registos quantitativos e descritivos das tarefas realizadas no computador do trabalhador, dos programas que registam o tráfico na internet, dos sensores de cadeira que registam o tempo durante o qual o trabalhador permanece sentado no seu posto de trabalho, dos mecanismos dos automóveis que gravam as distâncias percorridas ou o consumo de combustível ou das placas de identificação dos trabalhadores com chip incorporado que permitem reconstituir o percurso dos trabalhadores nas instalações da empresa.
XIX - A utilização do GPS não escapou ao âmbito das relações laborais. Com efeito, o GPS converteu-se num instrumento de grande utilidade em actividades como o transporte terreste, marítimo e aéreo, mas também é um instrumento eficaz para que o empresário possa conhecer como estão a ser utilizados os materiais postos à disposição do trabalhador e o que é mais controverso, onde está em cada momento.
XX - A diferença entre o GPS e a videovigilância é que esta, além de permitir controlar não só onde o trabalhador se encontra a dado momento, permite saber o que o mesmo está a fazer. Isto é assim quando a actividade laboral se desenvolve nas instalações da entidade empregadora, mas se a mesma se desenrola extramuros, isto é, quando a própria natureza da actividade laboral pressupõe o seu desenvolvimento fora de um determinado local no interior das instalações empresariais, como é o caso das empresas de transporte, de táxi, de ambulância, etc., impõe-se a necessidade, não tanto de saber o que o trabalhador faz na cabine da viatura, mas essencialmente, controlar por onde anda, onde se encontra, para onde se dirige com a mesma, bem como os fins com que se utiliza o património da empresa.
XXI - Com a utilização do GPS o empregador pode seguir passo a passo o percurso do trabalhador e apesar de não ver o que este faz, sabe onde ele está a cada momento. E para se vigiar alguém não é necessário ver-lhe a face, mas tão só saber-se da sua posição, onde se encontra, por anda e por onde vai. E com os registos dos «passos do trabalhador» e da sua posição pode o empregador proceder a um tratamento de dados pessoais, identificando o respectivo condutor/trabalhador, assim, caindo no âmbito do artigo 17º, nº 2 do Código do Trabalho.
XXII - A geolocalização mediante a utilização do GPS pode ser utilizada com o objectivo de “protecção de pessoas e bens”, mas não pode servir de meio de controle desempenho profissional do trabalhador, uma vez que a respectiva utilização com esses objectivos comprime o direito à reserva da vida privada do trabalhador.
XXIII - A utilização do GPS – como equipamento electrónico de vigilância e controlo que é – e o respectivo tratamento, implica uma limitação ou restrição do direito à reserva da intimidade da vida privada, consignada no artigo 26.º n.º 1 da CRP, nomeadamente uma restrição à liberdade de movimento, integrando esses dados, por tal motivo, informação relativa à vida privada dos trabalhadores.
XXIV - A utilização do GPS está sujeita à autorização da Comissão Nacional de Protecção de Dados.
XXV - A consequência da utilização ilícita dos meios de vigilância à distância invalida a prova obtida para efeitos disciplinares. Assim, à luz do artigo 32º, nº 8 da Constituição da República Portuguesa, a prova produzida através desses registos é nula, uma vez que a sua aquisição, o seu tratamento e posterior utilização constitui uma evidente violação da dignidade e privacidade do trabalhador, não podendo, assim, a mesma ser utilizada como meio de prova em sede de procedimento disciplinar.
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[1] Iremos chamar “Ré” à entidade patronal e “ Autor” ao trabalhador. Isto porque o legislador nos normativos em que regulou a acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, não chama “autor” ao trabalhador, nem “ Ré” à entidade patronal. Na verdade, podemos constatar pela análise dos vários normativos que o legislador dispensou a utilização dos termos “autor” e “ ré”, utilizando as expressões “trabalhador “e “empregador” (artigos 98ºF, 98º-G, 98ºH, 98º-I, 98º-J, 98º-L, 98º-N do CPT). A única referência que constatamos em que o legislador apelida o trabalhador de “ autor” é no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 295/2009 de 13 de Outubro, que aprovou as alterações ao actual CPT, ao referir que “A recusa, pela secretaria, de recebimento do formulário apresentado pelo autor é sempre passível de reclamação nos termos do Código de Processo Civil (CPC).”
[2] Cfr. ANTUNES VARELA, “Manual de Processo Civil”, 2.ª edição, Coimbra Editora, pp. 677-688; e Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 371/2008, consultável no respectivo sítio, bem como Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11/10/2001 e 10/04/2008, respectivamente n.º 01A2507 e 08B877, in www.dgsi.pt e Acórdão da Relação do Porto de 15/12/2005, Processo n.º 0535648, in www.dgsi.pt.
[3] Na livre apreciação das provas, o juiz julga segundo a sua livre e prudente consciência a respeito de cada facto, removendo, muitas vezes, um “nevoeiro” que afasta a clara visibilidade de um determinado ângulo (depoimento limpo), socorrendo-se para tal da força da impressão que lhe causaram todas as provas, isoladamente ou no seu conjunto, numa visão prudente face à normalidade dos fenómenos [Ac. do STJ de 27/05/2010, processo 182/2001.S1, dgsi.pt].
[4] Cfr. Acórdão desta Relação de 20.12.2004, Processo nº 0415125, in www.dgsi.pt.
[5] Segundo RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA ["A Constituição e os direitos de Personalidade", in "Estudos sobre a Constituição", coordenação de JORGE MIRANDA, 2º volume, Livraria Petrony, Lisboa, 1978, págs. 93 e segs."] Os direitos de personalidade - entre os quais se insere o direito à intimidade da vida privada - podem ser definidos como direitos subjectivos, privados, absolutos (no sentido de que são oponíveis erga omnes, gerando para todos os outros que não o seu titular a obrigação passiva, universal, de respeitarem tais direitos’, e não no sentido de que nunca cedam face a outros direitos de igual ou superior valor), gerais, extrapatrimoniais, inatos perpétuos, intransmissíveis, relativamente indisponíveis, tendo por objecto os bens e as manifestações interiores da pessoa humana, visando tutelar a integridade e o desenvolvimento físico e moral dos indivíduos e obrigando todos os sujeitos de direito a absterem-se de praticar ou de deixar de praticar actos que ilicitamente ofendam ou ameacem ofender a personalidade alheia sem que incorrerão em responsabilidade civil e/ou na sujeição às providências cíveis adequadas a evitar a consumação da ameaça ou a atenuar os efeitos da ofensa cometida.
[6] Direito do Trabalho, 16ª Edição, Almedina, 2012, p. 156.
[7] Direito do Trabalho, Parte II – Situações laborais Individuais, 3ª edição, Almedina, pp. 430.
[8] Obra cit., p. 431.
[9] RINEU CABRAL BARRETO, in “A Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, Almedina, 3ª Ed. 2005, p. 45, refere que face ao teor do artigo 8º, nº 2 da CRP, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem vigora na ordem jurídica interna portuguesa com valor infra constitucional, com “valor superior às leis ordinárias”.
[10] Cfr. CATARINA SARMENTO E CASTRO, “A protecção dos dados pessoais dos trabalhadores”, in “Questões Laborais”, ano IX, 2002, n.º 19, p. 32.
[11] Cfr. DL nº 440/91, de 14 de Novembro.
[12] Cfr. Lei n.° 28/98, de 26 de Junho
[13] Embora configurando uma mera protecção indirecta podemos apontar os artigos 18º e 19º da LCT. Quanto a este último cfr. CATARINA SARMENTO E CASTRO, “A protecção dos dados pessoais dos trabalhadores”, “Questões Laborais”, Ano IX, 20, Coimbra Editora, 2002, p. 145.
[14] Lei nº 67/98, de 26 de Outubro.
[15] “Direitos de Personalidade”, acessível em www.cije.up.pt/download-file/198.
[16] O DIREITO À RESERVA DA INTIMIDADE DA VIDA PRIVADA DO TRABALHADOR NO CÓDIGO DO TRABALHO, Revista da Ordem dos Advogados, 2004, Ano 69, Vol. I/II, consultável no endereço http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idc=30777&idsc=45841&ida=47185.
[17] Segundo este Autor (nota 114) “ nem todas as situações decorrentes da utilização de meios de vigilância à distância se encontram necessariamente conexas com o direito à reserva da intimidade da vida privada. Por vezes, a actuação decorrente da utilização de meios de vigilância à distância possibilita a violação de outros direitos de personalidade que não se confundem com o direito à reserva da intimidade da vida privada. É o caso, por exemplo, do direito à imagem. De um modo geral, o direito à imagem não se confunde com o direito à reserva da intimidade da vida privada, nem se encontra abrangido por este: por um lado, nem sempre a violação do direito à imagem consubstancia uma violação do direito à reserva da intimidade da vida privada (é o caso, por exemplo, da reprodução de uma imagem retirada em local público, sem que se encontre enquadrada na de um local público e sem que esteja em causa a vida privada do retratado); por outro lado, nem sempre a violação do direito à reserva da intimidade da vida privada opera mediante uma violação do direito à imagem (é o caso, por exemplo, de se revelarem factos atinentes à esfera íntima de uma pessoa sem todavia se divulgarem imagens relativas aos mesmos). Encontram-se porém situações de aparente coexistência entre os direitos à imagem e à reserva da intimidade da vida privada. É o caso apresentado por OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil, Teoria Geral, Vol. I, cit., p. 108, em que “uma fotografia íntima é obtida com teleobjectiva”. Segundo OLIVEIRA ASCENSÃO, ibidem., p. 108, a autonomização levada a cabo pela lei portuguesa entre os direitos à imagem e à reserva da intimidade da vida privada (arts. 79.º e 80.º do CC, respectivamente) tem como consequência necessária o direito à reserva da intimidade da vida privada dever ser considerado residual. Assim, no caso supra apresentado, dever-se-ia invocar o direito à imagem e não o direito à reserva da intimidade da vida privada. Em sentido divergente vd. P. MOTA PINTO, A protecção da vida privada e a constituição, cit., p. 178, assinalando designadamente que a utilização de elementos identificadores de uma pessoa poderá constituir uma violação simultânea do direito à imagem e do direito à reserva da vida privada, quando a imagem seja obtida na esfera da vida privada.”
[18] A Privacidade dos Trabalhadores e as Novas Tecnologias de Informação e Comunicação: contributo para um estudo dos limites do poder de controlo electrónico do empregador”, Almedina, 2010, p. 368.
[19] Neste sentido TERESA ALEXANDRA COELHO MOREIRA, obr. citada na nota anterior, p.380.
[20] In NOVAS TECNOLOGIAS: UM ADMIRÁVEL MUNDO NOVO DO TRABALHO?, Revista de Direitos e Garantias Fundamentais, Vitória, nº 11, p. 15-52, jan./jun. 2012, pp- 29-31.
[21] In NOVAS TECNOLOGIAS: UM ADMIRÁVEL MUNDO NOVO DO TRABALHO?, Revista de Direitos e Garantias Fundamentais, Vitória, nº 11, p. 15-52, jan./jun. 2012, p. 37.
[22] Cfr. TERESA ALEXANDRA COELHO MOREIRA, “A Privacidade dos Trabalhadores e as Novas Tecnologias de Informação e Comunicação: contributo para um estudo dos limites do poder de controlo electrónico do empregador, Almedina, 2010, pp. 418-419.
[23] Este “controlo realiza-se através da recolha sistemática e exaustiva de dados do comportamento dos trabalhadores que, devidamente recolhidos, armazenados, tratados e reelaborados, permitem uma projecção deste comportamento e criação de perfis de trabalhadores.”- TERESA ALEXANDRA COELHO MOREIRA, A Privacidade dos Trabalhadores e as Novas Tecnologias de Informação e Comunicação: contributo para um estudo dos limites do poder de controlo electrónico do empregador, Almedina, 2010, p. 426.
[24] In obr. cit.
[25] Cfr. MARIA REGINA REDINHA, Direitos de Personalidade, acessível em www.cije.up.pt/download-file/198.
[26] Cfr. MARIA REGINA REDINHA, obra citada na nota anterior.
[27] Neste sentido DAVID OLIVEIRA FESTAS, obr. Cit.
[28]Uma dessas situações está prevista no artigo 22º do DL 139/2002, de 17 de Maio, diploma que aprovou o Regulamento de Segurança dos Estabelecimentos de Fabrico e de Armazenagem de Produtos Explosivos, nomeadamente, no seu nº 2 e 3º, alínea b).
[29] MARIA REGINA REDINHA, Direitos de Personalidade, acessível em www.cije.up.pt/download-file/198.
[30] Código do Trabalho Anotado e Comentado, Almedina, Coimbra, 2003, p. 108.
[31] Nesse sentido CATARINA SARMENTO E CASTRO, A protecção dos dados pessoais dos trabalhadores, in “Questões Laborais”, ano IX, 2002, n.º 19, pp. 44-45 e TERESA ALEXANDRA COELHO MOREIRA, “A Privacidade dos Trabalhadores …”, cit., p. 564.
[32] Esta é a posição da CNPD. A título de exemplo podemos ver Deliberação nº 9/2004, de 13.01-2004 (Identificação por radiofrequência). No mesmo sentido TERESA ALEXANDRA COELHO MOREIRA “A Privacidade dos Trabalhadores…”,cit., p. 536.
[33] Diploma que regula o exercício da actividade de segurança privada.
[34] Principio esse que, nas palavras de URIA MENÉNDEZ [O IMPACTO DAS NOVAS TECNOLOGIAS NO DIREITO DO TRABALHO E A TUTELA DOS DIREITOS DE PERSONALIDADE DO TRABALHADOR, acessível em: www.uria.com/documentos/.../2242/.../068apa.pdf?],assume uma particular importância “na sua tripla vertente de idoneidade, necessidade e proibição do excesso. Nestes termos, deve-se evitar que “os benefícios que o empregador pretende obter sejam desproporcionados em relação ao grau de lesão que vai ser causado à privacidade dos trabalhadores”. Acrescenta ainda que “Mesmo nos casos em que a autorização é concedida, repita-se, a utilização, sempre que possível, deverá traduzir-se numa vigilância genérica e não deverá estar directamente dirigida aos postos de trabalho ou ao campo de acção dos trabalhadores. Na verdade, os trabalhadores não podem ser considerados como potenciais suspeitos da prática de uma qualquer infracção, sendo o objecto primacial da vigilância destes meios.
Por outro lado, a finalidade para que a autorização da CNPD é concedida não pode ser alterada pelo responsável pelo tratamento dos dados, sem que nova autorização seja emitida”.
[35] MARIA REGINA REDINHA refere que este dever de comunicar ou informar o trabalhador acerca da existência e finalidade da utilização dos meios de vigilância. Trata-se de um dever que se satisfaz com uma informação genérica, não individualizada nem dirigida pessoalmente a cada um dos trabalhadores sujeitos a vigilância, que pode ser cumprido nas estruturas representativas dos trabalhadores – in Direitos de Personalidade, acessível em www.cije.up.pt/download-file/198.
[36] “A Privacidade dos Trabalhadores…”,cit., p. 566.
[37] “A Privacidade dos Trabalhadores…”,cit., p. 540.
[38]Direitos de Personalidade, acessível em www.cije.up.pt/download-file/198.
[39] Corresponde ao actual artigo 20º, nº 3 do Código do Trabalho.
[40] Dizeres esses que são os seguintes: «Este local encontra-se sob vigilância de um circuito fechado de televisão» ou «Este local encontra-se sob vigilância de um circuito fechado de televisão, procedendo-se à gravação de imagem e som», seguido de símbolo identificativo.
[41] Consultável em: http://www.cnpd.pt/bin/orientacoes/PRINCIPIOS-controloE-mails-telefones-Internet.pdf
[42] Correspondente ao artigo 97º do actual Código do Trabalho que, sob a epígrafe “Poder de direcção” dispõe que: “Compete ao empregador estabelecer os termos em que o trabalho deve ser prestado, dentro dos limites decorrentes do contrato e das normas que o regem.”
[43] Processo nº 07S054, in www.dgsi.pt.
[44] Face a esta decisão do Supremo Tribunal de Justiça, URIA MENÉNDEZ, in obra citada, refere que“ Resulta, assim, que a instalação destes equipamentos não está dependente de autorização ou notificação à CNPD. Em qualquer caso, os deveres de lealdade e de boa fé que se impõem aos empregadores e trabalhadores no âmbito de uma relação laboral levam-nos a concluir que os trabalhadores devem ser informados da instalação dos referidos equipamentos.”…
[45] “Os meios de vigilância à distância no local de trabalho: em especial sobre o âmbito de aplicação do art. 20.º do Código do Trabalho”, Lisboa: ISCTE, 2009. Dissertação de mestrado, pp. 59/60, consultado em 01.04.2013, disponível em www:<http://hdl.handle.net/10071/3942>.
[46] “Direitos de Personalidade”, acessível em www.cije.up.pt/download-file/198.
[47] A mesma Autora refere num outro escrito que a proibição, prevista no artigo 20º do Código do Trabalho, da utilização de meios tecnológicos à distância com a finalidade exclusiva de vigiar a prestação de trabalho, não obstante ter sido reduzida no debate público à instalação de câmaras vídeo, tem na latitude do texto extensão para alguns outros meios de fiscalização do trabalhador, tais como o controlo electrónico da prestação através de registos quantitativos e descritivos das tarefas realizadas – in OS DIREITOS DE PERSONALIDADE NO CÓDIGO DO TRABALHO:ACTUALIDADE E OPORTUNIDADE DA SUA INCLUSÃO, http://hdl.handle.net/10216/18699, pp. 7-8.
[48] INSTRUMENTOS GPS Y PODER DE CONTROL DEL EMPRESARIO, pp. 50/51, consultado em 01.04.2012, disponível em http://193.146.160.29/gtb/sod/usu/$UBUG/repositorio/10300449_Perez.pdf
[49] Como refere CATARINA SARMENTO E CASTRO esta tecnologia “também permite que alguém, sem se fazer notar, controle os nossos passos, sabendo com exactidão onde nos encontramos a cada momento…
Se este é o seu poder quando funcionam de modo isolado, imagine-se o perfil que é possível desenhar acerca de um indivíduo quando se proceda à combinação de todos estes meios…” – in “O direito à autodeterminação informativa e os novos desafios gerados pelo direito à liberdade e à segurança no pós 11 de Setembro”, consultável em: http://www.estig.ipbeja.pt/~ac_direito/CatarinaCastro.pdf, p. 19.
[50] Acessível em http://www.cnpd.pt/bin/decisoes/2005/htm/aut/aut857-05.htm.
[51] É um serviço da empresa de telecomunicações para localização e gestão das frotas: a empresa de telecomunicações instala os equipamentos de geolocalização mas é o cliente que insere os dados das viaturas e dos utilizadores.
[52] Sublinhado e negrito da nossa autoria.
[53] TERESA ALEXANDRA COELHO MOREIRA, “A Privacidade dos Trabalhadores …”, cit., pp. 501-502, sublinha que “o interesse primordial do art. 20º, nº 1, do CT é o de conferir uma protecção especial àquela zona de privacidade que toda a pessoa tem direito mesmo fora do próprio domicilio e da qual o trabalhador pode gozar mesmo no local de trabalho. Por outro lado, visa também impedir que possa existir um controlo à distância que submeta o “homem à máquina, concretizando um a situação de subordinação moderna”, tentando evitar que através das inovações tecnológicas exista um assault on privacy”.
[54] Cfr. MARIA REGINA REDINHA, Direitos de Personalidade, acessível em www.cije.up.pt/download-file/198.
[55] Cfr. a já aludida Autorização nº 857/2005.
[56] Neste sentido GUILHERME DRAY, Justa causa e esfera privada, in Estudos do Instituto do Direito do Trabalho, II, Almedina, 2001, pp.81-86 e em Anotação ao artigo 20º do Código do Trabalho, in Código do Trabalho Anotado, Pedro Romano Martinez e outros, 2013, Almedina, 9ª Edição, p. 162; ISABEL ALEXANDRE, Provas Ilícitas em Processo Civil, Almedina, Coimbra, 1998, pp. 233 e ss; MARIA REGINA REDINHA, Direitos de Personalidade, acessível em www.cije.up.pt/download-file/198; CATARINA SARMENTO E CASTRO, A protecção dos dados pessoais dos trabalhadores, in “Questões Laborais”, ano IX, 2002, n.º 20, p. 145 e LUÍS MENEZES LEITÃO, Direito do Trabalho, 2ª edição, Almedina, p. 180.
[57] A nível jurisprudencial podemos acolher os Acórdãos da Relação de Lisboa de 03.05.2006, Processo nº 872/2006-4 e 83/2006-3; Acórdão da Relação do Porto de 09.05.2011, Processo nº 379/10.6TTBCL-A.P1 e Acórdão do STJ de 08.02.2006, Processo nº 05S3139; todos acessíveis em www.dgsi.pt.
[58] Estudos de Direito do Trabalho, 2011, Almedina, p. 288. Esta opinião é ainda defendida pela mesma Autora na obra A Privacidade dos Trabalhadores e as Novas Tecnologias de Informação e Comunicação: contributo para um estudo dos limites do poder de controlo electrónico do empregador, Almedina, 2010, p. 577.
[59] Os quais constituem infracções disciplinares graves.
[60] Obra citada em primeiro lugar na nota anterior, p. 296.
[61] A mesma Autora em nota de rodapé na obra citada (nota 51) salienta que “A imagem não pode ser a única prova pois o art. 13º da LPDP, estabelece a proibição de decisões individuais automatizadas, isto é, baseadas exclusivamente com base num tratamento automatizado de dados.” A Autor reitera esta sua posição em “ A Admissibilidade d probatória dos ilícitos disciplinares de trabalhadores detectados através de sistemas de videovigilância – Comentário ao acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16 de Novembro de 2011”, Questões Laborais, Ano XIX, Nº 40, Julho/Dezembro 2012, p. 262.
[62] Obra citada, p. 43.
[63] Obra citada.
[64] A Privacidade no Local de Trabalho, As Novas Tecnologias e o Controlo dos Trabalhadores Através de Sistemas Automatizados. Uma Abordagem ao Código do Trabalho, Almedina 2004, pp. 358-359.
[65] Processo nº 292/09.0TTSTB.E1, in www.dgsi.pt.
[66] Estudos de Direito do Trabalho, 2011, Almedina, pp. 277–291, para cuja leitura mais desenvolvida remetemos.
[67] OS DIREITOS DE PERSONALIDADE NO CÓDIGO DO TRABALHO:ACTUALIDADE E OPORTUNIDADE DA SUA INCLUSÃO, http://hdl.handle.net/10216/18699, pp. 5-6.
[68] Actual 17º, nº 2.
[69] Actual 17º, nº 4.
[70] Seguiremos de perto, neste segmento, a posição assumida por URIA MENÉNDEZ, O IMPACTO DAS NOVAS TECNOLOGIAS NO DIREITO DO TRABALHO E A TUTELA DOS DIREITOS DE PERSONALIDADE DO TRABALHADOR, acessível em: www.uria.com/documentos/.../2242/.../068apa.pdf?
[71] O tratamento dos dados pessoais tem de processar-se de forma transparente e respeitar a reserva da vida privada, bem como os direitos, liberdades e garantias fundamentais. Desta forma, os trabalhadores têm o direito de ser informados sobre a identidade do responsável pelo tratamento dos dados pessoais, das finalidades do tratamento e das condições de acesso, rectificação e actualização dos mesmos, o que decorre igualmente do art. 35.º da CRP.
[72] Os dados pessoais tratados devem ser adequados, pertinentes e não excessivos relativamente às finalidades para que são recolhidos e posteriormente tratados.
[73] os dados pessoais devem ser recolhidos para finalidades determinadas, explícitas e legítimas, não podendo ser posteriormente tratados de forma incompatível com essas finalidades, salvo se houver autorização legal para o efeito (art. 28.º, n.º 1, alínea d).
[74] o tratamento de dados pessoais deverá, em regra, ser apenas efectuado após o titular dos dados ter prestado o seu consentimento de forma inequívoca, ou nas situações legalmente previstas nas diversas alíneas deste preceito.
[75] Este princípio está relacionado com o princípio da finalidade, uma vez que pressupõe que os dados apenas devem ser conservados durante o período estritamente necessário para assegurar as finalidades do tratamento.
[76] Qualquer pessoa tem o direito a não ficar sujeita a uma decisão que produza efeitos na sua esfera jurídica, tomada exclusivamente com base num tratamento automatizado de dados destinado a avaliar determinados aspectos da sua personalidade, designadamente a sua capacidade profissional.
[77] A legitimidade do responsável pelo tratamento dos dados pessoais não lhe confere o direito de os divulgar a terceiros, estando os mesmos obrigados a um dever de segredo quanto aos dados e informações recolhidas.
[78] Salvo nos casos em que é expressamente concedida uma isenção pela CNPD, os responsáveis pelo tratamento dos dados pessoais estão obrigados a notificar previamente a CNPD de qualquer operação de tratamento de dados que pretendam levar a cabo.
[79] OS DIREITOS DE PERSONALIDADE NO CÓDIGO DO TRABALHO:ACTUALIDADE E OPORTUNIDADE DA SUA INCLUSÃO, http://hdl.handle.net/10216/18699, p. 2.
[80] OS DIREITOS DE PERSONALIDADE NO CÓDIGO DO TRABALHO:ACTUALIDADE E OPORTUNIDADE DA SUA INCLUSÃO, http://hdl.handle.net/10216/18699, p. 3.
[81] Sublinhado nosso.
[82] Maria Regina Gomes Redinha, obr. cit., p.8.
[83] Cfr. INSTITUTO DA MOBILIDADE E DOS TRANSPORTES TERRESTES, I.P., consultável em: http://www.imtt.pt/sites/imtt/Portugues/TransportesRodoviarios/TacografoDigital/Paginas/TacografoDigital.aspx
[84] Cfr.VIA VERDE, consultável em:
http://www.viaverde.pt/Website/Section.jsf?TopFolderPath=\Root\Contents\Website\ViaVerde&SelectedSubFolderId=100&Locale=pt-PT
[85] A Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada tem origem norte-americana. Foi criada pelo Supremo Tribunal Americano, que entende que os vícios da planta são transmitidos aos seus frutos, isto é, os vícios de uma determinada prova contaminam os demais meios probatórios que dela se originaram.
[86] Cfr. JOÃO HENRIQUE GOMES DE SOUSA, “Das nulidades à “fruit of the poisonous tree doctrine - (Escutas telefónicas e efeito à distância) ”, in Revista da Ordem dos Advogados online, Ano 66, Vol. II, Set. 2006, acessível em:
http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idc=30777&idsc=50879&ida=50905.
[87] Segundo o qual ”São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações”.
[88] Já o mesmo não sucederia se, por exemplo, a aludida confissão derivasse de forma espontânea por parte do trabalhador.
[89] Guilherme Machado Dray, Justa Causa e Esfera Privada, Estudos do Instituto de Direito do trabalho, Vol. II, Justa causa de Despedimento, pág. 66.
[90] Cfr. MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, “Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais”, 3ª edição, pág. 899/900 e a jurisprudência aí mencionada na nota 239.
[91] In obr. Citada, pág. 900/901.
[92] Normativo do actual Código do Trabalho aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro, cuja redacção é igual à do artigo 396º, nº 1 do CT de 2003 e aqui aplicável.
[93] No mesmo sentido o acórdão do STJ de 25/02/2009, processo 08S2461, www.dgsi.pt; PEDRO ROMANO MARTINEZ, “Direito do Trabalho”, Abril 2002, pp. 851-852 e ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, “Manual de Direito do Trabalho”, 1994, pp. 820/821. Sobre o assunto ver ainda NUNO ABRANCHES PINTO, “Instituto Disciplinar Laboral”, pg.71/75.
[94] Cfr. LUÍS MANUEL TELES DE MENEZES LEITÃO, “Direito do Trabalho”, 2ª edição, p. 481.
[95] ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, obr. citada, pp. 821/822 e MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, obr. citada, p. 901.
[96] MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, obr. citada, p. 901.
[97] Cfr. NUNO ABRANCHES PINTO, “Instituto Disciplinar Laboral”, p.76.
[98] Como diz MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, obr. citada, p. 902, a gravidade pode ser reportada ao comportamento em si mesmo ou às consequências que dele decorram para o vínculo laboral.
[99] Cfr. MONTEIRO FERNANDES, “Direito do Trabalho”, 15.ª edição, pp. 592/598.
[100] Cfr. ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, ob. cit. p. 819.
[101] Cfr. MONTEIRO FERNANDES, obr. cit. p. 595.
[102] Acórdãos do STJ de 30/09/2009, Processo nº 09S623 e de 12/01/2011, Processo nº 1104/08.7TTSTB.E1.S1, ambos in www.dgsi.pt.
[103] in R.L.J., 118º, pp. 330 e ss.
[104] in “Da justa causa de despedimento no contrato de trabalho”, 1965, p.162
[105] PEDRO FURTADO MARTINS, “Cessação do Contrato de Trabalho”, p. 85.
[106] Este artigo, sob a epígrafe “Fundamentos gerais de ilicitude de despedimento”, dispõe da seguinte forma;
“Sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes ou em legislação específica, o despedimento por iniciativa do empregador é ilícito:
a) Se for devido a motivos políticos, ideológicos, étnicos ou religiosos, ainda que com invocação de motivo diverso;
b) Se o motivo justificativo do despedimento for declarado improcedente;
c) Se não for precedido do respectivo procedimento;
d) Em caso de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante ou de trabalhador durante o gozo de licença parental inicial, em qualquer das suas modalidades, se não for solicitado o parecer prévio da entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres”.
[107] Nesse sentido: PEDRO FURTADO MARTINS, in Consequências do Despedimento Ilícito: Indemnização/Reintegração, Código do Trabalho, Alguns Aspectos Cruciais, Principia, 2003, pp. 49 e segs., nomeadamente, pág. 59 e ALBINO MENDES BAPTISTA, in Estudos sobre o Código do Trabalho, 2004, pp. 138 e 139.
[108] De acordo com o que dispõe o nº 5 do artigo 26º do Código de Processo do Trabalho “ Na acção de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, a instância inicia-se com o recebimento do requerimento a que se refere o nº 2 do artigo 387º do Código do Trabalho”.
[109] PEDRO FURTADO MARTINS, Cessação do Contrato de Trabalho, 3ª edição revista e actualizada, Principia, p. 439.
[110] Cfr. Acórdão do STJ de 23/01/2002, Processo nº 01S2071, www.dgsi.pt.
[111] Toda a defesa deve ser deduzida na contestação – artº 489º do CPC – ou, na eventualidade de factualidade superveniente - até ao encerramento da discussão – cfr. artº 506º, nº 1, do CPC. Em salvaguarda dos seus interesses poderia o empregador invocar e requerer, nos tempos e termos processuais previstos, a dedução das quantias que o trabalhador pudesse eventualmente vir a auferir após o despedimento, requerendo ao tribunal a realização das diligências que tivesse por adequadas à comprovação de tal facto.
[112] Sublinhado nosso.
[113] Processo nº 615-B/2001.E1.S1, in www.dgsi.pt.
[114] Consultável em: http://bdjur.almedina.net/juris.php?field=node_id&value=1319035
[115] PESSOA JORGE, “Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil”, p. 373 e ss.
[116] Cfr RIBEIRO DE FARIA, Direito das Obrigações, I, p.491.
[117] ANTUNES VARELA, “Obrigações em Geral”, I, 9ª ed., p.628.
[118] Acórdão do STJ de 11/5/98, Processo nº 98A1262, www.dgsi.pt.
[119] Ac. de 5/6/79, CJ IV, 3, 892, referido no Acórdão do STJ de 24/05/2007, Processo nº 07A1187, www.dgsi.pt.
[120] v. ANTUNES VARELA, “Obrigações em Geral”, I Vol., p. 445
[121] Processo nº 07A1187, in www.dgsi.pt.
[122] Acórdão de 25.01.2012, Processo nº 4212/07.8TTLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt.
[123] Acórdão do STJ de 25/06/2008, processo 08S1033, www.dgsi.pt.
[124] Acórdão do STJ referido na nota anterior e Acórdão do mesmo Tribunal de 21/10/2009, Processo nº 1996/05.1TTLSB.S1, www.dgsi.pt.