Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | LÍGIA FIGUEIREDO | ||
Descritores: | AMEAÇA | ||
Nº do Documento: | RP20120502576/10.4PAVFR.P1 | ||
Data do Acordão: | 05/02/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REC. PENAL. | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO. | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | Integra o ilícito de ameaça a expressão dirigida pela arguida à assistente “o meu irmão já vem a caminho para te foder toda, vai-te partir os dentes todos”, na medida em que comina um mal futuro, transmite à destinatária a ideia de que tem o domínio do facto e é adequada a provocar medo e inquietação | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | 1ª secção criminal Proc. nº576/10.4PAVFR.P1 ________________________ Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto: I – RELATÓRIO: No processo comum (tribunal singular) n.º576/10.4PAVFR.P1, do 1º juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Santa Maria da Feira a arguido B….. foi condenada nos seguintes termos: (transcrição) (…) * Inconformada, a arguida interpôs recurso, retirando da respectiva motivação as seguintes conclusões:
(…) * A sentença recorrida deu como provados e não provados os seguintes factos, seguidos da respectiva motivação:
(…) * II - FUNDAMENTAÇÃO:Como resulta das questões elencadas a recorrente não impugna a matéria de facto dada como provada, antes defendendo por um lado que a mesma não suporta o crime de ameaça pelo qual foi condenada, e que a considerarem-se para a decisão factos apenas referidos na fundamentação jurídica a sentença incorreu na nulidade prevista no artº 379º nº1 al.b) do CPP. O recorrente alega que a sentença recorrida incorreu na nulidade prevista no artº 379º nº1 al.b) do CPP, ao não proceder à comunicação prevista no artº 358º do CPP quando se inseriu no enquadramento jurídico que “a arguida, pela forma como se expressou, referindo mesmo ter contactado o irmão por telefone revela que a actuação do seu irmão é por si pretendida e que este actuará a seu mando”, pois que desta forma procedeu a uma alteração não substancial dos factos. A frase inserta na sentença, não tem apoio nos factos dados como provados, sendo que o único facto novo aí referido é a referência pela arguida de um contacto telefónico ao irmão, já que tudo o mais é uma conclusão que o tribunal retira desse facto, quando escreve que o mesmo “revela que a actuação do seu irmão é por si pretendida e que este actuará a seu mando.”(negrito nosso.) Ainda que se admita que os factos provados possam por vezes constar da fundamentação de facto do acórdão em vez de elencados como provados, terá de resultar inequívoco que o tribunal apreciou tais factos e os pretendeu dar como provados. Não é seguramente o caso agora em análise, pois lida toda a fundamentação de facto, não se apreende qualquer referência à referência ao telefonema, antes se tendo escrito que a assistente “esclareceu as palavras ditas pela arguida, confirmando os textos acusatórios”. O que se passa é que em termos de integração jurídica se invocou um facto que não estava dado como provado, e nessa medida terá o mesmo que se considerar como não escrito para efeitos de apreciação da subsunção jurídica dos factos, não tendo pois havido nenhuma alteração de factos a ter de ser comunicada nos termos do artº 358º do CPP. Não faz pois sentido a invocação da nulidade prevista no artº 379º nº1al.b) do CPP a qual é improcedente. E uma vez que o recorrente não ataca a matéria de facto dada como provada, quer pela via da impugnação, quer pela via da formação da convicção, não se detectando a existência de algum dos vícios do artº 410 nº2 do CPP, tem-se a matéria de facto por definitivamente assente. Passemos então a por apreciar se a matéria de facto dada como provada permite a subsunção jurídica efectuada pelo tribunal. Dispõe o artº 153º nº1 do CP, “ Quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e auto determinação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias.” Trata-se de um ilícito em que o bem protegido é a liberdade de decisão e acção, em que a nível subjectivo se exige o dolo o qual nas palavras do Prof. Taipa de Carvalho,[1] basta-se “com a consciência (representação e conformação) da adequação da ameaça a provocar medo ou intranquilidade ao ameaçado.” Em relação aos elementos objectivos, evidenciam-se três características essenciais ao conceito de ameaça: “ mal futuro, cuja ocorrência dependa da vontade do agente”.[2] Trata-se de um crime de mera acção, assente no conceito de adequação da ameaça a provocar medo ou inquietação, tendo deixado após a revisão de 1995, de ser um crime de resultado.[3] E tem-se realçado a necessidade de que o mal integrador da ameaça, não pode ter um carácter iminente e contemporâneo desta, mas antes constituir o anúncio intimador de uma acção futura. A questão colocada no recurso prende-se com a pretensão da recorrente de não estar verificado o elemento da “dependência da vontade do agente”. Relativamente ao crime de ameaça foi dada como provada a seguinte materialidade: “No dia 15 de Novembro de 2010, cerca das 10h., no estabelecimento de restauração e bebidas denominado “D……”, sito em Santa Maria da Feira, nesta Comarca, a arguida B….. proferiu as seguintes expressões, dirigindo-se à assistente C…..: “O meu irmão já vem a caminho para te foder toda, vai-te partir os dentes todos!, Vais pagá-las!”” Alega a recorrente invocando em seu apoio a doutrina de Taipa de Carvalho e Pinto de Albuquerque, que a expressão dirigida pela arguida à assistente não é uma ocorrência que dependa da vontade do agente, não permite retirar “a prática de um mal futuro (…) por terceiro a mando do agente” e que mais não é do que “ (…) a comunicação de uma mensagem com o significado da prática futura de um crime por um terceiro independentemente da vontade do agente.” Recorrendo também nós mais uma vez aos ensinamentos do Prof. Taipa de Carvalho, e dando por assente a exigência de que o mal dependa da vontade do agente, aderimos à pergunta colocada por aquele mestre quando escreve: “dependa ou apareça dependente aos olhos de quem?”[4]. E sobre este elemento escreve ainda Taipa de Carvalho“Relativamente a esta característica do conceito de ameaça e, assim, elemento do tipo objectivo do ilícito “ameaça”, o critério é objectivo-individual. Significa este critério que o ponto de partida para o juízo sobre a dependência, ou não, do mal é feito segundo a perspectiva do homem comum, isto é, da pessoa adulta e normal. Todavia, sendo este o critério-base, não pode deixar de se ter em conta – como factor correctivo do critério objectivo do “ homem médio” –as características individuais da pessoa ameaçada.”[5] Ou seja, afigura-se que este juízo de dependência terá de ser avaliado na perspectiva do destinatário da ameaça, à luz do “homem médio”. A exigência de dependência não pode pois ser vista num sentido naturalístico da acção,[6] pois que “ a existência de uma verdadeira ameaça não exige a real dependência do “ crime ameaçado” da vontade do agente, bastando que apareça ao ameaçado como dependente do ameaçador(..) nem pressupões a intenção do agente de concretizar a ameaça, isto é de praticar o crime objecto da ameaça(…).”[7] Como supra se afirmou trata-se de um crime de mera acção, ao qual como também acentua Pinto de Albuquerque “É irrelevante que o agente tenha intenção de concretizar a ameaça.”[8] Ora dizer a alguém “ O meu irmão já vem a caminho”, transmite ao destinatário a ideia de que o agente detém o domínio do facto, afigurando-se ser para um homem médio uma acção que aparece dependente da vontade do agente. É que uma coisa é a mera comunicação de um facto que um terceiro sem aparente ligação ao agente irá praticar. Outra é o agente invocar um terceiro seu irmão, e que o agente demonstra saber que já vem a caminho para “partir os dentes todos”, acompanhada da expressão “vais pagá-las” que de forma inequívoca transmite a mensagem que o terceiro irmão da arguida, vem com o conhecimento e vontade da arguida. Na verdade, na avaliação de saber se a ameaça aparece como dependente da vontade do agente, não podemos ficar presos só ao tempo verbal utilizado ou apenas às circunstâncias da acção, antes sendo a apreciação de todos esses factores que relevará a tal decisão. A este propósito e pela clareza da sua expressão referimos o ac. da Relação de Guimarães de 27/3/2003, no qual escreveu “ Com efeito, a verdade da imagem relatada na acusação não deve ser procurada na sua versão semiótica, simplesmente formal, mas na relação socialmente vivida pelos dois antagonistas, ou seja, na sua versão pragmática, que bem melhor preside aos intentos interpretativos”.[9] Daí e com o devido respeito por posição contrária, se entenda que a expressão utilizada pela arguida não só integra os requisitos de mal futuro, como também aparece aos olhos do destinatário como dependente da sua vontade e é adequada a provocar medo e inquietação. E não se trata da utilização de presunções judiciais ou naturais para de um facto conhecido retirar um facto desconhecido, mas antes do enquadramento dos factos dados como provados, sendo que de todo o modo não estavam em causa factos subtraídos à prova testemunhal, e como tal não faz sentido a invocação da violação do artº 351º do C.Civil. Não assiste pois razão ao recorrente quando em sede de motivação parece pretender que o tribunal deveria ter indagado “qual a vontade do irmão desse terceiro , qual a sua decisão no concernente à futura concretização do crime contra a integridade física da ofendida”, parecendo querer suscitar o vicio da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, pois como supra se acentuou o crime de ameaça é um crime de mera acção, que pressupõe que não haja início de execução, sendo a vontade do terceiro relativa à concretização do crime indiferente estranha aos elementos constitutivos do tipo. Como tal verificado que está o elemento subjectivo, há que concluir que com a sua conduta a arguida incorreu num crime de ameaça p.p. pelo artº 153º nº1 do CP. E isto apesar de como supra se deixou expresso não se poderem considerar, porque não provados, os factos referidos no enquadramento jurídico da sentença de que a arguida terá referido ter contactado o irmão pelo telefone. Assim e uma vez que a recorrente não questiona as penas aplicadas improcede pois o recurso. * III – DISPOSITIVO:* Nos termos apontados, acordam os juízes desta Relação em negar provimento ao recurso e confirmar ainda que por fundamentação algo diferente, a decisão recorrida. Custas pela recorrente fixando-se a taxa de justiça em 3 UC Elaborado e revisto pela relatora * Porto, 02/05/2012* Lígia Ferreira Sarmento Figueiredo José Manuel da Silva Castela Rio ______________ [1] In Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte especial, Tomo I, pág342-351. [2] Prof Taipa de Carvalho ob. cit. pág.343. [3] Prof. Taipa de Carvalho ob.cit. pág.348. [4] Ob.cit. pág.343. [5] Ob.cit.pág.344. [6] Neste sentido o ac. da RP de 1/7/2009, proferido no proc. 554/08.3PAVNF.P1, (relatora Maria do Carmo Silva Dias). [7] Taipa de Carvalho ob. cit. pág. 350. [8] Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal à luz da constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, pág.413, Universidade Católica Editora,Lisboa 2008. [9] Proferido no proc. 106/06.2 (relator Miguez Garcia) |