Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
362/10.1TTVRL.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EDUARDO PETERSEN SILVA
Descritores: DENÚNCIA DO CONTRATO DE TRABALHO PELO TRABALHADOR
Nº do Documento: RP20130603362/10.1TTVRL.P1
Data do Acordão: 06/03/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: SOCIAL - 4ª SECÇÃO.
Área Temática: .
Sumário: Não constitui denúncia do contrato de trabalho a conduta da trabalhadora que, confrontada pelo empregador, atira as chaves para cima do balcão, entrega a farda e não comparece mais ao serviço quando conjugada com o facto de o empregador lhe ter comunicado, não o abandono de trabalho, mas a cessação do contrato por despedimento com fundamento na dita conduta e de ter preenchido a declaração para a Segurança Social com o motivo "despedimento por justa causa imputável ao trabalhador".
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
Processo nº 362/10.1TTVRL.P1
Apelação

Relator: Eduardo Petersen Silva (reg. nº 260)
Adjunto: Desembargador João Diogo Rodrigues
Adjunto: Desembargadora Paula Maria Roberto
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório
B….., nos autos m. id., veio intentar a presente acção especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento contra C….., Lda., também nos autos m.id, pedindo que se declare ilícito o seu despedimento, tendo apresentado para o efeito o competente formulário anexando-lhe a comunicação escrita que recebeu da R.

A R. motivou o despedimento em causa, tendo alegado, em síntese, que celebrou com a A. um contrato de trabalho a termo certo, pelo período de 3 meses, com início em 21/04/2010, para exercer as funções de administrativa estagiária. Mais invocou vários comportamentos da A. que, no seu entender, revelam o incumprimento de deveres laborais por parte da mesma. Quando confrontada com este comportamento, no dia 31/05/2010 a A. ausentou-se do seu local de trabalho, não mais tendo regressado.

Notificada deste articulado, veio a A. deduzir contestação, com pedido reconvencional, mediante a qual veio invocar a nulidade do termo aposto no contrato de trabalho celebrado entre as partes e pugnar, assim, pela sua caracterização como contrato por tempo indeterminado. Mais invocou que ficou acordado que a mesma auferiria a quantia de € 550,00, já incluído o subsídio de alimentação e que iniciou as suas funções desde 25/02/2010, tendo o seu primeiro salário sido liquidado em Março desse mesmo ano. Veio ainda a A. impugnar a factualidade descrita no requerimento inicial da demandada, quanto à conduta que lhe é imputada e que afirma não corresponder à verdade, acrescentando que em finais de Maio de 2010, a A. foi confrontada pela legal representante da R. com a cobrança indevida a um cliente de € 0,20, tendo-se no seguimento dessa chamada de atenção expulsado a A. das instalações da R. dizendo que a partir dessa data deixava de contar com a A. como sua funcionária, exigindo-lhe a entrega da sua farda e das chaves do mesmo estabelecimento. No dia seguinte – 01/06/2010 – a R. comunicou aos serviços sociais competentes a cessação do contrato de trabalho da A. e na declaração de situação de desemprego a R. fez constar, como motivo da cessação, justa causa de despedimento por motivo imputado ao trabalhador, contudo, a A. desconhece qualquer procedimento disciplinar que lhe tenha sido instaurado.
Invoca ainda a A. a litigância de má-fé patente no articulado inicial da demandada, peticionando a condenação da R. no pagamento de multa e de indemnização não inferior a 35% do valor da causa.
Em sede de pedido reconvencional a A. peticiona a condenação da R. no pagamento de indemnização pela sua antiguidade, correspondente a 3 meses, bem como nas retribuições vencidas desde a data do despedimento até à do trânsito em julgado da presente decisão, no montante de € 7.058,41 deduzido do valor de € 3.464,15 auferidos pela demandante neste período após o despedimento invocado e ainda a quantia de € 437,48 a título de créditos laborais vencidos e não liquidados, acrescidas estas quantias dos juros de mora vencidos desde a data da citação até integral pagamento.

Em articulado de resposta a esta contestação a R. veio deixar impugnada a factualidade descrita pela A., pugnando pela validade do contrato a termo celebrado entre as partes e argumentando que foi a A. quem denunciou o contrato de trabalho então vigente, nada lhe sendo devido das quantias que reivindica no seu pedido reconvencional. Termina, pedindo assim a improcedência dos pedidos formulados pela A. em sede de reconvenção.

Foi proferido despacho saneador, com selecção de base instrutória, com reclamação parcialmente atendida.
Seguidamente procedeu-se a julgamento, tendo sido respondida a base instrutória e a final proferida sentença de cuja parte dispositiva consta: “Tudo visto e nos termos expostos, julga-se a presente acção parcialmente procedente por provada e em consequência, condena-se a R. a pagar à A. a quantia de € 437,48 (quatrocentos e trinta e sete euros e quarenta e oito cêntimos) a título de créditos laborais vencidos, acrescida dos respectivos juros de mora vencidos, à taxa legal, desde a data da citação, bem como os vincendos até integral pagamento.
No mais, absolve-se a R. do demais peticionado.
Fixam-se aos presentes autos o valor de € 8.995,89.
Custas por ambas as partes na proporção do respectivo decaimento”.

Inconformada, interpôs a Autora o presente recurso, apresentando a final as seguintes conclusões:
A. O presente recurso impõe-se, na humilde opinião da aqui Recorrente, não quanto à totalidade das questões apreciadas e decididas na douta sentença em apreço, mas restringindo-se à apreciação da invocada ilicitude do despedimento.
B. Salvo melhor entendimento em contrário, não pode a aqui Recorrente concordar com a douta sentença a fls., por a mesma, na sua motivação e decisão, omitir um meio de prova pleno, mormente documental, com extrema relevância para a apreciação do mérito da causa e que imporia decisão diferente, bem como, ainda, a própria posição processual da Recorrida, ziguezagueante ao longo do processo.
C. Vejamos, a presente instância iniciou-se com o recebimento, pela Secretaria do Tribunal do Trabalho de Vila Real, do requerimento a que se refere o n.º 2, do artigo 387.º, do Código do Trabalho, acompanhado da comunicação constante a fls. 03, 04 e 05, para a qual se remete.
D. Da aludida comunicação escrita consta, entre o mais, o seguinte: “Mais se informa que os seus serviços foram dispensados no dia 31 de Maio, data em que a sua pessoa foi confrontada com o exposto não tendo tido qualquer tipo de argumentação para contrariar ou negar o sucedido. Desta forma C..... teve necessidade deste período de tempo para reunir toda a documentação e ouvir os lesados no sentido de elaborar um processo disciplinar contra a sua pessoa.”. (O destaque é nosso)
E. O parágrafo acabado de citar não suscita quaisquer dúvidas interpretativas, resultando do mesmo que a iniciativa para a cessação do contrato de trabalho então celebrado entre as aqui partes foi, exclusivamente, da aqui Recorrida.
F. Como já havia sido transmitido verbalmente à Recorrente em 31 de Maio de 2012, confirmado posteriormente por escrito, era e foi intenção da Recorrida não mais permitir que a Recorrente prestasse, para aquela, a sua actividade profissional.
G. E tal decisão da Recorrida, realce-se, resultou de um conjunto de condutas descritas pela própria como impeditivas de manter a relação de trabalho, tanto mais que necessitou de “…tempo para reunir toda a documentação e ouvir os lesados no sentido de elaborar um processo disciplinar…” contra a Trabalhadora.
H. Resulta das normas da experiência comum, da lógica, que se um trabalhador, no caso concreto a aqui Recorrente, tivesse denunciado o seu contrato de trabalho, como entendeu o Tribunal a quo, ou abandonado o trabalho, como pugnou a Recorrida no seu articulado, a sua Entidade Empregadora, no caso a Recorrido, não lhe remeteria comunicação escrita a dispensar os seus serviços e a justificar tal decisão com a elaboração de um processo disciplinar.
I. Aliás, se dúvidas ainda pudessem existir, a acompanhar a comunicação escrita com a decisão de despedimento individual, a Recorrida ainda entregou à Recorrente Modelo RP 5044 – Declaração de Situação de Desemprego, onde indicou, como motivo de cessação do contrato de trabalho, “1 Justa causa de despedimento por facto imputável ao trabalhador”, com a seguinte observação “Anexo carta despedimento expositiva denuncia antecipada do contrato” – cfr. Doc. n.º 8, junto com a contestação a fls., para o qual se remete.
J. Pois bem, tais documentos não foram, em momento algum, explícita ou implicitamente, impugnados pela Recorrida, reconhecendo esta ser a autora dos mesmos, tendo aí colocado a sua assinatura e carimbo.
K. Motivo pelo qual, e bem, no entendimento da Recorrente, no Despacho Saneador foram dados como assentes os factos constantes sob as letras E e F, para as quais se remete.
L. Ora, a ausência de pronúncia sobre os mencionados documentos produzidos pela Recorrida também se verifica na sentença de que aqui se recorre, a qual dá como provada a factualidade acaba de reproduzir, mas que conclui pela inexistência de um despedimento, logo, também não classificando o mesmo como ilícito.
M. A comunicação em análise e o Modelo RP 5044 – Declaração de Situação de Desemprego consubstanciam documentos particulares que não foram impugnados pela Recorrida, logo foram aceites e reconhecidos como autênticos e genuínos, tudo conforme o estatuído no artigo 374.º do Código Civil e, a contrario sensu, artigo 546.º do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 1.º do Código de Processo do Trabalho.
N. Como tal, nos termos do n.º 1, do artigo 376.º, do Código Civil, “O documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento.”. (O destaque é nosso)
O. E, estando plenamente provado que a Recorrida dirigiu à Recorrente comunicação de despedimento, mal se compreende que o Tribunal a quo não tivesse aplicado o direito em consonância com tal facto provado.
P. Acresce que, nos termos do disposto no artigo 387.º, n.º 3, do Código do Trabalho e artigo 98.º-J, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, a Recorrida apenas poderia invocar factos e fundamentos constantes da decisão de despedimento remetida à Recorrente, o que manifestamente não foi o caso – cfr. artigo 15.º do Articulado e artigo 41.º da Resposta à matéria de excepção invocada na contestação e ao pedido reconvencional para os quais se remete.
Q. Também aqui não pode a Recorrente deixar de demonstrar a sua estranheza ao facto de, consoante o momento, assumir a Recorrida, primeiramente, que dispensou os serviços da Trabalhadora, depois que a mesma abandonou o posto de trabalho e, por último, que esta já terá denunciado o contrato de trabalho.
R. Tudo isto sem que o Tribunal a quo indagasse a existência e valorasse a comunicação de despedimento dirigida à aqui Recorrente e, conforme peticionado por esta, declarasse, nos termos do artigo 98.º-J do Código de Processo do Trabalho, a ilicitude do despedimento face a inexistência do competente processo disciplinar.
S. Em suma, se pelo Tribunal a quo tivesse sido realizada uma análise atenta de todo o processo, com especial incidência sobre os articulados e as afirmações que nos mesmos foram feitas pelas partes, pelas quais estas são responsáveis, e os documentos juntos com os mesmos, dúvidas não podiam existir estarmos perante um despedimento da Recorrente B…..,
T. Despedimento que, por não ter sido precedido do respectivo procedimento, como não o foi, é ilícito, nos termos da alínea c), do artigo 381.º, do Código do Trabalho, pelo que só poderia ter procedido, in totum, a reconvenção apresentada e a Ré condenada na totalidade dos pedidos formulados pela Autora.
Nestes termos e nos melhores de Direito, com o sempre mui douto suprimento de V.as Ex.as, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida, apenas na parte a que o recurso se restringe, substituindo-se por outra que condene a Ré, aqui Recorrida, nos exactos termos do peticionado pela Recorrente, com o que farão, uma vez mais, a acostumada e devida JUSTIÇA.

Contra-alegou a recorrida, formulando as seguintes conclusões finais:
1 - Pretende a Recorrente a revogação da douta sentença pois considera que se deveria dar como provada a Invocada Ilicitude do Despedimento.
2 – Provou-se que: Quando confrontada pela representante da ré, com a falta de zelo e profissionalismo, a autora ausentou-se das instalações da Ré. atirando com as chaves para cima da mesa e sem qualquer explicação não mais compareceu no seu local de trabalho.
3 - A atitude da Recorrente, consubstancia abandono de trabalho.
4 - Face à atitude da Recorrente, a recorrida apenas constatou o facto da sua funcionária, de livre iniciativa querer por fim ao vinculo laboral.
5 - Ou seja, no dia 31/05/2010 a Recorrente, por iniciativa própria denunciou o seu contrato, atirando com as chaves e a farda para cima da mesa não mais comparecendo no seu local de trabalho.
6 - Ou seja, confrontada pela R. com comportamentos desadequados, a A. deixou as instalações da R. e entregou a farda e as chaves de acesso a essas mesmas instalações, não mais comparecendo ao trabalho.
7 - Foi a demandante quem tomou a iniciativa de fazer cessar o seu vínculo laboral, não só porque se ausentou do seu posto de trabalho, sem mais regressar, mas também porque nesse mesmo acto entregou as suas “ferramentas” de trabalho, o que indicia uma decisão definitiva
8 – A R. quando remete a declaração de situação de desemprego, em que fez menção do motivo de justa causa de despedimento por facto imputável ao trabalhador e lhe comunica, em 01/06/2010 que o contrato de trabalho cessou, está meramente a constatar um facto desencadeado, não por si, mas pela própria A. que pela sua livre iniciativa pôs fim ao seu vínculo laboral.

A Exmª Senhora Procuradora Geral Adjunta nesta Relação emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.

Corridos os vistos legais cumpre decidir.

II. Matéria de facto
A matéria de facto dada como provada na 1ª instância – e que este tribunal mantém, porque a matéria de facto não foi impugnada e porque os elementos do processo não impõem decisão diversa, nem foi admitido documento superveniente com virtualidade para infirmar aquela decisão (artigo 712º, nº 1 do CPC) – é a seguinte:
1. A ré passou a exercer a função administrativa, tendo sido atribuída a categoria profissional de Administrativa Estagiária.
2. O exercício da função de administrativa da Ré comportava, designadamente, o desempenho de funções relacionadas com a gestão da agenda, tratamento de dados, facturação de clientes e de fornecedores da Ré, conforme estipulado no n.º 2 da cláusula terceira do contrato de trabalho.
3. Consta da cláusula segunda do contrato celebrado entre as aqui partes o seguinte: “O presente contrato vigorará pelo prazo estabelecido na cláusula anterior, em razão de um aumento considerável de serviço inerente à actividade desenvolvida pela primeira contraente.”
4. A Ré, enquanto sociedade comercial, foi constituída em 11/01/2010 e registada em 13/01/2010, ou seja, pouco mais de um mês antes da contratação dos serviços da Autora.
5. A Ré endereçou à autora comunicação de despedimento que a própria redigiu e assinou e enviou através de carta registada com aviso de recepção, junta aos autos a fls. 3,4 e 5 sendo que tal comunicação tem como assunto, precisamente, “Assunto: Denúncia antecipada de contrato de Trabalho a termo certo”, e aí constam, quase ipsis verbis, os factos vertidos nos artigos 6.º, 7.º, 8.º, 12.º e 13.º do Articulado da Ré; mais é dito, depois do relato de supostas violações dos deveres laborais da Autora, o seguinte: “Mais se informa que os seus serviços foram dispensados no dia 31 de Maio, data em que a sua pessoa foi confrontada com o exposto não tendo tido qualquer argumentação para contrariar ou negar o sucedido,” – cfr. fls. 3,4 e 5 dos autos. E que, “Desta forma C..... teve necessidade deste período de tempo para reunir toda a documentação e ouvir os lesados no sentido de elaborar um processo disciplinar contra a sua pessoa.”.
6. No dia 01/06/2010 a Ré comunicou junto da Segurança Social o término da relação laboral que mantinha com a Autora, data a partir da qual deixou de remeter as Declarações de Rendimentos referentes a esta – cfr. Doc. N.º 07, junto com a contestação da autora; No Modelo RP 5044 – Declaração de Situação de Desemprego, o qual, à semelhança da comunicação melhor identificada em 58.º, 59.º e 60.º desta Contestação, foi assinado e carimbado pela Ré, consta como “Data da cessação do contrato de trabalho 01/06/2010”; como motivo da cessação, “1 Justa causa de despedimento por facto imputável ao trabalhador”, tendo a Ré completado, de forma manuscrita no dito modelo, “Anexo carta despedimento expositiva denúncia antecipada do contrato” – cfr. Doc. N.º 08, junto nos mesmos termos.
7. Autora e Ré celebraram “um contrato de trabalho a termo certo” por três meses, com início em 21 de Abril de 2010, conforme cláusula primeira do respectivo contrato.
8. A Autora emitiu uma venda a dinheiro, em duplicado, a uma cliente referente ao mesmo pagamento, tendo a Ré tomado conhecimento pela própria cliente.
9. No dia 10/04/2010, a Autora não cobrou os serviços prestados a um cliente, tendo emitido a venda a dinheiro e entregue ao mesmo sem ter efectuado a cobrança efectiva do valor facturado, tendo a Ré tomado conhecimento pelo próprio cliente.
10. A Autora usava os meios informáticos da R. para aceder à internet para fins pessoais.
11. Um cliente ao solicitar uma 2ª via de um relatório de avaliação psicológico foi informado pela Autora que o mesmo não era necessário, pois podia ir ao IMTT pedir uma cópia autenticada, o que implicava a perda de uma receita por parte da Ré.
12. No dia 27/05/2010, a Autora colocou um candidato a proceder a avaliação psicológica no balcão de atendimento ao público, não salvaguardando a privacidade e o ambiente necessário de concentração para este procedimento, conforme estava estipulado e era do seu conhecimento.
13. A Autora cobrou valores superiores ao estipulado a um cliente da R.
14. No dia 31/05/2010 a A. Ausentou-se das instalações da R. entregando a sua farda e as chaves das respectivas instalações e nunca mais compareceu para trabalhar.
15. Motivo pelo qual a Ré comunicou à Autora a cessação do contrato de trabalho.
16. A Autora foi admitida ao serviço da Ré no 25 de Fevereiro de 2010 para trabalhar sob a autoridade e direcção da Ré.
17. Nessa data mais foi acordado entre Autora e Ré um período normal de trabalho de 40 (quarenta) horas semanais, distribuídas de segunda-feira a sexta-feira: das 09h30 às 13h00 e das 14h30 às 18h30 e aos sábados: das 09h30 às 12h30.
18. Como contrapartida foi acordada a retribuição base mensal de € 500,00 e um valor fixo de subsídio de alimentação de € 50,00.
19. Até à presente data e na sequência dessa prestação de serviços, a Autora auferiu importâncias, no montante global de € 3.464,15.
20. A Ré, devido a um aumento considerável de serviço necessitou de contratar mais um administrativo.
21. A A. recebeu a remuneração correspondente ao trabalho prestado no mês de Março.
22. A ré tinha ao seu serviço já a D. D….., que ensinou á autora as funções que esta iria desempenhar nos três meses contratados, que era e continua a ser a funcionária da ré.
23. Quando confrontada pela representante da ré, com a sua falta de zelo e profissionalismo, a autora ausentou-se das instalações da Ré, atirando com as chaves para cima da mesa e sem qualquer explicação não mais compareceu no seu local de trabalho.

III. Direito
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões do recorrente, nos termos do disposto nos artigos 684º, nº 3, e 685º-A, nº 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do disposto nos artigos 1º, nº 2, al. a), e 87º do Código de Processo do Trabalho, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, a única questão a decidir é a de saber se a recorrente não denunciou o seu contrato de trabalho mas antes se foi despedida, ilicitamente, com as legais consequências.

A cessação do contrato de trabalho apenas pode dar-se nos casos previstos na Lei, que correspondem a razões objectivas ou subjectivas pelas quais um contrato se não pode manter. Por outro lado, e vindo mais próximo ao caso concreto, quer o despedimento promovido pelo empregador com base nalguma conduta do trabalhador que viole os deveres laborais, quer a denúncia que o trabalhador faça do seu contrato, no exercício da sua liberdade de não permanecer vinculado, são manifestações de vontade, ou melhor, declarações de vontade, que produzem os seus efeitos logo que são conhecidas do seu destinatário.
Estamos, atenta a data dos factos, no domínio do Código do Trabalho de 2009. E estamos no domínio das disposições do Código Civil que, de há muito, regulam a matéria da declaração de vontade.
Não estamos no domínio da violação das regras sobre a força probatória de documentos particulares reconhecidos, pela singela razão que não houve impugnação da decisão sobre a matéria de facto nem de resto isso faria sentido, visto que as declarações constantes dos documentos foram levadas à decisão – e por isso o que se passa é que a controvérsia se centra na apreciação dos factos provados, designadamente no confronto dos factos relativos a estas declarações com os factos relativos à conduta da recorrente. Note-se que tal força probatória só se estende às declarações produzidas, mas não à verdade delas, sendo aliás que se trata de questões de direito.
E pondo a discussão com singeleza, o que temos de saber é se quando a A., confrontada pela Ré com condutas suas (facto 23), no dia 31/05/2010 se ausentou das instalações entregando a sua farda e as chaves das respectivas instalações – que atirou para cima da mesa, e não dando mais explicações – nunca mais compareceu para trabalhar (facto 14) (o que motivou a comunicação pela Ré à A. da cessação do contrato – facto 15), o que temos de saber é se isto consubstancia uma denúncia do contrato de trabalho pela A., que logo ali produzindo efeitos, por logo ali chegar ao conhecimento do destinatário, torna irrelevante a conduta posterior da Ré (designadamente comunicar à A. a cessação do contrato de trabalho por lhe ser insuportável a manutenção da mesma).
Porque já sabemos que no dia 1 de Julho, que é a data da comunicação da cessação do contrato à A., a Ré lhe comunicou, por via dos diversos ilícitos que ali apontou, “mais se informa que os seus serviços foram dispensados no dia 31 de Maio, data em que a sua pessoa foi confrontada com o exposto não tendo tido qualquer tipo de argumentação para contrariar ou negar ou sucedido. Desta forma C..... teve necessidade deste período de tempo para reunir toda a documentação e ouvir os lesados no sentido de elaborar um processo disciplinar contra a sua pessoa” e, mais adiante “cabe-nos a nós, e pelo exposto, manifestar inviável o cumprimento do contrato de trabalho que uniu comercialmente a empresa C..... e a sua pessoa”. Porque já sabemos também que na declaração que emitiu para a Segurança Social, a Ré indicou como motivo da cessação do contrato de trabalho “Justa causa de despedimento por facto imputável ao trabalhador”, tendo a Ré completado, de forma manuscrita no dito modelo, “Anexo carta despedimento expositiva denúncia antecipada do contrato”.
Ainda que o cumprimento da forma escrita prescrito pelo artigo 400º nº 1 do Código do Trabalho corresponda a uma formalidade ad probationem em função da necessidade de estabelecimento do respeito pelo prazo de aviso prévio, a questão situa-se anteriormente, no domínio da declaração de vontade. A conduta da A., acima descrita, é uma denúncia do contrato de trabalho?
Denúncia expressa não é de certeza. A A. não verbalizou as palavras correspondentes ou similares. Não verbalizou nada, não disse palavra. Portanto, estamos fora da primeira parte do nº 1 do artigo 217º do Código Civil. A conduta da A. é uma denúncia tácita do contrato de trabalho? Deduz-se ela, com toda a probabilidade, de factos que a revelam?
Não esqueçamos que o sentido da declaração negocial é aquele que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante. Esta disciplina aplica-se também à declaração tácita, pois que o artigo 236º nº 1 do Código Civil não faz distinção entre declaração expressa e tácita.
Esta disciplina porém não justifica a colocação da questão a um declaratário normal hipoteticamente colocado no lugar do declaratário, se soubermos qual é a atitude que efectivamente este declaratário tomou, um pouco à semelhança, ou em paralelo, do que resulta do nº 2 do artigo 236º do Código Civil.
Começando logo por aqui, é manifestamente claro que a Ré não entendeu a conduta da A. como sendo uma declaração de denúncia do contrato de trabalho. Aliás, a Ré oscila entre o abandono e a denúncia enquanto qualificativas já em sede processual. O que é claro é que se comunicou à A. a cessação do contrato (facto 15), apesar de o ter feito porque a A. entregou chaves e farda e não voltou a trabalhar, fê-lo também ( o facto 15 não refere que o facto 14 foi o motivo exclusivo) pelos motivos constantes de tal comunicação, isto é, porque entendia que a A. tinha tido as condutas irregulares ou violadoras dos seus deveres laborais ali descritas e por isso para ela, Ré, era insustentável a relação. Tanto assim era que tinha demorado aquele tempo (entre 31.5 e 1.7) a coligir elementos para elaborar um procedimento disciplinar, e tanto continuou coerente com esta atitude quando declarou para a Segurança Social que o motivo de cessação do contrato era o despedimento com justa causa, mediante os factos integradores da justa causa que constavam do anexo à declaração que produzia. Quer dizer, nunca, até à comunicação à A. da cessação do contrato, a Ré entendeu que estava dispensada de tomar qualquer atitude jurídica porque a A. já se havia ela mesmo despedido, denunciando o contrato em 31 de Maio.
Esqueçamo-nos, por momentos, da Ré, concreta declaratária.
Quando o trabalhador atira as chaves para cima da mesa e entrega a farda, depois de confrontado com condutas suas irregulares, e sai do trabalho e não mais comparece, ele, no momento em que atira as chaves e bate porta, digamos, denuncia tacitamente o contrato?
Nunca mais comparece, embora seja facto dado como provado, tem de ter o limite “nunca mais comparece até que lhe é mandada carta a comunicar a cessação do contrato”, porque é este o tempo relevante para apreciar da conduta do trabalhador, enquanto esta ela mesma isolada de qualquer outro facto.
Com o devido respeito, não nos parece que haja denúncia tácita. Quando o trabalhador não o faz por escrito, com ou sem antecedência, e simplesmente deixa de comparecer, entra no regime de abandono de trabalho, presumido após 10 dias úteis seguidos – artigo 403º nº 2 do CT (sendo porém certo que esta presunção só funciona se o empregador se valer dela, comunicando-a por escrito ao trabalhador, o que no caso não sucedeu, porventura porque o empregador estava absolutamente ciente de que não era nada disso, tanto que se queria munir dos elementos necessários para organizar um procedimento disciplinar). A menos que logo se perceba, do deixar de comparecer, que é definitivo – nº 1 do preceito. Portanto, ao não mais compareceu, há que somar “atirou as chaves e entregou a farda”. Não há qualquer facto que nos explique a relação entre a A. e as chaves e a farda, que nos explique as mesmas enquanto instrumentos indispensáveis, ferramentas do seu trabalho.
Digamos portanto que, no universo de situações possíveis, muitas podem explicar que o trabalhador atire as chaves para cima do balcão, com desdém, seja por exemplo que se encontre agastado, que tenha mau perder, que expluda à primeira invectiva, e que entregue a farda, seja porque é de má qualidade e se rompeu toda, e assim, dois dias de fúria decorridos, venha o trabalhador mansamente pedir uma farda nova, apresentar desculpas e explicar as condutas com que foi confrontado (o que na comunicação de despedimento também se assinala como não tendo sido feito).
Como a Ré não se prevaleceu do abandono de trabalho, por escrito, em devido tempo, e como a sua conduta revela que não entendeu a conduta da trabalhadora como sendo uma denúncia do contrato ou sequer um abandono, como os factos provados são insuficientes para caracterizar com probabilidade que tal conduta da trabalhadora manifestasse a sua vontade inequívoca de denunciar o contrato, entendemos que não se pode considerar haver uma denúncia tácita do contrato. Note-se, aliás, que no apuramento da potencialidade da conduta enquanto denúncia tácita devemos ser particularmente cautelosos: - é que a Lei, prevenindo as explosões inconsequentes, concede justamente aos trabalhadores cujos nervos chegaram à verbalização por escrito da denúncia, o prazo de uma semana para repensar. Isto parece-nos razão de sobra para sermos ainda mais exigentes ao caracterizar uma conduta tácita como denúncia do contrato.
Entendemos assim que a conduta da trabalhadora, revelada em 14, 15 e 23 não vale como denúncia do contrato de trabalho, ao qual foi antes a Ré quem pôs termo mediante a comunicação de despedimento, legalmente inválida porque não precedida de processo disciplinar – artigo 381º c) do CT.
Deste modo, e considerando que transitou o trecho da sentença recorrida que julgou que o contrato celebrado entre as partes é por tempo indeterminado, assiste à Autora o direito a uma indemnização por antiguidade, a fixar entre 15 a 45 dias por cada ano de antiguidade não podendo ser inferior a três – artigo 391º nº 1 e 3 do CT, e às retribuições que teria normalmente auferido desde o despedimento (uma vez que a acção foi interposta antes de um mês decorrido sobre o despedimento) e até ao trânsito em julgado do presente acórdão, com desconto de eventuais subsídios de desemprego que haja entretanto auferido, a apurar portanto em liquidação do presente acórdão – artigo 390º do CT. Sobre a indemnização acrescem juros de mora a contar da citação e sobre as retribuições intercalares juros de mora a contar do vencimento de cada uma das quantias dela integrantes, uma vez que se trata de obrigações com vencimento certo – artigo 805º do Código Civil e artigo 278º do Código do Trabalho.
Atendendo à retribuição da A. – 500,00€ - e à sua antiguidade, inferior a 3 anos, considerando outrossim o valor baixo da retribuição mas também a mediana gravidade da ilicitude do despedimento (falta de procedimento disciplinar), considerando ainda o valor pedido a este respeito pela própria A., que não pode ser ultrapassado, julgamos adequado fixar a indemnização em 30 dias por cada ano de antiguidade, e assim fixar a indemnização por antiguidade em €1.500,00, sem prejuízo da antiguidade que se vencer até ao trânsito em julgado do presente acórdão, caso ultrapasse os três anos.
Quanto às retribuições intercalares, ressalvando a hipótese de entretanto a A. ter obtido subsídio de desemprego, caso em que os montantes respectivos deverão ser descontados e entregues pela Ré à Segurança Social, o respectivo apuramento será feito em liquidação do presente acórdão, como se disse.
Termos em que procede o recurso.

IV. Decisão
Nos termos supra expostos acordam conceder provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida na parte em que absolveu a Ré dos pedidos relativos à ilicitude do despedimento, que nessa parte se substitui pelo presente acórdão que declara ilícito o despedimento da Autora, e em consequência condenam a Ré:
- a pagar à A. a quantia de €1.500,00 (mil e quinhentos euros) a título de indemnização de antiguidade em substituição da reintegração, sem prejuízo da antiguidade que se vencer até ao trânsito em julgado do presente acórdão;
- a pagar à A. as retribuições que teria normalmente auferido desde o despedimento até ao trânsito em julgado do presente acórdão, com desconto das quantias que eventualmente a A. haja auferido a título de subsídio de desemprego, a apurar em liquidação deste acórdão.
- a pagar à A. juros de mora à taxa legal desde a citação e até integral pagamento sobre a quantia de €1.500,00 e desde o vencimento de cada uma das retribuições intercalares, até integral pagamento.
No mais, mantém-se a sentença recorrida.
Custas pela recorrida.

Porto, 17.6.2013
Eduardo Petersen Silva
João Diogo Rodrigues
Paula Maria Roberto
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Sumário:
Não constitui denúncia tácita do contrato de trabalho a conduta da trabalhadora que, confrontada pelo empregador com condutas suas, atira as chaves para cima do balcão, entrega a farda e não comparece mais ao serviço, sobretudo quando conjugada com o facto do empregador revelar não a ter entendido como denúncia tácita, não comunicando à trabalhadora o abandono de trabalho e antes comunicando-lhe a cessação do contrato por despedimento com fundamento nas ditas condutas, preenchendo ainda a declaração para a Segurança Social com o motivo “despedimento por justa causa imputável ao trabalhador”.

Eduardo Petersen Silva
(Processado e revisto com recurso a meios informáticos (artigo 138º nº 5 do Código de Processo Civil).