Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1764/12.4TBVCD-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ AMARAL
Descritores: DIREITO A ALIMENTOS
SEPARAÇÃO DE FACTO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO E PROVA
MATÉRIA DE FACTO
IMPUGNAÇÃO
Nº do Documento: RP201404101764/12.4TBVCD-A.P1
Data do Acordão: 04/10/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O vício de contradição na decisão sobre pontos da matéria de facto (artº 662º, nº 2, b), CPC) ocorre quando dela própria resultarem realidades incompatíveis, e não da sua motivação. Tal não se confunde com erro de julgamento.
II - O recurso da decisão proferida sobre a matéria de facto deve fundamentar-se em concretas e ponderosas razões justificativas da alteração pedida, e não limitar-se a somente manifestar inconformismo com o respectivo juízo.
III - Não satisfaz a exigência prevista no artº 640º, nº 2, alínea a), do CPC, a indicação das testemunhas e do início e termo do depoimento de cada uma, conforme acta.
IV - Vigorando o casamento, mas estando os cônjuges separados de facto, o dever de assistência, em que se compreende o de prestar alimentos, mantém-se, se a separação não for imputável a qualquer dos cônjuges
V - Se o for a um deles ou a ambos, nos termos do artº 1675º, nº 3, C. Civil, aquele dever só incumbe, em princípio, ao único ou principal culpado, embora o tribunal possa, excepcionalmente, por motivos de equidade, impor esse dever ao cônjuge inocente ou menos culpado, considerando as particulares circunstâncias ali referidas.
VI - Sendo a acção de alimentos instaurada previamente à de divórcio e não havendo, em função desta, alteração da causa de pedir alegada naquela, a sua apreciação deve ser feita à luz do artº 2015º, do C. Civil, e não do artº 2016º.
VII - Na acção de alimentos entre cônjuges separado de facto, compete ao requerente alegar e provar, além dos requisitos da sua necessidade e possibilidade do outro, que a separação não é imputável a qualquer deles; e compete àquele que alegar a culpa ou principal culpa do outro, prová-la.
VIII - Compete, ainda, ao requerente, para o caso de ser considerado culpado ou principal culpado, alegar e provar as circunstâncias que, excepcionalmente, autorizam que o tribunal, por motivos de equidade, lhe reconheça o direito a alimentos e imponha o respectivo dever ao cônjuge inocente ou menos culpado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 1764/12.4TBVCD-A.P1 – 3.ª

Relator: José Fernando Cardoso Amaral (nº 155)
Des. Dr. Trajano Amador Seabra Teles de Menezes e Melo (1º Adjunto)
Des. Mário Manuel Batista Fernandes (2º Adjunto)

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:

I. RELATÓRIO
B… instaurou, em 06-09-2012, na Comarca de Vila do Conde, 2º Juízo Cível, acção declarativa sumária contra C….
Pediu a condenação deste a pagar-lhe a quantia mensal de 400€, a título de alimentos.
Invocou como causa de pedir: incumprimento de dever conjugal.
Alegou, em síntese, que casou com o demandado em 19-03-2012 mas, devido ao seu comportamento, teve de deixar a casa onde com ele vivia e ir para o seu apartamento, estando separados desde 16-05-2012; necessita de alimentos e ele pode pagar-lhos.
Contestou o réu, impugnando: -a matéria de facto, ao que acrescentou ter sido a autora quem deu por findo o relacionamento e foi para sua casa quando viu frustrados os seus propósitos económicos e se desinteressou do casamento, desaparecendo sem dar explicações, além de que ela tem rendimentos, trabalha e não carece de alimentos; -e a de direito, alegando que, pelo princípios da equidade e do abuso de direito, deve ser-lhe negada a pretensão.
Respondeu a autora, mantendo a sua versão e pretensão.
Saneados tabelarmente os autos, dispensada a selecção da matéria de facto, indicadas as provas e produzidas as que o deviam ser antes da audiência final, marcou-se e realizou-se esta nos termos e com as formalidades que a respectiva acta documenta, no final, depois de proferido despacho a considerar desnecessárias provas cuja requisição antes havia sido ordenada, tendo sido proferida a sentença nela exarada (fls. 100 a 109) que culminou com a decisão, em 02-12-2013, de julgar improcedente a acção e absolver o réu do pedido.
A autora não se conformou e interpôs recurso para esta Relação, alegando.
Na sequência de convite à síntese, apresentou como “conclusões”:
“1º O Tribunal “a quo” deu como provado no ponto 5 que a “Autora e Réu conheceram-se, por via do facto de esta ter vindo trabalhar como empregada doméstica do réu desde meados de Fevereiro de 2011, o que fazia primeiramente às segundas e quartas até Março de 2011 e depois dessa data até casar, às quartas-feiras entre as 13,00 e as 18,00 horas, trabalhando noutras casas nos restantes dias”;
2º Relativamente a este quesito provado impunha-se, salvo o devido respeito, uma decisão diferente.
3º Também resultou provado que no ponto 8 “Antes de trabalhar em casa do Réu a Autora trabalhou noutras casas, e, pelo menos com o Réu auferia um rendimento de 6 € à hora”;
4º E ainda no ponto 9 que: “A Autora nunca deixou de trabalhar desde que o Réu a conheceu, nomeadamente, depois de casar continuou a trabalhar”
5º Também relativamente a estes quesitos impunha-se, uma decisão diferente.
6º Pois, o tribunal “a quo” deu como provados estes quesitos 5, 8 e 9 com base no depoimento das testemunhas D…, E… e F… (a primeira irmã e os segundos filhos do Réu), fundamentou ter firmado a convicção para dar como provado aqueles quesitos, atendeu à espontaneidade, a coerência e lógica dos depoimentos daquelas testemunhas.
7º Entendemos que, há contradição manifesta no testemunho prestado por aquelas.
8º Pois, estas testemunhas, irmã e filhos do recorrido, afirmaram que a recorrente começou a ir trabalhar para casa do recorrido, primeiramente às segundas e às quartas feiras de tarde e posteriormente uma vez por semana, tendo a D… e a F… referido que auferia a 6€/ hora.
9º Nenhuma destas testemunhas referiu alguma vez ter visto o C… a entregar dinheiro à B…, como pagamento dos serviços por ela prestados, segundo a versão por eles relatada.
10º Aliás, o testemunho das três é um testemunho indirecto, por diversas vezes foi referido pelos três, que o que testemunhavam foi o recorrido que lhe contou. E tendo estes familiares do C…, sido contra o casamento deste com a B…, outro depoimento não seria de esperar, por parte daquelas testemunhas, senão o que prestaram nos autos, a fim de virem prejudicar, propositadamente a recorrente.
11º Os trabalhos efectuados pela B…, na casa do recorrido, num primeiro momento, antes do casamento, fê-los enquanto namorada do C…, porque a casa esteve desabitada bastante tempo e necessitava de limpeza para aquele nela habitar.
12º Depois de casada, continuou a limpar a casa que ambos habitavam, o que aliás é um facto normal em quase a totalidade das famílias deste país, não recebendo nenhuma quantia por efectuar tais tarefas domésticas da lide da casa, serviço que era por si desempenhado.
13º A recorrente nunca trabalhou durante o período de namoro com o recorrido, nem posteriormente depois do casamento, e como também foi referido pela filha do C…, em muitas das ocasiões que se deslocou a casa do pai, para o visitar, não encontrou a recorrente em casa, por esta encontrar-se em casa de um filho, a tomar conta do seu neto.
14º Portanto, não deveria ser dado ser dado como provado os pontos 5, 8 e 9.
15º A recorrente e o recorrido são casados um com o outro, a acção foi proposta durante a vigência da sociedade conjugal.
16º Ora, na vigência da sociedade conjugal, os cônjuges são reciprocamente obrigados à prestação de alimentos, nos termos do art. 1675º - cfr. art. 2015º do Código Civil
17º Abrange a assistência material a que cada um dos cônjuges se encontra vinculado perante o outro, ou seja, a obrigação de contribuir para os encargos da vida familiar, que, vivendo os cônjuges em comum, engloba a vertente obrigacional de prestar alimentos.
18º Por alimentos entende-se, em princípio, tudo o que é necessário não apenas ao sustento, mas também à habitação e vestuário do alimentando e deverão ser fixados de acordo com as possibilidades do obrigado e com as necessidades do titular do direito – cfr. arts. 2003º, nº 1, e 2004º, nº 1.
19º Na fixação dos alimentos, determina a lei que se deve atender à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência – cfr. art. 2004º, nº 2. Aplicando estes princípios ao caso concreto, é manifesto que o réu, como cônjuge da autora se encontra vinculado perante esta à obrigação de prestar alimentos, dado o disposto nos citados arts. 2015º e 1675, nº 1.
20º Prosseguindo, assentando a obrigação de alimentos no binómio necessidades do alimentando/possibilidades do obrigado – cfr. art. 2004º, nº 1 -, há, agora, que averiguar, em primeiro lugar, se a autora tem realmente necessidade de ajuda alimentar do réu. Comprovada essa necessidade, atender-se-á, então, às possibilidades económicas do obrigado e, se ele as tiver, deverá o montante da prestação alimentícia ser fixado de acordo com essas possibilidades.
21º Pois bem, no presente caso, resulta, sem lugar a dúvidas, o preenchimento, “in casu”, dos aludidos requisitos.
22º Senão vejamos, no que concerne às necessidades da recorrente, importa referir que o Tribunal “a quo” deu como provado que esta auferia subsidio de desemprego desde 1/06/2010 no valor de 15,13€ diários,
23º Portanto, é do senso comum, que o subsidio desemprego é uma prestação temporária, em dinheiro, atribuída ao trabalhador para compensar a falta de remuneração motivada pela perda involuntária de emprego,
24º Também importa ter em linha de conta a sua idade à data da propositura da acção, estar desempregada, necessitar de uma quantia considerável por mês para a sua subsistência.
25º Ou seja, é inquestionável que a recorrente tem necessidade de alimentos e recorrido possibilidade de os prestar. Pois, também foi dado como provado pelo Tribunal “a quo”, que o recorrido aufere uma pensão no valor de 961,75 €/mês, e ainda uma renda de 300 €/mês pelo arrendamento do seu imóvel situado no prédio das ….
Nestes termos, e nos melhores de Direito, com o douto suprimento que sempre se espera de Vossas Excelências, deve ser revogada a sentença recorrida substituindo-se por Acórdão que condene o recorrido a pagar uma prestação de alimentos à recorrente.”

Não há contra-alegações.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos autos e efeito devolutivo.
Corridos os Vistos legais, cumpre decidir uma vez que nada a tal obsta.
II. QUESTÕES A RESOLVER
Caso nenhuma delimitação (subjectiva ou objectiva) seja especificada, pelo recorrente, ao interpor o recurso, estas devem restringir-se em função das conclusões por ele apresentadas. Sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso, tais conclusões definem, pois, o thema decidendum e balizam os limites cognitivos do tribunal ad quem, sob pena de a eventual pronúncia por excesso ou por defeito ser cominada com nulidade.[1]

Já assim era no âmbito do anterior Código de Processo Civil, maxime quanto ao recurso em matéria de direito: artºs 660º, 668º, 684º, nºs 1 a 3, 684º-A, nºs 1 e 2, e 685º-A, nºs 1 e 2, CPC. E assim continua a ser no novo, aplicável nos termos e limites decorrentes dos artºs 5º, nº 1, e 7º, nº 1 (este convenientemente interpretado), da Lei 41/2013, de 26 de Junho: artº 608º, 615º, 635º, nº 4, 636º, nºs 1 e2, e 639º.

O mesmo sucede especificamente quanto ao recurso em matéria de facto: artºs 685º-B e 712º, do Código anterior, e 640º e 662º, do actual.

Ao próprio tribunal superior se impõe que, no julgamento, como refere o artº 659º, nº 2, CPC, o relator faça “sucinta apresentação” do projecto de acórdão para votação e que, nos termos do artº 663º, nº 2, este principie pela “enunciação sucinta”, no relatório, das questões a decidir.

Daí a importância jurídica e prática das conclusões, a ponto de dever ser logo liminarmente indeferido o recurso em cujas alegações elas se não contenham ou não ser conhecido aquele em que se não corrijam as suas irregularidades: artº 641º, nº 2, b), e 639º, nº 3, do actual Código (como já decorria do anterior).

Tal como deve ser rejeitado aquele que vise impugnar a matéria de facto, mas em que não sejam observados os termos e condições para tal exigidos no artº 640º (antes, artº 685º-B).

Se, pois, tais obstáculos se não perfilarem, deve começar-se pelas questões processuais que possam implicar a absolvição da instância e segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica.

Não deve nem pode conhecer-se, respectivamente, das que ficarem prejudicadas pela solução dada a outras, nem das que sejam questões novas, alheias ao conteúdo do acto recorrido. E as meras razões, não integram o objecto de recurso.

Assim, neste caso concreto, apesar da extensão das “conclusões”, retira-se delas que as questões colocadas e que a este tribunal caberá apreciar e decidir, se outros obstáculos tal não impedirem, são:

a) Saber se deve ser modificada a decisão sobre a matéria de facto;
b) Saber se estão verificados os requisitos do direito a alimentos.

III. QUESTÃO DE FACTO

a) O Tribunal recorrido proferiu a seguinte decisão sobre a matéria de facto, sobre que baseou a de direito:

Factos provados

1) A autora contraiu matrimónio com o réu em 19 de Março de 2012;
2) Autora e Réu têm vidas autónomas e independentes;
3) Em Maio de 2012 a Autora auferia subsídio de desemprego desde 1/6/2010, no valor de 15,13 € diários;
4) O Réu aufere uma pensão no valor de 961,75 €/mês, e ainda uma renda de 300 €/mês pelo arrendamento do seu imóvel situado no prédio das ….
5) Autora e Réu conheceram-se, por via do facto de esta ter vindo trabalhar como empregada doméstica do réu desde meados de Fevereiro de 2011, o que fazia primeiramente às segundas e quartas até Março de 2001 e depois dessa data até casar, às quartas-feiras entre as 13,00 e as 18,00 horas, trabalhando noutras casas nos restantes dias;
6) Até que ambos decidiram depois de um curto período de convivência casar;
7) A Autora e Réu vivem separados desde princípio de Maio de 2012;
8) Antes de trabalhar em casa do Réu a Autora trabalhou noutras casas, e, pelo menos com o Réu auferia um rendimento de 6 € à hora;
9) A Autora nunca deixou de trabalhar desde que o Réu a conheceu, nomeadamente, depois de casar continuou a trabalhar.
10) O Réu não tem a situação desafogada que a Autora refere, pois tem compromissos e não são pequenos de IMI´s, água, electricidade, gás, telefones, alimentação, vestuário e ainda tem que pagar, como fazia com a Autora, a quem lhe satisfaça as necessidades de limpeza, arranjo da casa, roupas e alimentação e medicação;
11) Ainda apoia, monetariamente, em tudo que o pode os dois filhos;
*
Factos Não Provados

1) Desde a data do matrimónio, a Autora sempre achou o comportamento do Réu muito estranho, pois, todos os dias cerca das 21:30 horas dizia que se ia deitar, indo para o quarto tomar os medicamentos e dormir.
2) A Autora ficava na sala a ver televisão.
3) Cerca de uma hora depois de ter ido dormir, o Réu punha-se a pé, agitado, com ansiedade, dizendo que não conseguia dormir, a Autora preocupada preparava lhe um chá, para aquele acalmar e conseguir dormir.
4) Só que, momentos depois, voltava a colocar-se a pé e isto era sistematicamente durante toda a noite, o Réu por diversas vezes caiu nas escadas, o que preocupava a Autora, que frequentemente lhe media as tensões a fim de verificar o batimento cardíaco daquele.
5) Até que, no dia 15 de Maio de 2012, a Autora, que já estava com uma depressão, devido à falta de descanso, pois, desde o dia 19/3/2012 que não sabia o que era dormir uma noite sossegada, disse ao Réu que naquele dia ia dormir durante o dia, para o seu apartamento, pois necessitava de descansar.
6) A Autora, foi nesse dia de manhã para o seu apartamento, descansou lá o dia todo e à noite regressa a casa deparou-se com a porta trancada por dentro.
7) Não lhe restou outra alternativa senão, voltar para o seu apartamento, para lá dormir nessa noite.
8) No dia 16 Maio, logo pela manhã volta a casa e a porta continuava trancada, como nesse dia tinha que deslocar-se à Junta de Freguesia, que fica no edifício em frente à casa que habitava com o Réu, dirigisse para lá e momentos depois aparece lá este que lhe diz: "então não vieste-te dormir a casa!!!", a Autora respondeu: "fui sim, a porta ontem à noite estava trancada e hoje de manhã também lá fui e continuava com o trinque, mas vá para casa que quando sair daqui vou lá e conversámos."
9) A Autora, entretanto ligou à irmã do Réu de nome – D… e pediu-lhe para vir a casa do irmão, porque precisava falar com ela.
10) A Autora, entrou em casa e dirigiu-se ao quarto e para seu espanto encontrou no chão um panfleto de um medicamento, mais propriamente de um afrodisíaco e em cima do guarda fatos encontrava-se a caixa com o produto, que o Réu havia encomendado.
11) Ora, é do conhecimento público que tais produtos fazem acelerar o batimento cardíaco e o Réu tem idade avançada, a Autora ficou preocupada e quando chegou a irmã do Autor, contou-lhe o que encontrou e disse lhe que agora entendia o comportamento que o irmão vinha tendo desde a data do matrimónio e dos desmaios daquele, a irmã repreendeu-o e disse-lhe que aquilo não era comportamento, que estava a colocar a sua vida em perigo.
12) Foi então, que a Autora, disse que não ficava mais naquela casa, até o Réu continuar a tomar aqueles produtos, pois temia que algo de mais grave lhe acontecesse e posteriormente a família lhe imputassem responsabilidades, nomeadamente, os filhos daquele que não viram com bom grado o matrimónio de ambos.
13) Foi então, que deslocou-se para o seu apartamento, a fim do Réu reflectir no seu comportamento e se pretendia ou não voltar a continuar a tê-lo.
14) Desde então, do dia 16 de Maio de 2012, nunca mais foi procurada por aquele, pois actualmente já tem uma namorada e inclusive é visto na rua com ramos de flores para lhe oferecer.
15) O subsídio de desemprego da autora foi pago até ao dia 31/07/2013.
16) A partir de tal data, não aufiu nenhum rendimento e não terá direito à reforma e atendendo à sua idade e conjuntura do país, certamente que não conseguirá arranjar emprego.
17) Já conseguiu que o Réu lhe oferece-se um bom computador pessoal portátil;
18) O Autor apesar da diferença de idades não desconfiou que os propósitos da Autora nessa relação fosse económica e que tinha em vista outros objectivos, que não a relação pessoal e familiar;
19) Como o Réu não quis perder o controle de tudo o que se relacionava com as suas contas e os bens a Autora rapidamente findou a relação conjugal e foi para a casa dela, desapareceu e não deu ao Réu a mais pequena explicação. Restantes artigos: Não se respondeu por conterem unicamente matéria e direito e/ou conclusiva.”

Segue-se-lhe a Motivação.

b) A apelante, manifestou discordar de tal decisão e pretende também, através deste recurso, impugná-la.

Os pressupostos do recurso de decisão proferida sobre a matéria de facto, que convém sempre ter presentes e observar, decorrem, essencialmente, dos artigos 639º, nº 1, 640º e 662º, do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho – por força do seu artº 5º, nº 1, o aplicável neste caso.

Tal decisão, por via dele, mas também ex offício, pode ser modificada fundamentalmente em duas situações:

-refere-se a primeira à hipótese de ela conter vícios, que podem ser diversos (deficiência, obscuridade, contradição, insuficiência e falta de fundamentação);[2]
-e, a segunda, ao erro de julgamento (na apreciação e valoração das provas e na decisão sobre os factos provados ou não provados).

A exigência decorrente dos artºs 637º, nº 2, e 639º, nº1, de que, nas conclusões das suas alegações, deve o apelante indicar o fundamento específico da recorribilidade e, bem assim, sempre de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão, tem lugar também no caso de, no objecto do recurso, aquele pretender incluir tal decisão.

Comparando, neste âmbito, o anterior artº 712º com o actual 662º, colhe-se que o regime de tal recurso assenta nos seguintes traços:

-a decisão proferida pelo tribunal de primeira instância pode ser anulada pelo da Relação (devendo naquele e pelo mesmo juiz ser repetida a produção de prova e o julgamento na parte viciada, sem prejuízo da apreciação de outros pontos de modo a evitar contradições), não só mediante o recurso mas mesmo oficiosamente, quando este a repute de deficiente, obscura, contraditória ou a considere carente de indispensável ampliação, mas apenas – como medida extrema que é – na condição de não constarem do processo todos os elementos que, nos termos do nº 1, permitam ou imponham até a sua alteração;[3]
-se, ao invés, todos esses elementos (os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente) constarem do processo e o permitirem, tais vícios podem ser colmatados mediante alteração pelo tribunal superior (artºs 712º, nº 4, anterior, e 662º, nº 2, c), actual, a contrario);
-deve a Relação (trata-se de dever e não, como antes, mero poder) alterar a decisão se for apresentado documento superveniente que tal imponha (parte final do nº 1, do artº 662º, correspondente à anterior alínea c), do nº 1, do artº 712º;
-deve também alterar a decisão (primeira hipótese prevista no nº 1, do artº 662º) se os factos nela tidos como assentes tal impuserem, aí se compreendendo as presunções legais ou judiciais a extrair daqueles e que também devem constar da fundamentação nos termos do nº 4, do artº 607º;[4]
-deve ainda alterar a decisão (segunda hipótese do nº 1, do artº 662º) se, em geral, a prova produzida impuser decisão diversa (sejam, na terminologia anterior, os elementos fornecidos pelo processo – acordo, expresso ou ficto; documentos; confissão reduzida a escrito – insusceptíveis de ser destruídos por quaisquer outras provas, sejam todos os demais elementos de prova, como é o caso de depoimentos oralmente prestados mas gravados, que serviram de base à decisão impugnada); alteração esta que “nem sequer depende da iniciativa da parte”[5];
-a falta de fundamentação da decisão (antes prevista no nº 5, do artº 712º, e agora na alínea d), do nº 2, do artº 662º), apresenta uma diferença: era necessário requerimento nesse sentido da parte; agora, deve o tribunal, mesmo oficiosamente, mandar que o tribunal de primeira instância a fundamente devidamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados, ou repita a prova na parte viciada caso seja inviável obter a fundamentação, sempre pelo mesmo juiz;
-a renovação dos meios de prova produzidos em primeira instância que se mostrassem absolutamente indispensáveis ao apuramento da verdade quanto à matéria de facto impugnada no recurso, antes admitida no nº 3, do artº 712º, está actualmente prevista no n º 2, alínea a), do artº 662, podendo ser ordenada mesmo oficiosamente e mais concretamente condicionada à existência de dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento, devendo ter lugar na Relação;
-ex novo, estipulou-se como dever, também oficioso, o de a Relação ordenar a produção, nesta instância, de novos meios de prova.

Na prova produzida em que pode fundar-se o dever de alteração (nº 1, do artº 662º), compreende-se a (antes referida na segunda parte da alínea b), do nº 1, e no nº 2, do artº 712º) relativa a depoimentos gravados ou por qualquer outra forma registados, se a decisão impugnada tiver sido proferida com base neles.

A respeito de tal impugnação, cotejados o anterior artº 685º-B com o actual 640º, constata-se que o novo regime:

-continua a exigir a especificação ou individualização concreta dos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados, pois são inadmissíveis recursos genéricos da matéria de facto[6];
-continua a exigir a especificação, de entre os meios de prova (constantes do processo, nele registados ou gravados em áudio ou vídeo), dos concretos meios de prova que, na perspectiva dele, impõem a alteração de tais pontos da matéria de facto;
-no caso de serem invocados meios probatórios que tenham sido gravados, continua a exigir, a indicação exacta das passagens da gravação em que se funda o recurso (embora, depois, o tribunal não fique limitado às mesmas);
-admite, em alternativa a tal indicação, a possibilidade de o recorrente proceder à transcrição;
-esclarece (nesta parte, por via claramente interpretativa) que tal transcrição é confinada aos “excertos que considere relevantes”;
-acrescenta, numa alínea autónoma, a exigência de especificação da decisão que, no seu entender, deve ser proferida (alínea c), do nº 1, do artº 640º).[7]

A falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto, de qualquer das aludidas especificações, de indicação exacta das passagens da gravação (ou de transcrição dos excertos relevantes) e da alteração pretendida[8], continua a ser sancionada com a rejeição do recurso, nesta última hipótese expressamente limitada à parte respectiva (ou afectada) – uma vez que subsistirá a outra que eventualmente o tenha sido com fundamento noutros meios de prova sujeitos a livre apreciação ou, ainda, a que tenha por objecto meios de prova vinculados (acordo, confissão, documentos autênticos ou com força probatória plena).

Com efeito, como refere Abrantes Geraldes[9], além de, independentemente de iniciativa da parte, poder haver lugar a correcção oficiosa de determinadas patologias que afectam a decisão da matéria de facto e, bem assim, modificações dela “que podem ser oficiosamente operadas relativamente a factos cuja decisão esteja eivada de erro de direito”, por violação de regras vinculativas ou imperativas de direito probatório material, “à Relação não é exigido que, de motu próprio, se confronte com a generalidade dos meios de prova que estão sujeitos à livre apreciação …, para deles extrair, como se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova”. “Pelo contrário – continua ele – as modificações a operar devem respeitar em primeiro lugar o que o recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão da matéria de facto, indicou nas respectivas alegações que servem para delimitar o objecto do recurso” (princípio dispositivo).

Ainda assim, “Posto que, em tais circunstâncias, a modificação da decisão da matéria de facto esteja dependente da iniciativa da parte interessada e deva limitar-se aos pontos de facto especificamente indicados, desde que se mostrem cumpridos os requisitos formais que constam do artº 639º, a Relação já não está limitada à reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes, devendo atender a todos quantos constem do processo, independentemente da sua proveniência (artº 413º), sem exclusão sequer da possibilidade de efectuar a audição de toda a gravação se esta se revelar oportuna para a concreta decisão.”

c) Ora, relativamente a vícios da decisão do tipo daqueles que acima se apontaram susceptíveis de gerar anulação ou modificação, aponta a apelante, em termos incipientes, a existência de contradição (cfr. conclusão 7ª).

Apesar de assim o entender e alegar como “manifesto”, a verdade é que não pôs em evidência nem mostrou onde e de que modo se patenteia tal vício.

A contradição, como resulta da alínea c), do nº 2, do artº 662º, tem de relevar da própria decisão, ou seja, daquilo que o tribunal julgou provado e não provado, e não do conteúdo dos elementos de prova em que a mesma se fundamentou.

Assim, ela verificar-se-á se, por exemplo, se derem simultaneamente como provados um facto e o seu contrário, ou como provado e não provado o mesmo facto; se se afirmarem realidades materialmente incompatíveis.[10] Já não ocorre tal vício se os elementos de prova contiverem realidades opostas: por exemplo, uma testemunha afirma o contrário do que outra relatou. O juízo valorativo que, em face disso, o tribunal fizer pode, então, ser errado e o tribunal superior vir a assim julgar a apreciação feita. Naquele caso, o vício afecta intrinsecamente a própria decisão, podendo implicar a anulação dela; neste, e na medida em que assente em elementos apreciados e valorados indevidamente e, por isso, indutores da convicção, ocorre erro que, remontando à operação intelectual de julgamento, se reflecte no seu resultado provocando decisão errada.

Para que o tribunal superior conheça e decida a concreta patologia em causa e a remedeie, é crucial que quem recorre exponha os respectivos fundamentos (daí a importância do escrupuloso cumprimento do disposto no artº 639º, nº 1, e, em matéria de facto, do artº 640º) e peça a terapêutica que julga adequada (alteração ou anulação).

Ora, apesar do convite formulado à síntese e clarificação das “ conclusões” (que a apelante comodamente se limitou a reduzir de 31 para 25), nem ela distingue e aponta a ventilada “contradição” nem, em consonância, pediu anulação ou modificação.

E nós também a não vislumbramos.

Com efeito, depois de a referir teoricamente, logo passou a apelante à apreciação, isso sim, dos depoimentos testemunhais, criticando o seu merecimento e valor. Só que se a credibilidade e força probatória atribuídas pelo tribunal recorrido aos mesmos (e respectivo conteúdo) são contrárias àqueles que ela entende como correctos, isso não integra o aludido vício de contradição.

Por aí, o recurso improcede, manifestamente.

d) Analisemos agora a outra vertente do recurso respeitante ao julgamento alegadamente incorrecto, começando por verificar se a apelante respeitou as condições para ele poder ser apreciado.

Não há dúvidas que ela especificou concretamente os pontos de facto visados: os dados como provados sob os nºs 5, 8 e 9.

Também indicou claramente a apelante os meios de prova por si visados, mas, quanto a isso, com uma falha que logo torna a sua impugnação claudicante.

Com efeito, a alínea b), do nº 1, do artº 640º, preconiza que é obrigatória a especificação dos meios que “impunham”, sobre tais pontos, “decisão diversa da recorrida”.

Todavia, depois de salientar que o tribunal, para decidir nos termos que resultam daqueles pontos, se baseou nos depoimentos das testemunhas D…, E… e F… e que, na apreciação que fez destes, os entendeu como prestados com “espontaneidade, a coerência e lógica” e convincentes, a apelante limita-se a dizer que discorda da decisão pois esta devia ser “diferente”, a argumentar que se verifica a tal “contradição”, a salientar que se trata da irmã e filhos do apelado, interessados, prestando apenas depoimento indirecto, e, enfim, a impugnar, dizendo não verdadeiro, o teor de tais depoimentos.

Assim, ela limita-se a alegar que não concorda com a apreciação e valoração de tais meios, logo com o resultado, indicando aspectos por que, em seu entender (diferente do do tribunal), eles não deviam ter conduzido àquele resultado, e não a adiantar e a salientar concretas e diferentes razões pelas quais se “impunha” outra decisão.

Todos esses aspectos foram patenteados e discutidos na audiência e, portanto, sujeitos à ponderação do tribunal a quo. Manifestar, em relação à forma como os depoimentos foram apreciados, discordância e até referir que o seu conteúdo não é verdadeiro, sem apontar fundamentos concretos e ponderosos que, se tivessem sido atendidos, deviam ter justificado decisão diferente e que, por o não terem sido, é errada e deve ser alterada a proferida, não satisfaz aquela exigência.

Como refere Abrantes Geraldes[11], o legislador visou rejeitar a admissibilidade de recursos genéricos, possibilitar apenas a revisão (ou reapreciação) de concretas questões e impedir que a impugnação se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo.

Tal justifica, pois, a rejeição do recurso (artº 640º, nº 1).

Acresce que quando, como no caso, se pretende basear a impugnação em meios de prova que tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o recurso ou transcrever os excertos que considere relevantes.

Contudo, a apelante não cumpriu tal comando. Limitou-se a identificar as testemunhas, a apontar, em relação a cada uma delas, a hora de início e o tempo de duração do depoimento tal como constam da acta de audiência, e nada mais. Não indica nem transcreve, portanto, as passagens que, na sua óptica, impunham a decisão diferente, nem, afinal, como se viu, do seu todo retirou argumentos em tal sentido.

A atender-se um tal modo de impugnação, ficaria este tribunal colocado ante a fatalidade de ouvir e examinar toda a prova, sem quaisquer limites definidos, contra o que a lei exige, por falta de reais fundamentos com que o recorrente deve sustentar o pedido de alteração e balizar a nossa intervenção reapreciadora, à revelia do regime de recursos e da função da instância superior. Não é em vão que o artº 639º, nº 1, e o artº 640º, fazem nesse sentido fortes exigências e penalizam o seu desrespeito.[12]

Com efeito, tal falta conduz também à rejeição imediata do recurso, no caso total, como decorre do nº 2, alínea a), do artº 640º.

A culminar estas deficiências, não indica a apelante, com clareza e rigor, a decisão que, no seu entender, deveria ser proferida sobre aqueles três pontos, contra o que exige a alínea c) do nº 1, do artº 640º, em consonância com a ideia de que, ao dirigir-se ao tribunal superior, tem o recorrente de formular em concreto, por força do princípio dispositivo, um pedido (de anulação, de alteração ou de revogação da decisão).

Ela discorda, refere que devia ser diferente, contesta o juízo formulado pelo tribunal recorrido mas conclui, apenas, em termos passivos e negativos, que “não deveria ser dado como provado os pontos 5, 8 e 9”. Não diz, em termos activos e positivos, como e em que sentido devia, então, decidir o tribunal: dar essa matéria como “não provada” na totalidade? Apenas em parte?

É que os pontos em causa abrangem vários e diferentes segmentos fácticos e, percorridas as alegações e conclusões, afinal de contas o que delas parece retirar-se, face ao modo já criticado como estão elaboradas, é apenas a contestação ao facto provado de que a apelante “pelo menos com o réu auferia um rendimento de pelo menos 6€ à hora” e de que “nunca deixou de trabalhar desde que o Réu a conheceu” mesmo “depois de casar”. Mas se é assim, por que se refere (e contesta genericamente) à prova, que considera apenas indevida, dos três pontos, na íntegra?

Em face deste equívoco, não desfeito nas novas conclusões, também o recurso deve ser rejeitado.

e) Ainda que assim se não entendesse, e até porque, como se verá na alínea seguinte, haverá lugar a alteração, mas oficiosa, da decisão sobre a matéria de facto – não quanto aos pontos referidos pela apelante – auditámos toda a prova gravada.

E, assim, concluímos, quer em relação aos referidos pontos quer em relação aos destacados segmentos deles, que inexistem motivos para qualquer modificação.

Corroborando-se os fundamentos referidos pelo tribunal recorrido, salienta-se que as testemunhas produzidas pela apelante (as suas amigas G… e H…) explicaram (sem, curiosamente, fazerem mínima alusão à versão que ela descreve na pi, por isso totalmente não provada) que aquela, depois que se desempregou da empresa I…, “tomava conta de velhinhos, trabalhava em casas”, claramente querendo significar, ao dizerem que ela “não tinha emprego”, que não tinha um contrato de trabalho único, certo, estável, como antes (nem, pelos vistos, como disse H…, aceitou um que lhe foi proposto), até porque estava inscrita no Fundo de Desemprego e a auferir o respectivo subsídio, mas justificava-se que o tivesse, pois ela “não tinha com que sobreviver” e até explicou, perante a primeira, o perspectivado casamento com o apelado como sendo “um amparo para mim” (palavras da testemunha G…).

Assim, as circunstâncias narradas particularmente pela testemunha D…, que, juntamente com a sua sobrinha, protagonizou a contratação da apelante, a quem esta disse que só podia dispôr das 2ªs e 4ªas de tarde porque tinha todos os demais dias ocupados, para fazer serviço doméstico em casa do apelado, mostram-se, apesar das ligações familiares, pelo tom espontâneo e assertivo com que foram descritas, perfeitamente fundadas, coerentes, credíveis e em lógica harmonia com todo o desenvolvimento do caso tal como, na parte credível, ele resultou do retrato dele tirado a partir da conjugação de todos os depoimentos.

Por isso, quer quanto à forma como o relacionamento se iniciou, trabalho prestado, remuneração paga de 6€ por hora (como a referida testemunha asseverou referindo saber e se crê que soubesse) e manutenção de actividade durante o namoro e (pelo menos a tomar conta de um neto) mesmo depois de casada (dadas as notadas e relatadas ausências longas durante o dia), não restam dúvidas.

f) Oficiosamente, tendo em conta o pela apelante alegado nos itens 13º e 14º da petição inicial no sentido de que saiu da casa onde morava com o apelado, e o reconhecido por este no item 8º da sua contestação, e a regra decorrente do nº 2 do artº 574º, verificando-se, portanto, acordo sobre tal facto (relevante) e que este não foi, como devia ter sido nos termos do nº 4 do artº 607º, incluído nos fundamentos da sentença, altera-se o ponto 7 dos factos provados, cuja redacção passará a ser a seguinte:

“7) A Autora e Réu vivem separados desde princípio de Maio de 2012, altura em que ela saiu da casa, onde habitava juntamente com o apelado, e foi viver para o seu apartamento”.

Consequentemente, o segmento a tal respeito dado como não provado no ponto 13 do respectivo elenco (“deslocou-se para o seu apartamento”) considera-se daí eliminado.

Do mesmo passo, e porque resulta da acção de divórcio apensa (artº 412º, nº 2, do CPC) e releva para apreciação, alterar-se-á o ponto 1 dos factos provados por forma a nele incluir a idade da apelante e do apelado quando casaram, segundo a respectiva certidão, e aditar-se-á um ponto nº 12 relativo precisamente a essa acção de divórcio.

Assim:

1) A autora contraiu matrimónio com o réu em 19 de Março de 2012, tendo então ela 57 anos de idade e, ele, 81 anos.”

12) Encontra-se pendente mas ainda não decidida a acção de divórcio apensa, proposta pelo apelado em 18-06-2012”.

IV. FACTOS PROVADOS

A matéria de facto provada a ter em conta é, assim, a seguinte:

1) A autora contraiu matrimónio com o réu em 19 de Março de 2012, tendo então ela 57 anos de idade e, ele, 81 anos.
2) Autora e Réu têm vidas autónomas e independentes;
3) Em Maio de 2012 a Autora auferia subsídio de desemprego desde 1/6/2010, no valor de 15,13 € diários;
4) O Réu aufere uma pensão no valor de 961,75 €/mês, e ainda uma renda de 300 €/mês pelo arrendamento do seu imóvel situado no prédio ….
5) Autora e Réu conheceram-se, por via do facto de esta ter vindo trabalhar como empregada doméstica do réu desde meados de Fevereiro de 2011, o que fazia primeiramente às segundas e quartas até Março de 2001 e depois dessa data até casar, às quartas-feiras entre as 13,00 e as 18,00 horas, trabalhando noutras casas nos restantes dias;
6) Até que ambos decidiram depois de um curto período de convivência casar;
7) A Autora e Réu vivem separados desde princípio de Maio de 2012, altura em que ela saiu da casa, onde habitava juntamente com o apelado, e foi viver para o seu apartamento;
8) Antes de trabalhar em casa do Réu a Autora trabalhou noutras casas, e, pelo menos com o Réu auferia um rendimento de 6 € à hora;
9) A Autora nunca deixou de trabalhar desde que o Réu a conheceu, nomeadamente, depois de casar continuou a trabalhar.
10) O Réu não tem a situação desafogada que a Autora refere, pois tem compromissos e não são pequenos de IMI`s, água, electricidade, gás, telefones, alimentação, vestuário e ainda tem que pagar, como fazia com a Autora, a quem lhe satisfaça as necessidades de limpeza, arranjo da casa, roupas e alimentação e medicação;
11) Ainda apoia, monetariamente, em tudo que o pode os dois filhos;
12) Encontra-se pendente mas ainda não decidida a acção de divórcio apensa, proposta pelo apelado em 18-06-2012.

V. SUBSUNÇÃO JURÍDICA

Em vista deste quadro, entremos agora na apreciação do recurso em matéria de direito.

É oportuno, para tal, recordar, como, aliás, fez a apelante nas suas alegações, que a presente acção foi proposta ainda na vigência do casamento, embora fundada na separação de facto.[13]

Ela respeita, portanto, ao incumprimento do dever de assistência decorrente do vínculo conjugal (artº 1672º), no qual se compreende a obrigação de prestar alimentos (artº 1675º, nº 1).

Tal vínculo, na verdade, pode respeitar ao cônjuge e ao ex-cônjuge (alínea a), do nº 1, do artº 2009º), mas o regime é diverso conforme a concreta situação.

Enquanto que, no artº 2015º, se dispõe que os cônjuges, na vigência da sociedade conjugal, são reciprocamente obrigados à prestação de alimentos, nos termos do artº 1675º, já o artº 2016º regula os termos e condições dessa obrigação no caso de divórcio ou de separação judicial de pessoas e bens.

No caso de separação de facto, o dever de assistência que constitui efeito do casamento enquanto fonte contratual de relações e inerentes vínculos jurídicos (artºs 1576º, 1577º) mantém-se se aquela não for imputável a qualquer dos cônjuges (artº 1675º, nº2).

Se o for a um deles ou a ambos, refere o nº 3 do mesmo artigo, o dever de assistência – logo, o de prestar alimentos – só incumbe, em princípio, ao único ou principal culpado, embora o tribunal possa, excepcionalmente, por motivos de equidade, impor esse dever ao cônjuge inocente ou menos culpado, considerando as particulares circunstâncias aí mencionadas. [14]

Esta distinção, não tida em conta na sentença recorrida ao longo de cuja fundamentação de direito se pôs todo o enfoque na hipótese de divórcio citando repetidamente o disposto no artº 2016º e invocando considerações tecidas em torno da hipótese de dissolução do casamento e dos termos e condições de que, sobretudo após a Lei 61/2008, de 31 de Outubro, depende a subsistência do referido direito, tem implicações também quanto à conformação do objecto do processo.

Sendo este definido pelo pedido e pela causa de pedir, afigura-se-nos evidente que, à luz da teoria da substanciação predominantemente adoptada entre nós, os factos alegados pela apelante como constitutivos do seu pretenso direito e os invocados pelo apelado como dele impeditivos, têm de ser juridicamente valorados na perspectiva do artº 2015º e não na do artº 2016º, devendo o tribunal limitar a sua apreciação e balizar a eventual condenação em conformidade com o disposto nos artºs 608º, nº 2, e 609º, nº 1, do CPC.

É que, citado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto à causa de pedir, só podendo modificar-se nos casos e nos termos legalmente previstos (artºs 260º, 264º e 265º, CPC).

Apesar de a acção de divórcio ter sido instaurada em 18-06-2012, a verdade é que nenhuma alteração da causa de pedir – direito a alimentos do cônjuge separado de facto – foi, por qualquer dos modos previstos na lei, requerida[15] ou determinada, nem, aliás, ela passou pelas intenções da apelante que, como se observou, ainda agora, nas alegações, lembrou que a acção foi proposta na vigência da sociedade conjugal (portanto na qualidade de ainda cônjuge e não na de ex-cônjuge) e nesse pressuposto baseou, logicamente, toda a sua argumentação nos artºs 2015º e 1675º, CC.

É, de facto, à luz de tais normas que a procedência da sua pretensão tem de ser apreciada e decidida, pois, como ensina o STJ, “A separação de facto desfaz efectivamente a comunidade, mas não o vínculo conjugal”[16] e “o cumprimento do específico dever conjugal de assistência, contemplado pelos artigos 1672º, 1675º e 2015º” pressupõe a não dissolução ou a não interrupção do vínculo matrimonial e é distinto do cumprimento da obrigação geral de alimentos, individual, a que se reportam os artigos 2003º e seguintes e 2016º previsto para a hipótese de divórcio ou de separação judicial de pessoas e bens. Portanto, a correspondente “obrigação de prestação de alimentos só existe, em princípio, na vigência da sociedade conjugal, mesmo que não assuma a sua plenitude, como acontece na hipótese da separação de facto.”[17], devendo, ainda, ter-se em conta que “Na acção de alimentos entre cônjuges separados de facto, compete ao réu, que alegou culpa exclusiva do outro na separação, provar essa culpa”[18] e “Cabe ao autor a prova dos requisitos do direito a alimentos, maxime, das suas necessidades e das possibilidades da outra parte”[19] e ainda que “Conforme nº1º do art. 342º C.Civ., a prova das possibilidades do obrigado a alimentos incumbe ao alimentando, na sua qualidade de autor; mas quando o réu oponha a sua falta de possibilidades, é a ele que, consoante nº2º daquele mesmo artigo, incumbe a prova dessa excepção.”[20]

O dever de assistência, compreensivo do de prestar alimentos, como se viu, na hipótese de separação de facto, só existe nos termos e condições previstos nos nºs 2 e 3 do artº 1675º.

De acordo com o artº 1782º, nº 1, “entende-se que há separação de facto, para os efeitos da alínea a) do artigo anterior [enquanto fundamento de divórcio] quando não existe comunhão de vida entre os cônjuges e há da parte de ambos, ou de um deles, o propósito de não a restabelecer”, noção que no caso releva, mormente para determinação da culpa.

Como salientam Pires de Lima e Antunes Varela[21], comentando o artº 2015º, a nele prevista “obrigação simultânea e recíproca entre duas pessoas é incompatível com a natureza da obrigação alimentar propriamente dita”e daí que a remissão aí feita para o artº 1675º “é o primeiro sinal de alerta para a diferença substancial entre a prestação de alimentos normalmente ou regularmente efectuada no seio da sociedade conjugal e a obrigação alimentícia especificamente regulada nos artºs 2003º e sgs.”.

Sendo consensual esta distinção na jurisprudência[22], explicam aqueles prestigiados autores a referida incompatibilidade genética pelo razão de que, diversamente da obrigação cujos critérios de medida constam do artº 2004º, “a prestação alimentícia que os cônjuges reciprocamente se devem, na vigência da sociedade conjugal, coenvolta nos encargos da vida familiar, para que ambos devem mutuamente contribuir, de harmonia com as possibilidades de cada um, tem antes por medida o padrão de vida social próprio de cada casal”.

Só que, apesar disso, como reconhecem, a ratio do artº 2015º, resulta de uma autêntica obrigação de alimentos “se encontrar sempre latente na relação jurídica (de casados) que o casamento estabelece entre os cônjuges, como inequivocamente transparece no texto do próprio artº 1675º” para que aquele remete. Embora tal obrigação esteja “submersa” no dever de assistência e no de contribuir para os encargos da vida familiar (artºs 1675º, nº1, e 1676º), ela “não deixa de vir à tona da água, em toda a sua pureza” não só no caso da separação judicial de pessoas e bens (artº 2016º, nº 4) como naqueles outros em que, apesar de vigente o vínculo conjugal, se verifica uma situação de separação de facto (artº 1675º, nºs 2 e 3) ou de ausência (artº 108º).

Na hipótese de separação de facto, a dita obrigação pode surgir em toda a sua pureza quando ela “coloque um dos cônjuges em situação de verdadeira necessidade, no tal stato bisognoso a que se referem os tratadistas italianos”[23].

Todavia, para poder ser exigida é condição que ela não seja imputável a qualquer dos cônjuges, isto é, que não tenha sido causada por acto censurável de um deles ou de ambos (artº 1675º, nº 2).

Se o for, o dever de assistência só incumbe, em princípio ou por regra, ao único ou principal culpado pela separação, “para que ele não tire proveito da situação anómala a que culposamente deu causa”[24]. Fica, portanto, dele desobrigado o cônjuge inocente ou menos culpado, a não ser ainda que, excepcionalmente e por motivos de equidade, o tribunal lho imponha (nº 3).

Esta excepção foi introduzida pelo Decreto-Lei nº 496/77, de 25 de Novembro, e justificar-se-á, na perspectiva dos autores que vimos citando, porque não seria justo que este “não fosse obrigado a contribuir para os encargos da vida familiar relacionados com os filhos”[25] também, de facto, incluídos no dever de assistência.

“Essencial é que os juízes saibam fazer uso criterioso do poder excepcional que a nova lei coloca nas suas mãos”, preconizaram então.
Ora, em face disto, já o STJ entendeu que “II - Quando não existe ruptura da vida em comum, isto é, na plena efectividade de vigência da sociedade conjugal, a obrigação de alimentos em que os cônjuges, mutuamente, estão constituídos, é quantificada, estritamente, em função do padrão de vida ou do estatuto matrimonial in fieri. III - A obrigação de alimentos dos cônjuges separados de facto, em situação que não exclua a intenção do restabelecimento da coabitação, não se reduz ao indispensável, antes visa manter, tendencialmente, a igualação ao trem de vida económico e social, já alcançado desde a celebração do casamento e que se verificava à data da separação, sem que tal importe a demonstração de uma situação de necessidade de auto-subsistência. IV - Na separação de facto, imputável a um dos cônjuges, que não deseje restabelecer a coabitação, subsiste o dever de assistência, não, propriamente, sob a forma de dever de manutenção, mas como obrigação legal unilateral de prestação de alimentos, cujo beneficiário é o cônjuge inocente ou menos culpado, mas que não tem um direito adquirido a um nível de vida superior, ou seja, a que o outro contribua, acrescidamente, para assegurar o «status» elevado que o casal, eventualmente, vinha mantendo.[26]
Assim, para que possa exigir alimentos do outro, tem o cônjuge requerente o ónus de alegar e provar, enquanto factos constitutivos do seu direito (artº 342º, nº 1, CC), além da separação de facto, que esta não é imputável a qualquer dos cônjuges[28] ou que o é ao requerido ou a ambos mas, neste caso, principalmente a este ou, ainda, que, sendo o requerente culpado ou principal culpado, se verificam circunstâncias excepcionais justificativas do seu direito.[29]
Portanto, só fica, em princípio, isento o cônjuge que prove não lhe ser imputável a separação[30]. O que não prove que ela não lhe foi imputável mantém o dever. [31]
Aliás, como melhor se explicita no Acórdão e 16-03-2011: “Porém, quando a separação de facto é imputável a um dos cônjuges, o dever de assistência só incumbe, em princípio, ao único ou principal culpado, sendo certo que, na vigência da sociedade conjugal, os cônjuges se encontram, reciprocamente, vinculados à prestação de alimentos, atento o teor das disposições conjugadas dos artigos 1675º, nº 3 e 2015º, do CC.
Verificada a deterioração das relações conjugais, traduzida na separação de facto, imputável a um dos cônjuges, e admitindo que, pelo menos, um deles não deseje restabelecer a coabitação […], uma vez que se mantém o dever de assistência, que consubstancia, mas já não sob a forma de manutenção, uma obrigação legal unilateral de prestação de alimentos, cujo beneficiário é, em princípio, o cônjuge inocente ou menos culpado na mencionada ruptura, ou seja, o credor de alimentos, cada um dos cônjuges deve contribuir, recíproca, global e proporcionalmente, para os encargos da vida familiar, atento o disposto pelos artigos 1775, nº 1 e 2015º, do CC.
Então, não permanece já o dever de assistência recíproca, em função dos respectivos recursos económicos, porque a vida familiar comum deixou de existir, sem embargo de, a qualquer um dos cônjuges, ser lícito o seu reatamento, pois o que existe, verdadeiramente, é o dever de prestação de alimentos de um dos cônjuges ao outro.
Nesta situação, durante a separação de facto, nenhum dos cônjuges tem direito a que o outro contribua, acrescidamente, para assegurar o «status» elevado que o casal, eventualmente, vinha mantendo, inexistindo um direito adquirido a um nível de vida superior.” (sublinhámos).
Ora, perante tal quadro jurídico e regressando agora ao nosso caso, deve liminarmente rejeitar-se a afirmação errada com que a apelante inicia as suas alegações, aliás ostensivamente contraditória com aquela com que as remata.
Com efeito começou por dizer que “para improceder o pedido da autora, seria mister que se provasse, em primeiro lugar, que a recorrente não necessitava de alimentos e que o recorrido não dispunha de condições de os prestar”.
Não é assim, uma vez que, como se viu mais atrás, e depois ela própria reconhece afirmando que “cabe ao cônjuge demandante, em face do disposto nos artºs 342º, nº 1, e 2004º, alegar e provar a sua situação de necessidade de alimentos e as condições de o demandado os prestar”, basta a não prova, até por dúvidas, dos factos constitutivos (impugnados) do direito alegado, sem necessidade de prova do seu contrário, para a pretensão improceder, como decorre do artº 346º, do CC, e do artº 414º, do CPC.
Depois, sendo certo que, como observa a apelante, que a acção foi proposta ainda na vigência do casamento, parece esquecer ela que, todavia, o fundamento respectivo radica na separação de facto verificada.
Por isso, a teoria com que ilustra a suas alegações só tem aplicação ao caso concreto se e na medida em que este seja subsumível à previsão dos nºs 2 e 3 do artrº 1675º, atrás referidos.
Assim, antes de se enveredar pela análise dos requisitos relativos às necessidades da apelante e das possibilidades do apelado e, por isso, da utilidade das longas considerações teóricas para tanto expendidas, o que importa é apurar primeiro, percurso cujo método a sentença recorrida também não observou (até pela razão já de início referida), se, estando a apelante separada de facto do apelado, se mantêm o dever de assistência deste.
Ora, devia ela provar (positivamente) que tal separação não foi imputável a qualquer deles. Tentou-o, alegando, mas não o conseguiu, provando.
Na verdade, o que se provou foi que, umas seis semanas após o consórcio, ela saiu (abandonou) da casa, onde habitava juntamente com o apelado, e foi viver para o seu apartamento.
Nenhuma razão explicativa, muito menos justificativa para tal procedimento, ela logrou demonstrar, tal como o não conseguiu quanto a qualquer facto tendente a imputar ao apelado a separação por ela decidida.
Nos termos do artº 1672º, os cônjuges estão reciprocamente vinculados ao dever de coabitação, cooperação (que importa a obrigação de socorro e auxílio mútuos) e assistência, devendo adoptar a residência da família, procurando salvaguardar a unidade da vida familiar, salvo motivos ponderosos (artº 1673º, nºs 1 e 2).

Se, um deles, quiçá o mais apto (maxime pela idade e condições perante o trabalho[32]), a pretexto de problemas cuja natureza e consequente impossibilidade de vida em comum não logrou demonstrar, deixa, sem que tal justifique, o lar conjugal, regressa ao apartamento que já tinha antes do casamento e nele passa a viver, não só está verificado o elemento objectivo que traduz uma efectiva violação do dever conjugal (a separação de facto contrária ao dever de vida em comum) como uma subjectiva intenção de romper tal vínculo e de não restabelecer a vida em comum.

A causa e a culpa da situação são, por isso, de imputar à apelante, nada, à luz do quadro fáctico apurado, a esse título, se podendo assacar à conduta do apelado, sequer a título concorrente.

Não logrou ela provar que a culpa da separação não é imputável a qualquer deles, e, pelo contrário, resultou apurado que o é, a ela própria, única e exclusivamente, como competia, afinal, ao réu demonstrar. Face a tal prova positiva, não há lugar a dúvida nem à aplicação do princípio decorrente do artº 414º, do CPC.

Por isso, só sobre ela impendia o dever de assistência, na medida em que única culpada, não fazendo qualquer sentido premiar o seu comportamento com o benefício de alimentos e impor tal encargo ao apelado enquanto cônjuge inocente.

Embora seja a solução que decorre do nº 3 do artº 1675º, é certo que ainda em tal norma se contém a possibilidade de à apelante ser reconhecido tal direito e de impor a correspondente obrigação ao apelado mesmo inocente, se o tribunal, excepcionalmente e por motivos de equidade, dispusesse de factos provados que tal, por razões de justiça que subjazem àquele critério, justificassem.

Sucede que nem da duração do casamento nem da colaboração prestada durante esse tempo para a economia do casal, nem de qualquer outro facto, resulta um evidente apelo a tais razões.

Assim, fica manifestamente prejudicada a apreciação dos demais requisitos do direito a alimentos e, por isso, as conclusões a tal respeito formuladas pela apelante.

Deve, pois, improceder o recurso e, ainda que com diversa fundamentação, confirmar-se a decisão apelada.

VI. DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes desta Relação em julgar totalmente improcedente o recurso e, em consequência, negando provimento à apelação, confirmam a decisão recorrida.

Custas pela apelante – (artºs 527º, nºs 1 e 2, e 529º, do novo CPC, e 1º, nºs 1 e 2, 3º, nº 1, 6º, nº 2, referido à Tabela anexa I-B, 7º, nº 2, 12º, nº 2, 13º, nº 1 e 16º, do RCP).

Notifique.

Porto, 10-04-2014
José Amaral
Teles de Menezes
Mário Fernandes
_____________
[1] Calvão da Silva, in Parecer, CJ XX, Tomo I, página 12.
[2] Abrantes Geraldes refere outras possíveis patologias (não correspondentes a erros de julgamento) na decisão da matéria de facto: conteúdo excessivo, integração de matéria de direito.
[3] Nesta hipótese, ao anular, a Relação actua como tribunal de cassação. Nas demais, funciona como tribunal de substituição. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, página 244.
[4] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, páginas 227, 228 e 244. É polémica a classificação das presunções judiciais como meio de prova ou apenas como operação lógica e mental processada sobre factos conhecidos e mediante regras da experiência, que leva à descoberta de outros desconhecidos. Apesar de, por vezes, serem também indistintamente apelidadas de simples, naturais, de facto ou da experiência, há também quem distinga a presunção judicial da presunção natural, considerando esta como a extracção, a partir de certos factos e seguindo as regras da experiência, de conclusões jurídicas (caso dos acidentes de viação em que, a partir da prática de factos integrantes de infracções rodoviárias, se pode concluir pela culpa do respectivo agente).
[5] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, página 226.
[6] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, página 124.
[7] Acrescento este que não nos parece representar um verdadeiro requisito novo, pois a indicação do sentido da alteração já tinha de, inevitavelmente, resultar, ou pelo menos deduzir-se, com clareza, dos obrigatórios fundamentos a alegar e da alteração pretendida a indicar e, no limite, a sua falta já podia implicar a rejeição do recurso nos termos gerais (anterior artigo 685º-A, nº 1, e actual artº 639º, nº 1). Se como tal se considerar, ele não poderá ser exigido nos recursos interpostos no domínio da vigência da lei antiga (artºs 136º, actual, e 142º, anterior).
[8] Bem como a apresentação de conclusões deficientes, obscuras ou complexas - Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, página 129.
[9] Obra citada, páginas 224, 226, 228, 229 236.
[10] No dizer do Acórdão desta Relação de 24-03-2014 (Desemb. Oliveira Abreu), “Há contradição entre respostas à facticidade alegada quando a resposta dada a um determinado facto colide com a(s) resposta(s) dada(s) a outro ou outros factos alegados, ou seja, a resposta a um alegado facto é contraditória quando o sentido nela expresso colidir com a resposta dada a outro ou a outros factos.”
[11] Obra citada, páginas 124 e 129.
[12] Cremos que no sentido de tal nível de exigência vai o muito elucidativo Acórdão desta Relação de 17-03-2014 (Desemb. Alberto Ruço).
[13] Ao contrário do que a apelante refere no ponto 3 do seu articulado de resposta o casamento ainda não foi “dissolvido”, uma vez que a acção de divórcio está pendente e não sentenciada.
[14] Circunstâncias referidas a título exemplificativo, segundo o Acórdão do STJ, de 20-02-2014 (Consº Granja da Fonseca).
[15] Como diz o STJ, “É admissível a alteração da causa de pedir, em acção de alimentos proposta com fundamento na separação de facto, com base no estado de divorciado, ocorrido, posteriormente” – Acórdão de 16-03-2011 (Consº Hélder Roque).
[16] Acórdão de 04-11-2010 (Consº Álvaro Rodrigues), citando Maria Nazareth Lobato Guimarães, in Reforma do Código Civil, 1981, pág 191.
[17] Acórdão de 23-10-2012 (Consº Hélder Roque).
[18] Acórdão de 25-03-1999 (Consº Quirino Soares).
[19] Acórdão de 26-06-1997 (Consº Nascimento Costa).
[20] Acórdão de 09-06-2005 (Consº Oliveira Barros).
[21] Código Civil Anotado, volume V, Coimbra Editora, 1995, página 607.
[22] Cfr., v.g., Acórdãos do STJ, de 4-11-2010 e 16-03-2011 (Consºs Álvaro Rodrigues e Hélder Roque, respectivamente) e da Relação do Porto, de 24-11-2009 e 16-12-2009 (Desembs. Ramos Lopes e João Proença, respectivamente).
[23] Obra e autores citados, página 608.
[24] Idem, volume IV, 2ª edição, página 266.
[25] Obra e local referidos.
[26] Acórdão de 16-03-2011 (Consº Hélder Roque), sublinhado nosso.
[27] Como bem diz o Acórdão do STJ, de 07-05-2009, “Cabia à recorrente o ónus de alegação e de prova dos factos relativos ao casamento, à separação de facto, à sua necessidade de que o recorrido lhe preste alimentos e à possibilidade dele de lhos prestar (artigos 342º, nº 1, do Código Civil e 264º, nº 1, do Código de Processo Civil).”
[28] Sobre a distribuição do ónus da prova, mormente no caso de factos negativos, e para confronto da chamada teoria das normas de Rosemberg entre nós dominante com a de outros autores entre os quais de cite Michelli, cfr. Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Almedina, 1982, volume III, páginas 351 a 361. Este autor afirma claramente que “não há que tomar em conta a maior ou menor facilidade da prova do facto em causa”, isso “será unicamente relevante no plano de apreciação das provas pelo juiz na formação da sua convicção, mais ou menos exigente consoante os casos”.
[29] Como se referiu no Acórdão da Relação do Porto, de 20-12-2011 (Desemb. Pinto de Almeida), “O ónus da prova, num primeiro momento, traduz-se, para a parte a quem compete, no encargo de fornecer a prova do facto alegado (ónus da prova subjectivo). Nesse sentido, é mero reflexo das regras do ónus da prova (objectivo), que se reconduz a uma regra de decisão: trata-se fundamentalmente de repartir entre as partes o gravame da incerteza em que a prova dos autos tenha deixado o juiz quanto a algum dos factos relevantes para a decisão de mérito. Assim, o juiz deve decidir, caso os factos sejam incertos, contra a parte a quem incumbia esse ónus. Não provado o facto, este non liquet deve ser resolvido num liquet desfavorável à parte onerada (cfr. art. 516º do CPC). A solução não será diferente por, no fundo, se impor à autora a prova de um facto negativo. Como afirmava Vaz Serra, a regra negativa non sunt probanda, "quando entendida no sentido de que não carecem de prova os factos negativos, não parece de aceitar, pois, se o direito, que se faz valer, tem como requisito um facto negativo, deve este facto ser provado por quem exerce o direito, precisamente como os factos positivos que sejam requisitos dos direitos exercidos. Não há motivos para soluções diferentes nos dois casos, dado que os factos negativos não têm que se presumir pela mera circunstância de o serem, nem seria razoável que se impusesse à outra parte o ónus de provar o facto positivo contrário". No mesmo sentido, Acórdão do STJ, de 07-02-2008 (Consº Urbano Dias).
[30] Ainda na expressão do citado Acórdão do STJ, de 07-05-2009, “A recorrente logrou provar os referidos factos, mas não que a separação de facto em causa é imputável ao recorrido. Todavia, resulta do nº 2 do artigo 1675º que o dever de assistência conjugal se mantém durante a separação de facto não imputável a qualquer dos cônjuges (artigo 1675º, nº 2, do Código Civil). Em consequência incumbia ao recorrido, demandado na acção, o ónus de alegação e de prova desse facto negativo impeditivo de a separação de facto em causa lhe não ser imputável (artigo 342º, nº 2, do Código Civil). Não tendo logrado provar o mencionado facto, suporta o recorrido a consequência de se dever considerar que lhe é imputável a separação de facto decorrente da sua saída da casa de morada de família (artigo 516º do Código de Processo Civil).”
[31] Acórdãos já atrás referidos de 25-03-1999 (Consº Quirino Soares), de 07-05-2009 (Consº Salvador da Costa), de 4-11-2010 (Consº Álvaro Rodrigues) e de16-03-2011 (Consº Hélder Roque).
[32] A autora conserva capacidade laboral e tem 59 anos e, o réu, reformado, tem 83 anos.