Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1397/10.0TBPVZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUEL DOMINGOS FERNANDES
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL
PRESUNÇÃO DE CULPA
ÓNUS DA PROVA
CULPA DO LESADO
EXCLUSÃO DA INDEMNIZAÇÃO
ACTO ILÍCITO
DESRESPEITO
ÓNUS JURÍDICO
Nº do Documento: RP201403241397/10.0TBPVZ.P1
Data do Acordão: 03/24/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Legislação Nacional: ARTº 570º E 799º, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I - Pese embora no âmbito da responsabilidade contratual existe presunção legal de culpa do contraente faltoso, nos termos do n.º 1 do artigo 799.º do CCivil, o demandante terá sempre de demonstrar os outros pressupostos daquele tipo de responsabilidade: violação contratual, dano (ou prejuízo) e nexo causal.
II - Se um facto culposo do lesado tiver concorrido de forma preponderante para os danos que veio a sofrer, deve a indemnização a cargo do lesante ser excluída nos termos do artigo 570.º, nº 1 do CCivil.
III - Todavia, aquela actuação culposa do lesado, não corresponde a um acto ilícito, mas apenas ao desrespeito de um ónus jurídico, uma vez que não existe um dever jurídico de evitar a concorrência de danos para si próprio.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 1397/10.0TBPVZ.P1-Apelação
Origem-Tribunal Judicial da Póvoa do Varzim, 1º Juízo Cível
Relator: Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Caimoto Jácome
2º Adjunto Des. Macedo Domingues
5ª Secção
Sumário:
I- Pese embora no âmbito da responsabilidade contratual existe presunção legal de culpa do contraente faltoso, nos termos do n.º 1 do artigo 799.º do CCivil, o demandante terá sempre de demonstrar os outros pressupostos daquele tipo de responsabilidade: violação contratual, dano (ou prejuízo) e nexo causal.
II- Se um facto culposo do lesado tiver concorrido de forma preponderante para os danos que veio a sofrer, deve a indemnização a cargo do lesante ser excluída nos termos do artigo 570.º, nº 1 do CCivil.
III- Todavia, aquela actuação culposa do lesado, não corresponde a um acto ilícito, mas apenas ao desrespeito de um ónus jurídico, uma vez que não existe um dever jurídico de evitar a concorrência de danos para si próprio.
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I-RELATÓRIO

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

B…, S.A. com sede na rua …, .. Póvoa do Varzim intentou a presente acção declarativa com processo ordinário contra C…, Limitada, …, ., Lisboa, pedindo a sua condenação no pagamento de uma indemnização em montante capaz de ressarci-la de todos os danos, patrimoniais e não patrimoniais, incluindo, designadamente, quaisquer quantias que, a titulo indemnizatório ou não, tenha de pagar a D…, SA, honorários de árbitros, advogados e jurisconsultos, taxas de justiça, comissões bancárias por garantias prestadas em processo de execução, já pagas e a pagar, e ofensa à sua honra e bom nome, tudo a liquidar em execução de sentença.
Alega para tanto em resumo que encomendou à Ré realização de uma auditoria em matérias juridicamente relevantes–due diligence–e a elaboração do correspondente relatório, tendo por objecto a sociedade D…, S.A., tendo em vista fornecer aos interessados na aquisição desta empresa informação que lhes permitisse apurar o seu valor, sobretudo para efeitos de determinação do preço que estariam dispostos a pagar, auditoria que foi levada a cabo pela Ré e cujo relatório foi colocado à disposição daquele que viria a ser o seu comprador, a sociedade E…, do Grupo E1….
Mais alegou que a ré cumpriu defeituosamente a sua obrigação porquanto não identificou nem evidenciou no seu relatório de due diligence, assim como não o fez nos contactos que teve com os assessores do E…, qualquer contingência relativa ao facto de grande parte dos trabalhadores da D… nunca ter recebido diuturnidades.
Alegou ainda que o comprador, depois de ter adquirido a quase totalidade das acções representativas do capital social da D…, foi confrontado com a existência de diuturnidades em divida a muitos dos trabalhadores da D…, pelo que, considerando-se enganado pelo facto de, antes da celebração do contrato, não lhe ter sido prestada informação sobre a situação das diuturnidades, instaurou uma acção arbitral contra si pedindo que esta fosse condenada a pagar-lhe uma indemnização correspondente ao valor das diuturnidades em dívida, acrescido de outros montantes correspondentes a despesas conexas.
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A Ré contestou:
- Pedindo a suspensão da instância por pendência de causa prejudicial, o que foi indeferido.
- Invocando a excepção de ilegitimidade da autora, o que foi indeferido, remetendo-se para final a questão de mérito.
- E, numa súmula do seu extenso articulado, alegando não ter celebrado com a Autora, mas com a D…, S.A., a realização da auditoria em causa; a ausência de nexo jurídico entre a omissão, eventualmente culposa, no relatório de due diligence de contingências relativas ao não pagamento de diuturnidades e a superveniência dos danos que a Autora pretende ver ressarcidos e que, a pretensão desta sempre configuraria um abuso de direito porquanto foi a própria quem, por intermédio do seu único Administrador, decidiu pelo não pagamento das diuturnidades aos trabalhadores sabendo que a isso estava legalmente obrigado, e que, sabendo que o relatório de due diligence era omisso quanto à questão das diuturnidades, porquanto que lhe foi previamente entregue para consulta, decidiu, ainda assim, emitir uma declaração a favor da compradora de garantia de não estar em incumprimento de obrigações legais e contratuais, quando sabia que tal declaração não era verdadeira, declaração esta que foi a verdadeira causa da indemnização e despesas conexas que foi obrigada a pagar à compradora E… por força da decisão arbitral.
Assim e alegando que os danos que a Autora invoca ter sofrido em consequência dos factos que na petição inicial imputa à Ré foram consequência directa e necessária de factos culposos seus, concluiu pedindo que seja julgada procedente a excepção peremptória de culpa do lesado, ou, se assim não se entender, sempre pela improcedência da acção.
Pediu ainda a intervenção acessória de G…-Companhia de Seguros, S.A., que foi admitida.
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Na réplica a autora concluiu pela improcedência da excepções suscitadas na contestação e reafirmou o alegado e peticionado na petição inicial.
Já no decurso da acção a autora veio declarar desistir do pedido quanto à condenação da Ré por danos não patrimoniais.
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Foi proferido despacho saneador, tendo sido elaborada a lista dos factos assentes e a base instrutória.
Realizou-se audiência de discussão e julgamento com observância do legal formalismo.
Fixada a matéria de facto pela forma que dos autos consta foi, a final, proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente por não provada e absolveu a Ré do pedido.
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Não se conformando com o assim decidido, veio a Autora interpor o presente recurso, concluindo as suas alegações nos seguintes termos:

I. Considerando, entre outros elementos instrutórios, o depoimento da testemunha H…, os factos objecto dos pontos 11 e 12 da Base Instrutória devem ser julgados plenamente provados, alterando-se, em conformidade, a decisão de facto.
II. Considerando o depoimento da testemunha H…, assim como o depoimento de parte da autora, à luz do princípio da indivisibilidade da declaração do confitente, deve ser julgado provado o facto objecto do ponto 30.º da Base Instrutória, alterando-se, em conformidade, a decisão de facto.
III. Considerando, entre outros elementos instrutórios, o depoimento da testemunha L…, devem ser julgados não provados os factos objecto dos pontos 41.º e 42.º da Base Instrutória, alterando-se, em conformidade, a decisão de facto.
IV. Deve ser julgado não provado o facto objecto do ponto 45.º da Base Instrutória, alterando-se, em conformidade, a decisão de facto.
V. Com base, entre outros elementos instrutórios, nos depoimentos das testemunhas H…, I… e J…, deve ser julgado não provado o facto objecto do ponto 58.º da Base Instrutória, alterando-se, em conformidade, a decisão de facto.
VI. Com base, entre outros elementos instrutórios, no depoimento da testemunha K…, devem ser julgados não provados os factos objecto dos pontos 62.º, 63.º e 64.º da Base Instrutória, alterando-se, em conformidade, a decisão de facto.
VII. Com base, entre outros elementos instrutórios, nos depoimentos das testemunhas K… e L…, deve ser julgado não provado o facto objecto do ponto 66.º da Base Instrutória, alterando-se, em conformidade, a decisão de facto.
VIII. Com base, entre outros elementos instrutórios, nos depoimentos das testemunhas H…, K… e L…, deve ser julgado não provado o facto objecto do ponto 81.º da Base Instrutória, alterando-se, em conformidade, a decisão de facto.
IX. Deve ser julgado não provado o facto objecto do ponto 83.º da Base Instrutória, alterando-se, em conformidade, a decisão de facto.
B
Em matéria de direito
X. Existe nexo de causalidade, nos termos dos arts. 562.º e 563.º do CC, entre o facto ilícito e culposo praticado pela ré, reconhecido e declarado pelo tribunal recorrido, e os danos sofrido pela autora.
XI. Os danos sofridos pela autora não foram causados por qualquer facto da sua autoria, não havendo, pois, qualquer culpa do lesado.
XII. Não há nenhum abuso de direito da autora, que exerce, legitimamente, dentro dos limites da boa fé, o direito a ser ressarcida dos danos que lhe foram causados pela facto ilícito e culposo da ré.
XIII. O tribunal recorrido violou as normas dos arts. 563.º do CPC de 1995/96 (correspondente ao art. 463.º do novo CPC), 798.º do CC, 360.º do CC, 562.º do CC, 563.º do CC, 570.º/1 do CC e 334.º do CC.
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Devidamente notificada a Ré contra-alegou concluindo pelo não provimento do recurso.
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Após os vistos legais cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. cfr. arts. 635º, nº 3, e 639º, nsº 1 e 2, do C.P.Civil.
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No seguimento desta orientação são apenas duas as questões a decidir no presente recurso:
a)- saber se o tribunal recorrido cometeu erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto;
b)- saber se o tribunal fez uma correcta subsunção jurídica da factualidade que dos autos resultou demonstrada.
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A)-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

É a seguinte a matéria factual que o tribunal recorrido deu como provada:

A. A ré é uma sociedade de advogados.
B. Conforme resulta do documento junto aos autos de fls. 1160 a 1213, cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido, a D…, S.A., instaurou uma acção arbitral contra a aqui autora, pedindo que fosse condenada no pagamento de uma indemnização de € 966.064,10, correspondente ao que teria de pagar de diuturnidades e respectiva taxa social única, sustentando que foi enganada pela ora autora quanto à situação das diuturnidades dos trabalhadores, na medida em que não fora informada, na fase pré-contratual, das dívidas que a Autoridade para as Condições determinara que pagasse. Mais alegando que se soubesse da existência dessas dívidas de diuturnidades, o E… (em cuja posição contratual a D… veio a suceder) não teria pago o mesmo preço pelas acções representativas do capital social da D….
C. Conforme resulta do documento junto aos autos de fls. 1215 a 1289, cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido, o Tribunal arbitral condenou a ora autora a pagar à D… a quantia de € 623.893,70, acrescida de juros a contar da notificação da decisão arbitral, bem como a quantia, dependente de posterior liquidação, correspondente a 65% de honorários devidos aos advogados da D…, por serviços prestados antes da propositura da acção arbitral.
D. Encontra-se junto, conforme resulta de fls. 336 a 525, 530 a 608, 613 a 671 cujo teor aqui se dá inteiramente por reproduzido, datado de 18 de Novembro de 2005, um relatório elaborado pela Ré dirigido à D…, constituído por 208 páginas e 12 anexos, intitulado "Due Diligenge M….
E. O anexo 6, do referido relatório corresponde à lista de trabalhadores constante num dos documentos facultados à Ré, no âmbito da "due diligence".
F. No relatório da due diligence jurídica, acima referido, a páginas 108 a 122, no tocante à relações jurídico-laborais entre a D… e os seus trabalhadores, estão identificadas, como contingências e riscos a que considerava exposta a empresa auditada, diversas irregularidades e desconformidades com a legislação então em vigor, designadamente em matéria de contratação a termo, horários de trabalho, trabalho suplementar, retribuição e pagamentos complementares cobertos por recibo verde, segurança, higiene e saúde no trabalho, responsabilidades perante a Segurança Social.
G. No relatório acima referido aludido, estão identificados os tipos de infracções (em particular de natureza contra-ordenacional) em cuja prática incorria a D…, as sanções aplicáveis (em especial, as molduras das coimas previstas), e as contribuições devidas à Segurança Social (sobretudo quanto aos pagamentos complementares cobertos por recibo verde).
H. Como resulta do documento junto aos autos de fls. 20 a 32, cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido, intitulado de "Contrato de Compra e Venda de Acções da D…, S.A.", datado de 21 de Dezembro de 2005, os accionistas da D… declararam vender as acções de que eram titulares ao E2…, SA e à E…, que as declararam comprar, pelo preço unitário de € 6,7838.
I. Mais resulta do acima referido documento, no considerado em E), fls. 23, 10 parágrafo, do texto do contrato de compra e venda das acções representativas do capital social da D…, as partes reconheceram que o acordo sobre o preço das acções se "(...) baseou na Informação de Auditoria que foi avaliada pelos compradores".
J. Resulta ainda da “Informação de Auditoria” que fazia parte, nos termos da clausula 1-i) do mesmo contrato, constante de fls. 24, 1º parágrafo que “ Significa toda a informação referente à D… que foi transmitida aos Compradores, a saber as contas anuais e aprovadas da D… relativas ao exercício de 2004, o relatório de Due Diligence da N…, datado de 8 de Novembro de 2005, o relatório da Due Diligence da O…, datado de 10 de Novembro de 2005, o relatório da Due Diligence da P…, datado de 11 de Novembro e o Due Diligence M…, datado de 28 de Novembro de 2005, elaborado por C1..., seus anexos e cartas de conclusões, e as respostas prestadas por escrito às questões suscitadas pelos compradores sobre esses documentos.
K. Conforme resulta do documento junto aos autos a fls. 33, cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido, a Autora emitiu em nome da Ré, o cheque n° ……….., datado de 29 de Dezembro de 2005, sacado sobre o E1… na quantia de € 59.749,80.
L. Como resulta do documento junto aos autos de fls. 34 a 41, cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzidos, em 29 de Dezembro de 2005, por escrito particular, foi celebrado entre a S…, SA e os vendedores um acordo de alteração do contrato de compra e venda de acções representativas do capital social da D…, designado "aditamento ao contrato de compra e venda de acções".
M. Como resulta do documento junto aos autos de fls. 96 a 144 a aqui Autora contestou a acção arbitral contra si instaurada pela D….
N. Na decisão referida em C) é referido que:
- "A questão que se coloca é a de saber se a nova administração da D… poderia razoavelmente ignorar a obrigação de pagar as diuturnidades, mal passou a gerir a empresa. O problema seria de mais fácil solução se não fora o facto de se estar perante um negócio em que a informação era veiculada pelos assessores dos vendedores, empresas altamente especializadas, e que elaboraram relatórios onde não identificaram o problema da obrigatoriedade de pagamento das diuturnidades. (...) Apesar de as compradoras serem também empresas dotadas de quadros especialmente habilitados, perante os relatórios que foram apresentados, não cremos que exista uma culpa na omissão do controlo das conclusões a que os assessores técnicos dos vendedores chegaram. De mais a mais, se a C1… junta ao seu relatório o quadro com a listagem dos trabalhadores e das remunerações e, apesar de aludir a diversas outras irregularidades, ignora essa, não seria de presumir que fosse ignorar uma responsabilidade de valor tão expressivo e, pior do que isso, com repercussões no valor da massa salarial futura da empresa e, portanto, nos seus custos. "
O. Como resulta do documento junto aos autos de fls. 1292 a 1328, cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido, em 4 de Janeiro de 2010, a Autora, invocando ilegalidades no processo de constituição do tribunal arbitral, instaurou, contra a D…, acção em que pede a anulação da decisão do tribunal arbitral, que deu origem ao Processo n. ° 6/10.1PRT, pendente na 1ª Secção da 1ª Vara Cível da Comarca do Porto.
P. Como resulta do documento junto aos autos de fls. 1331 a 1338, e de fls. 1329 a 1330, cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido, em 29 de Janeiro de 2010, a D… requereu a execução da mesma decisão arbitral, dando origem ao Processo nº 606/10.0YPRT, pendente na 1ª Secção do 1º Juízo de Execução do Porto.
Q. Como resulta do documento junto aos autos de fls. 1341 a 1380 e de fls. 1383/84, cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido, a A. deduziu oposição, oferecendo, também, a prestação de caução, na modalidade de garantia bancária.
R. A versão definitiva do contrato de alienação teve a sua génese na proposta contratual enviada em 24 de Novembro de 2005 pelo T… aos interessados na compra, cuja proposta foi elaborada pela Ré.
S. A E…, em 16 de Dezembro de 2005, aproveitando o suporte informático disponibilizado pela Ré, apresentou uma proposta de contrato alternativa.
T. No dia 21 de Dezembro de 2005, encontraram-se na Póvoa de Varzim todas as partes envolvidas no negócio, sendo só aí que a U… declarou que não prestava nenhuma das garantias propostas pela E… em 16 de Dezembro de 2005 e referidas na proposta acima referida.
U. Invocando, como razão para tal recusa, a circunstância de ela, enquanto private equity company, nunca prestar garantias do género das pretendidas pela compradora.
V. Foi perante o impasse criado pela recusa da representante da U… em subscrever as garantias exigidas pela E… que o Sr. V…, enquanto presidente do conselho de administração da autora, declarou que ela, autora, sozinha, o faria.
W. Como resulta do documento junto aos autos de fls. 1045 a 1047, cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido, em 21 de Novembro de 2005, a ré redigiu e dirigiu à autora e à U… a proposta de apoio jurídico para alienação das participações na D….
X. A acima referida proposta foi aceite por ambas as sociedades, materializada em serviços prestados entre 1 e 31 de Dezembro de 2005.
Y. Como decorre de fls. 1048, cujo teor se dá integralmente por reproduzido, a ré facturou em nome da autora a quantia na mesma ínsita, a qual pagou, em 30 de Dezembro de 2005, através do cheque referido em L).
Z. A Autora é uma sociedade gestora de participações sociais.
AA. Em 2005, fazia parte da carteira de participações gerida pela autora uma parte das acções representativas do capital social de D…, SA, pessoa colectiva n.º ………, com sede em …, freguesia …, Póvoa de Varzim, designada D….
BB. No contexto da preparação do negócio de alienação das acções representativas do capital da D…, a ré realizou uma due diligence jurídica (ou seja, uma auditoria em matérias juridicamente relevantes) a esta empresa, elaborando o correspondente relatório, que foi posto à disposição daquele que viria a ser o seu comprador-o Grupo E1….
CC. Já depois de concluído o contrato que teve por objecto a transmissão da quase totalidade das acções representativas do capital social da D…, o comprador, na sequência de uma acção inspectiva da Autoridade para as Condições do Trabalho, foi confrontado com a existência de diuturnidades em dívida a muitos dos trabalhadores da D….
DD. Em 21 de Dezembro de 2005:
- a Autora detinha 9.851.075 acções, representativas de 53,25% do capital social da D…;
- U… detinha 7.392.317, representativas de 39,96% do capital social da D…;
- W… detinha 137.443 acções, representativas de 0,74% do capital social da D…;
- X… detinha 126.875 acções, representativas de 0,67% do capital social da D…;
- H1… detinha 124.350 acções, representativas de 0,67% do capital social da D….
EE. Os dois principais accionistas eram, assim, a autora e a U…. A U… é uma sociedade de direito inglês que se dedica ao investimento em private equity
GG. A U… adquiriu as suas acções representativas do capital social da D… em Março de 2004
HH. Parte dessas acções- 3.668.575, correspondentes a 19,8% do capital social da D… foram adquiridas à Autora.
II. A ré assessorou e representou a U… na preparação e conclusão do contrato por meio do qual esta private equity house comprou à autora parte das acções que detinha no capital social da D…
JJ. Os serviços de assessoria referidos na resposta ao art. 10º traduziram-se, além do mais, na elaboração pela ré da auditoria jurídica à D… traduzida no relatório junto a fls. a fls.1978 a 2141 cujo teor se dá por reproduzido.
KK. Em Junho de 2005, a autora, a U… e W… mandataram o T…, Sucursal en Espanha, para os assistirem na realização do propósito de alienação das suas participações no capital social da D…, incumbindo-o, designadamente, das tarefas de identificação e selecção de interessados.
LL. Em 17 de Novembro de 2005, a E…, SA apresentou ao T… uma proposta não vinculativa (non binding offer) de compra de 100% do capital da D… ou de 90% desta sociedade desde que os restantes 10% ficassem sobre o controle de V….
MM. Seguindo o esquema delineado pelo T… para o desenvolvimento do processo de negociação, a D…, por intermédio e no interesse dos seus accionistas, B…, S.A.-aqui autora-e U…, na prossecução do referido propósito de procederem à alienação das respectivas participações no seu capital social, encomendou à ré a realização de uma due diligence jurídica à D…, que haveria de corporizar-se num relatório, a entregar na sede da autora, destinado a ser facultado, antes da celebração de qualquer contrato, aos interessados na compra das acções representativas do capital social da D…, de modo a fornecer-lhes informação fidedigna sobre a situação da empresa e a proporcionar-lhes os dados necessários à sua avaliação em termos de preço.
NN. A due diligence, e o correspondente relatório, consistiria na análise, à luz dos quadros legais aplicáveis, das relações jurídicas, internas e externas, de que a D… fosse titular, abrangendo, designadamente, relações societárias, contratos de financiamento, relações laborais, contratos com fornecedores, relações com a administração pública, direitos de propriedade intelectual e industrial, propriedade imobiliária e identificação de litígios pendentes, judiciais e arbitrais.
OO. No relatório que viesse a apresentar, a ré deveria identificar, como contingências, eventuais irregularidades e as correspondentes responsabilidades daí decorrentes para a D…. A ré aceitou prestar o serviço assim encomendado pela D… nos termos, com o conteúdo e amplitude acima referidos na resposta ao art. 15º.
QQ. Para que a ré pudesse levar a cabo o serviço de que assim foi encarregue, e que aceitou, a D… franqueou-lhe o acesso às suas instalações e arquivos.
RR. Um dos documentos que, no âmbito da due diligence jurídica que realizou, foi facultado pela D… à ré foi a lista integral dos trabalhadores desta sociedade, cuja cópia se encontra junta a fls. 613 a 646, que incluía, em relação a cada um deles, a identificação, o género, a data de admissão, o tipo de contrato, a função, o local de trabalho, e as várias componentes da retribuição, incluindo o salário, subsídios, ajudas de custo e diuturnidades.
SS. Nessa lista de trabalhadores fornecida pela D… à ré, estavam discriminadamente identificados os trabalhadores que recebiam e os que não recebiam diuturnidades, quantificando-se, quanto aos primeiros, o valor correspondente a cada um.
TT. O relatório referido em D), foi apresentado pela Ré em 28 de Novembro de 2005.
UU. Em relação à matéria das diuturnidades, não serem pagas à maior parte dos trabalhadores da D…, a Ré não anotou qualquer contingência nem identificou nenhum risco a que a empresa pudesse estar exposta.
VV. Em 31 de Novembro de 2005, o relatório da due diligence jurídica da autoria da Ré foi entregue à E….
WW. Em 7 de Dezembro de 2005, a ré reuniu-se com dois administradores do E… (o Dr. Y… e a Dra. Z…) e os seus consultores jurídicos e financeiros
XX. Nessa reunião, a ré respondeu a questões colocadas pelos administradores e consultores da E… sobre o relatório da due diligence jurídica que realizara.
YY. Também dessa reunião esteve ausente o tema das diuturnidades dos trabalhadores da D…, sobre o qual a ré nada adiantou.
ZZ. Em 16 de Dezembro de 2005 e considerando, além do mais, o teor da conversação ocorrida na reunião de 7 de Dezembro de 2005, a E… apresentou uma proposta vinculativa de compra de 90% do capital social da D…, manifestando disponibilidade para adquirir 100%.
AAA. A Ré elaborou a minuta do texto do contrato de alienação das acções da D… cuja cópia se encontra junta a fls. 816 a 826, remetida ao E… em 17.11.2005.
BBB. Em 28 de Dezembro de 2005, o E2… e a E… cederam a sua posição no contrato de compra e venda das acções representativas do capital social da D… à sociedade S…, SA.
CCC. Em Virtude do documento referido em H), saíram do contrato as accionistas X… e H1, nele permanecendo a autora, U… e W…, que vendiam, agora à S…, SA, um total de 16.650.000 acções, representativas de 90% do capital social da D….
DDD. Por deliberação de 22 de Agosto de 2007, registada em 04 de Setembro do mesmo ano, a S…, SA fundiu-se na D….
EEE. O capital social da ré é actualmente detido, a 100%, pela E….
FFF. Em Dezembro de 2007, a Autoridade para as Condições de Trabalho, na sequência de inspecção que realizara, notificou a D… de que deveria pagar aos seus trabalhadores as diuturnidades que até aí se tinham vencido.
GGG. A autora pagou aos árbitros que constituíram o tribunal arbitral que julgou a acção instaurada pela D…, a título de honorários e despesas, a quantia global de € 32.091, 42.
HHH. Em contrapartida dos serviços prestados no âmbito do litígio aberto pela D… relativo às dividas de diuturnidades dos seus trabalhadores, incluindo estudos preliminares do problema, preparação e representação no processo arbitral, preparação e instauração da acção de anulação da decisão arbitral, e oposição à execução da decisão arbitral, a autora pagou já aos seus advogados a quantia de € 20. 125,00
III. Para instruir o processo que tem por objecto o pedido de anulação da decisão arbitral que a condenou, a Autora solicitou ao Senhor Professor Doutor AB… a emissão de parecer jurídico, pelo qual pagou a quantia de € 36.000,00.
JJJ. A ré remeteu, em 18.11.2005, a V…, accionista único da Autora, B… e então presidente do conselho de administração da sociedade autora e da D…, S.A., que o recebeu, o documento junto a fls. 741 a 746 que constitui uma versão preliminar ao relatório referido em 3º), acompanhado da carta que constitui o documento junto a fls. 738 a 740, antes de o mesmo ser posto à disposição do aí referido comprador.
KKK. V…, após análise daquele relatório preliminar, pediu a L…, então assessora jurídica da D…, que sobre ele se pronunciasse por escrito, o que esta fez nos termos constantes do documento junto a fls. 748 cujo teor se dá por reproduzido e do qual deu conhecimento a V…, e ainda que: - a Drª L…, a mando de V…, remeteu à ré o referido documento junto a fls. 748 acompanhado pela carta junta a fls. 747.
LLL. Em face da informação prestada pela Dra. L…, a Ré introduziu alterações ao relatório aludido em 40º, nele mencionando o facto de a referida Dra. L… ter informado que a sociedade nunca tinha sido sujeita à aplicação de coimas tanto no que respeitava à contratação a termo como no que respeitava aos pagamentos feitos aos trabalhadores a título de prestação de serviços.
MMM. A ré dirigiu e fez chegar ao referido V…, em 28 de Novembro de 2005, a versão final do relatório, referido na resposta ao art. 3º, acompanhada da carta e anexo cujas cópias se encontram juntas a fls. 749 a 758 cujo teor se dá por reproduzido, na qual reiterava que poderão existir e resultar contingências que resultem de informações e/ou documentação incorrecta ou omissa e que, por esse motivo, não tenham sido detectadas.
NNN. A versão final do dito relatório foi posta à disposição dos potenciais interessados na aquisição do capital da D…, designadamente daquele que viria ser o comprador mencionado em 3º, porquanto que não foram colocadas objecções quanto ao seu teor e conteúdo, nomeadamente, por parte do V…, accionista e presidente do conselho de administração da D… e da autora.
OOO. O negócio em questão teve por objecto acções representativas de 90% do capital da D….
PPP. A compradora das acções não se bastou com os relatórios de due diligence, exigindo ainda e em acréscimo ao que deles resultava, uma declaração residual destinada a responsabilizar o seu autor-a B…-por irregularidades que, depois da compra, se viessem a descobrir.
QQQ. A estrutura accionista da D…, referida em 5°), repartia-se por 18.500.000 acções.
RRR. Foi em 2003, entre Junho e Outubro-que a ré prestou serviços de auditoria à U….
SSS. A Ré também assessorou a autora no processo referido em 13°) a partir do dia 1 de Dezembro de 2005.
TTT. A non-binding offer que a E… apresentou em 17 de Novembro de 2005, respeitava à compra indiscriminada de 100% do capital da D… ou de 90% dessa sociedade desde que os 10% restantes ficassem sob o controlo do referido accionista e presidente do conselho de administração da autora e da D…, V….
UUU. A ré, em 18 de Outubro de 2005, antes do início de qualquer trabalho relacionado com tal serviço, apresentou ao Sr. V…, enquanto Presidente do Conselho de Administração da D…, e por escrito, a proposta de apoio jurídico junta a fls. 759 a 761 cujo teor se dá por reproduzido.
VVV. Proposta que a D… aceitou e que a ré, por isso, em nome dela facturou em 15 de Dezembro de 2005 o montante de 3.849.849$52, actualmente 19.203,16 €
WWW. Factura que a D… pagou integralmente em Março de 2006, mediante transferência bancária para o Banco indicado pela Ré na carta em que havia remetido a factura acima referida.
XXX. A Ré enviou as cartas referidas em 40°) e juntas de fls. 749 a 759 ao accionista único e presidente do conselho de administração da autora e da D…, V….
YYY. A D… franqueou o acesso às suas instalações e arquivos.
ZZZ. A D…-através do accionista V…, então presidente do conselho de administração-não forneceu à ré informação que possuía a respeito de contingências relativas ao não pagamento das diuturnidades.
AAAA. A D…-através do accionista único e presidente do conselho de administração da autora e da D…-não revelou à Ré que em 23 de Fevereiro de 1996, o AC… escreveu ao seu Conselho de Administração uma carta em que reclamava contra a não descriminação das diuturnidades nos recibos dos trabalhadores
BBBB. A D…-através do accionista único e presidente do conselho de administração da autora e da D…-não revelou à Ré que em 12 de Março de 1996 esse AC… participou à Inspecção Geral do Trabalho–pedindo uma inspecção-a circunstância de ela, D…, não pagar diuturnidades à totalidade dos seus trabalhadores.
CCCC. A D…-através do accionista único e presidente do conselho de administração da autora e da D…-não revelou à Ré que em 29 de Janeiro de 1999 o AD… insistiu junto da sua, dela D…, Administração, para que desse resposta à questão colocada na reunião havida em 14 desse mês a propósito do pagamento de diuturnidades devidas e actualização do seu valor.
DDDD. A D…-através do accionista único e presidente do conselho de administração da autora e da D…-não revelou à Ré que em 22 de Julho de 2002 AE…, intentou contra ela, D…, no Tribunal do Trabalho de Barcelos, uma acção a que foi atribuído o n° 584/2002-na qual alegou serem-lhe devidas as diuturnidades desde Fevereiro de 1992 até Dezembro de 2001, concluindo e pedindo a sua condenação em tal pagamento
EEEE. A D…-através do accionista único e presidente do conselho de administração da autora e da D…-não revelou à Ré que em 5 de Dezembro de 2002, nessa acção judicial, a D…, representada por ilustre Advogada da sua escolha, reconheceu que as diuturnidades pedidas eram devidas ao autor, e que apenas estariam mal calculadas na petição inicial.
FFFF. A D…-através do accionista único e presidente do conselho de administração da autora e da D…-não revelou à Ré que em 17 de Dezembro de 2002, na referida acção judicial, ela reiterou, no art. 41 da contestação que aí deduziu, que o autor tinha direito às diuturnidades
GGGG. A D… não revelou à Ré que, pelo menos entre os anos de 2002 e 2005, a questão e o assunto das diuturnidades, designadamente de elas serem ou não obrigatórias por força dos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho aplicáveis à generalidade dos seus trabalhadores.
HHHH. A decisão de não pagamento, a não ser por ordem judicial, de diuturnidades a trabalhadores da D…, foi tomada pelo Sr. V…, que sabia que a elas tinham direito, durante o período de tempo, até Dezembro de 2005, em que foi presidente do conselho de administração da D…, facto que era do conhecimento dos quadros superiores da empresa.
IIII. A D…, mediante decisão do presidente do seu conselho de administração, recusou facultar à Ré, antes da conclusão do seu trabalho de due diligence, actas de reuniões das suas assembleias-gerais e do seu conselho de administração.
JJJJ. Apesar de solicitada para, com antecedência razoável, disponibilizar à ré para consulta nas instalações da D…, diversa documentação que a ré previamente lhe indicou, o certo é que esta só em 10 de Novembro de 2005 (6ª feira) é que disponibilizou (e logo para 2ª feira seguinte) uma sala para o efeito, obrigando a Ré a um aturado esforço de mobilização de técnicos seus para se deslocarem, praticamente sem pré-aviso, de Lisboa para a Póvoa de Varzim.
KKKK. Na consulta de documentos a que a Ré procedeu nas instalações da D…, a documentação que lhe foi presente para tal fim não se encontrava completa, nem organizada.
LLLL. O que obrigou a Ré a ter de procurar obter esclarecimentos junto dos responsáveis pelas diversas áreas de actividade sobre as quais os trabalhos incidiam, sem a certeza de que estava a ter acesso a toda a informação necessária.
MMMM. A D… recusou, apesar da solicitação da Ré nesse sentido, deslocar um representante seu à reunião referida no artigo 25º, para que melhor pudesse esclarecer os compradores.
NNNN. Nem a D…, nem a autora questionaram a Ré sobre no relatório preliminar não constar qualquer menção de qualquer contingência ao nível de diuturnidades em falta, nem lhe pediram que se pronunciasse sobre de que lado estaria a razão da lei: se do lado da D… e do seu presidente do conselho de administração, se do lado dos trabalhadores e do seu sindicato.
OOOO. Entre 30 de Novembro e 4 de Dezembro de 2005 a compradora interessada E… fez chegar à D… e à Ré uma lista de perguntas que pretendia ver respondidas na reunião que teria lugar no dia 7 de Dezembro, entre as quais se encontravam algumas relativas a aspectos laborais.
PPPP. Em face do tipo de perguntas formuladas pela E…, a ré, em 4 de Dezembro de 2005 remeteu ao T…, o documento junto a fls. 1035 cujo teor se dá por reproduzido, comunicando, nomeadamente, o seu entendimento acerca da essencialidade de poder contar com um representante da D… na reunião que teria lugar no dia 7, pelo menos para as questões laborais.
QQQQ. A Ré recebeu do T… a resposta no dia 7 de Dezembro de 2005 pelas 11h. que consta do documento junto a fls. 1038 cujo teor se dá por reproduzido, na qual lhe é dada a informação de que o Snr. V… se recusava a disponibilizar qualquer informação adicional até ao recebimento, por parte dos compradores interessados, de uma proposta vinculativa, a qual tinha como data limite o dia 16 de Dezembro seguinte e que teria dado instruções para responder às questões para as quais não se sentisse, por falta de informação, em condições de o fazer, a seguinte: “Não temos essa informação, pedimos à empresa que a desse, mas estamos convencidos que ela não estará pronta antes de 16 de Dezembro.”.
RRRR. Para a E…, na pessoa do seu Administrador, Dr. Y…, a informação fornecida pelos vendedores antes da apresentação por eles da proposta de compra vinculativa foi decisiva para a avaliação da empresa em termos de preço oferecido
SSSS. A autora, na pessoa do seu único accionista e presidente do seu conselho de administração, Sr. V…, tinha conhecimento que o não pagamento de diuturnidades que sabia serem devidas a trabalhadores da empresa, não se encontrava mencionado no relatório de due diligence elaborado pela ré.
TTTT. O cheque referido em L), se destinou a liquidar os serviços propostos pela ré à autora e à U… em 21 de Novembro de 2005.
UUUU. A autora-na pessoa do seu único accionista e presidente do seu conselho de administração e da D…-sabia que esta não pagava as diuturnidades desde 1992 a 2005 e não o revelou nem à ré-a quem a D… havia contratado para inventariar contingências nem à compradora.
VVVV. A ré elaborou a versão inicial do contrato referido em 29º, a E… elaborou na segunda e as partes, em negociação presencial ocorrida na Póvoa de Varzim no dia da assinatura do contrato elaboraram a versão final.
*
III- O DIREITO

a)- saber se o tribunal recorrido cometeu erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto.

Os recorrentes impugnam, no presente recurso, a decisão sobre matéria de facto proferida pelo tribunal recorrido, no segmento em que deveria ter dado como provados os factos constantes dos pontos 11º, 12º e 30º da base instrutória e não provados os factos 41º, 42º, 45º, 58º, 62º, 63º, 64º, 66º, 81º e 83º daquela mesma base.
Quid juris ?
O controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade.
Efectivamente, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova (consagrado no art. 655.º, nº 1, do CPC: “o juiz aprecia livremente as provas, decidindo segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”-actual 607.º nº 5) que está deferido ao tribunal da 1ª instância, sendo que, na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação vídeo ou áudio, pois que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação/transcrição.[1]
Ora, contrariamente ao que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.
“O que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela sobre o julgamento do facto como provado ou não provado”.[2]
De facto, a lei determina expressamente a exigência de objectivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (art. 653º, nº 2, do CPC-actual 607.º nº 4).
Nesta perspectiva, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
Daí que, conforme orientação jurisprudencial prevalecente o controle da Relação sobre a convicção alcançada pelo tribunal da 1ª instância deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão, sendo certo que a prova testemunhal é, notoriamente, mais falível do que qualquer outra, e na avaliação da respectiva credibilidade tem que reconhecer-se que o tribunal a quo, pelas razões já enunciadas, está em melhor posição.
Na verdade, só perante tal situação [de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão] é que haverá erro de julgamento; situação essa que não ocorre quando estamos na presença de elementos de prova contraditórios, pois nesse caso deve prevalecer a resposta dada pelo tribunal a quo, por estarmos então no domínio e âmbito da convicção e da liberdade de julgamento, que não compete a este tribunal [ad quem] sindicar (artº 655.º-1 do CPC), e pelas razões já supra expandidas.
Em conclusão: mais do que uma simples divergência em relação ao decidido, é necessário que se demonstre, através dos concretos meios de prova que foram produzidos, que existiu um erro na apreciação do seu valor probatório, conclusão difícil quando os meios de prova porventura não se revelem inequívocos no sentido pretendido pelo apelante ou quando também eles sejam contrariados por meios de prova de igual ou de superior valor ou credibilidade.
É que o tribunal de 2ª jurisdição não vai à procura de uma nova convicção (que lhe está de todo em todo vedada exactamente pela falta desses elementos intraduzíveis na gravação da prova), mas à procura de saber se a convicção expressa pelo Tribunal “a quo” tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova (com os demais elementos existentes nos autos) pode exibir perante si.
Sendo, portanto, um problema de aferição da razoabilidade da convicção probatória do julgador recorrido, aquele que essencialmente se coloca em sede de sindicabilidade ou fiscalização do julgamento fáctico operado pela 1ª instância, forçoso se torna concluir que, na reapreciação da matéria de facto, à Relação apenas cabe, pois, um papel residual, limitado ao controle e eventual censura dos casos mais flagrantes, como sejam aqueles em que o teor de algum ou alguns dos depoimentos prestados no tribunal a quo lhe foram indevidamente indiferentes, ou, de outro modo, eram de todo inidóneos ou ineficientes para suportar a decisão a que se chegou.[3]
Casos excepcionais de manifesto erro na apreciação da prova, de flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e a decisão do tribunal recorrido sobre matéria de facto serão, por exemplo, os de o depoimento de uma testemunha ter um sentido em absoluto dissonante ou inconciliável com o que lhe foi conferido no julgamento, de não terem sido consideradas- v.g. por distracção-determinadas declarações ou outros elementos de prova que, sendo relevantes, se apresentavam livres de qualquer inquinação, e pouco mais.
A admissibilidade da respectiva alteração por parte do Tribunal da Relação, mesmo quando exista prova gravada, funcionará assim, apenas, nos casos para os quais não exista qualquer sustentabilidade face à compatibilidade da resposta com a respectiva fundamentação.
Tendo presentes estes princípios orientadores, vejamos agora se assiste razão ao apelante, neste segmento recursório da impugnação da matéria de facto, nos termos por ele pretendidos.
*
Os pontos 11º e 12º da base instrutória
Estes pontos tinham, respectivamente, a seguinte redacção:
“Por ocasião do serviço de assessoria e procuradoria que então, em 2004, prestou à U…, a ré ficou a conhecer, em pormenor, o universo de trabalhadores da D…, assim como as respectivas remunerações, estrutura salarial, subsídios e complementos salariais, designadamente diuturnidades?”.
“Logo em 2004, por causa e em conexão com o serviço de assessoria e procuradoria que prestou à U…, a ré teve à sua disposição e consultou documentos que, expressa e discriminadamente, identificavam os trabalhadores que recebiam e os que não recebiam diuturnidades (que constituíam, estes últimos, a larga maioria)?”.
A estes quesitos o tribunal recorrido respondeu conjuntamente e da seguinte forma:
“Provado que os serviços de assessoria referidos na resposta ao art. 10 se traduziram, além do mais, na elaboração pela ré da auditoria jurídica à D… traduzida no relatório junto a fls. 1978 a 2141”, cujo teor se dá por reproduzido
Sobre tais pontos factuais o Sr. Juiz discorreu do seguinte modo:
“Na resposta aos artigos 10º a 12º e 49º, atendendo a que nada mais se apurou que o confessado pela ré no artigo 36 da contestação e o teor dos documentos juntos a fls. 2396 a 2425 comprovativos da factualidade vertida no art. 10º”.
Com vista a alterar a resposta dada pelo tribunal, a recorrente convoca o depoimento da testemunha H…, indicando duas passagens do seu depoimento.
Acontece que, essas passagens não podem, singelamente consideradas, servir para alterar a resposta aos mencionados quesitos e no sentido pretendido pela recorrente.
Com efeito, se assim fosse sempre que a testemunha respondesse afirmativamente a uma pergunta feita (por qualquer dos mandatários) o tribunal teria que dar, em função dela, assente determinada realidade factual, o que manifestamente não pode ocorrer.
Ora, foi precisamente o que, no caso concreto, aconteceu.
Como assim, não aludindo a recorrente a outras passagens do depoimento da testemunha que, de forma circunstanciada, delas se pudesse extrair algum arrimo para que se chegasse à conclusão de que a Ré tinha tido, em 2004, conhecimento do universo de trabalhadores da D… e ainda que nessa mesma ocasião consultou e teve à sua disposição toda a documentação desse universo de trabalhadores que já recebiam diuturnidades, a resposta dada aos quesitos em causa pelo tribunal recorrido terá de manter-se, já que, também os documentos constantes de fols. 1982/1983 e de fols. 2089 não podem sustentar essa alteração sobre a questão específica que os citados pontos factuais albergavam, isto é, o conjunto de trabalhadores que já recebiam diuturnidades.
*
O ponto 30º da base instrutória

Este ponto tinha a seguinte redacção:
“A declaração da A. que não se encontrava em situação de incumprimento de quaisquer obrigações legais ou contratuais, constante no documento referido em H) e I), teve por base a confiança na completude e correcção dos relatórios de auditoria que haviam sido elaborados, designadamente o que fora da autoria da ré, assim como na reputação e competência dos auditores?”.
A este ponto factual o tribunal respondeu “Não provado”.
Na parte final da fundamentação da decisão da matéria de facto exarou o seguinte:
“Quanto aos demais artigos da matéria de facto dados por não provados pelo Tribunal, foi considerado não ter sido feita pela parte a quem aproveitavam suficiente prova da factualidade neles vertida”.
Decorre deste excerto que, ao contrário do que refere a recorrente, o tribunal explicou as razões sobre a circunstância de não ter dado como provada alguns dos pontos da matéria factual constantes da base instrutória, entre os quais está, naturalmente, o ponto em causa.
Também para a alteração deste ponto factual a requerente convoca novamente o depoimento da testemunha H….
Cremos, tal como já se referiu a propósito dos pontos factuais 11º e 12º, que deste depoimento nada se retira para que se possa alterar a resposta dada pelo tribunal recorrido sobre este concreto ponto factual.
Na verdade, dos excertos do depoimento transcritos o que deles resulta é que a testemunha em causa de uma forma seca, utilizando expressões tais como “exacto”, “foi” “não, não”, respondeu às questões que o mandatário lhe colocou.
Ora, com o conteúdo deste depoimento como pode este tribunal alterar a resposta a este ponto factual no sentido querido pela recorrente?
Ainda em relação a este ponto factual a recorrente invoca o princípio da indivisibilidade da confissão relativamente ao depoimento de parte do seu legal representante V….
Diga-se, desde logo, que o princípio da unidade ou indivisibilidade da confissão não tem aplicação em sede valoração dos meios de prova.
De facto, a regra estatuída no artigo 360.º do C.Civil, a propósito da indivisibilidade da declaração confessória, limita-se a sujeitar a parte que dela pretenda aproveitar-se enquanto meio de prova plena, aceitando-a, a igualmente se sujeitar ao mais que dela conste e que eventualmente seja favorável ao autor da confissão.
Todavia, isso nada tem a ver com a valoração que o tribunal possa fazer, em sede de apreciação das provas, das diversas declarações prestadas pelos representantes legais de uma das partes em sede de depoimento de parte, sendo, aliás, por isso que a parte confessória de um depoimento de parte é reduzida a escrito, sem que por isso deixe de ficar registada a totalidade do depoimento pessoal.
E tanto assim é que o artigo 361.º do mesmo diploma legal consigna que o reconhecimento de factos desfavoráveis que não possa valer como confissão, vale como elemento probatório que o tribunal apreciará livremente.
Aliás, foi com base nesta livre apreciação que o tribunal recorrido verteu o seguinte em sede de fundamentação da decisão da matéria de facto:
“O facto de V… saber que a menção à falta de pagamento de diuturnidades não constava do relatório em causa elaborado pela ré, resulta desde logo do por este declarado no sentido de que tal relatório lhe foi enviado quer na sua forma preliminar-documento junto a fls. 738 a 746-quer na sua versão definitiva, tendo, todavia, alegado que apesar de o ter recebido o não leu. Tal afirmação afigura-se-nos perfeitamente descabida, desde logo, de senso comum, sendo caso para perguntar se, constituindo o relatório em causa uma auditoria à situação da D… a ser entregue aos compradores interessados na compra do capital social desta, a B…, na pessoa do seu único accionista, como um dos principais vendedores, nem sequer se “daria ao trabalho” de ler tal relatório?!. Por outro lado é o próprio teor da resposta ao relatório preliminar acima referido, assim como as referidas declarações da testemunha L…, que desmentem tal versão dos factos, porquanto que o legal representante da autora pronunciou-se sobre o relatório preliminar relativamente a determinados pontos que entendeu interessar-lhe serem acrescentados ao relatório, conforme supra se referiu”.
Destarte, terá, pois, de manter-se a resposta de “não provado”, dada a este ponto factual, pelo tribunal recorrido.
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Pontos 41º e 42º da base instrutória

Estes pontos factuais tinham, respectivamente, a seguinte redacção:
“O referido accionista único e presidente do Conselho de Administração da D… e da Autora, após análise daquele relatório preliminar, não concordou com algumas contingências identificadas pela ré na área laboral da D… e pediu às suas referidas assessoras que sobre elas se pronunciassem por escrito?”.
“As mesmas [o] fizeram, na pessoa da Dra. L…?”.
O tribunal recorrido, respondendo global e restritivamente a ambas as questões, deu como provado que:
“V…, após análise daquele relatório preliminar, pediu a L…, então assessora jurídica da D…, que sobre ele se pronunciasse por escrito, o que esta fez nos termos constantes do documento de fls. 748 cujo teor se dá por reproduzido e do qual deu conhecimento a V…, e ainda que: -a Dra. L…, a mando de V…, remeteu à ré o referido documento de fls 748 acompanhado pela carta junta a fls 747.”
Na fundamentação desta resposta o tribunal recorrido exarou o seguinte:
“Na resposta aos artigos 39º a 43º: foi considerado: - o teor do documento junto a fls. 738 a 746, que constitui uma versão preliminar do relatório de due diligence em causa, que a ré remeteu a V…, então único accionista da B… e presidente do conselho de administração da D…, S.A., em 18.11.2005, ou seja antes de ser posto à disposição da E…, acompanhado da carta que constitui o documento junto a fls. 738 a 740; as declarações da testemunha L…, então assessora jurídica da D…, que confirmou ter remetido à ré o documento junto a fls. 748 acompanhado pela carta junta a fls. 747, a mando de V…, que referiu ser a pessoa de quem recebia ordens e quem estava dentro do assunto em causa, pronunciando-se assim sobre o conteúdo do relatório preliminar e fornecendo outras informações e esclarecimentos que a ré fez constar no relatório final junto a fls. 336 e ss, nomadamente a fls. 453”.
Entende a apelante que o máximo que poderia dar-se como provado, em função da prova disponível, seria o facto da existência dos documentos de fls. 747 e 748 e o facto de o segundo deles ter sido feito por incumbência de V…–e nada mais além disso.
Também aqui, pensamos que o tribunal respondeu de forma acertada.
Com efeito, ouvido o depoimento da testemunha L…, a resposta dada pelo tribunal recorrido entronca, efectivamente, nesse depoimento conjugado com o que consta dos documentos de fls. 747 e 748.
Para além disso, importa salientar que a resposta dada pelo tribunal recorrido na parte em que não é objectivável (quanto a esta a recorrente com ela concorda) decorre da fundamentação atrás transcrita a propósito da resposta dada ao ponto factual 30º e que aqui se sufraga.
Portanto, também a resposta a este quesito terá de manter-se por se conformar com a prova produzida e outra a recorrente não indicou que pudesse fundamentar a sua alteração.
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Ponto 45º da base instrutória

Este ponto factual tinha a seguinte redacção:
“Foi apenas em 28 de Novembro de 2005, perante a não dedução de quaisquer comentários ou objecções quanto ao seu teor e conteúdo por parte do referido accionista único e presidente do Conselho de Administração da D… e da Autora, assim como dos seus assessores, jurídicos e não, que foi posta à disposição dos potenciais interessados na aquisição do capital da D…, designadamente daquele que viria a ser o comprador mencionado em 3.º a versão final do relatório aí referido?”
A este ponto factual o tribunal recorrido respondeu de forma restritivamente nos seguintes termos:
A versão final do dito relatório foi posta à disposição dos potenciais interessados na aquisição do capital da D…, designadamente daquele que viria a ser o comprador mencionado em 3.º, porquanto não foram colocadas objecções quanto ao seu teor e conteúdo, nomeadamente, por parte de V…, accionista e presidente do Conselho de Administração da D… e da Autora”.
Na fundamentação a este ponto factual o tribunal recorrido fez apelo ao confessado pelo representante legal da Autora.
Dúvidas não existem de que, efectivamente, da assentada daquele depoimento não consta a referência ao ponto factual em questão.
Cremos, porém, que quando o tribunal se refere ao confessado pelo legal representante Autora não tem o sentido de confissão para efeitos de constar da respectiva assentada nos termos estatuído pela lei substantiva e processual, mas apenas no sentido de, nas suas declarações, aquele ter referido expressamente que não havia colocado objecções ao conteúdo do relatório final.
É preciso não esquecer que mesmo não sendo o depoimento de parte confessório, por não se reportar a factos favoráveis à parte contrária ou por a factualidade alegada não ser desfavorável ao depoente, o tribunal não fica impedido de livremente valorar esse depoimento de parte não confessório.
Ora, não tendo sido levantadas objecções ao conteúdo do relatório em questão, permitido estava ao tribunal tirar a ilação que ele poderia ser posto a disposição dos potenciais interessados na aquisição do capital da D…, como terá sido em 31 de Novembro de 2005 à E… (resposta ao ponto 24º da base instrutória).
Efectivamente, a resposta já seria diferente se o tribunal tivesse tido prova concludente que ao relatório haviam sido colocadas objecções, pois que, então, já essa ilação esbarrava nessa demonstração factual, não sendo legitimo inferir-se que diante de objecções que fossem colocadas ele pudesse ficar à disposição dos potenciais compradores dois dias a seguir à sua entrega (o relatório foi entregue em 28/11/2005-resposta ao ponto factual nº 22 da base instrutória).
Como assim, a resposta ao citado quesito deverá manter-se, tanto mais que a recorrente, para além da sua discordância quanto à resposta dada pelo tribunal recorrido, outros elementos probatórios não indicou que pudessem levar à alteração no sentido por ela pretendido.
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Ponto factual 58º da base instrutória

Esse ponto factual tinha a seguinte redacção:
“A D…–através do seu accionista único e presidente do Conselho de Administração da autora e da D…–não forneceu à ré informação que não só possuía, como até sabia ser de extrema relevância no que respeitasse à formulação, por ela, de contingências a propósito de diuturnidades?”
A esse ponto factual o tribunal respondeu restritivamente da seguinte forma:
A D…–através do accionista V…, então Presidente do Conselho de Administração–não forneceu à ré informação que possuía a respeito de contingências relativas ao não pagamento de diuturnidades”.
Também aqui falece razão à recorrente.
O facto de o tribunal dar como provados determinados factos daí não se segue que, com base neles se tenha que dar como não demonstrada outra realidade ainda que com eles conexa.
Repare-se que a resposta dada pelo tribunal ao ponto factual em questão não está em contradição com os factos vertidos nos pontos 20º e 21º e que o tribunal deu como provados.
Na realidade, o facto de existir uma lista de trabalhadores fornecida pela D… à Ré, onde estavam discriminadamente identificados os trabalhadores que recebiam e os que não recebiam diuturnidades, quantificando-se, quanto aos primeiros, o valor correspondente a cada um (ponto factual 21º), isso não infirma que à Ré tivesse sido fornecido toda a informação de contingências relativas ao não pagamento de diuturnidades.
Por outro lado, o depoimento das testemunhas indicadas pela recorrente, a respeito deste ponto factual, também não infirmam a asserção factual constante da resposta dada pelo tribunal recorrido, pois que, também elas se limitaram a dizer que havia uma lista onde constavam os trabalhadores que recebiam diuturnidades e os que não as recebiam.
Deverá, assim manter-se, a resposta dada pelo tribunal recorrido ao ponto factual em questão.
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Pontos 62º a 64º da base instrutória

Estes pontos tinham, respectivamente, a seguinte redacção:
“A D…–através do accionista único e presidente do conselho de administração da autora e da D…–não revelou à ré que em 22 de Julho de 2002 AE…, intentou contra ela, D…, no Tribunal do Trabalho de Barcelos, uma acção–a que foi atribuído o nº 584/2002–na qual alegou serem-lhe devidas as diuturnidades desde Fevereiro de 1992 até Dezembro de 2001, concluindo e pedindo a sua condenação em tal pagamento?”
“A D…–através do accionista único e presidente do conselho de administração da autora e da D…–não revelou à ré que em 5 de Dezembro de 2002, nessa acção judicial, a D…, representada por ilustre Advogada da sua escolha, reconheceu que as diuturnidades pedidas eram devidas ao autor, e que apenas estariam mal calculadas na petição inicial?”
“A D…–através do accionista único e presidente do conselho de administração da autora e da D…–não revelou à ré que em 17 de Dezembro de 2002, na referida acção judicial, ela reiterou, no art. 41 da contestação que aí deduziu, que o autor tinha direito às diuturnidades?”
A estes pontos factuais o tribunal respondeu “provado”.
Insurge-se a recorrente em relação às estas respostas por o documento de fls. 2147 corresponder à lista de processos judiciais pendentes que foi fornecida à ré logo em 2003, no âmbito da (primeira) due diligence a que submeteu a D…, então por incumbência do comprador das acções da D…, a U… e da qual constava, precisamente, o processo instaurado contra a D… por AE…–aquele processo a que se referem, precisamente, os pontos 62.º a 64.º da base instrutória.
Importa, desde, logo dizer que os pontos factuais em apreço não tinham por objecto saber se a Autora deu ou não conhecimento à Ré da acção pendente contra AE…, mas sim das questões que nela se discutiam.
Acontece que, o assunto central que aí estava em discussão dizia respeito ao não pagamento das diuturnidades, razão pela qual o tribunal recorrido na sua motivação de resposta aos citados pontos factuais volta a fazer apelo às declarações do representante legal da recorrente, sendo irrelevante, sob este aspecto, a questão da indivisibilidade da confissão que a recorrente volta de novo a trazer à liça.
Acresce que, a listagem fornecida à Ré constante de fols. 2147 a que a recorrente se refere, não contém a descrição sumária do conflito que deu origem ao processo de AE…, já que nela não se refere a posição assumida pela D… em tal processo, nem a enunciação dos riscos em causa ou do resultado esperado, elementos que se revelavam importantes para efeitos de realização de due diligence.
Como refere a testemunha I… o que foi fornecido na sequência do solicitado pela Ré foi uma lista muito simples em que, praticamente, é referido o número do processo, o Tribunal e o nome das partes e pouco mais, sendo que, o que era necessário, refere, era uma identificação dos processos suficientemente clara para que nós pudéssemos de lá tirar as contingências.
No que se refere ao depoimento da testemunha K… evidentemente que, abrangendo a motivação do tribunal recorrido os pontos 59º a 65º e 72º, ele não foi valorado para as respostas aos pontos 62º a 64º mas apenas quantos os pontos 59º a 61º, como resulta, com evidência, do respectivo depoimento.
Decorre, assim, do exposto que também as respostas a estes pontos factuais devem permanecer inalteradas.
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Ponto 66º da base instrutória

Este ponto tinha a seguinte redacção:
“E de se poderem haver ou não por incluídas na e consumidas pela retribuição mensal, desde que esta excedesse o salário mínimo devido a cada trabalhador, eram frequentemente abordados pelos seus quadros superiores e que todos eles sabiam da posição e decisão assumida pelo accionista único e presidente do conselho de administração da autora e da D…, V…, de não as pagar a menos que na sequência de processos judiciais?”
A este quesito o tribunal respondeu:
“Provado apenas que a decisão de não pagamento, a não ser por ordem judicial, de diuturnidades a trabalhadores da D…, foi tomada pelo Sr. V…, que sabia que a elas tinham direito, durante o período de tempo, até Dezembro de 2005, em que foi presidente do conselho de administração da D…, facto que era do conhecimento dos quadros superiores da empresa”.
Tem razão a recorrente no que tange à questão de tal ponto factual não abranger a expressão “que sabia que a elas tinham direito”.
De facto, o ponto em causa não abarcava tal matéria nem o tribunal lhe assinalou que poderia ter natureza explicativa, por essa razão impõe-se o seu expurgo.
Quanto ao mais, cremos que o tribunal respondeu de acordo com a prova produzida a tal quesito.
Efectivamente, não só Sr. V… confessou, na assentada do seu depoimento, que era ele quem decidia, enquanto presidente do conselho de administração da D…, a quais trabalhadores pagava e a quais não pagava diuturnidades, independentemente do facto de terem, ou não, em face do instrumento de regulamentação colectiva de trabalho que sabia ser-lhes aplicável, direito a tais diuturnidades, como também a testemunha L… o afirmou de forma explicita no seu depoimento, não se percebendo, assim, como é que a recorrente afirma que tal depoimento contraria frontalmente o decidido pelo tribunal recorrido.
Para além disso, a testemunha AF…, no seu depoimento também confirma que, efectivamente, “As diuturnidades não eram pagas aos funcionários, tirando lá um conjunto de pessoas diminuído, salvo erro, na área da lavandaria e do refeitório”, que “não eram pagas porque a administração entendia que não devia pagar”, tendo depois referido que o Sr. V… estava presente em todas as reuniões da empresa e também naquela em que se decidiu não pagar as diuturnidades.
Realidade que foi também confirmada pela testemunha K… quando referiu que falou pessoalmente com o Sr. V… a respeito das diuturnidades, conforme se pode ouvir no seu depoimento, sendo irrelevante, para a resposta dada pelo tribunal recorrido, o facto de a Inspecção do Trabalho não ter dado acolhimento às reclamações do Sindicato que exigia o pagamento das diuturnidades.
Como assim, também a resposta a dada pelo tribunal recorrido a este ponto factual deverá manter-se dela sendo retirada apenas a expressão atrás referida.
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Ponto 81º da base instrutória

Este ponto tinha a seguinte redacção:
“A autora, na pessoa do seu único accionista e presidente do seu conselho de administração, Sr. V…, tinha total conhecimento e consciência de que o relatório de due diligence elaborado pela ré, ao não mencionar nenhuma contingência relativa a diuturnidades, não estava completo?
A este quesito o tribunal respondeu:
“Provado apenas que a autora, na pessoa do seu único accionista e presidente do seu conselho de administração, Sr. V…, tinha conhecimento que o não pagamento de diuturnidades que sabia serem devidas a trabalhadores da empresa, não se encontrava mencionado no relatório de due diligence elaborado pela ré”.
Tem também aqui razão a recorrente quanto refere que expressão “que sabiam serem devidas a trabalhadores da empresa”, não se encontrar abrangida na matéria que esse ponto albergava.
Com efeito, nesse ponto factual nada se perguntava sobre tal questão sendo, antes, a pergunta que nele se formulava direccionada para o facto de a Autora ter ou não consciência de que o relatório de due diligence elaborado pela Ré, ao não mencionar nenhuma contingência relativa a diuturnidades, não estava completo.
Portanto, também esse ponto factual tem de ser expurgado de tal expressão.
Quanto a restante matéria factual constante desse ponto, cremos que falece razão à recorrente no sentido de que ela não deveria ter sido dada como não provada.
A questão é que, é de todo inverosímil, tal como se infere da fundamentação da decisão da matéria de facto, enquanto dono e presidente do conselho de administração da Autora o Sr. V… não tivesse lido o relatório final de due diligence elaborado pela Ré sendo, portanto, perfeitamente inócuo que ele tenha dito no seu depoimento que havia confiado que essa informação relativa às diuturnidades já constava daqueles relatórios (preliminar e final), da mesma forma que é igualmente irrelevante, como noutro passo já se referiu, a questão da indivisibilidade da confissão.
Por outro lado não vemos como as passagens transcritas pela recorrente, do depoimento da testemunha H…, possam implicar uma decisão diferente quanto a esse ponto factual, quando de relevante apenas refere que o Sr. V… confiava plenamente no trabalho que foi feito pela Ré e que o Sr. V… não é pessoa de esconder seja o que for.
Para além disso, sobre este aspecto (de o representante legal da recorrente ter dado ou não conhecimento dos relatórios elaborados pela Ré) importa ainda reter o depoimento da testemunha I…, quando faz referência a uma conferência telefónica com o Sr. V…, na sua presença, e da sua indignação de no relatório preliminar enviado se fazerem referências a contingências na área laboral.
Concatenando este depoimento com Drª L…, apreciado este também no seu conjunto, e ainda ambos conjugados com os documentos de fls. 747 a 758, o que deles ressalta é que não pode deixar de se considerar que o representante legal da recorrente não podia deixar de ter conhecimento dos relatórios elaborados pela Ré e de que, portanto, deles não constava qualquer contingência sobre a questão do pagamento das diuturnidades.
Significa, assim, que a resposta, com o expurgo supra referido, dada pelo tribunal recorrido a este ponto factual deve também manter-se.
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Ponto 83 da base instrutória

Este ponto tinha a seguinte redacção:
“A autora–na pessoa do seu único accionista e presidente do seu conselho de administração e da D…–sabia que esta não pagava as diuturnidades desde 1992 a 2005 e não o revelou nem à ré–a quem a D… havia contratado para inventariar contingências–nem à compradora?”
A este ponto o tribunal recorrido respondeu “provado”.
Como noutro passo já se referiu, não estava em causa apurar se a Ré tinha ou não condições para, em face da análise da folha de vencimentos, concluir que a D… não pagava diuturnidades à generalidade dos seus trabalhadores.
O que se perguntava era se o Sr. V…, como presidente do conselho de administração da Autora, assim como do da D… e, além disso, autor da declaração contratual que serviu de base à sua condenação na instância arbitral, sabia que as diuturnidades não eram pagas e não o revelou nem à Ré, nem à compradora.
E sob este aspecto valem aqui, mutatis muntandis, as considerações feitas a propósito do ponto factual 58º sendo irrelevante o referido pela testemunha/administradora H… quando afirma que “a Ré se não viu mais foi porque não quis”.
Efectivamente, não se compreende que uma empresa peça uma due diligence a si própria e não comunique com vista a uma boa realização desse trabalho, todas as situações de incumprimento de obrigações em que deliberada e conscientemente se encontra, mesmo que a empresa encarregue do respectivo estudo as não encontre imediatamente, independentemente de qualquer juízo sobre se ela teria ou não possibilidade de as detectar.
Concorda-se, assim, com a fundamentação vertida pelo tribunal recorrido na sua decisão da matéria de facto no que tange a este ponto factual e que, a propósito do ponto 30º, já atrás se reproduziu em parte.
Decorre, assim do exposto que também esta resposta dada pelo tribunal recorrido se deve manter.
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Importa por último sublinhar que não basta, por vezes, indicar os depoimentos das testemunhas que depuseram sobre determinada matéria factual, é preciso que também, a esse propósito, faça o recorrente a sua análise crítica da prova no sentido de perceber em que termos pode sustentar a resposta que propugna para a matéria factual em questão o que, no caso concreto, raramente isso aconteceu.
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Decorre, assim do exposto que a apreciação do Mm.º Juiz a quo-efectivada no insubstituível contexto da imediação da prova-, surge-nos assim como claramente sufragável, com iniludível assento na prova produzida e em que declaradamente se alicerçou, nada justificando por isso a respectiva alteração.
O presente caso, manifestamente, não se reconduz, pois, a um daqueles casos flagrantes e excepcionais em que-como vimos-essa alteração é de ocorrência forçosa, por ter havido, na primeira instância, um manifesto erro na apreciação da prova, uma flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e a decisão do tribunal recorrido sobre matéria de facto.
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Como assim, temos de convir que, concatenada toda a prova e, particularmente, ouvidos os depoimentos indicados pela recorrente, não é ela de molde a sustentar a tese que por ela vem expendida, pese embora se respeite a opinião em contrário veiculada nesta sede de recurso, havendo que afirmar ter o Mmº juiz captado bem a verdade que lhe foi trazida ao processo, com as dificuldades que isso normalmente tem, não existindo, portanto, fundamentos probatórios convocados pela recorrente para que este tribunal altere a decisão da matéria factual dada como assente pelo tribunal recorrido, excepto no que tange ao expurgo das expressões atrás assinaladas quanto aos pontos factuais 66º e 81º da base instrutória.
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b)- decidir de direito conforme a alteração ou não do quadro factual que o tribunal recorrido fixou.
Não sofrendo, no essencial, alteração a matéria factual fixada pelo tribunal recorrido, vejamos, então, se a sua subsunção jurídica, feita pelo tribunal recorrido, se mostra incorrecta como defende a apelante, dela, pois, dissentindo.
Ora, o primeiro ponto de discordância que a recorrente põe em evidência nas suas alegações recursivas em contraponto com a decisão recorrida, prende-se com o facto de, em seu entender, se dever ter como verificado o nexo causal entre o incumprimento contratual por parte da Ré recorrida, e que o tribunal a quo sancionou, e os danos que ela reclama.
Não vem questionado que entre a apelante e apelada se celebrou um contrato de prestação de serviços que consistia na realização de uma auditoria à empresa D…, SA, cujas participações sociais a apelante pretendia alienar.
Da mesma forma que também não vem posto em causa[4] que a Ré terá cumprido defeituosamente tal contrato, porquanto não identificou nem evidenciou no respectivo relatório qualquer contingência relativa ao facto de grande parte dos trabalhadores da D… nunca terem recebido diuturnidades.
Portanto, o pomo da discórdia situa-se na existência, ou não, do nexo causal entre aquele incumprimento e os danos que a apelante alega ter sofrido.[5]
Debruçando-se sobre esta temática, Pessoa Jorge começa por aludir à “teoria da equivalência das condições”, para a qual “(...) cada condição sine qua non seria causa de todo o efeito, porque, sem ela, as outras condições não teriam actuado”.[6]
Sendo notório, porém, que uma tal teoria jamais poderia ser transposta, na sua genuidade, para o domínio da responsabilidade civil–por ser patentemente injusto responsabilizar alguém por prejuízos que nada tiveram a ver, em concreto, com a sua conduta–haverá que eleger então, de entre as várias condições do dano, aquelas que legitimam a imposição, ao respectivo agente, da obrigação de indemnizar.
Ora, a nossa lei civil exige que a par do facto e do dano exista, entre estes dois elementos, uma ligação, isto é, no que à economia dos autos assiste, que o incumprimento contratual por parte da Ré recorrida tenha sido causa dos danos sofridos pela recorrente.
Portanto, o nosso ordenamento jurídico consagra a doutrina da causalidade adequada, na sua formulação negativa: “o facto só deixará de ser causa adequada do dano, desde que se mostre, por sua natureza, de todo inadequado e o haja produzido apenas em consequência de circunstâncias anómalas ou excepcionais”.[7]
Como a transcrita previsão legal logo sugere, a adequação relevante não é aquela que se basta com o simples confronto entre o facto e o dano isoladamente considerados mas, pelo contrário, aquela que atende a todo o processo causal que, na prática, conduziu efectivamente ao dano.
E, nessa medida, exige-se “(...) que o efeito tenha resultado do facto, considerado causa dele, pelo processo por que este é abstractamente adequado a produzi-lo”, como salienta Pessoa Jorge, que, logo após, explicita:
“Pode, na verdade, suceder que o comportamento do agente seja adequado (por si e em abstracto) a provocar o dano, mas este se produza segundo um processo diferente daquele que leva a considerar tal comportamento como causa adequada desse dano”, o que leva a excluir da responsabilidade “(...) não só os prejuízos, que este normalmente não produziria, como também aqueles que normalmente produziria, mas por processo diferente do que realmente se deu”.[8]
Conforme se vê, a lei exige, para fundamentar a reparação, que o comportamento do agente seja abstracta e concretamente adequado a produzir o efeito lesivo.[9]
Portanto, o facto que actuou como condição do dano só deixará de ser considerado como causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo indiferente (gleichgultig) para a verificação do dano, tendo-o provocado só por virtude das circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que intercedam no caso concreto.
Como refere Antunes Varela[10] “(…) do conceito de causalidade adequada pode extrair-se, desde logo, como corolário, que para que haja causa adequada, não é de modo nenhum necessário que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano. Essencial é que o facto seja condição do dano, mas nada obsta a que, como frequentemente sucede, ele seja apenas uma das condições desse dano.”
É, no fundo, a consagração do ensinado por Enneccerus-Lehman, que para o Dr. Ribeiro de Faria, conduz a que “a inadequação de uma dada causa para um resultado deriva da sua total indiferença para a produção dele, que, por isso mesmo, só ocorreu por circunstâncias excepcionais ou extraordinárias”.[11]
Resulta, pois, do exposto que não é qualquer relação fenomenológica ou, se preferirmos, ôntico-naturalística que, embora seja condição próxima de produção de um resultado danoso (causal) entre dois fenómenos, releva para efeitos da teoria da causalidade adequada, mas aquele que for determinante no plano jurídico, isto é, entre um comportamento juridicamente censurável e o resultado danoso.
Por isso, com inteira razão, a dogmática moderna tende a substituir a designação imprópria de teoria de causalidade adequada, que a praxis tradicional consagrou, pela da teoria ou doutrina da adequação, ou seja pela imputação normativa de um resultado danoso à conduta reprovável do agente, nos casos em que pela via da prognose póstuma se possa concluir que tal resultado, segundo a experiência comum, possa ser atribuída ao agente como coisa sua (produzida por ele).
O processo de determinação do nexo de ligação do facto ao dano comporta duas fases: numa, a inicial, averigua-se no plano naturalístico se certo facto concreto é ou não efectivamente condicionante de um dano; noutra, posterior, determina-se se esse facto, considerado em abstracto e geral, é ou não apropriado a provocar tal dano.
A primeira etapa, de apuramento da sequência naturalística dos factos em ordem a apurar se um causou outro e/ou qual foi a ordem cronológica causal dos factos e seus efeitos, constitui pura matéria de facto, pois subjaz-lhe uma operação de avaliação da prova que incide sobre a referida sucessão de factos e efeitos.
A segunda fase implica o confronto daquela sequência cronológica com as regras jurídicas que delimitam o conceito de causalidade adequada e, desse modo, radica numa operação de subsunção jurídica.
Feitos estes breves considerandos, pensamos, salvo outro e melhor entendimento que, no caso concreto, se não mostra provado o apontado nexo de causalidade.
Analisando.
É incontroverso que os danos, cujo ressarcimento a apelante pretende da Ré apelada, são os decorrentes da condenação de que aquela foi alvo no âmbito do processo arbitral, tendo em conta a desistência do pedido em relação aos danos de origem não patrimonial.
Ora, tal condenação assentou no facto de apelante/vendedora ter, por intermédio do seu Administrador, subscrito a cláusula 6.2 do contrato de compra e venda, conforme lhe foi então exigido pela compradora que se não bastou com os relatórios de due diligence que lhe foram disponibilizados (facto descrito em PPP) e de as declarações aí contidas não corresponderem à realidade, já que, em momento posterior à outorga do contrato, a E…. (compradora) veio a constatar a existência de diuturnidades em dívida a muitos dos trabalhadores da D…, SA.
Refere, porém, a recorrente que se o tribunal recorrido tivesse feito o “teste da causalidade”, que omitiu, chegar-se-ia à conclusão que os danos por ela sofridos foram, efectivamente, causados pelo facto ilícito praticado pela Ré, isto é, se a Ré tivesse incluído no relatório de due diligence que entregou à compradora das acções, a contingência relativa ao não pagamento das diuturnidades aos trabalhadores da D…, os danos não se teriam verificado.
Certo é que, tratando-se de responsabilidade contratual como in casu se trata, há presunção legal de culpa do contraente faltoso, nos termos do n.º 1 do artigo 799.º do Código Civil.
Daí que o demandante, ao beneficiar dessa presunção ”juris tantum” não tenha que provar os factos conducentes à demonstração daquele nexo de imputação subjectiva, “ex vi” do n.º 1 do artigo 350.º do mesmo diploma, invertendo-se outrossim, o “ónus probandi”- n.º 1, 1.ª parte, do artigo 344.º .[12]
Porém, tal não basta para concluir pela responsabilidade da apelada.
É que, o demandante terá sempre de demonstrar os outros pressupostos daquele tipo de responsabilidade: violação contratual, dano (ou prejuízo) e nexo causal, assim e nos termos do n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil.[13]
Trata-se da aplicação do princípio “actor incumbit probatio; reus in exipiendo fit actor”.
O ónus da prova recai, assim, sobre ambos os litigantes, devendo o autor provar os factos constitutivos do direito que alega ter, sendo que o réu terá de provar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito que aquele invoca.
Não se trata de repartir o encargo da prova em atenção à qualidade do facto probando mas à posição na lide daquele que o invoca.
Fora de dúvida que a recorrente fez prova do dano, e da violação contratual. Restaria, para completar o elenco dos pressupostos da responsabilidade contratual, a demonstração do nexo causal entre a culpa (como nexo de imputação subjectiva) e o dano obrigacional (contratual ou negocial), isto é, que o incumprimento do contratado constituiu causa do dano, o qual terá de se apresentar como resultado directo e actual daquele.
Coisa que, salvo outro e melhor entendimento, a recorrente não fez.
Dir-se-á, mas a subscrição daquela cláusula contratual, foi feita porque no relatório de due diligence nenhuma contingência se assinalou quanto à questão do não pagamento, a muitos trabalhadores, das respectivas diuturnidades.
É certo que, nesse relatório, nada se assinalou quanto à referida contingência.
Mas foi por via dessa omissão e confiando na completude do relatório elaborado pela Ré apelada que a apelante subscreveu essa cláusula contratual?
Dos autos essa factualidade não resultou demonstrada face à resposta negativa dada ao ponto factual sob o número 30º constante da base instrutória que continha tal asserção.
E, não estando provado que foi em função de no relatório de due diligence, elaborado pela apelada, nada se ter mencionado quanto à referida contingência que a Autora subscreveu aquela cláusula, jamais se pode dar como demonstrado o nexo causal entre essa omissão, a traduzir incumprimento contratual, e os danos causados à Autora recorrente.
É preciso não esquecer que, num primeiro momento, a condenação da recorrente no âmbito do processo arbitral, não advém da omissão de, no relatório de due diligence, se não fazer menção à contingência das diuturnidades, ela resulta do facto de, posteriormente à subscrição da citada cláusula se ter vindo a constatar a existência de diuturnidades em dívida a muitos dos trabalhadores e de, portanto, a compradora das acções da D…, SA, ter sido compelida a efectuar o seu pagamento, ou seja, veio a verificar-se, ao contrário do que a Autora recorrente havia afirmado ao subscrever aquela cláusula (que D…, SA não se encontrava em situação de incumprimento quanto a quaisquer obrigações legais ou contratuais), a existência de uma situação de incumprimento de uma obrigação contratual traduzida no não pagamento das referidas diuturnidades.
E, foi essa falta de correspondência, entre aquela declaração constante do contrato de compra e venda das acções da D…, SA e a realidade que se veio a verificar, que presidiu à condenação da Autora recorrente no processo arbitral.
Como assim, para, num segundo momento, se fazer repercutir sobre a Ré recorrida, no âmbito da sua responsabilidade contratual perante a Autora recorrente, a sua condenação pelo pagamentos dos danos em que esta foi sentenciada naquele processo arbitral, era necessário que se demonstrasse que a recorrente só subscreveu aquela cláusula porque o relatório due diligence era omisso sobre a contingência das diuturnidades e que, portanto, confiou em que nenhuma responsabilidade lhe adviria a esse nível, em momento posterior à venda das acções da empresa D…, SA, isto é, que essa omissão correspondia à realidade, ou seja, de que não existia qualquer contingência nesse âmbito.
Refere, porém, a Autora recorrente que se a Ré recorrida tivesse incluído, como devia, no relatório de due diligence a contigência relativa às diuturnidades, jamais a compradora seria enganada, e jamais, portanto, haveria qualquer processo arbitral.
Mas será que isso é assim tão linear?
Está porventura demonstrado nos autos que, se o relatório de due diligence tivesse aquela menção, a compradora das acções (a sociedade E…) não exigiria que ficasse a constar a cláusula 6.2 do contrato de compra e venda?
É que o fundamento da sua condenação no âmbito do processo arbitral assentou, como já atrás se assinalou, na falta de conformidade entre o declarado na mencionada cláusula e a realidade que se veio a verificar quanto ao não pagamento das diuturnidades a muitos dos trabalhadores.
Portanto, mesmo que o relatório tivesse feito referência à mencionada contingência das diuturnidades, não está demonstrado que a compradora das acções não exigiria a subscrição da citada cláusula 6.2, e que, portanto, a Autora recorrente não viesse a ser responsabilizada da mesma forma, pois que, sempre o não pagamento das diuturnidades aos trabalhadores da D…, SA era um facto certo e incontornável.
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Mas ainda que assim não se entenda e, portanto, se conclua pela verificação do nexo de causalidade, sempre há, então, que fazer apelo ao estatuído no artigo 570.º, nº 1 do C.Civil, segundo o qual quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida ou mesmo excluída.[14]
Ora, neste conspecto, os autos evidenciam a seguinte matéria factual:
- a Ré remeteu à Autora uma versão preliminar do relatório de auditoria antes de o mesmo ser posto à disposição do referido comprador, no qual informava, além do mais, que poderiam existir e resultar contingências que resultem de informações e/ou documentação incorrecta ou omissa e que, por esse motivo, não tenham sido detectadas;
- a Autora, na pessoa do seu único accionista e presidente do seu conselho de administração, Sr. V…, tinha conhecimento que o não pagamento de diuturnidades, não se encontrava mencionado no relatório de due diligence elaborado pela Ré, e ainda assim não colocou objecções quanto ao seu teor e conteúdo;
- a versão final do relatório foi posta à disposição dos potenciais interessados na aquisição do capital da D…, designadamente daquele que viria ser o comprador, porquanto que não foram colocadas objecções quanto ao seu teor e conteúdo por parte da Autora;
- a D…–através do accionista V…, então Presidente do Conselho de Administração–não forneceu à Ré informação que possuía a respeito de contingências relativas ao não pagamento de diuturnidades;
- a D… não revelou à Ré que, pelo menos entre os anos de 2002 e 2005, a questão e o assunto das diuturnidades, designadamente de elas serem ou não obrigatórias por força dos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho aplicáveis à generalidade dos seus trabalhadores;
- a decisão de não pagamento, a não ser por ordem judicial, de diuturnidades a trabalhadores da D…, foi tomada pelo Sr. V…, durante o período de tempo, até Dezembro de 2005, em que foi presidente do conselho de administração da D…, facto que era do conhecimento dos quadros superiores da empresa;
- a Autora–na pessoa do seu único accionista e presidente do seu conselho de administração e da D…–sabia que esta não pagava as diuturnidades desde 1992 a 2005 e não o revelou nem à Ré–a quem a D… havia contratado para inventariar contingências–nem à compradora.
- a D…-através do accionista único e presidente do conselho de administração da autora e da D…-não revelou à Ré que em 23 de Fevereiro de 1996, o AC… escreveu ao seu Conselho de Administração uma carta em que reclamava contra a não descriminação das diuturnidades nos recibos dos trabalhadores;
- a D…-através do accionista único e presidente do conselho de administração da autora e da D…-não revelou à Ré que em 12 de Março de 1996 esse AC… participou à Inspecção Geral do Trabalho–pedindo uma inspecção-a circunstância de ela, D…, não pagar diuturnidades à totalidade dos seus trabalhadores;
- a D…-através do accionista único e presidente do conselho de administração da autora e da D…-não revelou à Ré que em 29 de Janeiro de 1999 o AD… insistiu junto da sua, dela D…, Administração, para que desse resposta à questão colocada na reunião havida em 14 desse mês a propósito do pagamento de diuturnidades devidas e actualização do seu valor.
- a D…-através do accionista único e presidente do conselho de administração da autora e da D…-não revelou à Ré que em 22 de Julho de 2002 AE.., intentou contra ela, D…, no Tribunal do Trabalho de Barcelos, uma acção a que foi atribuído o n° 584/2002-na qual alegou serem-lhe devidas as diuturnidades desde Fevereiro de 1992 até Dezembro de 2001, concluindo e pedindo a sua condenação em tal pagamento
- a D…-através do accionista único e presidente do conselho de administração da autora e da D…-não revelou à Ré que em 5 de Dezembro de 2002, nessa acção judicial, a D…, representada por ilustre Advogada da sua escolha, reconheceu que as diuturnidades pedidas eram devidas ao autor, e que apenas estariam mal calculadas na petição inicial.
Portanto, respigando esta factualidade o que dela resulta é que a recorrente, atempadamente, soube que o relatório de auditoria era omisso quanto a contingências relativas a dívidas de diuturnidades e que, apesar de ter conhecimento de tais contingências, optou por não o revelar à Ré recorrida e permitir que esta o apresentasse aos interessados na compra das acções e, naturalmente, à E….
Ou seja, a Autora recorrente, não ignorava que a D…, SA podia a qualquer momento, ser chamada a efectuar o pagamento de diuturnidades à generalidade dos seus trabalhadores, como já o tinha sido, pelo menos num caso, em processo judicial intentado para o efeito.
Não obstante, a Autora recorrente decidiu emitir a declaração de não estar em incumprimento de obrigações legais e contratuais, quando sabia que tal declaração não era verdadeira.
Concorreu, por isso, com culpa, fundada nos princípios da boa fé contratual, para a produção dos danos cuja indemnização pretende reclamar da Ré.
Evidentemente que esta actuação culposa do lesado, não corresponde a um acto ilícito, mas apenas ao desrespeito de um ónus jurídico, uma vez que não existe um dever jurídico de evitar a concorrência de danos para si próprio. [15]
De facto, como decorre do artigo 762.º, nº 2 do C.Civil, no cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé.
Ora, ciente do problema relativo ao não pagamento das diuturnidades aos trabalhadores da D…, SA, a Autora recorrente tinha o ónus jurídico de ter alertado a Ré para a sua existência quando verificou que o relatório era omisso a esse respeito, pois que, se o tivesse feito essa contingência constaria do relatório due deligence e, como tal, segundo a sua alegação, não teria existido qualquer processo arbitral e, por lógica implicância, não teria sido condenada nesse processo nos termos em que o foi.
Decorre, portanto, do exposto que se a Autora sabia, como provado está, que se encontrava em incumprimento generalizado das suas obrigações de pagamento de diuturnidades aos seus trabalhadores, se analisou a versão preliminar do relatório de due diligence e posteriormente a versão definitiva em que tal contingência não vinha enunciada e se decidiu emitir a declaração aos compradores que não existiam quaisquer outras contingências e a sua condenação na instância arbitral teve como causa exclusiva a existência de uma dívida relativa ao não pagamento daquelas diuturnidades, forçoso é concluir que concorreu para os danos que veio a sofrer.
Efectivamente, todas as despesas que a Autora suportou, em consequência da pretensão da compradora, decorreram do facto de ela ter emitido a referida a declaração contratual, sabendo que isso não correspondia à verdade e que o relatório de due deligence elaborado pela Ré era omisso quanto à questão da contingência referente às diuturnidades que não estavam a ser pagas aos trabalhadores da D…, SA.
Destarte, face ao disposto no art. 570.º, nº 1 do C.Civil sempre qualquer dever de indemnizar que eventualmente impenda sobre a Ré recorrida, tem de se considerar excluído por força da culpa concorrente da Autora nos termos sobreditos para a produção dos danos.
De facto, em termos de gradação de culpas temos de convir que o comportamento da Autora apelante se afigura muito mais censurável e grave que o da Ré apelada.
Efectivamente, a Autora recorrente não só sabia que as diuturnidades aos trabalhadores da D…, SA, não estavam a ser pagas há já alguns anos, como sabia que o relatório de due diligence era omisso sobre essa contingência e, sabedora dessas duas realidades, mesmo assim não se eximiu à subscrição da citada cláusula contratual onde assentou a sua condenação na instância arbitral.
É que, se a Autora apelante não tivesse subscrito a mencionada cláusula contratual, a sua responsabilidade apenas se situaria no patamar pré-contratual, isto é, no facto de o relatório de auditoria não ter mencionado a contingência quanto à questão do não pagamento das diuturnidades, sendo que, a esse nível, os danos daí decorrentes seriam, porventura, menos gravosos limitados como estavam ao interesse negativo ou da confiança e com encargo probatório muito mais difícil e exigente.
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No que tange à questão do abuso de direito, apenas se dirá que ela foi colocada pelo tribunal em via subsidiária e para o caso não proceder a questão da falta de nexo de causalidade, pelo que face ao que acima se deixou dito quanto à não verificação do apontado nexo bem como à culpa da Autora recorrida para a produção dos danos, dela não se conhecerá.
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Decorre, assim, do exposto, embora com as alterações factuais supra descritas, terem de improceder as conclusões recursivas formuladas pela apelante e, com elas, o respectivo recurso.
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IV-DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.
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Custas pela apelante (artigo 527.º, nº 1 do C.P.Civil).
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Porto, 24 de Março de 2014.
Manuel Domingos Fernandes
Caimoto Jácome
Macedo Domingues
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[1] De facto, “é sabido que, frequentemente, tanto ou mais importantes que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, etc.”-Abrantes Geraldes in Temas da Reforma do Processo Civil, II Vol. cit., p. 201. “E a verdade é que a mera gravação sonora dos depoimentos desacompanhada de outros sistemas de gravação audiovisuais, ainda que seguida de transcrição, não permite o mesmo grau de percepção das referidas reacções que, porventura, influenciaram o juiz da primeira instância” (ibidem). “Existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção dos julgadores” (Abrantes Geraldes, obra citada, pág. 273).
[2] Miguel Teixeira de Sousa in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pág. 348.
[3] Miguel Teixeira de Sousa obra citada, pág. 348.
[4] Embora a Ré entenda que não exista incumprimento contratual, todavia, não apresentou ampliação do objecto do recurso-artigo 636.º nº 1 do C.P. Civil.
[5] Importa salientar que as regras para o estabelecimento do nexo de causalidade no âmbito da responsabilidade contratual são exactamente as mesmas que vigoram no âmbito da responsabilidade delitual uma vez que o artigo 563.º é igualmente aplicável nesta sede.
[6] In “Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil” – “Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal”, Lisboa, 1972, reedição, pág. 389.
[7] Almeida Costa obra citada pg. 708.
[8] Obra citada, páginas 395 e 396.
[9] O conceito de causa adequada é um conceito normativo, criado para mitigar os exageros da doutrina da equivalência da condições ou da conditio sine qua non, enunciando-se como toda a condição que em abstracto, se mostra adequada a produzir um dano ou prejuízo.
[10] In “Das Obrigações em Geral”, 10.ª ed, I, 893, 899, 890/1.
[11] In “Direito das Obrigações”, I, 502.
[12] Cfr. Prof. Vaz Serra, “Provas”, BMJ, 112-128 e ss.
[13] Relativamente ao nexo de causalidade, tem havido alguma controvérsia doutrinária. Enquanto a maioria dos autores propugna que a sua prova cabe ao credor, à semelhança do que sucede com o lesado no âmbito da responsabilidade delitual (cfr. Antunes Varela, Obrigações, Vol. II, pág. 106, Almeida Costa, Obrigações pág. 485 e ss.) alguma doutrina tem vindo a entender que essa prova cabe ao devedor. É o caso de Menezes Cordeiro que considerou que o artigo 799.º do C.Civil estabeleceria na responsabilidade obrigacional uma presunção de faut, a qual não consistiria numa simples presunção de culpa, mas antes uma presunção simultânea de ilicitude, culpa e nexo de causalidade entre o facto e os danos, cabendo assim ao devedor a demonstração de que não foi por sua causa que o credor suportou os danos que alega ter sofrido (Cfr. Da Responsabilidade Civil dos Administradores das Sociedades Comerciais, págs. 469-470 e 485 e ss.). Para Carneiro da Frada (Contrato e Deveres de Protecção, pág. 191 e ss.) a presunção de culpa abrange não apenas a presunção de censurabilidade, mas também a própria existência de um comportamento faltoso do devedor ou dos seus auxiliares e causalidade entre esse comportamento e a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso verificados, mas continua a caber ao credor a prova do nexo de causalidade entre o incumprimento verificado e os danos concretamente sofridos. No mesmo sentido vai também Menezes Leitão, Direito das Obrigações Vol. II, pág. 246.
[14] Importa salientar que para este regime se aplicar alguns autores defendem que é necessário que a actuação do lesado seja subjectivamente censurável em termos de culpa, não bastando assim a mera causalidade da sua conduta em relação aos danos (cfr. neste sentido Antunes Varela, Obrigações, I, pág. 917 e nota 3, Almeida Costa, Obrigações, pág. 726 e Ribeiro Faria, Obrigações, 1, pág. 523 e Menezes Leitão, Direito das Obrigações, I, pág. 333). Contra, Pessoa Jorge, Obrigações, 1º, pág. 555 e Menezes Cordeiro, Obrigações, 2º, pág.409 e nota 251 e Da Boa Fé, II, pág. 768, nota 457 e 841 que defendem uma interpretação ampla da referência à culpa, considerando suficiente para aplicação deste artigo, qualquer conduta do lesado, ainda que não censurável.
[15] Qualificação que já era pressuposta por Baptista Machado, Obra Dispersa, I, pág. 581, é agora expressamente defendida por Brandão Proença, A conduta do Lesado, pág. 521 e ss. (524).