Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1947/11.4JAPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOAQUIM GOMES
Descritores: HOMICÍDIO QUALIFICADO
MEIO PARTICULARMENTE PERIGOSO
Nº do Documento: RP201212031947/11.4JAPRT.P1
Data do Acordão: 12/03/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: O significado jurídico-penal de “meio particularmente perigoso”, tanto pode corresponder ao “instrumento” ou “utensílio” utilizado para causar a morte, como é habitualmente empregue, como ao “processo” e “método” com que esse mesmo instrumento foi utilizado, havendo assim uma similitude de significados, ainda que plural, entre aquela leitura e o vocábulo “meio” expresso no texto da circunstância qualificativa da al. h), do n.º 2 do art.º 132º do C. Penal, havendo, por isso, uma correspondência de terminologias.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso n.º 1947/11.4JAPRT-1
Relator: Joaquim Correia Gomes; Adjunta: Paula Guerreiro

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

I. RELATÓRIO

1. No PCC n.º 1947/11.4JAPRT do 1.º Juízo Criminal do Tribunal da Maia, em que são:

Recorrente/Arguido: B…

Recorrido: Ministério Público
Recorridos/Assistentes: C…, D… e E…

por acórdão proferido em 2012/Jul./11 a fls. 744-783 o arguido foi condenado:
a) pela prática, como autor material e em concurso real, de um crime de ameaças da previsão do artigo 153.º, n.º 1 e 2 do Código Penal e de um crime de homicídio qualificado da previsão dos artigos 131.º, 132.º, n.º 2, al. h) também do Código Penal, nas penas de, respectivamente, oito (8) meses de prisão e dezoito (18) anos de prisão, a que se seguiu uma pena única de 18 (dezoito) anos e 4 (quatro) meses de prisão;
b) a pagar, na procedência parcial do pedido de indemnização cível (PIC), a C… a quantia de 76.000€ (setenta e seis mil euros), a D… a quantia de 18.000€ (dezoito mil euros) e a E… a quantia de 8.000€ (oito mil euros), todas estas quantias a titulo de danos não-patrimoniais, acrescidos de juros de mora à taxa legal, os quais não foram especificados, desde a notificação de cada um desses pedidos e até integral pagamento
2. O arguido insurgiu-se contra esse acórdão, interpondo recurso do mesmo em 2012/Jul./30, a fls. 790-801, pugnando pelo reenvio do processo para novo julgamento ou, caso assim não se entenda, a revogação e a sua substituição por outro que condene o arguido pela prática de um crime de homicídio do tipo base numa pena de 12 (doze) anos de prisão e, em cúmulo jurídico, numa pena única de 12 (doze) anos e 4 (quatro) meses de prisão, apresentando as seguintes conclusões:
1.ª) Decorre do texto da decisão que ao dar com o provado os factos atinentes ao envio de mensagens desde Março de 2010 e quanto ponto de “fazer mal a qualquer pessoa da família” da assistente E…, não tem apoio na fundamentação, pois que a prova produzida ficou aquém da matéria de facto dada como provada;
2.ª) Por isso, a decisão está viciada nos termos do artigo 410.º, n.º 1 e 2 do CPP;
3.ª) A decisão recorrida, ferida que está dos vícios acima apontados e, por isso, deve ser objecto de novo julgamento, determinado pelo reenvio do tribunal ad quem nos termos do artigo 426 do CPP;
4.ª) A agravante nos autos decorre da alínea h) do n.º 2 do artigo 132 do CP, mas no caso, é que a faca de mato, apesar da vítima ter caído no chão, não é meio particularmente perigoso;
5.ª) Efectivamente, a dificuldade de defesa está no facto de ter caído e de não se poder insurgir, não decorre do meio que o recorrente tinha para desferir os golpes;
6.ª) É por todo o supra exposto que o crime de homicídio no caso dos autos se reduz ao tipo legal base
7.ª) Pelo que a pena a aplicar nunca poderá ser superior a 10 anos e ao decidir de outra forma, a decisão recorrida violou os artigos 40.º, 71.º e 131.º do C. P;
8.ª) O recorrente é primário, assumiu a sua responsabilidade, está arrependido, sempre teve comportamento adequado antes e depois da prática dos factos, ajuda o seu agregado familiar, depositou tudo quanto tinha para princípio de reparação dos danos causados;
9.ª) Do relatório pericial à sua personalidade, resulta que o mesmo tem dificuldade em estabelecer relações interpessoais, tem depois forte dependência em relação às pessoas com quem mantém relacionamento afectivo;
10.ª) Mais refere que demonstra uma personalidade caracterizada pela baixa autoestima e propensão para vívenciar estados depressivas e ansiosos. O examinado revela ainda dificuldades em estabelecer relações de intimidade, e quando as consegue estabelecer, estas caracterizam-se pela elevada dependência, A conjugação das dificuldades de gestão emocional e elevada dependência afectiva, por parte do examinado, poderão levar ao cometimento de atos irrefletidas e/ou desadaptativos;
11.ª) Por tudo isto, a pena de 18 (dezoito) anos de prisão pela prática do crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts 131 e 132, ai. h), do Código Penal é excessiva e deve a pena justa situar-se no seu limite mínimo: 12 anos de prisão;
12.ª) A pena de 6 (seis) meses de prisão pela prática do crime de ameaça, p. e p. pelo art. 153, n.º 1 e 2, do C. Penal é a pena que se reputa como adequada, por justa;
13.ª) A pena única deveria situar-se sempre nos 12 (doze) anos e 4 (quatro meses de prisão, a decisão recorrida violou os artigos 40.º, 71.º e 131.º do CP
3. O Ministério Público respondeu em 2012/Ago./03, a fls. 805-811 pugnando pela improcedência do recurso.
4. A assistente C… também respondeu, tendo-o efectuado em 2012/Ago./19, a fls. 817-825, concluindo que:
1.º) O arguido confirmou, não ter encarado bem o fim da relação e ter continuado a enviar mensagens para o telemóvel da ofendida E…;
2.º) Quis assim o arguido, criar no espirito da ofendida medo ou receio de que o crime anunciado se realizará;
3.º) O crime de ameaça, não exige que a ameaça provoque medo ou inquietação, bastando que seja adequada a provocar medo, a afectar ou inibir, de modo relevante, a paz individual ou a liberdade de determinação da pessoa de visada;
4.º) A fundamentação da decisão, quanto ao crime de ameaça, é suficiente, sustentando totalmente os factos dados como provados;
5.º) Sendo que as mesmas não estão feridas de qualquer vício previsto nos artigos 410.º, n.º 1 e n.º 2, do Código de Processo Penal;
6.º) Nos termos do artigo 132.º, n.º 2 alínea h) do Código Penal, é susceptível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade a que se refere o n.º 1 do mesmo artigo, entre outras, a circunstância de o agente, praticar o facto juntamente com, pelo menos, mais duas pessoas ou utilizar meio particularmente perigoso ou que se traduza na prática de crime de perigo comum;
7.º) Utilizar meio particularmente perigoso, é servir-se para matar de um instrumento, de um método ou de um processo que dificultem significativamente a defesa da vítima e que crie ou sejam susceptíveis de criar perigo de lesão de Outros bens jurídicos importantes.
8.º) A vítima tinha 76 anos de idade, era uma pessoa doente e estava desarmada;
9.º) Era a vítima, de constituição física muito inferior ao arguido, mesmo assim, o arguido decidiu matá-la, com total desrespeito pelo bem mais precioso de todos: a vida humana [9-11];
10.º) Mesmo após ter derrubado a vítima e com eia prostrada no chão, o arguido continuou a desferir-lhe golpes [12];
11.º) O uso de uma faca de mato com uma lâmina metálica corto-perfurante de 19,30 cm, nas circunstâncias acima descritas, deve ser considerado como um meio de agressão particularmente perigoso [13];
12.º) Por conseguinte, as motivações que o agente revela, ou a forma corno executa o facto, constituem não apenas um completo desrespeito por um normal padrão axiológico vigente na sociedade, como traduzem, ainda, situações em que a exigência para o não empreendimento da conduta se revela mais acentuada [14];
13.º) Quanto à medida da pena, o tribunal a quo levou em conta a idade do arguido, o arrependimento, a circunstância de estar integrado em termos sociais e familiares [15];
14.º) Também, o tribuna a quo, levou em conta a forma como foi praticado o crime, nomeadamente o grau de ilicitude do facto típico, a intensidade do dolo, a versão dos factos apresentada pelo arguido contrárias à verdade [16];
15.º) Pelo exposto, a pena de 6 (seis) meses de prisão pela prática do crime de ameaça e a pena de 18 (dezoito) anos de prisão pela prática do crime de homicídio qualificado, são adequadas ao fim a que se destinam.
5. Recebidos os autos nesta Relação, onde foram autuados em 2012/Ago./21, foram os mesmos com vista ao Ministério Público que em 2012/Ago./23, a fls. 891 emitiu parecer pugnando igualmente pela improcedência do recurso.
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O objecto do processo passa pelos vícios do artigo 410.º, 1 do C. P. Penal [a)], o cometimento do crime de homicídio qualificado [b)] e a medida da pena relativamente a este último ilícito [c)].
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II. FUNDAMENTAÇÃO
1. O acórdão recorrido
Deste transcrevem-se as seguintes passagens:
2.1. Matéria de facto provada.
Da discussão da causa, resultaram provados os seguintes factos:
1. Por volta do ano de 2008 o arguido B… namorou com a ofendida E… durante cerca de 2 meses, tendo o relacionamento terminado por iniciativa desta última.
2. O arguido não encarou da melhor forma o fim da relação amorosa e continuou a enviar mensagens escritas para o telemóvel da ofendida, afirmando que gostava ainda muito dela e que queria reatar o namoro, ao que esta lhe dizia para continuar com a sua vida.
3. Por volta do mês de Março de 2010, o arguido começou a enviar mensagens para o telemóvel da ofendida como o n.º ………, através das quais se fazia passar por outra pessoa, relatando que “era o seu anjo da guarda; não ia deixar que ninguém lhe fizesse mal; gostava dela”.
4. Dado que a ofendida não respondia às mensagens, o arguido começou a segui-la junto ao local onde esta estudava, na Escola …, sita na Rua …, …, Porto.
5. Em data não concretamente determinada, mas seguramente no mês de Maio de 2011, o arguido passou a circular junto da residência dos pais da ofendida, sita na Rua …, n.º …., …, Maia, e a perseguir a viatura dos pais para todo o lado, mesmo até à residência dos avós sita na …, …, n.º…, ..º esquerdo, …, Porto, utilizando o veículo “Renault”, modelo “…”, cor Azul, com matrícula ..-..-SU, propriedade do seu pai e também o veículo de matricula ..-EG-.., “Renault”, “…”, branco.
6. No dia 3 de Setembro de 2011, o arguido enviou várias mensagens através do n.º de telemóvel ……… à ofendida E…, com o seguinte teor: “É verdade que a E… está toda contente por entrar para a Faculdade e ter carta de condução e já namora; anda de top; andou toda a semana agarrada ao telefone; eu só mando mensagens de 2 em 2 semanas; parece que tenho fotos a publicar; as fotos já estão tiradas e fotocopiadas e na segunda-feira estarão todas expostas no Bairro vamos ver o que as pessoas dizem; eu só mando 1 mensagem e tu e a E… falam a verdade e eu nada faço, ok?, está bem a PJ já foi avisada, fixe”.
7. No dia 13 de Setembro de 2011, pelas 15:30 horas, o arguido seguiu novamente a ofendida E… para a casa dos seus avós, sita …, …, n.º …, ..º esquerdo, …, Porto, e aí permaneceu a vigiar a casa.
8. O arguido continuou regularmente a enviar mensagens à ofendida E… nas quais dizia que, caso esta não contasse a verdade, que segundo ele era namorar outro rapaz, iria fazer mal aos pais, tendo uma das vezes escrito a matrícula do carro da mãe da ofendida.
9. No mês de Julho de 2011, o arguido, através de mensagens enviadas à ofendida E…, afirmou que esta namorava e saia muitas vezes à noite e que se dava bem com todos os rapazes na faculdade e queria confirmar esses factos.
10. O arguido enviou à ofendida E… uma mensagem de telemóvel com o seguinte teor “não me dizes a verdade vê lá se queres que aconteça alguma coisa ao teu priminho”.
11. No dia 20 de Agosto de 2011, o arguido, através do telemóvel n.º ………, enviou a uma prima da ofendida E… seguinte mensagem “eu não mato a E… mas tu e a E… vão continuar a contar-me a verdade e eu nem lhe faço mal nem a prejudico e mantem-se tudo igual a antes!Ok? Basta dizeres ok.# # E o anjo da guarda não o matei ainda!”;
12. Em dia não concretamente apurado de Setembro de 2011, pelas 19:00 horas, numa Rua …, Matosinhos, quando a ofendida e sua mãe circulavam num veículo foram seguidas pelo arguido até à residência de ambas.
13. No dia 21 de Outubro de 2011, pelas 16:36 horas, o arguido deslocou-se à superfície comercial “F…”, sita na Rua …, Maia, onde comprou pela quantia de € 31,95, uma faca de mato, com uma lâmina metálica corto-perfurante de 19,3 cm.
14. No dia 22 de Outubro de 2011, o arguido arbitrou o jogo “…”, da modalidade de andebol, na categoria de infantis masculinos, que decorreu no Pavilhão …, sito …, Matosinhos, realizado entre as 16:30 horas e as 18:00 horas.
15. Após o término do encontro, o arguido deu boleia a G…, no veículo com a matrícula ..-..-SU, acima melhor descrito, deixando-o ficar na Estação …, por volta das 19:00 horas, e após dirigiu-se à residência da ofendida, sita na Rua …, …., Maia, a fim de a vigiar.
16. Por volta das 22:00 horas, ao invés de apenas ficar a controlar os movimentos da ofendida, o arguido resolveu sair da viatura e saltou um muro que veda aquela moradia, de cerca de 1,20 metros de altura, e entrou para o logradouro das traseiras, trazendo consigo, dissimulada e presa no cinto das calças, a faca de mato acima descrita.
17. Já no interior da propriedade, o arguido foi surpreendido por H…, avô da ofendida E… e ali residente, que entretanto se tinha apercebido da sua presença face ao ladrar do seu cão e que logo o interpelou.
18. Acto contínuo e sem que nada o fizesse prever, o arguido retirou a faca de mato acima descrita e que trazia consigo e, com ela empunhada na mão direita, desferiu violentos golpes no hemitorax esquerdo e direito de H…, fazendo-o cair.
19. Com a vítima prostrada no pavimento, o arguido voltou a golpeá-la, só sendo interrompido pela presença da mulher de H…, C…, que entretanto chegara ao local, colocando-se de seguida em fuga.
20. O H…, beneficiário da segurança social com o n.º ……….., sofreu, em consequência dos golpes acima referidos, as seguintes lesões:
Na região anterior do pescoço, solução de continuidade de bordos regulares e infiltrados de sangue, de disposição horizontal, com a extremidade direita angulosa e a extremidade esquerda romba, com cerca de 24 mm de comprimento. Na região ântero-lateral direita, uma escoriação puntiforme, de fundo avermelhado, medindo cerca de 3 mm, a de maior diâmetro e medialmente a esta, uma solução de continuidade puntiforme, com os bordos infiltrados de sangue. Na região ântero-lateral esquerda, uma escoriação puntiforme, de fundo avermelhado, medindo cerca de 3 mm, a de maior diâmetro e lateralmente a esta, uma solução de continuidade puntiforme, com os bordos infiltrados de sangue. Na região posterior esquerda, na zona de transição para o dorso, solução de continuidade, de bordos rectos e infiltrados de sangue, orientada horizontalmente, com a extremidade direita romba e a extremidade esquerda angulosa, medindo cerca de 3,0 cm de comprimento;
Na região anterior esquerda do tórax, escoriação puntiforme, de fundo avermelhado, medindo 5 por 3 mm, de maiores dimensões, localizada na região infraclavicular; Solução de continuidade de bordos regulares e infiltrados de sangue, medindo 4 mm de comprimento, localizada em área escoriada de fundo avermelhado, medindo 15 por 8 mm, de maiores dimensões, em área abaixo e medialmente ao mamilo; Solução de continuidade de bordos rectos e infiltrados de sangue, linear, medindo 6,0 cm de comprimento, orientada de cima para baixo, da direita para a esquerda, com extremidade superior romba e extremidade inferior com cauda de rato, com 1,0 cm de comprimento, localizada abaixo e lateralmente ao mamilo, a nível do sexto espaço intercostal, na face lateral esquerda do tórax; Solução de continuidade com os bordos rectos e infiltrados de sangue, de disposição horizontal, com extremidade anterior romba e a extremidade posterior angulosa, medindo 4,5 cm de comprimento, localizada abaixo da solução de continuidade anterior, ao nível do penúltimo espaço intercostal na face lateral esquerda do tórax;
Na região dorsal esquerda, solução de continuidade de bordos rectos e infiltrados de sangue, de orientação horizontal, medindo 3,0 mm de comprimento, localizada na zona lateral do terço médio da altura do dorso; medialmente à anterior, solução de continuidade de bordos rectos e infiltrados de sangue, de orientação horizontal, com a extremidade esquerda romba e a extremidade direita angulosa, medindo 3,5 cm de comprimento.
No membro superior esquerdo, na face medial do primeiro dedo, uma solução de continuidade de bordos rectos e infiltrados de sangue, medindo 18 mm de comprimento, compatível com lesão de defesa.
21. As referidas lesões determinaram, como consequência directa e necessária, a morte de H…, devida à fractura de costelas, laceração da pleura parietal e soluções de continuidade ao nível do pulmão esquerdo e hemicúpula diafragmática esquerda.
22. Por volta das 00:00 horas, o arguido dirigiu-se para a sua residência sita na Rua …, .., .º Direito, Porto, e quando se preparava para estacionar a viatura, foi interceptado por agentes da PSP, tendo aí sido encontrada, no porta bagagem daquele veículo, a faca acima descrita, ainda com vestígios de sangue do falecido H….
23. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente.
24. Ao enviar as mensagens de telemóvel acima referidas com as expressões nelas constantes, ao perseguir e vigiar regularmente a ofendida E…, quis o arguido significar que mataria qualquer dos familiares da mesma, quando e logo que lhe fosse possível, caso ela não reatasse o relacionamento entre ambos, o que fez com foros de seriedade, deixando-o com receio e medo da concretização de tais intentos e limitando a sua liberdade de determinação pessoal.
25. Além disso, com essa conduta, quis o arguido levar a ofendida a praticar uma acção contra a sua vontade, o que não conseguiu por circunstâncias alheias ao seu desígnio.
26. Ao desferir vários golpes com aquela faca sobre o falecido, quer pelo meio empregado, quer pela zona do corpo atingida, o arguido agiu com o intuito concretizado de lhe provocar feridas mortais, de lhe tirar a vida.
27. Tinha perfeito conhecimento da natureza e características da faca supra descrita.
28. O arguido sabia, ainda, que as suas descritas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
29. Em 5.07.2012 o arguido fez um depósito de € 3.430,37 a fim de ser atendido como reparação dos danos causados.
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30. A ofendida C… recebe uma pensão mensal de € 274,79.
31. Em virtude do ataque por parte do arguido, o marido ficou prostrada no chão, vivo e consciente da gravidade dos seus ferimentos.
32. Encontrava-se em sofrimento.
33. Na hora do homicídio, a ofendida C… foi em socorro do seu marido.
34. Viu o seu marido com a camisa ensanguentada e o arguido a desferir-lhe golpes com a faca.
35. Só perante a sua presença, o arguido parou de esfaquear o marido, pondo-se em fuga.
36. Viu o seu marido tentar articular palavras e a esvair-se em sangue, sem nada poder fazer.
37. Assistiu às tentativas infrutíferas de reanimação.
38. É diariamente confrontada com o local onde viu o marido ser assassinado, o que permanentemente lhe trás dor.
39. Eram um casal que vivia em harmonia e que se dava bem.
40. A perda do seu companheiro, que morreu em agonia, deixou-a inconsolável.
41. Na sua casa vivem também o seu filho, a nora e neta.
42. Tinham uma relação que se traduzia na entreajuda de todos os membros do agregado familiar.
43. Era feliz e vivia quase exclusivamente para o seu marido, nutrindo ambos, reciprocamente, carinho e respeito.
44. Com a inesperada morte do marido, sofre uma dor profunda, uma desesperada amargura e desgosto, que perdura e há-de perdurar.
45. A perda do marido levou-a ficar deprimida, necessitando de recorrer a apoio psiquiátrico.
46. Recordando-o todos os dias.
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47. O ofendido/assistente D… é filho único da vítima.
48. Após receber uma chamada telefónica, onde lhe foi comunicado que “a mãe estava aos gritos e que algo se passaria com o pai”, de imediato se dirigiu para casa.
49. Quando chegou ao local, verificou que o seu pai ainda estava com vida e que tentava dizer alguma coisa, mas já não conseguiu articular qualquer palavra.
50. Assistiu, impotente, aos últimos minutos da vida do seu pai.
51. Presenciou, em choque, a sua morte.
52. Vivia com os seus pais, juntamente com a sua esposa e filha, formando uma família unida e equilibrada.
53. Tinham uma relação calorosa e plena de momentos felizes.
54. Compreendiam-se muito bem e eram muito amigos.
55. Continua a sentir uma imensa dor e saudade do seu pai, não se conformando com a sua morte.
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56. No dia 15 de Setembro de 2011 a ofendida/assistente E… formalizou uma queixa na Esquadra da PSP … contra o arguido e que deu origem ao inquérito n.º 1295/11.0 PIPRT.
57. A conduta reiterada do arguido e a seriedade de que se encontrava revestida, causou-lhe um persistente estado de perturbação, sentindo-se permanentemente ameaçada e em perigo, até porque os termos e as circunstâncias em que o arguido actuava lhe faziam crer tratar-se de ameaça séria, que ele se dispunha a concretizar.
58. As ameaças e perseguições do arguido, perturbaram o seu sentimento de segurança a sua tranquilidade e a sua paz.
59. Afectaram a sua liberdade e de sua família.
60. A conduta do arguido provocou-lhe medo, bem como ao respectivo agregado familiar.
61. A dor que sentiu com a perda do avô, o qual sempre a protegeu e ajudou, levou a que se tornasse triste e angustiada.
62. Sente que o avô morreu por sua culpa, pois se não tivesse conhecido o arguido nada disso se tinha passado.
63. Vive permanentemente atormentada com esse sentimento.
64. Tem tido acompanhamento psicológico desde que o seu avô morreu.
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65. O processo de desenvolvimento do arguido B… decorreu no agregado de origem, composto pelos pais e o irmão mais velho, referenciado pela dinâmica sustentada na afectividade relacional, extensível à avó materna, com a qual o arguido manteve um contacto frequente e de proximidade até ao seu falecimento, tinha então quinze anos, ocorrência que o perturbou emocionalmente.
66. Fragilizado com o desaparecimento da avó materna, a família encaminhou-o para consulta de psicologia, tendo superado o luto com o decorrer do tempo.
67. Ao nível escolar, concluiu o 10º ano no ano lectivo de 2004/2005, já com dezoito anos.
68. Nos anos seguintes obteve habilitação em três disciplinas, verificando-se que no ano lectivo de 2010/2011 foi excluído por faltas no 1º período e não se matriculou no presente ano lectivo de 2011/2012.
69. Foi praticante de andebol em todos os escalões até aos vinte e um anos, no “I…”, quando teve de abandonar a prática desportiva por ter contraído uma lesão.
70. Nessa sequência frequentou e concluiu o curso de árbitro de andebol, para manter a ligação ao desporto e para obter alguma autonomia económica dos pais.
71. À data dos factos, o arguido continuava integrado no seu agregado de origem, residindo num apartamento de tipologia 3, dotado de boas condições de habitabilidade.
72. O pai, desempregado desde Julho de 2011 após rescisão amigável com a entidade patronal, aufere o subsídio no valor de € 970,00.
73. A mãe, proprietária e activa como cabeleireira, aufere o vencimento de € 970,00.
74. O irmão, activo como engenheiro mecânico, é economicamente independente.
75. Desde os vinte e dois anos que o arguido tem ocupação como árbitro reconhecido pela J…, pela qual auferia um montante médio mensal que estima em € 600/700, mas irregularmente pago, recebendo uma mesada familiar no montante de € 150,00.
76. Os pais não tinham conhecimento que o arguido não concluiu o 11º ano de escolaridade.
77. O arguido foi sempre muito recatado, não partilhava as suas situações pessoais com os familiares e só pontualmente saía à noite.
78. Os pais do arguido não notaram algum sinal de instabilidade no arguido, nem alteração das rotinas do mesmo no contacto quotidiano.
79. Os familiares do arguido constituem suporte afectivo declarado e disponível para o apoiar.
80. No clube desportivo que fez parte do processo de crescimento do arguido, o conhecimento da situação em que se encontra e da natureza dos factos constituiu surpresa.
81. É referenciado como pessoa recatada e com um comportamento ajustado no relacionamento interpessoal.
82. Na actividade como árbitro é referenciado pelo sentido de responsabilidade no exercício e pela atitude e interacção positiva com os diversos elementos.
83. No meio residencial o arguido não estabelecia relações de proximidade significativas, apresentando-se discreto e ajustado.
84. O enquadramento familiar para o arguido parece representar e funcionar mais como suporte de subsistência e de segurança, do que como contexto de comunicação recíproca em termos de confiança, de intimidade, e de protecção emocional.
85. Nada consta do CRC do arguido.
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2.2. Matéria de facto não provada.
Não se provou que:
1. Foi após a ofendida E… lhe ter dito que iria contar à sua mãe que ele tinha voltado a importuná-la que o arguido lhe enviou a mensagem de telemóvel com o seguinte teor: “não me dizes a verdade vê lá se queres que aconteça alguma coisa ao teu priminho”.
2. O arguido sabia que não podia deter, guardar e utilizar a faca de mato apreendida.
3. O valor da pensão que a ofendida C… recebe é todo direccionado para a aquisição de medicamentos que necessita.
4. A vítima, seu marido, auferia uma reforma de € 670,16 mensais.
5. Em consequência do falecimento do marido, ficou privada do valor da sua pensão desde Novembro de 2011.
6. O marido estava consciente que iria morrer.
7. As tentativas infrutíferas de reanimação a que assistiu a ofendida C… foram primeiro pela sua nora e depois pelos elementos do INEM.
8. Viu o marido de “gatas”.
9. Era casada com a vítima há mais de 45 anos.
10. Eram um casal que vivia em interdependência total.
11. A vítima trabalhou na empresa “K…”, em que o ofendido/assistente D… trabalha há mais de 20 anos.
12. Partilhavam, por isso, muitas vivências e experiências.
13. A dor que sentiu com a perda do pai, com quem privava intensamente, levou-o a um mutismo e uma apatia que o transformaram como pessoa.
14. Neste momento é um homem desinteressado, apático, triste, angustiado e revoltado.
15. A ofendida assistente E… formalizou mais duas queixas nos dias 16/09/2011 e 26/09/2011.
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3. Motivação da decisão de facto.
Nos termos do disposto no art.º 374.º, n.º 2, do C.P.Penal, o Tribunal deve indicar os motivos de facto e de direito que fundamentam a sua decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a sua convicção.
Em sede de valoração da prova, a regra primacial é a constante do art.º 127.º, do mesmo código, segundo a qual a prova é apreciada “segundo as regras da experiência e a livre convicção do Tribunal”.
Este princípio da livre apreciação da prova traduz-se na ideia de que “o Tribunal baseia a sua decisão sobre a realidade de um facto na íntima convicção que formou a partir do exame e da ponderação das provas produzidas”(1).
Assim, quanto aos factos provados, a decisão teve por base a análise e valoração da prova produzida e examinada em audiência, designadamente:
● As declarações do arguido B…, na parte em que confirmou o relacionamento que manteve com a ofendida E…, que esta terminou por sua iniciativa; na parte em que confirmou não ter encarado bem o fim da relação e ter continuado a enviar mensagens para o telemóvel daquela, mensagens que, igualmente, confirmou; na parte em que confirmou que a ofendida não respondia à suas mensagens; na parte em que confirmou utilizar o veículo “Renault”, modelo “…”, cor Azul, com matrícula ..-..-SU; na parte em que confirmou ter-se deslocado à “F…” e ai ter comprado a faca de mato, nos termos dados como provados; na parte em que confirmou ter arbitrado, nos termos dados como provados, o jogo “…”; na parte em que confirmou ter dado boleia, após o referido jogo, a G…, também, nos termos dados como provados; na parte em que confirmou ter sido surpreendido pela vítima no interior da propriedade e encontrar-se um cão a ladrar; na parte em que confirmou ter retirado a faca de mato, que colocou no cinto após ir buscá-la à bagageira, e ter desferido golpes com ela na vítima, colocando-se, depois em fuga; na parte em que confirmou ter-se, depois, deslocado para a sua residência, onde foi interceptado, confirmando, também, o que foi encontrado na sua viatura. Ainda de relevante, esclareceu ter comprado a faca para ameaçar a ex-namorada e ter ido busca-la à bagageira quando lhe pareceu ter visto a ex-namorada. Mais esclareceu que não conhecia o avô da ex-namorada e que sempre que podia fazia um desvio para passar junto da casa desta. Finalmente, nas suas últimas declarações disse querer pedir perdão à família da vítima por aquilo que fez e dar-lhe todo o dinheiro que tem para compensar. Quanto ao factualismo supra referido, o arguido convenceu, relatando os factos de forma coerente e explicando devidamente os mesmos. De qualquer forma, ainda que assim não fosse, relativamente a todo esse factualismo que relatou/confessou, foi o mesmo confirmado pela demais prova produzida. Quando ao demais, designadamente na parte em que referiu ter desferido os golpes na vitima para se defender, não convenceu minimamente. Com efeito, como resultou claro da prova produzida, sendo a vítima uma pessoa frágil, o que o arguido constatou com toda certeza, dado que o local era iluminado, seria quase impossível que o tivesse atacado, dado não ter forças para tal. De qualquer forma, ainda que tal tivesse acontecido, bastaria ao arguido um simples empurrão para afastar a vítima.
● As declarações da assistente E…, actualmente com 19 anos. Em síntese, para além de confirmar que namorou efectivamente com o arguido cerca de 2/3 meses, namoro esse que ocorreu quando tinha 14/15 anos e foi “escondido”, confirmou, também, que terminou o mesmo e disse ao arguido para continuar com a vida dele. Confirmou, igualmente, as mensagens enviadas pelo arguido, esclarecendo que a do ponto 11.º da acusação (e dos factos provados) foi dirigida a uma prima, e o medo que começou a ter em virtude das mesmas, o que explicou. Mais confirmou como o arguido começou a aparecer no bairro dos seus avós e passou a segui-la, o que igualmente explicou, relatando, ainda, os seguimentos. Confirmou, igualmente, que chegou a dizer ao arguido que ia contar à mãe, não se recordando se a mensagem do ponto 10.º da acusação foi enviada após o ter feito. Quanto ao avô, referiu que era uma pessoa frágil de saúde, o que explicou, e que o arguido é mais alto e corpulento. Também confirmou que o arguido nunca foi a casa dela ou dos avôs. Esclareceu que apenas contou aos pais em Junho/Julho de 2011, porque a mãe começou a achar estranho que estivesse sempre parado um carro junto à casa. Depôs de forma convincente, relatando e confirmando os factos, de que teve conhecimento directo, com coerência e esclarecendo devidamente as questões que lhe foram colocadas.
● As declarações do assistente D…, filho da vítima e pai da ofendida E…. Em síntese, tendo-se deslocada a casa após ter sido informado do sucedido pela mãe, relatou o que viu quando ali chegou, esclarecendo que o pai ainda estava vivo mas com poucos sinais. Confirmou que viu o arguido parado junto à sua casa e que o chegou a seguir num “…”, quando ia acompanhado pela filha, e confirmou que esta, a determinada altura, contou o que estava a suceder, estando amedrontada e limitada nos seus movimentos, o que explicou. Mais confirmou que o arguido nunca frequentou a sua casa. Quanto às consequências da actuação do arguido, referiu que a filha está a ser acompanhada por psicólogo, tendo-se sentido culpada pela morte do avô, e que a mãe, que vive com eles há cerca de 12 anos, está destroçada, pois adorava o pai. Ainda de relevante, esclareceu que o pai não era saudável, tendo uma doença pulmonar e problemas respiratórios, e tomava medicação que o debilitava na parte cardíaca. Mais referiu que fazia fisioterapia, que era magro e que não conseguiria manietar o arguido, sendo que apenas com um ligeiro “puxa para lá” cairia. Depôs, também, de forma convincente, relatando e confirmando os factos, de que teve conhecimento directo, com coerência e esclarecendo devidamente as questões que lhe forma colocadas.
● As declarações da assistente C…, que estava em casa quando os factos de que foi vítima o marido aconteceram. Em síntese, e quanto a tais factos, referiu que após ter ouvido um gemido foi lá fora, estando a luz acesa, e viu o marido caído, estando o arguido ainda em cima dele. Disse-lhe “ai ladrão”, tendo o arguido tirado a faca e fugido. Esclareceu que o marido, que era muito doente, ainda disse “sacana”. Ainda de relevante, referiu que vivia de uma pequena pensão de € 270,00 e que agora recebe uma das partes da pensão do marido, que lhe foi tirada. Depôs, também, de forma convincente, relatando e confirmando os factos, de que teve e tem conhecimento directo, com coerência e esclarecendo devidamente as questões que lhe forma colocadas.
● O depoimento da testemunha L…, que conhece o arguido de vista. Em síntese, referiu ter visto o arguido uma vez parado junto à sua residência, que é junto da residência do falecido. Quanto ao dia em que o falecido foi agredido, referiu que tinha acabado de chegar a casa quando ouviu gritos vindos da casa da vítima, tendo-se dirigido para lá. Esclareceu que a vítima se encontrava nas traseiras, prostrado e a tentar erguer-se, e que havia um rasto de sangue no chão. Descreveu fisicamente a vítima e esclareceu que era um indivíduo frágil fisicamente. Ainda de relevante, esclareceu que na parte onde estava a vitima havia um ponto de luz e iluminação da cozinha, dando para ver como nas fotos de fls. 20. Depôs, também, de forma convincente, relatando e confirmando os factos, de que teve conhecimento directo, com coerência e esclarecendo devidamente as questões que lhe foram colocadas.
● O depoimento da testemunha M…, mãe da ofendida E…. Em síntese, esclarecendo que conhece o arguido por o ver parado junto à sua residência e o mesmo a ter perseguido várias vezes, o que explicou, referiu que no ano passado começou a reparar que havia uma viatura que estava sistematicamente parada junto à sua residência, um “Renault …”, com um jovem, o que achou estranho. Esclareceu que a filha acabou por lhe dizer que andava a ser ameaçada e seguida. Confirmou que a filha andava preocupada com a situação e tinha medo do que pudesse acontecer à família, sendo que o arguido sabia os passos da sua família. Confirmou que pediram ajuda à polícia, mas que na esquadra da Maia não aceitaram a queixa, porque lhe disseram que qualquer pessoa podia estar parada na via pública. Relatou como teve conhecimento da situação do sogro, que ainda viu caído no chão, cheio de sangue. Confirmou que o sogro tinha problemas respiratórios e que a família ficou desfeita. Ainda de relevante, referiu que a sogra e a filha estão a ser acompanhadas por uma psicóloga. Depôs, também, de forma convincente, relatando e confirmando os factos, de que teve conhecimento directo, com coerência e esclarecendo devidamente as questões que lhe foram colocadas.
● O depoimento da testemunha N…, agente da PSP da esquadra …. Esclarecendo que não conhece o arguido, deslocou-se ao local do crime, tendo relatado o que viu. Esclareceu que a vítima estava no exterior da residência e que a nora lhe disse, mais tarde, que essa desgraça tinha que acontecer, pois já havia queixas. Depôs, também, de forma convincente, relatando factos de que teve conhecimento directo e esclarecendo devidamente as questões que lhe foram colocadas.
● O depoimento da testemunha O…, que é amigo da ofendida E… e conhece o arguido de vista, da escola …, onde era aluno. Em síntese, para além de referir que a ofendida lhe contou que o arguido a incomodava, confirmou tê-lo visto atrás dele e da E… quando saíam da escola. Mais confirmou que a ofendida E… ficava nervosa e tinha receio. Depôs, também, de forma convincente, relatando factos de que teve conhecimento directo e esclarecendo devidamente as questões que lhe foram colocadas.
● O depoimento da testemunha P…, que é amigo da ofendida E… e conhece o arguido de vista, da escola …, onde o depoente foi aluno. Em síntese, esclarecendo que o arguido estava praticamente todos os dias à porta da escola, referiu que a ofendida lhe disse que andava a persegui-la. Mais referiu que um dia viu a ofendida E… e o amigo O… saírem da escola e o arguido sair a correr para dentro de um carro, um “Renault …”. Depôs, também, de forma convincente, relatando factos de que teve conhecimento directo e esclarecendo devidamente as questões que lhe foram colocadas.
● O depoimento da testemunha Q…, pai do arguido. De relevante e em síntese, depondo de forma que se revelou convincente, para além de lamentar o sucedido e referir que, caso se tivesse apercebido de alguma coisa teria ido falar com os pais da ofendida, confirmou que o filho era árbitro e que, das conversas que tem com ele, pensa que está arrependido.
● O depoimento da testemunha S…, agente da PSP. De relevante e em síntese, depondo de forma que se revelou convincente, tendo-se deslocado ao local onde a vitima ainda se encontrava, confirmou que estavam a ser feitas manobras de reanimação e que o local tinha iluminação pública, vendo-se bem.
● O depoimento da testemunha T…, agente da PSP. De relevante e em síntese, depondo de forma que se revelou convincente, tendo-se, também, deslocado ao local onde a vitima ainda se encontrava, confirmou, igualmente, que estavam a ser feitas tentativas de reanimação e que o local tinha iluminação.
● O depoimento da testemunha G…, árbitro de andebol. Em síntese, conhecendo o arguido há 4 anos e sendo seu companheiro da equipa de arbitragem, confirmou que no dia dos factos foram apitar a …, às 16:30 horas, no pavilhão …, e referiu que nesse dia o arguido estava calmo, nada tendo achado de estranho. Confirmou, também, que nesse dia o arguido o levou ao metro …, onde o deixou pelas 19:00 horas. Depôs de forma que se revelou convincente, relatando, com coerência, factos de que, aliás, mostrou ter conhecimento directo.
● O depoimento da testemunha U…, amigo e colega de arbitragem do arguido. Em síntese, para além de confirmar que reside na Rua … na Maia, perto da Rua …, em …, esclareceu que o arguido se deslocava a sua casa para irem para os jogos. Ainda de relevante, referiu que o arguido é pessoa reservada, muita calma, ponderada e correcta, não sendo pessoa agressiva. Mais referiu que foi uma surpresa para ele o que o arguido fez. Depôs de forma que se revelou convincente, relatando, com coerência, factos de que mostrou ter conhecimento directo.
● O depoimento da testemunha V…, agente da PSP. De relevante, confirmou que a pedido da ofendida E… procedeu à identificação do arguido, fazendo a respectiva participação. Ainda de relevante, esclareceu que nesse dia o arguido tentou despista-los. Depôs de forma que se revelou convincente, relatando, com coerência, factos de que mostrou ter conhecimento directo.
Foram ainda relevantes:
● A informação de serviço de fls. 2 a 6.
● A ficha de identificação civil de fls. 7.
● A ficha de registo automóvel de fls. 9.
● Os autos de apreensão de objectos de fls. 13 e 14.
● O cartão de fls. 15.
● O relatório de fls. 19 a 35.
● O auto de notícia de fls. 44.
● A certificação de óbito de fls. 46.
● A ficha de observação médica de INEM de fls. 47.
● O auto de denuncia de fls. 65 a 75.
● O aditamento de fls. 76.
● O aditamento de fls. 77.
● A informação da J… de fls. 163 a 167.
● A informação da F… de fls. 178.
● O recibo de fls. 179, em nome do arguido e relativo ao pagamento da faca apreendida.
● O auto de exame de fls. 192 e 193.
● O aditamento de fls. 274 e 275.
● O relatório de autópsia de fls. 300 a 314.
● O exame psicológico de fls. 445 a 448.
● O relatório de fls. 510 a 516.
● A perícia efectuada ao telemóvel Sansung …, constante do apenso I.
● O auto de denúncia de fls. 2 a 4 do inquérito apenso C.
● Fotografias de fls. 20 a 24 do inquérito apenso C;
● O documento de fls. 544, relativo à pensão auferida pela ofendida C….
● Os documentos de fls.733, 734, 735, 736 e 738.

No que diz respeito à situação pessoal do arguido teve-se por base o relatório social junto e os depoimentos das seguintes testemunhas:
● O depoimento da testemunha W…, que é amigo e colega do andebol do arguido, que já conhece desde 2008. Em síntese, referiu que o arguido dizia que tinha um relacionamento com a ofendida E…, mas nunca viu. Referiu que o arguido é pessoa calma e educada, o que explicou. Referiu, também, que o arguido falava bem da família. Mais referiu que no mes anterior aos factos, o arguido andava um pouco triste.
● O depoimento da testemunha X…, que é amigo e colega do andebol do arguido, que já conhece desde 2008. Em síntese, referiu que o arguido dizia que a ofendida E… era amiga e depois namorada, mas nunca os viu juntos. Referiu, também, que o arguido é pessoa calma e pacata e que não é agressivo nem violento. Tem visitado o arguido, notando que está arrependido, o que explicou.
● O depoimento da testemunha Y…, que é amigo do arguido, que já conhece há 17/18 anos. Em síntese, tendo acompanhado o crescimento do arguido, referiu que em 2009 aquele lhe disse que namorava com uma moça da Maia. Esclareceu que nunca a viu. Também referiu que não notou qualquer alteração de comportamento do arguido antes dos factos, que sempre o achou um rapaz normal e educado, que tem bom trato e que a família do arguido é amistosa e equilibrada.
● O depoimento da testemunha Z…, que é amigo do arguido, que já conhece há 15/16 anos. Em síntese, estando ligado ao I…, onde o arguido foi atleta, referiu que aquele era acarinhado pelo clube, tendo passado a arbitro. Conhecendo a ofendida E… como atleta do clube, esclareceu que não tem conhecimento próprio de qualquer relacionamento entre eles, mas em conversas dizia-se que sim. Também referiu que o arguido sempre teve comportamento responsável, que é chegado à família e que é pessoa fechada. Mais referiu que não notou nada no arguido até ao dia dos factos.
● O depoimento da testemunha AB…, que é amigo do arguido e trabalhou com o arguido enquanto arbitro cerca de 4 anos, pois o depoente é presidente da comissão de arbitragem de andebol …. Em síntese, referiu que o arguido é pessoa exemplar, que nunca teve queixas quanto a ele. Também referiu que não é agressivo e até o achava demasiado mole. Mais referiu que não notou alteração do comportamento do arguido e que ficou estupefacto quando soube dos factos. Ainda de relevante, disse achar que o arguido tem noção da gravidade dos factos e uma visão crítica do que aconteceu, continuando a ter apoio da família, o que explicou.”
No que concerne aos antecedentes criminais do arguido teve-se por base o C.R.C. junto.”
*
2. Os fundamentos do recurso
a) Os vícios do artigo 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal
Como decorre do proémio deste segmento normativo “Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum…”.
*
i) “A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada” [al. a)]
Esta insuficiência da matéria de facto diz respeito àquela que é objecto do processo e que o tribunal se encontra vinculado a conhecer, seja por ter sido alegada pela acusação ou pela defesa, seja porque deve proceder à sua investigação para a descoberta da verdade, na medida em que integram o núcleo essencial dos factos sujeitos a julgamento.
Assim só ocorrerá tal vício se existir uma lacuna, deficiência ou omissão no apuramento e investigação, por parte do julgador, da matéria de facto sujeita à sua apreciação. Por isso, haverá insuficiência da matéria de facto para a decisão se os factos provados não bastarem para justificar a decisão proferida, havendo ainda outros factos que o tribunal não investigou, embora o pudesse ter feito e ainda seja possível fazê-lo, sendo os mesmos necessários para um justo sentenciamento da causa (Ac. do S.T.J. de 2000/Fev./17, BMJ 494/227; de 1998/Dez./09, BMJ 482/68, Ac. R. C. de 1999/Out./27, CJ IV/68).
Assim e no seguimento do Ac. do STJ de 1998/Dez./09 “O vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada não se confunde com a insuficiência da prova para a decisão de facto proferida, questão do âmbito da livre apreciação da prova, segundo o artigo 127.º do Código de Processo Penal, …”, acrescentando-se que “Não ocorre o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando, perante os factos assentes, não se vê que haja insuficiência dos mesmos para caracterizar objectiva e subjectivamente o crime em que o arguido foi condenado.”
Foi isso o que precisamente sucedeu com o recurso apresentado pelo arguido, já que o mesmo invocou este vício notório integrador do artigo 410.º, n.º 2, mas para discutir a apreciação da prova que foi efectuada.
*
ii) “A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão” [al. b)]
A contradição tanto pode existir ao nível da factualidade, como ao nível do direito que é apreciado na sentença proferida. Assim, no que concerne à primeira variante e como se referiu no Ac. do STJ de 2000/Fev./17 (BMJ 494/227) “A contradição insanável da fundamentação verifica-se quando é dado provado e não provado o mesmo facto”, acrescentando que “Não se integra na contradição insanável o não ter sido provado que um certo facto é verdadeiro ou falso, bem como a não prova da veracidade dos factos em causa não provarem a sua falsidade ou ainda a não prova da falsidade não acarretar a veracidade dos factos”. Relativamente à segunda variante e como se alude no Ac. do STJ de 1998/Nov./24 (BMJ 481/350) “A contradição insanável da fundamentação é um vício ao nível das premissas, determinando a formação delituosa da conclusão; se as premissas se contradizem, a conclusão logicamente correcta é impossível”.
Não descortinamos em qualquer momento da sentença recorrida a existência de qualquer contradição, cujos contornos ficaram aqui assinalados.
*
iii) “Erro notório na apreciação da prova” [al. c)]
Para o efeito tem-se entendido, praticamente de modo uniforme por parte da jurisprudência, que tal vício verifica-se quando se dão como provados uma série de factos que violam as regras da experiência comum e juízos lógicos ou então que os mesmos são contraditados por documentação com prova plena, sem que tenha sido invocada a falsidade desta (Ac.STJ de 2005/Fev./09 (Processo n.º 04P4721)(2), 1999/Out./13, CJ (S) III/184; 1999/Jun./16, BMJ 488/262; 1999/Mar./24; BMJ 485/281; 1999/Jan./27, BMJ 483/140; 1998/Dez./12, BMJ 482/68; 1998/Nov./12, BMJ 481/325; 1998/Jun./04, BMJ 478/183; 1998/Abr./22, BMJ 476/272; 1998/Abr./16, 476/273; 1998/Abr./15, BMJ 476/238; 1998/Abr./16, BMJ 476/253; 1998/Jan./27, BMJ 473/178).
Assim e como se apontou naquele primeiro aresto, “O “erro notório na apreciação da prova” – naquela sua primeira modalidade – constitui uma insuficiência que só pode ser verificada no texto e no contexto da decisão recorrida, quando existam e se revelem distorções de ordem lógica entre os factos provados e não provados, ou que traduza uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável, e por isso incorrecta, e que, em si mesma, não passe despercebida imediatamente à observação e verificação comum do homem médio”. Mais se acrescentou que “A incongruência há-de resultar de uma descoordenação factual patente que a decisão imediatamente revele, por incompatibilidade no espaço, de tempo ou de circunstâncias entre os factos, seja natural e no domínio das correlações imediatamente físicas, ou verifïcável no plano da realidade das coisas, apreciada não por simples projecções de probabilidade, mas segundo as regras da experiência comum”.
Por isso é que no citado Ac. do STJ de 1999/Out./13, se decidiu que “O vício do erro notório na apreciação da prova só pode verificar-se relativamente aos factos tidos como provados ou não provados e não às interpretações ou conclusões de direito com base nesses factos”.
Ora o recorrente, nas suas conclusões de recurso, acabou por dissentir do julgamento da matéria de facto, divergindo da convicção que então foi formada pelo tribunal recorrido. Mas como já se referiu “A discordância entre o que o recorrente entende que deveria ter sido dado como provado e o que na realidade o foi pelo tribunal nada tem a ver com o vício de erro notório na apreciação da prova, tal como este é estruturado na lei” (Ac.STJ 1999/Mar./24, 1998/Nov./12 e 1998/Abr./16, BMJ 485/281, 481/325, 476/253).
Nesta conformidade, improcede este fundamento de recurso.
*
b) O crime de homicídio qualificado
Tal ilícito encontra a sua previsão nos artigos 131.º, 132.º n.º 1, 2, do Código Penal, punindo-se “quem matar outra pessoa” “em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade”, seguindo-se depois as situações indiciadoras dessa qualificação, sendo precisamente uma delas “praticar o facto juntamente com, pelo menos, mais duas pessoas, ou utilizar meio particularmente perigoso ou que se traduza na prática de crime de perigo comum” (al. h). na redacção que foi inicialmente dada pela Lei n.º 65/98, de 02/Set. – nesta ocasião tal alínea correspondia à g).
Este crime tutela a vida humana que é um dos valores estruturantes e estruturadores do nosso ordenamento jurídico, consistindo por isso, num tipo de crime fundamental, mas que aqui surge agravado em relação ao tipo base do crime de homicídio. Essa agravação, que justifica uma maior severidade punitiva, advém, de acordo com o proémio do n.º 1 do citado artigo 132.º, de uma conduta causadora de morte que revele uma “especial censurabilidade ou perversidade”. A primeira ocorre quando as circunstâncias causadoras da morte revelarem uma particular reprovabilidade, surgindo as mesmas com uma assinalável gravidade em virtude de traduzirem uma atitude do agente profundamente distanciada dos valores que são, de um modo comum, aceites na convivência em comunidade. A segunda advirá da peculiar malignidade ou crueldade com que foi praticada a morte, revelando uma atitude com base em motivos ou sentimentos profundamente rejeitados pela sociedade, tanto sob o ponto de vista ético, como jurídico (Ac.STJ de 2007/Set./05, Cons. Oliveira Mendes).
Na leitura do que será o significado jurídico-penal de um “meio particularmente perigoso”, temos de atender à sua razão de ser (i), à sua inserção sistemática no tipo qualificado do crime de homicídio (ii), à sua descrição textual (iii), partindo do seu significado comum, bem como à compreensão que o mesmo tem tido na jurisprudência (iv).
No que concerne ao primeiro tópico, temos que o mesmo encontra a sua justificação no maior desvalor da acção conducente à produção do resultado morte, tendo em atenção o meio utilizado para o efeito, sendo certo que este desfecho é idêntico aos demais tipos legais de homicídio. Assim, não bastará que o meio utilizado para causar a morte seja simplesmente apto ou mesmo perigoso para provocar esse desfecho fatal, mas que, para provocar esse resultado, seja especialmente idóneo e grave.
No que diz respeito ao segundo tópico podemos dar conta que a descrição agravativa aqui em causa surge a par da morte ser produzida pelo agente “juntamente com, pelo menos, mais duas pessoas” ou então que se “traduza na prática de crime de perigo comum”, estando estes ilícitos criminais referenciados nos artigos 276.º a 284.º, destacando-se destes os crimes de incêndio, explosões e outras condutas especialmente perigosas (272.º C. Penal), energia nuclear (273.º C. Penal), poluição (279.º a 281.º C. Penal) e corrupção de substâncias alimentares ou medicinais (282.º C. Penal). Isto dá a ideia de que estes contextos qualificativos reduzem a capacidade defensiva por parte da vítima, sendo ainda estes últimos susceptíveis de colocar em perigo outros bens jurídicos.
Fazendo a ponte entre este segundo tópico e o seguinte relativo ao texto descritivo desta circunstância agravativa, podemos constatar que a mesma surge imediatamente antes daquela que faz menção de que a morte veio a ser provocada por o agente “utilizar veneno ou qualquer outro meio insidioso” (alínea i)). Daí que para além da identidade do texto em relação ao vocábulo “meios”, donde partem e estão ancorados tais conceitos, naturalmente que as referências a “meio particularmente perigoso” e “meio insidioso”, exprimem necessariamente significados jurídico-penais distintos. Porém, o vocábulo “meio” tem um significado polissémico, pelo que o mesmo tanto pode ter o sentido de “instrumento”, “utensílio” ou “ferramenta” como exprimir um “processo” ou “método”. E nenhum destes significados é excludente do outro, como é óbvio.
Por último temos a leitura jurisprudencial, com destaque para o STJ, dos conceitos de “meio insidioso” e “meio particularmente perigoso”. Ora por “meio insidioso” tem-se considerado todo aquele processo que se revela enganador, desleal, sub-reptício, dissimulado ou oculto, criando uma situação que coloca a vítima numa posição de indefesa ou então de mais difícil reacção defensiva, como sucederia em circunstância normais (Ac.STJ de 2010/Mai./27 CJ (S) II/206, Cons. Santos Cabral), como sucede quando apenas se exibe uma arma de fogo junto da vítima, que é sacada de surpresa (Ac.STJ 2004/Mai./20, CJ (S) II/195, Cons. Costa Mortágua; 2006/Jul./13, CJ (S) II/244, Cons. Rodrigues da Costa) ou então manieta previamente a vítima pelo pescoço e pelas costas, encosta a pistola à cabeça e dispara (Ac.STJ 2000/Dez./13, CJ (S) III/241, Cons. Mariano Pereira) e a generalidades dos tiros disparados à “queima roupa” ou desferidos de modo traiçoeiro (Ac. STJ 2007/Mar./29, CJ (S) I/238, Cons. Pereira Madeira). O mesmo sucede quando o arguido, sem qualquer troca de palavras, saca de uma faca de que estava munido e golpeia outra pessoa (Ac.STJ 1994/Abr./14, CJ I/263, Cons. Fisher Sá Nogueira).
A propósito do conceito de “meio particularmente perigoso” considera-se que o mesmo é o instrumento, método ou processo que, para além de dificultar de modo exponencial a defesa da vítima, tem que revelar uma aptidão reforçada, muito superior ao normal em relação a outros meios e procedimentos, para causar a morte, constituindo ainda um perigo para outros bens pessoais, excluindo-se, em regra, desta estrutura valorativa as facas, as pistolas e os instrumentos contundentes em geral (Ac.STJ 2006/Mar./02, Cons. Sima Santos). A título exemplificativo considerou-se que não se tratava de um meio particularmente perigoso, causador da morte, a utilização de uma machada, em que o cabo rondava os 18 cm e a lâmina cortante 10 cm (Ac.STJ 2007/Set./05, Cons. Oliveira Mendes) ou então o uso de um machado, tendo o cabo de madeira 71,5 cm e a lâmina de 12 cm (Ac.STJ 2012/Fev./23, Cons. Rodrigues da Costa). O mesmo sucedeu em relação à utilização de uma faca, em que o comprimento da lâmina era de 9,5 cm e a largura máxima da mesma de 2,5 cm. (Ac.STJ 2011/Dez./07, CJ (S) III/227, Cons. Santos Carvalho). Do mesmo modo não existiria um meio particularmente perigoso se este se tratasse de uma pistola de calibre 6,35 mm (Ac.STJ 2000/Dez./13 CJ (S) III, Cons. Mariano Pereira; 2003/Out./15, Cons. Henriques Gaspar) ou então de uma arma caçadeira (Ac.STJ 2002/Mai./17, Cons. Flores Ribeiro), ainda que a mesma seja municiada com cartuchos carregados de zagalotes, próprios para a caça ao javali (Ac.STJ 2002/Dez./18, Cons. Carmona da Mota).(3)
Mas a utilização de um veículo automóvel dirigido contra a vítima, mediante o seu atropelamento intencional (Ac.STJ 2007/Out./17, Cons. Armindo Monteiro) ou o uso de uma adaga, com duas linhas de corte, sendo uma delas em serra e a outra direita, com o comprimento de lâmina de 21,5 cm e cabo de 14,5 cm (Ac.STJ 2008/Jul./03, Cons. Rodrigues da Costa)(4), correspondem a um meio particularmente perigoso.
No entanto também se expressou uma corrente de que a particularidade do meio empregue depende não só da natureza e das características do instrumento utilizado (i), mas também do contexto em que se faz uso do mesmo (ii), de modo que o seu uso ou o processo da sua utilização dificultem significativamente a defesa da vítima, violando ou que sejam susceptíveis de lesar outros bens jurídicos importantes (Ac. STJ de 2000/Set./27, CJ (S) III/179, Cons. Lourenço Martins). Tal ocorreria com o uso de uma caçadeira de canos serrados, sem que nada fizesse prever essa utilização (Ac.STJ de 2004/Dez./07, Cons. Pereira Madeira), mormente quando aquela é municiada com cartuchos de calibre 12 (Ac. STJ de 2007/Set./05, Cons. Oliveira Mendes).
Por tudo isto, o significado jurídico-penal de “meio particularmente perigoso”, tanto pode corresponder ao “instrumento” ou “utensílio” utilizado para causar a morte, como é habitualmente empregue, como ao “processo” e “método” com que esse mesmo instrumento foi utilizado, havendo assim uma similitude de significados, ainda que plural, entre aquela leitura e o vocábulo “meio” expresso no texto da circunstância qualificativa da al. h), havendo, por isso, uma correspondência de terminologias (9.º do Código Civil). Aliás, só assim a lei penal revela a sua racionalidade e uma dinâmica distintiva entre o crime matriz de homicídio e o crime qualificado de homicídio, por um lado, bem como entre aquelas circunstâncias qualificativas constantes nas alíneas h) e i) do n.º 2 do artigo 132.º, por outro lado. Também só através desta conceitualização é que a norma pode assumir a sua estrutura comunicativa clara e perceptível entre o legislador, os tribunais e os cidadãos. Cremos, por tudo isto, que a expressão “meio particularmente perigoso” tanto pode ser revelada pela natureza e as características do instrumento (“utensílio” ou “ferramenta”) empregue no acto de matar, como também do contexto que rodeou o processo (“expediente” ou “método”) causador dessa mesma morte.
Como se sabe, uma das características de uma faca de mato é ter uma serrilha na sua parte anterior superior, conjugada com uma lâmina metálica corto-perfurante, que termina em forma pontiaguda, mas com um certo desnível no seu limite superior. Por isso a mesma, acaba por ser, como é da experiência comum, um instrumento com uma capacidade perfurante e destruidora muito acima da média do que qualquer faca, face às flagrantes potencialidades de penetração no corpo humano, tendo a faca de mato uma aptidão muito acentuada para perfurar e dilacerar, de modo intenso e eficaz, o tecido e órgãos humanos que atinge. Tanto é assim, que as facas de mato são normalmente utilizadas pelas unidades de elite das forças armadas (v.g. comandos, fuzileiros, pára-quedistas ou as forças de operações especiais, vulgarmente designadas por “rangers”) como instrumentos de agressão na luta corpo a corpo. Mas também são aproveitadas para actividades venatórias ou florestais, atenta a sua potencialidade devastadora. No caso em apreço a faca de mato aqui em causa tem uma lâmina corto-perfurante com um comprimento de 19,3 cm, pelo que a mesma enquadra-se perfeitamente na classificação de instrumento particularmente perigoso. Tanto mais que com essa mesma faca de mato foram desferidas várias ofensas no corpo da vítima, atingindo-a em diversas zonas do corpo (região anterior do pescoço; região anterior esquerda do tórax; região dorsal esquerda), anulando totalmente toda a defesa que foi esboçada pelo visado (20 parte final dos factos provados).
A isto acresce que o arguido, ao ter entrado no logradouro das traseiras da residência da sua ex-namorada, com o intuito de vigiar esta trazia consigo dissimulada e presa nos cintos das suas calças, aquela faca de mato. Foi então, numa ocasião em que já era de noite e sem que nada o fizesse prever, que o arguido, ao ser surpreendido naquele logradouro pelo avô daquela sua ex-namorada, se dirigiu ao mesmo, tendo-lhe desferido violentos golpes no tórax, provocando a sua queda no solo, continuando o arguido a golpeá-lo (16 a 21 dos factos provados), o que não deixa de ser revelador de um meio insidioso, enquanto processo causador do decesso daquela vítima.
Em suma, temos que o arguido cometeu um crime de homicídio, utilizando, para o efeito, uma faca de mato, com as apontadas características, correspondendo a mesma e objectivamente a um meio particularmente perigoso. Mas também a sua entrada sub-reptícia no logradouro, trazendo consigo aquela faca de mato dissimulada nas suas calças, e utilizando a mesma para golpear mortalmente a sua vítima, faz do seu uso mortífero, naquele contexto de surpresa, um meio insidioso.
Por sua vez, as circunstâncias e o modo como foi cometida a morte da vítima são reveladoras de particular censurabilidade, pois atingiu-se mortalmente uma pessoa, que se encontrava na sua residência e que se limitou a deslocar para o logradouro da sua casa para ver o que se passava, uma vez que, para o efeito, tinha sido alertado pelos latidos do cão. E tudo isto porque o arguido não tinha aceite o fim do seu anterior namoro, não tendo a vítima tido qualquer relação ou interferência nesse seu anterior relacionamento amoroso, a não ser o facto de ser avô daquela que foi sua namorada.
Em conformidade e nesta parte, não existe nenhuma censura a fazer ao acórdão recorrido.
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c) A medida da pena
A Constituição, através do seu 18.º, n.º 2, estabelece como um dos parâmetros de qualquer reacção penal, tanto na determinação como na sua aplicação, a necessidade da mesma para preservar a convivência em sociedade, ao preceituar que “A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”. Daí que a todo o crime corresponda uma reacção penal, mediante a qual a comunidade expressa o seu juízo de desvalor sobre os factos e a conduta realizada por quem viola os comandos legais do ordenamento penal, estando a mesma definida no respectivo tipo legal.
Por sua vez, a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia também enuncia vinculativamente para os respectivos Estados Membros e através do seu artigo 49.º, n.º 3 que “As penas não devem ser desproporcionadas em relação à infracção.”, podendo e devendo esta referência ser constitucionalmente convocada para o ordenamento jurídico nacional (8.º, n.º 2 Constituição). A proporcionalidade tem sido perspectivada a partir de três sub-princípios: da idoneidade ou adequação (i), da necessidade ou exigibilidade (ii), ambos respeitantes à optimização relativa do que é factualmente possível, e da proporcionalidade em sentido estrito ou da justa medida (iii), o qual se reporta à optimização normativa, seja a propósito dos direitos, liberdades e garantias em geral (Ac.TC 11/83, 285/92, 17/84, 86/94, 99/99, 302/2006, 158/2008)(5) seja especificamente no que concerne às reacções penais (Ac. TC 370/94, 527/95, 958/96, 329/97).
Também não nos podemos esquecer que a determinação de uma reacção penal deve pautar-se igualmente por critérios de igualdade (13.º Constituição), no sentido que casos semelhantes devem ser sujeitos a condenações similares, de modo que as consequências jurídico-penais não se mostrem desfasadas da jurisprudência punitiva expectável para situações semelhantes (Ac.STJ 2008/Mar./03, Cons. Santos Carvalho).
Decorre da conjugação daqueles preceitos e da sua leitura os princípios constitucionais da intervenção mínima do direito penal, da proporcionalidade das penas e da igualdade, não apenas na lei, mas através desta. Mas também não nos podemos esquecer que estes princípios tentam traduzir uma ideia de justiça, a qual é imanente a um Estado de Direito Democrático (2.º Constituição), que tem a sua matriz na Constituição, mormente quando estão em causa a efectivação dos direitos e liberdades fundamentais.
O Código Penal, no que concerne à determinação e execução das penas, começa por consagrar no seu artigo 40.º, n.º 1 que a aplicação das mesmas visa a “protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” e que, segundo o subsequente n.º 2 “Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.
Mas isto não significa que na escolha e na aplicação de uma reacção penal se vise a expiação da culpa, como que retribuindo-se ao condenado aquilo que o mesmo infringiu, dirigindo-se a pena para o passado. Assim, o que se pretende é a responsabilização do agente por este ter realizado uma conduta negadora do direito, mas de modo a se prevenirem futuros delitos, ao mesmo tempo que se possibilita a integração do mesmo na sociedade, motivando comportamentos socialmente adequados.
Este fundamento é renovado no artigo 42.º, n.º 1 do Código Penal, ao enunciar que “A execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes, deve orientar-se no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável”.
Isto significa que a pena, enquanto instrumento político-criminal de protecção de bens jurídicos, tem uma nítida função de paz jurídica ou social, típica da prevenção geral(6), sendo de resto a sua âncora, mas associando a defesa da sociedade a nítidas orientações de prevenção especial, tanto positiva na vertente da ressocialização do arguido, como negativa face à perigosidade revelada por este último.
Nesta conformidade e atento o referido princípio constitucional da intervenção mínima do direito penal, sempre a determinação de uma sentença condenatória privativa da liberdade deverá restringir-se aos casos de manifesta idoneidade ou adequação (i), necessidade ou exigibilidade (ii) e, sempre, na sua justa medida (iii), respeitando-se os respectivos pressupostos e limites de não perpetuidade das penas de prisão (27.º, n.º 2 e 30.º, n.º 1 Constituição), bem como as referidas finalidades de punição.
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A determinação legal da pena encontra-se inscrita no respectivo tipo de crime, que no caso do homicídio qualificado da previsão do artigo 132.º, n.º 1 corresponde a uma moldura penal que vai dos 12 aos 25 anos de prisão.
Tendo o arguido posto unicamente em causa a pena parcelar de 18 anos de prisão que lhe foi aplicada pelo tribunal recorrido – a outra pena parcelar decorrente do crime de ameaças não foi sequer questionada pelo mesmo – vejamos primeiro como é que o tribunal recorrido fundamentou tal pena parcelar, para depois vermos se a mesma se enquadra nos critérios legais e judiciais que aqui se mostram pertinentes.
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Assim, do acórdão recorrido e depois dos enunciados gerais, destacamos o seguinte
“Começando pelo grau de ilicitude do facto típico, entendemos que se situa num nível elevado, tendo em conta, desde logo, o modo como ocorreram os factos e a sua forma de execução, não podendo deixar de ser considerado que o arguido adquiriu previamente a faca e entrou na propriedade da vítima, sem qualquer razão ou justificação, com a mesma dissimulada e presa no cinto.
Não pode, igualmente, deixar de ser tida em conta a forma persistente como ameaçou a ofendida E….
A favor do arguido nenhuma circunstância de relevo se pode apontar, salvo a disponibilidade da quantia em dinheiro que fez após o julgamento.
No que diz respeito à intensidade do dolo, ao actuar como actuou, o arguido fê-lo com dolo, sendo, nessa medida, particularmente intensa a sua vontade criminosa.
São por demais evidentes, no caso, as exigências preventivas, sobretudo de prevenção geral.
Como atenuantes de carácter geral, há que ter em conta a circunstância de o arguido não ter antecedentes criminais.
Relativamente à sua conduta posterior ao crime, a mesma deverá ser tomada em conta, na medida em que embora tenha admitido ter golpeado a vítima e ter enviado as mensagens, apresentou uma versão dos acontecimentos que não corresponde à realidade, não assumindo a sua responsabilidade nos termos dados como provados, procurando, antes, desresponsabilizar-se.
Com efeito, sendo certo que o tribunal não pode valorar o silêncio do arguido, ou seja o facto de este não prestar declarações, que é um direito que lhe assiste, o mesmo já não acontece quando ele prescinde desse direito e vem apresentar uma versão dos factos que não corresponde à realidade. Aqui, estamos perante um comportamento processual do arguido que, umas vezes mais, outras vezes menos, permite tirar importantes conclusões sobre a medida da sua culpa e sobre o grau da sua perigosidade.
Ponderadas todas estas circunstâncias e levando ainda em conta a idade do arguido e a circunstância de se encontrar integrado em termos sociais e familiares, consideram-se adequadas as seguintes penas:
- a pena de 18 (dezoito) anos de prisão pela prática do crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos art.ºs 131.º e 132.º n.º 2, al. h), do Código Penal.
- a pena de 8 (oito) meses de prisão pela prática do crime de ameaça, p. e p. pelo art.º 153.º, n.ºs 1 e 2, do C.Penal.”
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O bem jurídico aqui em causa e que já foi assinalado é a vida humana, a qual juridicamente se revela após o nascimento completo (66.º, n.º 1 Código Civil) e tem o seu ocaso com a morte (68.º, n.º 1 Código Civil), sendo esta que faz cessar a personalidade.
A determinação judicial da pena passa pelos seus critérios aferidores que se encontram nos artigos 70.º e 71.º do Código Penal. Assim e tomando apenas em atenção este último normativo, já que a moldura penal aqui em causa tem apenas como prevista a pena de prisão, será de considerar, numa primeira aproximação, que a pena deve ser concretizada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. Num segundo momento dever-se-á atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, rodearam o mesmo, antes ou depois do seu cometimento. Daqui resultam as seguintes regras essenciais: uma é de que a culpa surge como o fundamento primordial para a concretização da pena (i); a outra é que se deverá ter em conta os efeitos da pena na vida futura do arguido na sociedade (ii), da necessidade desta defender-se do mesmo (iii), mantendo ainda a confiança da comunidade na tutela da correspondente norma jurídica que foi violada (iv).
Posto isto, podemos dizer que nesta acção a pena serve primacialmente, por um lado, para a punição da culpa, contribuindo ainda, por outro lado e ao mesmo nível, para a reinserção social do arguido, procurando não prejudicar a sua situação social mais do que estritamente necessário (função preventiva especial positiva). Contudo, torna-se também patente que existem ainda fortes razões de prevenção espacial, face à perigosidade da conduta evidenciada pelo arguido, assim como de prevenção geral, na sua dimensão de assegurar a paz jurídica ou social.
Nas demais circunstâncias que antecederam, são contemporâneas ou posteriores ao cometimento dos delitos e que influenciam a determinação da pena, de modo a concretizar-se o tipo e a gravidade da mesma, temos o seguinte:
- a favor do arguido apenas vislumbramos o facto deste ser delinquente primário (85 factos provados) e ter na ocasião 24 anos de idade, uma vez que o mesmo nasceu em 1987/Mai/09, como resulta do intróito identificativo e os factos aqui em causa foram perpetrados em 2011/Out./22
- contra si está a intensidade da ilicitude, que o levou a entrar no logradouro da vítima, não tendo tido qualquer altercação com a mesma, bem como o dolo revelado, que é manifestamente persistente, traduzido nas várias facadas que desferiu naquele, situando-se a culpa como razoável.
Daí que se considere ajustado que nos situemos antes da média entre os limites mínimos e máximos da moldura penal, pois a culpa do arguido e depois de enquadrada a mesma num crime de homicídio qualificado, decorrente do meio particularmente perigoso por si empregue, mostra-num patamar cuja intensidade da culpa não ultrapassa o que é mediano nestes casos. E essa ponderação aquém da média desses limites da moldura penal, ainda mais se justifica quando se estabelece uma amplitude de 13 anos de prisão. Assim, temos como equilibrado condenar o arguido numa pena de 16 anos de prisão.
As regras de punição do concurso estão contempladas no art. 77.º, n.º 1 do Cód. Penal, aludindo-se aí que “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”, indicando-se no n.º 2 que o limite mínimo é a pena mais elevada que lhe foi aplicada e o máximo a soma de todas elas, sem, naturalmente se ultrapassar o limite legal.
Isto significa que na determinação da pena única se deve atender à globalidade dos factos praticados, de modo a aferir-se a gravidade do ilícito global e o tipo de conexão que esta tem com a personalidade do agente, aferindo-se, essencialmente, se aquela conduta global tem carácter esporádico ou é reconduzível a uma prática consistente. Assim, observando-se os critérios legais do concurso de crimes estabelecido no artigo 77.º do Código Penal, bem como os critérios judiciais que atentaram à globalidade do ilícito, os quais não foram postos em causa neste recurso, será de aplicar uma pena única de 16 anos e 4 meses de prisão.
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III. DECISÃO
Nos termos e fundamentos expostos concede-se parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido B… e, em consequência, delibera-se:
1.º) condenar o mesmo, como autor material e em concurso real, de um crime de ameaças da previsão do artigo 153.º, n.º 1 e 2 do Código Penal e de um crime de homicídio qualificado da previsão dos artigos 131.º, 132.º, n.º 2, al. h) também do Código Penal, nas penas de, respectivamente, oito (8) meses de prisão e dezasseis (16) anos de prisão, seguindo-se, em cúmulo jurídico, uma pena única de 16 (dezasseis) anos e 4 (quatro) meses de prisão;
2.º) confirmar no demais o acórdão recorrido.

Não é devida tributação, uma vez que não houve decaimento total por parte do arguido (513.º, 514.º do C. P. Penal).

Notifique.

Porto, 03 de Dezembro de 2012
Joaquim Arménio Correia Gomes
Paula Cristina Passos Barradas Guerreiro
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(1) Vide Carlos Matias, revista “Sub Judice”, nº 4, pag. 148;
(2) Relato pelo Cons. Henriques Gaspar e divulgado em www.dgsi.pt, assim como os demais a que não se faça indicação expressa da sua origem.
(3) Mas este último com voto de vencido.
(4) Relatado, respectivamente, pelos Cons. Armindo Monteiro e Rodrigues da Costa.
(5) Acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt assim como os demais a que se fizer referência do Tribunal Constitucional.
(6) ROXIN, Claus, Culpabilidad y Prevencion en Derecho Penal, Editorial Réus, 1981, Madrid, p. 181; FIGUEIREDO DIAS, Jorge Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, p. 73 e ss; “Sobre o estado actual da doutrina do crime”, na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano I, 1991, p. 22; PALMA, Maria Fernanda, “As alterações da Parte Geral do Código Penal na revisão de 1995: Desmantelamento, reforço e paralisia da sociedade punitiva”, em Jornadas sobre a revisão do Código Penal, Almedina, Coimbra, 1998, p. 26, onde se traça as finalidades de punição deste artigo 40.º, com base no § 2 do projecto alternativo alemão (Alternativ-Entwurf).