Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
765/08.1PRPRT.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PEDRO VAZ PATO
Descritores: CRIME DE PERTURBAÇÃO DA PAZ E DO SOSSEGO
MENSAGENS ESCRITAS
Nº do Documento: RP20121107765/08.1PRPRT.P2
Data do Acordão: 11/07/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC. PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO.
Área Temática: .
Sumário: Integra a prática do crime p. e p. pelo artigo 190º, nºs 1 e 2, do Código Penal o envio de mensagens escritas (sms) através de telemóvel com a intenção de perturbar a vida privada, a paz e o sossego de outra pessoa.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
Pr 765/08.1PRPRT
Acordam os juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto

I –B….. veio interpor recurso da douta sentença do 2º Juízo Criminal do Porto que o condenou, pela prática de um crime de perturbação da paz e do sossego, p. e p. pelo artigo 190º, nº 1 e 2, do Código Penal, na pena de duzentos dias de multa, à taxa diária de vinte euros.

São as seguintes as conclusões da motivação do recurso:
«1) Da factualidade existente nos autos restam inequivocamente dúvidas de que a conduta do arguido preencha os elementos objectivos do tipo de crime de que vem acusado, pois a sua conduta nele não se subsume.
2) Fazendo jus ao princípio da legalidade penal previsto no artigo 29º nº 1 da C.R.P. e art. 1º do C.Penal, com a eliminação no novo texto legal da expressão “através de mensagens”, como forma de devassa anteriormente abrangida, deixou de ser criminalmente punível tal forma de perturbação.
3) De acordo com o novo texto da norma incriminadora a palavra falada circunscrita à mera trica directa de palavras entre chamador e receptor ou a tentativa de o fazer, através de som ou chamamento emitido pelo aparelho fixo/móvel de comunicação à distância, consubstancia a única forma susceptível de perturbar a paz e sossego de uma pessoa.
4) Caso assim não se entendesse por que razão o legislador se daria ao trabalho de alterar o texto legal?
5) Caso se entenda manter o entendimento sufragado pela Meritíssima Juíza a quo, há que ter em consideração a ausência de antecedentes criminais do arguido, bem como se ter tratado de um acto meramente ocasional na sua vida, tendo nos autos referido que jamais cometerá tal tipo de ilícito.»

O Ministério Público respondeu à motivação do recurso, concluindo que nenhuma censura haverá a fazer à sentença recorrida, uma vez que a qualificação jurídica dos factos e o processo de determinação da pena correspondem a uma exata e rigorosa aplicação da lei, devendo improceder a pretensão do recorrente e ser mantida a decisão nos seus precisos termos.

Da resposta à motivação do recurso apresentada pelo assistente, C….., constam as seguintes conclusões:
«1) O Arguido não dá nenhuma razão verdadeira que justifique uma resposta à Matéria de Facto diferente da apurada pelo Tribunal recorrido.
2) Na verdade, a argumentação do Arguido já foi alvo de decisão de mérito pelo Tribunal ad quem, o qual aprofundou e refutou completamente a posição do Arguido.
3) A conduta do Arguido é subsumível objectiva e subjectivamente ao crime p. e p. no artigo 190°, nº2, do C,P.
4) Está provado que, efectivamente, o Arguido quis e conseguiu perturbar a Paz e o Sossego do Assistente, via telemóvel.
5) Na verdade, o Arguido procura justificar e explicar aquilo que o Tribunal recorrido qualificou como "conduta que perturbaria a paz e sossego de qualquer pessoa", com um argumento qual, o mesmo tribunal considerou "não credível".
6) Sabendo da inconsistência do seu argumento e tendo admitido já, o Arguido, do seu arrependimento, tenta agora em sede de recurso, em "desespero", fazer crer da ilegalidade da aplicação da lei penal quando ilegal e criminal apenas foi a sua conduta.
7) O "envio de SMS" submete-se ao conceito de "telefonar" para preenchimento dos elementos típicos do crime p. e p. no artigo 190°, n? 2, do C.P, sendo que "telefonar" é comunicar por telefone, quer oralmente, quer por escrito, conforme o considerou também, o Tribunal recorrido.
8) As alterações feitas pelo legislador ao artigo 190°, nº2, do C.P., ao contrário do alegado pelo Arguido, tiveram como fundamento alargar a criminalização da perturbação da Paz e Sossego a todo o local onde a pessoa se encontre, CRIMINALIZANDO assim, as situações de perseguição persistente, via telemóvel.
9) As mensagens SMS têm efeitos ainda mais perturbadores da paz e sossego que as chamadas telefónicas.
10) Além do mais, O Arguido não só enviou mensagens SMS como telefonou para o Assistente e não falou.
11) O Arguido não deu um único motivo justificativo, para que este Tribunal altere a matéria que o Tribunal recorrido deu como provada.
12) O Arguido fundou o seu recurso, apenas e só em questões de interpretação linguística, quais o mesmo Tribunal veio contradizer.
13) Ora, os factos provam que, sem margem para dúvida, a conduta do Arguido integra os elementos típicos do crime que lhe é imputado.
14) E tudo ponderado, apenas uma decisão poderia fazer Justiça, sendo esta a decisão que foi tomada pelo Tribunal recorrido e que condenou o Arguido, tanto da Acusação como, evidentemente, das custas do processo.
15) Razão porque deve ser tal decisão mantida.»

O Ministério Público junto desta instância emitiu douto parecer, reiterando a posição assumida pelo Ministério Público junto da primeira instância.

Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora decidir.

II – As questões que importa decidir são, de acordo com as conclusões da motivação do recurso:
- a de saber se os factos considerados provados na douta sentença recorrida integram a prática do crime de perturbação de paz e sossego, p. e p, pelo artigo 190º, nº 1 e 2, do Código Penal;
- a de saber se a pena em que o arguido foi condenado é excessiva, face aos critérios legais.

III – Da fundamentação da douta sentença recorrida consta o seguinte:

A. Discutida a causa resultaram provados os seguintes factos com interesse para a decisão a proferir:
1) No dia 9 de julho de 2008, por motivos profissionais, o assistente encontrou-se com a mulher do arguido, D….., num restaurante em Lisboa. Em seguida, dirigiram-se para o bar de um hotel, sito na mesma localidade, onde decorreu uma reunião de trabalho.
2) A partir deste acontecimento, decidiu o arguido perturbar o assistente na sua paz e sossego, via telemóvel.
3) Para o efeito, entre as 00.35 horas e as 12.09 horas do dia 18 de julho de 2008, o arguido, a partir do seu telemóvel com o nº 96251…., enviou para o telemóvel do assistente com o nº 93605…., 21 mensagens escritas, constantes de fls. 23 e 47, sendo 11 delas do seguinte teor: “Foi bom para ti teres beijado a minha mulher? Gostastes?”.
4) Entre os dias 19 e 21 de julho de 2008, o arguido, a partir do seu telemóvel com o nº 96251…., enviou para o telemóvel do assistente, com o nº 93605…., 30 mensagens escritas constantes de fls. 47 a 54, cujo teor se dá por reproduzido.
5) No dia 30 de julho de 2008, o arguido, a partir do seu telemóvel com o nº 96251…., enviou para o telemóvel do assistente, com o nº 93605…., a mensagem escrita constante de fls. 55, do seguinte teor: “já contou a verdade à sua mulher ou continua armado em cobardolas à espera que eu desista! E deixe de o chatear?!!!”.
6) No dia 1 de agosto de 2008, o arguido, a partir do seu telemóvel com o nº 96251…., enviou para o telemóvel do assistente, com o nº 93605…., 5 mensagens escritas constantes de fls. 56, cujo teor se dá por reproduzido.
7) No dia 6 de agosto de 2008, o arguido, a partir do seu telemóvel com o nº 96251…., enviou para o telemóvel do assistente, com o nº 93605…., 16 mensagens sem texto e ainda 57 mensagens escritas constantes de fls. 57 e 58, cujo teor se dá por reproduzido.
8) Entre os dias 13 e 15 de agosto de 2008, o arguido, a partir do seu telemóvel com o nº 96251…., enviou para o telemóvel do assistente, com o nº 93605…., 3 mensagens escritas constantes de fls. 59, cujo teor se dá por reproduzido, e, pelo menos, 1 mensagem sem texto.
9) No dia 5 de setembro de 2008, o arguido, a partir do seu telemóvel com o nº 96251…., enviou para o telemóvel do assistente, com o nº 93605…., 12 mensagens escritas constantes de fls. 60, cujo teor se dá por reproduzido, sendo, pelo menos, dez com o mesmo texto.
19) Entre os dias 13 e 14 de setembro de 2008, o arguido, a partir do seu telemóvel com o nº 96251…., enviou para o telemóvel do assistente, com o nº 93605…., 53 mensagens escritas e 17 mensagens sem texto, constantes de fls. 61 a 69, cujo teor se dá por reproduzido.
20) No dia 15 de setembro de 2008, o arguido, a partir do seu telemóvel com o nº 96251…, enviou para o telemóvel do assistente, com o nº 93605…, 15 mensagens escritas constantes de fls. 70 e 71, do seguinte teor: “Então, já explicou à sua mulher qual é a diferença entre uma RELAÇÃO COMERCIAL e uma RELAÇÃO EXTRACONJUGAL? ou prefere explicar em tribunal e ser acusado de PREJÚRIO e de ASSEDIO SEXUAL!!!”.
21) Entre os dias 16 e 19 de setembro de 2008, o arguido, a partir do seu telemóvel com o nº 96251…., enviou para o telemóvel do assistente com o nº 93605…., 19 mensagens escritas do seguinte teor: “Pelo facto de voçé ser mentiroso e não assumir os erros que comete, está a obrigar-me a envestigar as coisas!!!, e agora voçê vai ter de me explicar, exatamente a mim, ou em tribunal, o que aconteceu naquele quarto de hotel no dia 9/7/2008!!!, Como vê vamos ter de falar em breve!!!. Pense na proposta que eu lhe fiz pq voçe está a deixar complicar mto o problema!!!” e 5 mensagens escritas do seguinte teor: “Voçê já conseguiu explicar ao seu Advogado e à sua mulher o que é uma RELAÇÃO COMERCIAL, entre duas pessoas, num QUARTO DE HOTEL!!!” e ainda 2 mensagens sem texto, conforme fls. 72 a 76.
22) No dia 2 de outubro de 2008, o arguido, a partir do seu telemóvel com o nº 96251…., enviou para o telemóvel do assistente, com o nº 93605…., 22 mensagens escritas constantes de fls. 77 a 82, cujo teor se dá por reproduzido.
23) No dia 4 de outubro de 2008, o arguido, a partir do seu telemóvel com o nº 96251…., enviou para o telemóvel do assistente, com o nº 93605…., 18 mensagens escritas, do seguinte teor: “Quando é que voçe conta a verdade à sua mulher?!, eu também não tenho pressa nenhuma!!!, ou vai querer continuar a viver no seu mundo de PINÓQUIO?” e “Voçé no mundo do PINÓQUIO consegue ter amigos?!!!, se os tem é porque não conhecem a pessoa que voçé é!!!”, constantes de fls. 83 a 86.
24) No dia mesmo dia 4 de outubro de 2008, às 19.55 horas, o arguido, a partir do seu telemóvel com o nº 96251….9, telefonou para o telemóvel do assistente, com o nº 93605…., durante 1 segundo – cfr. fls. 429.
25) No dia mesmo dia 4 de outubro de 2008, às 19.56 horas, o arguido, a partir do seu telemóvel com o nº 96251…., telefonou para o telemóvel do assistente, com o nº 93605…., durante 2 segundos – cfr. fls. 429.
26) No dia 8 de outubro de 2008, o arguido, a partir do seu telemóvel com o nº 96251…., enviou para o telemóvel do assistente, com o nº 93605…., 4 mensagens escritas do seguinte teor: “Sem grande esforço já tenho o novo numero de telemovel da sua mulher!!!, como vê nao adianta muito você andar a tentar fugir e a esconder-se da verdade!!!. Uma coisa eu lhe garanto, só vou parar quando você confessar a verdade!!!”, constantes de fls. 87 e 88.
27) No dia 11 de outubro de 2008, o arguido, a partir do seu telemóvel com o nº 96251…., enviou para o telemóvel do assistente, com o nº 93605…., 15 mensagens escritas constantes de fls. 89 a 92, cujo teor se dá por reproduzido.
28) No dia 18 de outubro de 2008, o arguido, a partir do seu telemóvel com o nº 96251…., enviou para o telemóvel do assistente, com o nº 93605…., 9 mensagens escritas, constantes de fls. 93 e 94, cujo teor se dá por reproduzido.
29) No dia 20 de outubro de 2008, o arguido, a partir do seu telemóvel com o nº 96251…., enviou para o telemóvel do assistente, com o nº 93605…., 84 mensagens escritas, sendo 5 mensagens a partir das 23.30 horas desse dia, constantes de fls. 95 a 103, cujo teor se dá por reproduzido.
30) Às 00.13 horas do dia 21 de outubro de 2008, o arguido, a partir do seu telemóvel com o nº 96251…., enviou para o telemóvel do assistente, com o nº 93605…., 5 mensagens escritas constantes de fls. 103, cujo teor se dá por reproduzido, e, entre as 10.54 horas e as 11.16 horas desse dia, enviou mais 16 mensagens escritas, constantes de fls. 103 a 106, cujo teor se dá por reproduzido.
31) No dia 24 de outubro de 2008, entre as 10.46 horas e as 21.39 horas, o arguido, a partir do seu telemóvel com o nº 96251…., enviou para o telemóvel do assistente, com o nº 93605…., 15 mensagens escritas, constantes de fls. 107 a 110, cujo teor se dá por reproduzido.
32) No dia 25 de outubro de 2008, entre as 11.24 horas e as 23.41 horas, o arguido, a partir do seu telemóvel com o nº 96251…., enviou para o telemóvel do assistente, com o nº 93605…., 21 mensagens escritas, constantes de fls. 111 a 115, cujo teor se dá por reproduzido.
33) No dia 26 de outubro de 2008, o arguido, a partir do seu telemóvel com o nº 96251…., enviou para o telemóvel do assistente, com o nº 93605…., 10 mensagens escritas, constantes de fls. 116 a 118, cujo teor se dá por reproduzido.
34) No dia 27 de outubro de 2008, o arguido, a partir do seu telemóvel com o nº 96251…., enviou para o telemóvel do assistente, com o nº 93605…., 9 mensagens escritas, constantes de fls. 119 e 120, cujo teor se dá por reproduzido.
35) No dia 10 de novembro de 2008, o arguido, a partir do seu telemóvel com o nº 96251…., enviou para o telemóvel do assistente, com o nº 93605…., 46 mensagens escritas, constantes de fls. 141 a 144, cujo teor se dá por reproduzido.
36) No dia 13 de novembro de 2008, o arguido, a partir do seu telemóvel com o nº 96251…., enviou para o telemóvel do assistente, com o nº 93605…., 5 mensagens escritas, constantes de fls. 145 e 146, do seguinte teor: “Continuo à espera de resposta!!!”.
37) No dia 14 de novembro de 2008, o arguido, a partir do seu telemóvel com o nº 96251…., enviou para o telemóvel do assistente, com o nº 93605…., 52 mensagens escritas, constantes de fls. 147 a 149, do seguinte teor: “Entao já contou a verdade à sua mulher ou vai continuar a ser mentiroso o resto da vida!!!”.
38) No dia 15 de novembro de 2008, o arguido, a partir do seu telemóvel com o nº 96251…., enviou para o telemóvel do assistente, com o nº 93605…., 25 mensagens escritas, constantes de fls. 150 a 154, cujo teor se dá por reproduzido.
39) No dia 16 de novembro de 2008, o arguido, a partir do seu telemóvel com o nº 96251…., enviou para o telemóvel do assistente, com o nº 93605…., 20 mensagens escritas, constantes de fls. 155 e 156, cujo teor se dá por reproduzido.
40) No dia 17 de novembro de 2008, o arguido, a partir do seu telemóvel com o nº 96251…., enviou para o telemóvel do assistente, com o nº 93605…., 42 mensagens escritas, constantes de fls. 157 a 162, cujo teor se dá por reproduzido.
41) Ainda no mesmo dia 17 de novembro de 2008, o arguido, a partir do seu telemóvel com o nº 96251…., enviou para o telemóvel do assistente, com o nº 93605…., mais 20 mensagens sem texto, conforme fls. 163.
42) No dia 18 de novembro de 2008, o arguido, a partir do seu telemóvel com o nº 96251…., enviou para o telemóvel do assistente, com o nº 93605…., 29 mensagens escritas, constantes de fls. 164 a 166, do seguinte teor: “Caro senhor, não se esqueça dos atos que voçe cometeu com a minha mulher!, e que eu tenho perfeito conhecimento!, continuo pacientemente à espera da sua resposta!!!”.
43) No dia 19 de novembro de 2008, o arguido, a partir do seu telemóvel com o nº 96251…., enviou para o telemóvel do assistente, com o nº 93605…., 29 mensagens escritas, constantes de fls. 167 e 168, do mesmo teor: “Caro senhor, não se esqueça dos atos que voçe cometeu com a minha mulher!, e que eu tenho perfeito conhecimento!, continuo pacientemente à espera da sua resposta!!!”.
44) No dia 20 de novembro de 2008, o arguido, a partir do seu telemóvel com o nº 96251…., enviou para o telemóvel do assistente, com o nº 93605…., 17 mensagens escritas, constantes de fls. 169 a 171, cujo teor se dá por reproduzido.
45) No dia 22 de novembro de 2008, o arguido, a partir do seu telemóvel com o nº 96251…., enviou para o telemóvel do assistente, com o nº 93605…., 36 mensagens escritas, constantes de fls. 172 a 177, cujo teor se dá por reproduzido.
46) No dia 24 de novembro de 2008, o arguido, a partir do seu telemóvel com o nº 96251…., enviou para o telemóvel do assistente, com o nº 93605…., 90 mensagens escritas, constantes de fls. 178 a 181, do seguinte teor: “Continuo pacientemente à espera da sua resposta !!!”.
47) No dia 25 de novembro de 2008, o arguido, a partir do seu telemóvel com o nº 96251…., enviou para o telemóvel do assistente, com o nº 93605…., 45 mensagens escritas, constantes de fls. 182 a 185, cujo teor se dá por reproduzido.
48) No dia 26 de novembro de 2008, o arguido, a partir do seu telemóvel com o nº 96251…., enviou para o telemóvel do assistente, com o nº 93605…., 5 mensagens escritas, constantes de fls. 186, cujo teor se dá por reproduzido.
49) No dia 26 de novembro de 2008, às 9.41 horas, o arguido, a partir do seu telemóvel com o nº 96251…., telefonou para o telemóvel do assistente, com o nº 93605…., durante 2 segundos – cfr. fls. 429.
50) No dia 27 de novembro de 2008, o arguido, a partir do seu telemóvel com o nº 96251…., enviou para o telemóvel do assistente, com o nº 93605…., 15 mensagens escritas, constantes de fls. 186 a 189, cujo teor se dá por reproduzido.
51) No dia 28 de novembro de 2008, o arguido, a partir do seu telemóvel com o nº 96251…., enviou para o telemóvel do assistente, com o nº 93605…., 41 mensagens escritas, constantes de fls. 188, 190 a 192, com o seguinte teor: “Nunca se esqueça como você disse: «..., vou esperar o tempo que for preciso…» porque «voçe é uma pessoa especial…». Continuo pacientemente á espera da sua resposta ou prove-me que estou errado!!!. Parece-me que o seu silencio absoluto diz tudo!!!” e “Continuo pacientemente à espera da sua resposta !!!”.
52) No dia 30 de novembro de 2008, o arguido, a partir do seu telemóvel com o nº 96251…., enviou para o telemóvel do assistente, com o nº 93605…., 18 mensagens escritas, constantes de fls. 193 a 195, cujo teor se dá por reproduzido.
53) No dia 2 de dezembro de 2008, o arguido, a partir do seu telemóvel com o nº 96251…., enviou para o telemóvel do assistente, com o nº 93605…., 3 mensagens escritas, cujo teor consta de fls. 196 e que aqui se dá por reproduzido.
54) No dia 2 de dezembro de 2008, às 8.37 horas, o arguido, a partir do seu telemóvel com o nº 96251…., telefonou para o telemóvel do assistente, com o nº 93605…., durante 2 segundos – cfr. fls. 429.
55) Entre os dias 16 e 20 de dezembro de 2008, o arguido, a partir do seu telemóvel com o nº 96251…., enviou para o telemóvel do assistente, com o nº 93605…., 205 mensagens sem texto, conforme fls. 197 a 205.
56) No dia 21 de dezembro de 2008, o arguido, a partir do seu telemóvel com o nº 96251…., enviou para o telemóvel do assistente, com o nº 93605…., 50 mensagens, sendo 28 delas sem texto, cujo teor consta de fls. 206 a 208 e que aqui se dá por reproduzido.
57) No dia 23 de dezembro de 2008, o arguido, a partir do seu telemóvel com o nº 96251…., enviou para o telemóvel do assistente, com o nº 93605…., 41 mensagens sem texto, conforme fls. 209 e 210.
58) No dia 24 de dezembro de 2008, o arguido, a partir do seu telemóvel com o nº 96251…., enviou para o telemóvel do assistente, com o nº 93605…., 41 mensagens sem texto, conforme f1s. 210 a 212.
59) No dia 25 de dezembro de 2008, o arguido, a partir do seu telemóvel com o nº 9625…., enviou para o telemóvel do assistente, com o nº 93605…., 30 mensagens sem texto, conforme fls. 212 e 213.
60) No dia 27 de dezembro de 2008, o arguido, a partir do seu telemóvel com o nº 96251,…., enviou para o telemóvel do assistente, com o nº 93605…., 21 mensagens sem texto, conforme fls. 214.
61) No dia 29 de dezembro de 2008, o arguido, a partir do seu telemóvel com o nº 96251,…., enviou para o telemóvel do assistente, com o nº 93605…., 10 mensagens sem texto, conforme fls. 215.
62) No dia 31 de dezembro de 2008, o arguido, a partir do seu telemóvel com o nº 96251…., enviou para o telemóvel do assistente, com o nº 93605…., 49 mensagens sem texto, conforme fls. 215.
63) No dia 18 de fevereiro de 2009, o arguido, a partir do seu telemóvel com o nº 96251…., enviou para o telemóvel do assistente, com o nº 93605…., 1 mensagem, do seguinte teor: “Não se esqueça que pelo facto de você ... ser uma pessoa especial eu vou esperar o tempo que for preciso...”, cfr. fls. 218.
64) Entre os dias 20 e 24 de fevereiro de 2009, o arguido, a partir do seu telemóvel com o nº 96251…., enviou para o telemóvel do assistente, com o nº 93605…., 78 mensagens escritas, sendo 58 delas sem texto, constantes de fls. 219 a 224, cujo teor se dá por reproduzido.
65) No dia 24 de fevereiro de 2009, o arguido, a partir do seu telemóvel com o nº 96251…., enviou para o telemóvel do assistente, com o nº 93605…., mais 17 mensagens escritas, constantes de fls. 225 a 227, do seguinte teor: “Então já conseguiu explicar à sua mulher qual é a diferença entre uma relação comercial e uma relação extraconjugal? MAIS NUM QUARTO DE HOTEL EM LISBOA!!! SE VOÇE NÃO CONSEGUE EXPLICAR, NÃO SE PREOCUPE QUE ALGUÉM VAI EXPLICAR Á SUA MULHER E ELA VAI DEIXAR DE CONFIAR EM SI (PINÓQUIO)!!!” e “LEMBRA-SE DESTE SMS? OLHE QUE ISTO QUER DIZER MUITA COISA!!!; Solicito que retire a queixa-crime contra o meu marido, bem como o respetivo pedido de desculpas. Sou da opinião que é uma questão de bom senso”.
66) No dia 25 de fevereiro de 2009, o arguido, a partir do seu telemóvel com o nº 96251…., enviou para o telemóvel do assistente, com o nº 93605…., 10 mensagens sem texto, constantes de fls. 228.
67) No dia 1 de março de 2009, o arguido, a partir do seu telemóvel com o nº 96251…., enviou para o telemóvel do assistente, com o nº 93605…., 47 mensagens sem texto, constantes de fls. 229.
68) Entre os dias 2 e 5 de março de 2009, o arguido, a partir do seu telemóvel com o nº 96251…., enviou para o telemóvel do assistente, com o nº 93605…., 55 mensagens sem texto, constantes de fls. 230 a 232.
69) No dia 7 de março de 2009, o arguido, a partir do seu telemóvel com o nº 96251…., enviou para o telemóvel do assistente, com o nº 93605…., 10 mensagens sem texto, constantes de fls. 234.
70) No dia 8 de março de 2009, o arguido, a partir do seu telemóvel com o nº 96251…., enviou para o telemóvel do assistente, com o nº 93605…., 32 mensagens, sendo 19 sem texto, constantes de fls. 235 a 238, cujo teor se dá por reproduzido.
71) No dia 9 de março de 2009, às 00.24 horas, o arguido, a partir do seu telemóvel com o nº 96251…., telefonou para o telemóvel do assistente, com o nº 93605…., durante 14 segundos – cfr. fls. 429.
72) Entre os dias 9 e 16 de março de 2009, o arguido, a partir do seu telemóvel com o nº 96251…., enviou para o telemóvel do assistente, com o nº 93605…., 227 mensagens, sendo 143 sem texto, constantes de fls. 239 a 249, cujo teor se dá por reproduzido.
73) No dia 18 de março de 2009, às 23.11 horas, o arguido, a partir do seu telemóvel com o nº 96251…., telefonou para o telemóvel do assistente, com o nº 93605…., durante 1 segundo – cfr. fls. 429.
74) Entre os dias 19 e 22 de março de 2009, o arguido, a partir do seu telemóvel com o nº 96251…., enviou para o telemóvel do assistente, com o nº 93605…., 137 mensagens, sendo 127 sem texto, constantes de fls. 250 a 257, cujo teor se dá por reproduzido.
75) Entre os dias 24 e 29 de março de 2009, o arguido, a partir do seu telemóvel com o nº 96251…., enviou para o telemóvel do assistente, com o nº 93605…., 114 mensagens, sendo 91 sem texto, constantes de fls. 258 a 266, cujo teor se dá por reproduzido.
76) Entre os dias 1 e 7 de junho de 2009, o arguido, a partir do seu telemóvel nº 96251…., enviou para o telemóvel do assistente, com o nº 93605…., 238 mensagens escritas, constantes de fls. 340 a 354, cujo teor se dá por reproduzido.
77) Entre os dias 8 e 14 de junho de 2009, o arguido, a partir do seu telemóvel nº 96251…., enviou para o telemóvel do assistente, com o nº 93605…., 115 mensagens escritas, constantes de fls. 355 a 361, cujo teor se dá por reproduzido.
78) Entre os dias 29 de junho e 12 de julho de 2009, o arguido, a partir do seu telemóvel nº 96251…., enviou para o telemóvel do assistente, com o nº 93605…., 226 mensagens escritas, constantes de fls. 362 a 373, cujo teor se dá por reproduzido.
79) Entre os dias 14 e 26 de julho de 2009, o arguido, a partir do seu telemóvel nº 96251….., enviou para o telemóvel do assistente, com o nº 93605…., 274 mensagens escritas, constantes de fls. 374 a 387, cujo teor se dá por reproduzido.
80) No dia 25 de julho de 2009, dia do aniversário do assistente, o arguido, a partir do seu telemóvel nº 96251,,,,, enviou para o telemóvel do assistente, com o nº 93605…., 110 mensagens escritas do seguinte teor: “Não podia deixar de ser a primeira pessoa a desejar um dia infeliz de aniversário à pessoa mais Cobarde que eu já ouvi falar até hoje!” – cfr. fls. 387.
81) Com as descritas condutas, o arguido quis e conseguiu perturbar a vida privada, a paz e o sossego do assistente, destacando-se o envio de dezenas de mensagens consecutivas com o mesmo texto ou com mensagens sem qualquer texto, por querer esclarecer com o assistente uma suposta tentativa, por parte deste, de assediar sexualmente a sua mulher.
82) Quer as descritas chamadas telefónicas, quer as centenas de SMS dirigidas pelo arguido ao assistente, ocorreram numa altura em que o assistente e a mulher do arguido não mantiveram nenhum tipo de contacto.
83) O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Mais se provou que:
84) Nada consta do certificado do registo criminal do arguido.
85) O arguido confessou parte da sua apurada conduta, reconhecendo que a sua atitude não foi a melhor e que, atualmente, não teria atuado da mesma forma.
86) O arguido é engenheiro civil, trabalha para uma empresa de construção civil e aufere € 4.000/mensais líquidos. Vive com a mulher, também ela engenheira civil, que aufere € 2.000/mensais, e com a filha de 10 anos de idade. Tem como despesas mensais fixas os encargos normais da habitação, a prestação bancária relativa à aquisição da habitação (€ 600) e as propinas do colégio da filha (€ 550). É licenciado em engenharia civil.
*
B. Factos não provados:
Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a decisão da causa, designadamente quaisquer outros factos que estejam em contradição ou em desconformidade com os supra descritos.
*
C. Motivação da matéria de facto:
O tribunal fundou a sua convicção nas declarações prestadas pelo arguido, que confessou o envio das mensagens referidas no despacho de pronúncia, bem a realização dos telefonemas aí identificados, dizendo, porém, que a sua única intenção era fazer com que o assistente esclarecesse o que se havia passado com a sua mulher aquando da deslocação daquele a Lisboa, em julho de 2008, altura em que ambos, por motivos profissionais, haviam estado juntos, sendo que a sua mulher se queixou que havia sido assediada sexualmente pelo assistente.
Ora, não obstante tais declarações do arguido, que também afirmou que, após aquele dito encontro em Lisboa, o assistente continuou a manter contactos com a sua mulher através de mensagens e telefonemas, o que foi negado pelo assistente – negação essa que nos merece credibilidade, até pela pressão psicológica que as mensagens que continuamente passou a receber deveriam ter causado no mesmo, pelo que só se fosse masoquista é que iria dar mais razões ao arguido para prosseguir com a sua conduta, sendo certo que tudo indica que a mensagem enviada no dia 24.02.2009, cujo teor dá a entender que foi da autoria da mulher do arguido, também foi da autoria deste último, na medida em que foram utilizadas as mesmas expressões constantes de mensagens anteriores –, o certo é que o tribunal ficou com a convicção firme e segura de que o arguido atuou com a intenção de perturbar a paz e o sossego do assistente, via telemóvel.
Na verdade, só assim se compreende o envio contínuo de cerca de três mil e sessenta mensagens no espaço de pouco mais de um ano (de 18.07.2008 a 26.07.2009), algumas delas na véspera (41) e no dia de Natal (30) e no dia de aniversário do assistente (110), altura em que fez questão de lhe desejar um dia infeliz de aniversário, apelidando-o de covarde.
Acresce que, se o que o arguido pretendia era ser esclarecido sobre o que se havia passado entre o assistente e a sua mulher e se acreditou naquilo que esta lhe contou, então não se compreende o seu comportamento, pois já estava devidamente esclarecido sobre o que se havia passado, sendo certo que mesmo que o assistente lhe viesse a responder a uma das mensagens, dizendo que nada de mais se havia passado entre ambos, o mais natural era que o arguido não viesse a aceitar a sua resposta, continuando a mandar mensagens até que aquele dissesse exatamente o que o pretendia ouvir.
Daí que não se tenha ficado com mínima dúvida de que a intenção do arguido foi, sobre o pretexto de ver esclarecido o alegado assédio sexual, apenas e tão só chatear e apoquentar o assistente através do envio, por vezes ininterrupto, de mensagens e através de telefonemas, que naturalmente perturbaram o assistente, como perturbariam qualquer outra pessoa na mesma situação, tanto mais que o telemóvel, como o arguido sabia e sabe, é algo que acompanha continuamente a generalidade das pessoas, pois é usado não só por motivos pessoais, mas também profissionais, pelo que o envio de dezenas e às vezes centenas de mensagens por dia impedia inclusivamente o uso normal daquele meio de comunicação, conforme foi, aliás, confirmado pela testemunha E…., que era, aquando dos factos, administrador da empresa onde o assistente trabalhava, que referiu que as mensagens eram tantas que o assistente foi obrigado a confidenciar-lhe o que se passava, pois via-se impedido de fazer chamadas.
Quanto ao demais, atendeu-se às declarações que o arguido prestou acerca das suas atuais condições de vida e suas habilitações literárias, bem como ao teor do certificado do registo criminal de fls. 610.
***
III) Enquadramento jurídico dos factos:
A censura ético-jurídica de uma conduta humana depende da verificação de determinados pressupostos em que se estrutura o tipo legal de crime imputável ao seu agente.

Ou seja, segundo a Teoria Geral da Infração Criminal, para que um ato humano seja punível, é necessário que estejam preenchidos os elementos objetivos e subjetivos do tipo legal de crime, sem que, ao mesmo tempo, interfiram causas de justificação e/ou esculpação.
Dito isto, analisemos, agora, a conduta concreta do arguido a fim de averiguarmos se o mesmo cometeu o crime por que vem pronunciado.

*
O arguido vem pronunciado pela prática de um crime de perturbação da paz e do sossego, previsto e punido pelo artigo 190º, nº 2, do Código Penal.
Dispõe o art. 190º, nºs 1 e 2, do Código Penal, na redação introduzida pela Lei nº 59/2007, de 04 de setembro, vigente à data dos factos, que:
«1 – Quem, sem consentimento, se introduzir na habitação de outra pessoa ou nela permanecer depois de intimado a retirar-se é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 240 dias.
2 – Na mesma pena incorre quem, com intenção de perturbar a vida privada, a paz e o sossego de outra pessoa, telefonar para a sua habitação ou para o seu telemóvel.»
O crime de perturbação da via privada através de telefonema para a habitação do ofendido, introduzido pela revisão do Código Penal de 95, teve em vista proteger a paz e o sossego de outra pessoa gozados no espaço físico da habitação.
Contudo, com a Lei nº 59/2007, que acrescentou ao nº 2 do citado artigo o telefonema para o telemóvel com a intenção de perturbar a paz e o sossego de outra pessoa, descentrou-se a tutela penal do espaço físico do domicílio para a estender ao espaço físico onde tal pessoa se encontre, com vista a abranger as condutas conhecidas por stalking, conforme anota Paulo Pinto de Albuquerque, no Comentário do Código Penal, na página 512.
Na verdade, o comportamento do arguido é suscetível de se enquadrar numa situação de Stalking, forma de violência já criminalizada autonomamente em vários países, em que o sujeito ativo invade repetidamente a esfera de privacidade da vítima, empregando táticas de perseguição e diversos meios, tais como ligações telefónicas, envio de mensagens, espera nos locais de maior frequência, dos quais podem resultar danos à integridade psicológica e emocional da vítima e restrições à sua liberdade de locomoção, face à angustia e temor que tais comportamentos provocam.
Ora, tendo em conta a apurada conduta, dúvidas não temos que a mesma integra os elementos típicos do crime que lhe vem imputado, conforme se concluiu, aliás, no despacho de pronúncia e no douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto que o confirmou, pois considera-se, na esteira dos mesmos, que o legislador, ao criminalizar a perturbação da paz e do sossego traduzida no ato de, com essa específica intenção, telefonar para a habitação ou para o telefone de outra pessoa, quis abranger todas as formas possíveis de comunicação tecnicamente permitidas através de tais aparelhos, incluindo a palavra escrita para os telemóveis, que com a sua receção emitem um som de aviso.
Por se concordar inteiramente com a mesma, passamos a transcrever a fundamentação do citado acórdão do Tribunal da Relação do Porto, à qual se adere:
“A lei nº 3/73, de 5 de abril, que foi revogada pelo art. 6º do DL 400/92, de 23 de setembro, contemplava na sua Base III a tutela da paz e sossego dos indivíduos, com a seguinte redação:
«Será punido com prisão até seis meses e multa correspondente aquele que, sem justa causa e com o propósito de importunar alguém, se lhe dirija pelo telefone, ou através de mensagens ou se apresente diante do seu domicílio ou de outro lugar privado.»
Com a entrada em vigor do C.Penal considerou-se que tais comportamentos como o envio de mensagens e o apresentar-se perante a porta de alguém seriam, de acordo com a respetiva gravidade, punidos no âmbito dos crimes contra a honra ou integrados nos tipos legais de coação ou ameaça, raciocínio que se aplicou inclusivamente aos telefonemas, passando o C.Penal a tutelar apenas a privacidade do domicílio, no tipo legal de introdução em casa alheia previsto no art. 176º da redação aprovada pelo DL 400/82.
Apenas com a Reforma penal de 1995, aprovada pelo DL 48/95, de 15 de março, o tipo legal – agora art. 190 –, sob a epígrafe de Violação de domicílio, voltou a tutelar o bem jurídico paz e sossego no nº 2 com a seguinte redação:
«Na mesma pena incorre quem, com intenção de perturbar a vida privada, a paz e o sossego de outra pessoa, telefonar para a sua habitação.»
Esta inovação foi apresentada no preâmbulo como neocriminalização.
Finalmente a Reforma penal de 2007, efetuada pela Lei 59/2007, de 4 de setembro, aditou à epígrafe do artigo a expressão perturbação da vida privada, passando a constar: Violação de domicílio ou perturbação da vida privada, e acrescentou ao texto legal o termo: «ou para o seu telemóvel.»
Perante esta evolução legislativa será que se pode dizer que o legislador claramente quis excluir da incriminação as mensagens por SMS (Short Message Service) trocadas entre telemóveis para curtos textos, que permitem uma comunicação rápida e breve?
Entendemos que não, porquanto, as mensagens a que se refere a lei nº 3 de 1973, atenta a data deste diploma, e o estádio de desenvolvimento das comunicações na época, só podem ser mensagens escritas enviadas por carta, postas na caixa de correio ou enviadas mesmo pelo correio. Tais mensagens só podem perturbar pelo seu conteúdo, já que o recetor só vai retirá-las do recetáculo destinado ao correio quando entender que tal lhe convém; nenhuma semelhança estabelecendo com os referidos SMS que emitem sinal auditivo, em tudo igual ao telefonema, e compelem a pessoa a manusear o aparelho e a desligar ruído que emite, mesmo que decida não tomar conhecimento imediato do teor da comunicação.
Todos estão de acordo, inclusive o arguido, - referindo-o nas suas conclusões de recurso -, que para integrar o conceito penal de telefonar para efeitos do tipo previsto no art.190, nº 2, basta ligar para o telefone do ofendido, ainda que não logre falar, bastando o som de chamada com a intenção de perturbar a vida privada, a paz e o sossego da outra pessoa para o preenchimento do tipo legal.
Então qual a diferença entre a conduta do arguido levada a efeito por meio dos vários SMS, sem qualquer texto, enviados ao assistente em dias festivos e a várias horas, numa ação desenvolvida ao longo do tempo e traduzida na matéria de facto indiciada?
De acordo com o dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, telefonar é comunicar ou fazer comunicação pelo telefone, fazer uso do telefone.
Temos, pois, de concordar com o despacho recorrido e considerar que os inúmeros SMS enviados pelo arguido ao ofendido através de telemóvel se subsumem no conceito de telefonar, para preenchimento dos elementos típicos do crime previsto no art. 190º, nº 2, do C.Penal.”
Assim, tendo-se provado que o arguido, entre 18.07.2008 e 26.07.2009, telefonou diversas vezes para o telemóvel do assistente e enviou-lhe, de forma contínua, mais de 3060 (três mil e sessenta) mensagens, sendo às vezes dezenas por dia e sendo algumas delas após as 20.00 horas, hora a partir da qual a generalidade das pessoas regressa a casa para descansar de um dia de trabalho e para conviver com a família – conduta objetivamente perturbadora da paz e do sossego do assistente, por estar constantemente a ouvir o aviso de receção de mensagens no seu telemóvel, algumas com idêntico teor, outras sem qualquer texto e ainda outras com teor ofensivo –, e tendo-se ainda provado que o arguido quis e conseguiu perturbar a vida privada, a paz e o sossego do assistente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, temos de concluir que cometeu o crime que lhe vem imputado, pelo que se impõe a sua condenação.
***
IV) Determinação da medida concreta da pena:
Na determinação da medida concreta da pena deve o tribunal atender, dentro da moldura penal prevista para cada tipo de crime, às disposições conjugadas dos artigos 40º, 70º e 71º do Código Penal, nos quais o legislador fixou os princípios e os critérios determinativos do tipo de pena a aplicar e, dentro dela, do seu quantitativo, para as quais se deve ter sempre em consideração as particularidades de cada caso concreto.
O arguido vai condenado pela prática de um crime de perturbação da paz e do sossego, punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 240 dias.
Assim, atendendo a todos os factos que depõem contra e a favor do arguido, designadamente, a ausência de antecedentes criminais, o facto de estar integrado na família e na sociedade, de estarmos perante um ato isolado na sua vida e de ter, a final, reconhecido que não atuou da melhor forma, entende o tribunal que, apesar de estarmos perante uma conduta grave, tendo em conta o período de tempo por que se prolongou (mais de um ano) e o número de mensagens que enviou (mais de três mil), ainda se mostra adequada e suficiente às finalidades da punição a aplicação da pena de multa.
Considerando, por outro lado, a gravidade da sua conduta (face à forma prolongada no tempo como perturbou o sossego e a paz do assistente), a sua culpa, que se considera acentuada (atendendo à sua idade, à sua formação académica, ao seu estatuto profissional e ao facto de ser pai de família, pelo que lhe era exigível que tivesse atuado de outra forma, parando de enviar mensagens quando, através do silêncio do assistente, percebeu que este não queria falar com ele e esclarecer-lhe fosse o que fosse), entende o tribunal que se mostra justa e adequada à sua responsabilidade criminal a pena de 200 dias de multa.
Tendo em conta as atuais condições de vida do arguido, designadamente, os seus elevados rendimentos mensais e os encargos do seu agregado familiar, decide-se fixar o quantitativo diário daquela pena em € 20.

IV 1. – Cumpre decidir.
Vem o arguido e recorrente alegar que os factos considerados provados na douta sentença recorrida não integram a prática do crime de perturbação da paz e sossego, p. e p. pelo artigo 190º, nº 1 e 2, do Código Penal. Invoca o facto de a expressão “telefonar” não incluir o envio de mensagens através de telemóvel e o facto de ter sido eliminada, no texto legal atualmente em vigor, a referência de texto anterior a “mensagens”, com o que terá deixado de ser punível a perturbação da paz e sossego através do envio de mensagens (se assim não fosse, não se compreenderia a alteração do texto).
Vejamos.
Quando o recorrente se refere a lei anterior que punia a perturbação de paz e sossego através do envio de mensagens certamente estará a referir-se à Lei nº 3/73, de 5 de abril, que contemplava, na sua Base III, a tutela da paz e sossego dos indivíduos, nos seguintes termos: «Será punido com prisão até seis meses e multa correspondente aquele que, sem justa causa e com o propósito de importunar alguém, se lhe dirija pelo telefone, ou através de mensagens, ou se apresente diante do seu domicílio ou de outro lugar privado.»
Com a entrada em vigor do Código Penal, foi revogada tal Lei (artigo. 6º do Decreto-Lei nº 400/92, de 23 de setembro), considerando-se que tais comportamentos seriam, de acordo com a respetiva gravidade, punidos no âmbito dos crimes contra a honra ou integrados nos tipos legais de coação ou ameaça, passando tal Código, na sua redação inicial, dada pelo referido Decreto-Lei nº 400/92, a tutelar apenas a privacidade do domicílio através do tipo legal de introdução em casa alheia previsto no art. 176º da redação aprovada pelo DL 400/82.
Com revisão do Código Penal de 1995 (Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de março), o bem jurídico da paz e sossego voltou a ser tutelado através da tipificação do crime de perturbação da vida privada, da paz e do sossego através de telefonema para a habitação do ofendido. A Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro, acrescentou ao nº 2 do citado artigo 190º o telefonema para o telemóvel com a intenção de perturbar a paz e o sossego de outra pessoa, ampliando, assim, o âmbito de tutela da paz e do sossego para além do espaço físico da habitação.
Estatui, então, agora, o artigo 190º, nºs 1 e 2, do Código Penal, na redação introduzida pela Lei nº 59/2007, de 04 de setembro, vigente à data dos factos em apreço:
«1 – Quem, sem consentimento, se introduzir na habitação de outra pessoa ou nela permanecer depois de intimado a retirar-se é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 240 dias.
2 – Na mesma pena incorre quem, com intenção de perturbar a vida privada, a paz e o sossego de outra pessoa, telefonar para a sua habitação ou para o seu telemóvel.».
A questão que agora importa decidir está em saber se a expressão “telefonar” abrange o envio de mensagens escritas (as chamadas sms – short message service, que permitem uma comunicação rápida e breve através de curtos textos) por telemóvel.
Deve, desde já, referir-se que o envio de mensagens a que se reporta a referida Lei nº 3/73, de 5 de abril, não se confunde com o envio de mensagens escritas por telemóvel (sms). À época (em 1973) não havia este tipo de mensagens. Como bem se refere no acórdão da Relação que no âmbito destes autos já abordou esta questão (de 22 de juuho de 2011, relatado por Paula Guerreiro, junto a fls. 563 a 568 e também acessível em wwwdgsi.pt) e na resposta à motivação de recurso apresentada pelo Ministério Público, as mensagens a que se referia essa Lei eram apenas as enviadas por carta, colocadas na caixa de correio ou enviadas pelo correio. E como bem se afirma nesse acórdão, estas mensagens só podem perturbar pelo seu conteúdo, já que o recetor só vai retirá-las do recetáculo destinado ao correio quando entender que tal lhe convém; sendo que as referidas mensagens por telemóvel emitem sinal auditivo, em tudo igual ao telefonema, e compelem a pessoa a manusear o aparelho e a desligar o ruído que emite, mesmo que decida não tomar conhecimento imediato do teor da comunicação.
Não pode, por isso, extrair-se do elemento histórico da interpretação argumento decisivo para a elucidação da questão que agora nos ocupa. Do facto de o legislador não se referir agora ao envio de mensagens como se referia a Lei nº 3/73 não pode extrair-se que foi sua intenção excluir do âmbito de criminalização o envio de mensagens escritas por telemóvel, pois estão em causa realidades inteiramente distintas.
Também as afirmações de Manuel Costa Andrade no Comentário Conimbricense do Código Penal (Coimbra Editora, 1999, Tomo I, anotação ao artigo 190º, § 13, pg. 702), a que o recorrente parece referir-se quando invoca a autoridade desse ilustre professor em abono da sua tese, não dizem respeito à questão que agora nos ocupa. Ao dizer que o artigo 190º, nº 2, do Código Penal só incrimina o ato de telefonar, e não o envio de mensagens, como fazia a Lei nº 3/73, Costa Andrade não está (quer-nos parecer) a aludir ao envio de mensagens por telemóvel, mas por outra via. A questão reside em saber se enviar uma mensagem por telemóvel é “telefonar”.
Impõe-se, pois, que nos detenhamos no elemento literal de interpretação.
Como bem referem os referidos acórdão e resposta, “telefonar” significa “comunicar pelo telefone”, ou “fazer uso do telefone”, ou seja, fazer uso das diversas funcionalidades que cabem no uso de um telefone. Não significa, apenas, estabelecer um contacto verbal entre duas pessoas através do telefone. Pode significar uma ligação telefónica sem que quem chama chegue a falar. Pode significar o envio de uma mensagem oral unilateral que fica gravada. E pode significar o envio de mensagens escritas através do telemóvel.
Para além do elemento literal, importa considerar (porque mais importante e decisivo) o elemento racional da interpretação, isto é, saber se a razão da incriminação da perturbação da vida privada, da paz e do sossego através do telefone abrange o envio por telemóvel das mensagens escritas em apreço.
Como também se refere nos referidos acórdão e resposta, o envio das mensagens em questão tem uma potencialidade danosa (no que à perturbação da paz e do sossego diz respeito) idêntica à da realização das chamadas de voz. A receção da mensagem é sinalizada, como é uma chamada de voz, por dispositivos sonoros, luminosos ou vibratórios. É verdade que o recetor pode nem sequer ler a mensagem, ou pode até desligar o aparelho, mas também o recetor de uma chamada de voz pode nem sequer atender a chamada ou desligar o aparelho (e nem por isso deixa de ser perturbado). E. mesmo que o faça, não deixa de ter registadas as mensagens, sendo forçado a apagá-las, com o que isso também implica de perturbação da sua paz e sossego.
De resto, os factos que no caso em apreço se provaram são bem reveladores da potencialidade danosa (no que à perturbação da paz e sossego diz respeito) do envio de mensagens escritas por telemóvel. Nenhuma dúvida haverá de que o assistente viu a sua paz e sossego perturbada pelo envio, por parte do arguido, de mensagens escritas por telemóvel.
Impõe-se-nos, assim, concluir que cabe na previsão do citado artigo 190º, nº 2, do Código Penal o envio de mensagens escritas (sms) através de telemóvel, com a intenção de perturbar vida privada, a paz e o sossego de outra pessoa. A essa conclusão não chegamos através de alguma interpretação extensiva (muito menos através de uma qualquer aplicação analógica, vedada pelo artigo 1º, nº 3, do Código Penal), mas de uma interpretação que atende ao espírito da lei sem deixar de caber dentro da sua letra.
Deverá, pois, ser negado provimento ao recurso quanto a este aspeto.

IV 2. – Vem o arguido alegar, por outro lado, que a pena em que foi condenado é excessiva, face aos critérios legais. Invoca o facto de não ter antecedentes criminais, o facto de estarmos perante um ato meramente ocasional na sua vida e o facto de ter demonstrado arrependimento, tendo declarado que jamais voltará a cometer o crime por que foi condenado.
Vejamos.
O crime de perturbação da vida privada, da paz e do sossego, p. e p. pelos artigos 190º, nº 1 e 2, do Código Penal, é punível com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até duzentos e quarenta dias.
Na escolha e determinação da medida da pena a aplicar ao arguido, há que considerar os seguintes preceitos do Código Penal.
De acordo com o artigo 40º, a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (nº 1), sendo que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (nº 2).
Nos termos do artigo 70º, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa de liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Nos termos do nº 1 do artigo 71º, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. E, nos termos do nº 2 do mesmo artigo, nessa determinação o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente (alínea a)); a intensidade do dolo ou da negligência (alínea b)), os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram (alínea c)); as condições pessoais do agente e a sua situação económica (alínea d)); a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime (alínea e)); a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena (alínea f)).
Nos termos do artigo 47º, nº 2, cada dia de multa corresponde a uma quantia entre cinco e quinhentos euros, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.
O arguido foi condenado na pena de duzentos dias de multa, à taxa diária de vinte euros.
A douta sentença recorrida já considerou, como circunstâncias atenuantes, o facto de estarmos perante um episódio isolado da vida do arguido, que não tem antecedentes criminais e demonstrou arrependimento.
Mas também não deixou de considerar, como se impunha, como circunstância agravante, o caráter muitíssimo persistente e reiterado da conduta do arguido, que enviou mais de três mil mensagens durante mais de um ano, por vezes centenas ou dezenas por dia, muitas vezes a horas noturnas, por vezes mais intensamente em ocasiões festivas (como o dia do aniversário do assistente, em que enviou mais de cem mensagens), e sendo que várias dessas mensagens tinham caráter ofensivo.
O peso agravante destas circunstâncias, por si só, justifica a relativa gravidade da pena em que o arguido foi condenado na douta sentença recorrida.
A fixação dessa pena não é, pois, merecedora de reparo.
Também a taxa diária da multa se afigura justa e adequada, face aos critérios legais e ao nível dos rendimentos auferidos pelo arguido.
Deverá, assim, ser negado provimento ao recurso, também quanto a este aspeto.

O arguido deverá ser condenado em taxa de justiça (artigo 513º, nº 1, do Código de Processo Penal e Tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais)

V – Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso, mantendo-se a douta sentença recorrida.

Notifique

Porto, 7/11/2012
(processado em computador e revisto pelo signatário)
Pedro Maria Godinho Vaz Pato
António José Alves Duarte