Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
14/12.8PEMAI.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MOREIRA RAMOS
Descritores: ADIAMENTO DA AUDIÊNCIA
PERDA DE INEFICÁCIA DA PROVA
MOMENTO PARA SUSCITAR A QUESTÃO
Nº do Documento: RP2014031914/12.8PEMAI.P1
Data do Acordão: 03/19/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Nos termos do n.º 6 do art.º 328º do CPP, o adiamento da audiência não pode exceder 30 dias, sob pena de perder eficácia a produção de prova já realizada.
II – Trata-se de ineficácia em sentido estrito, daí derivando que o acto, embora válido, não produz efeitos jurídicos por circunstância que lhe é exterior.
III – Tal vício só afectará a sentença se esta incluir, nos seus fundamentos, algum dos meios de prova que forem ineficazes.
IV - Só com a publicação da sentença é possível saber quais as provas efetivamente utilizadas pelo tribunal e também se este “aproveitou” provas entretanto tornadas ineficazes.
V – O recurso é a sede adequada para suscitar a questão, através do consignado no artigo 410°, n° 3, do Código de Processo Penal.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 14/12.8 PEMAI.P1

Tribunal da Relação do Porto
(2ª Secção Criminal – 4ª Secção Judicial)

Origem: Tribunal Judicial de Valongo
(1º Juízo)

Acordam, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório:

No processo supra identificado, por sentença datada de 17/05/2013, depositada na mesma data, e no que ora importa salientar, decidiu-se julgar o arguido B… autor material de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292º, nº 1, do Código Penal, e, consequentemente, condená-lo na pena de setenta dias de multa, à taxa diária de oito euros, perfazendo o montante global de quinhentos e sessenta euros, bem como na pena acessória de inibição de conduzir prevista no artigo 69º, nº 1, al a), do Código Penal, pelo período de três meses.

Inconformado com a sobredita decisão, veio o arguido interpor recurso da mesma nos termos constantes de fls. 185 a 209, aqui tidos como especificados.

Na motivação apresentada formulou as seguintes conclusões (transcrição):

1. Não se vislumbra qualquer elemento de prova que permita concluir que o Arguido conduzisse o referido veículo automóvel, àquela data e hora e naquele local.

2. Não poderia dar-se como provado o facto acima descrito, face à prova testemunhal acima descrita – muito menos sem qualquer fundamentação.

3. Tendo dado como provados tais factos, sem qualquer fundamento e sem indicar expressamente os motivos de não ter atendido e dado credibilidade aos depoimentos acima transcritos, o Tribunal ao quo incorre em erro notório na apreciação da prova, nos termos do artigo 410º, número 2, alínea c), do CPP e vício de falta de fundamentação, que desde já se invoca, para todos os devidos efeitos, pelo que deve ser revogada a sentença proferida.

4. Resulta da Portaria 1556/07 que “Os alcoolímetros cujo modelo tenha sido objeto de autorização de uso”… “Poderão permanecer em utilização enquanto” … “nos ensaios incorrerem em erros que não excedam os erros máximos admissíveis da verificação periódica” - artigo 10º da Portaria n.º 1556/2007 de 10 de dezembro.

5. Nos termos do anexo à referida portaria, o erro máximo admissível é de 8% para verificação periódica/extraordinária.

6. Não tendo realizado tal dedução, o Tribunal ao quo incorre em erro notório na apreciação da prova, nos termos do artigo 410º, número 2, alínea c), do CPP, que desde já se invoca, para todos os devidos efeitos, pelo que deve ser revogada a sentença proferida.

7. O Tribunal a quo também não se pronunciou, nem deu como provado ou não provado, pelo que não teve em consideração, diversos factos alegados pelo Arguido na sua Contestação, todos essenciais para a determinação da medida da pena, nos termos dos artigos 71.º número 1, 2 e 3 e seguintes do Código Penal.

8. O Tribunal não se pronunciou, nem deu como provado ou não provado, nomeadamente, que:
a) O Arguido está inserido no seu agregado familiar e na comunidade;
b) O Arguido tem bom comportamento anterior e posterior aos factos de que vem acusado;
c) O Arguido presta, com regularidade, voluntariado numa instituição de solidariedade social de Santo Tirso (“C…”) e é dador nacional de sangue e de medula óssea;

9. Em suma, as referidas omissões originam a nulidade de sentença por omissão de pronúncia, prevista na al. c) do número 1 do artigo 379.º do Código de Processo Penal, o que desde já se invoca para todos os devidos efeitos.

10. A data da última verificação periódica não consta nem da acusação, nem do auto levantado, nem do talão emitido pelo aparelho de deteção de álcool.

11. O Arguido alegou expressamente na contestação desconhecer e não ter sido notificado de qualquer elemento que pudesse demonstrar que tal aparelho teria sido objeto de verificação periódica, considerando tal elemento essencial para o exercício do direito de defesa.

12. O Arguido sublinhou que o não apuramento de tais factos pelo Tribunal viola o princípio da investigação, previsto no artigo 340º, número 1, do Código de Processo Penal, o que fará padecer a sentença de nulidade, por omissão de diligência essencial e vício de falta de fundamentação, o que desde já se invoca para todos os devidos efeitos.

13. O Tribunal não se pronunciou, nem deu como provados ou não provados, diversos factos alegados pelo Arguido na sua Contestação, todos essenciais para aferir da prática do ilícito.

14. O Tribunal a quo discorre que o primeiro teste é tão só quantitativo, permitindo apenas uma triagem inicial, e que apenas o segundo teste assume natureza quantitativa. Perguntamos: Como aferiu o Tribunal tais factos no caso em concreto? Nada consta do processo sobre a realização de tal exame e suas características e resultado!

15. Ora, perguntamos se não será, de aferir – tendo sido expressamente alegado pelo Arguido que de tal exame inicial não resultaram demonstrados os pressupostos do ilícito de que vinha acusado – qual o resultado desse exame inicial?

16. Não será também de ponderar e fundamentar o efeito no resultado do hiato temporal entre a condução e o efetivo teste?

17. não se confunde meios de prova com elementos objetivos, conforme se dispõe em sentença – alega-se – isto sim! – que do exame inicial (prova) não resultou demonstrada a graduação de 1,44g/l (facto), pelo que à data e hora em que o Arguido conduzia, este não mantinha 1,44g/l de álcool no sangue, pelo não praticou o ilícito de que vem acusado!

18. Perguntamo-nos - e se em tal exame inicial a taxa detetada se tivesse apurado 1,1 g/l? E se o resultado do exame posteriormente realizado tiver agravado – como cremos que agravou e para enquadramento criminal – a graduação?

19. Note-se e convenhamos que o Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool prevê expressamente um método e procedimento e um prazo de 30 (trinta) minutos para a realização de segundo exame!

20. Tal circunstância tem especial incidência quando se trata de 0,2g/l de margem (0,1 com a dedução legal) entre uma possível contraordenação e um possível ilícito criminal!

21. Por fim, o Tribunal não considerou nem, sequer, ponderou – embora expressamente alegado pelo Arguido - se a referida dilação temporal teria alguma possível repercussão na referida taxa.

22. O Arguido sublinhou e sublinha que, o não apuramento de tais factos pelo Tribunal viola o princípio da investigação, previsto no artigo 340º, número 1, do Código de Processo Penal, o que fará padecer a sentença de nulidade, por omissão de diligência essencial e falta de fundamentação, o que desde já se invoca para todos os devidos efeitos.

23. Em suma, as referidas omissões originam a nulidade de sentença por omissão de pronúncia, insuficiência para a matéria de facto provada e erro notório de apreciação de prova, previstos nas al. a) e c) do número 1 do artigo 379.º do Código de Processo Penal, o que desde já se invoca para todos os devidos efeitos.

24. Relativamente à matéria da variação da taxa entre a data da condução (antes das 05h00) e a data de realização de exame (05h57) reforçamos que o Tribunal deve ponderar da possibilidade de tal ter afetado o resultado.

25. Reiteramos que, nesse hiato temporal, a taxa de 1,44g/l (1,3g/l com a dedução legal) poderá ter aumentado (0,1g/l).

26. Reiteramos, ainda, que as testemunhas afirmaram veementemente que o exame inicial apresentava um resultado expresso em valor numérico!

27. Impõe-se ao Tribunal aferir qual foi tal resultado!

28. Deveria o tribunal a quo ter-se socorrido do princípio in dubio pro reo e, assim, ter absolvido integralmente o Arguido.

29. Alegamos sucintamente a evidente contradição insanável da fundamentação, nos termos do artigo 410.º/2 al. b) do CPP, quando se declara que tais elementos (identificação do meio de prova) não devem constar da acusação, e na mesma sentença se dá por como provado com interesse para a decisão que se realizou “exame de pesquisa de álcool de ar expirado, pelo aparelho Drager, modelo 7110 MKIII”.

30. Não consta da acusação (i) a referência ou número de série do aparelho denominado “Drager”, Modelo 7110MKIIP (i) o despacho de homologação e aprovação do sobredito aparelho (iii) comprovativo do cumprimento da fiscalização periódica anual ao aparelho.

31. Resulta, por um lado, que o Arguido se encontra impossibilitado de exercer, na plenitude, o direito ao contraditório e direito de defesa, por não se poder pronunciar sobre tais factos, relevantes para a descoberta da verdade e validade da prova, nulidade que, desde já se invoca, por violação do número 3 do artigo 283.º do Código de Processo Penal e número 10 do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa.

32. Não pôde o Arguido aferir se foi realizado controlo metrológico do alcoolímetro, por entidade competente, se foi realizada verificação periódica anual e se à data da realização do exame tal verificação se encontrava em vigor, o que consubstanciam formalidades legais imperativas relativamente ao alcoolímetro utilizado para fiscalização do Arguido, cuja inobservância acarreta a nulidade da prova, o que desde já se invoca, para todos os efeitos legais.

33. Decorre da tramitação acima descrita que a interrupção da audiência de julgamento excedeu o prazo de 30 (trinta) dias previsto na lei - Durante tal período, isto é, entre 18-04-2013 e 23-05-2013 não foi realizada qualquer diligência probatória em sede de Audiência de Julgamento.

34. Tal facto, ao abrigo do número 6 do artigo 328.º CPP, acarreta a perda da eficácia da prova, nomeadamente da prova testemunhal, produzida em sede de Audiência de Julgamento e violação do princípio da oralidade, imediação e continuidade.

35. Tal facto, ao abrigo da alínea d) do número 2 do artigo 120.º CPP, constitui uma omissão de diligência essencial para a descoberta da verdade (a produção de prova cuja eficácia se perde), mais concretamente de toda a prova testemunhal produzida nas precedentes Audiências.

36. Tal facto impõe a repetição de toda a prova testemunhal realizada nas precedentes audiências de Julgamento, cuja perda de eficácia prejudica o Arguido – porquanto se tratam de testemunhas de defesa!

O recurso foi regularmente admitido (cfr. fls. 216).

O Ministério Público veio responder nos termos constantes de fls. 220 a 232, aqui tidos como reproduzidos, tendo concluído que deveria ser negado provimento ao recurso e manter-se, na íntegra, a decisão recorrida.

Nesta instância, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu o parecer que consta de fls. 238 e 239, aqui tido como renovado, através do qual concluiu igualmente no sentido da não procedência do recurso.

A resposta ao parecer foi mandada desentranhar, porque extemporânea (cfr. fls. 252).

Após exame preliminar, colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir, nada obstando a tal.
II – FUNDAMENTAÇÃO:

a) a decisão recorrida:

No que ora importa destacar, a sentença recorrida é do teor seguinte (transcrição):

Realizada a audiência de discussão e julgamento, dela resultaram provados com interesse para a decisão os seguintes factos:

1-No dia 1 de março de 2012, o arguido, entre as 5h00 e as 5h30m, conduziu o veículo automóvel ligeiros de passageiros de matrícula ..-HN-.., na …, tendo sido, às 5h57, submetido, após fiscalização por agentes da autoridade em missão de policiamento de trânsito, a exame de pesquisa de álcool de ar expirado, pelo aparelho Grager, modelo 7110 MKIII, tendo acusado uma taxa de álcool no sangue determinada em 1.44 g/l no sangue.
2- Ao iniciar a condução e ao conduzir tal veículo, o arguido tinha perfeita consciência de que tinha ingerido bebidas alcoólicas em excesso e que o seu estado pinha em causa a segurança dos demais condutores, conformando-se, porém, com tal facto, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
3- O arguido é assistente de marketing, auferindo a quantia mensal de € 1300.00, vive sozinho, em casa arrendada, pagando a quantia mensal de € 360.00 de renda, é licenciado em gestão de marketing.
4- Do certificado de registo criminal do arguido não constam antecedentes criminais.
*
Com interesse para a decisão, não consideramos provados quaisquer outros factos.
Motivação:

A convicção do Tribunal fundou-se na apreciação global da prova produzida, e designadamente,
-no que concerne aos factos descritos em 1 e 2, na conjugação das declarações do arguido prestadas em audiência de julgamento com o resultado do exame de pesquisa de álcool no sangue documentado no talão de fls. 4 dos autos.
Vejamos.
O arguido, desde logo, reconheceu ter ingerido bebidas alcoólicas no dia e hora a que os factos se reportam, tendo exercido, de seguida, a condução do veículo descrito na acusação.
Mais referiu não ter contestado, nem contestar, o valor do teste apurado e documentado no talão e fls. 4 dos autos.
Ora, para além das declarações do arguido, que, naturalmente, de conhecimento direto e próprio, apenas pode atestar se ingeriu ou não bebidas de teor alcoólico e bem assim o exercício da condução e realização do teste em causa, pode e socorreu-se o Tribunal no exame efetuado e documentado nos autos.
De acordo com o que resulta do mesmo e conforme resulta do auto de notícia e do talão junto a fls. 4, o arguido acusou uma taxa de 1,44g/l em análise quantitativa.
No exame de pesquisa de álcool no ar expirado efetuado nos autos foi utilizado o aparelho da marca Drager, modelo Alcotest 7110 MK III.
Sindica o arguido a omissão, na acusação, da referência ao despachod e homologação do dito aparelho e sua concordância com as condições em que deve operar.
Se tal questão como supra ficou exposto e pelas razões ali aduzidas não inquina a acusação de nulidade, pode, pergunta-se, inquinar o meio de prova/meio de obtenção de prova ora valorado?
Desde já se adianta que não.
Conforme resulta de despacho do IPQ de 27 de junho de 1996, publicado no DR III Série, n.º 223, de 25-9-1996, foi aprovado, ao abrigo dos diplomas então em vigor, o alcoolímetro, marca Drager, modelo 7110 MK, fabricado por DragerWerk AG, requerido por Tecniquitel - Sociedade de Equipamentos Técnicos, Lda, a que foi atribuído o n.º 211.06.96.3.30, fixando-se o prazo de validade desta aprovação de modelo em 10 anos, a contar da data da publicação no Diário da República.
A Direção Geral de Viação aprovou esse modelo por despacho n.º 001/DGV/alc.98, de 6.8.98, tendo sido publicitada posteriormente a aprovação deste e doutros modelos, como decorre dos seguintes despachos do Diretor Geral de Viação: Despacho n.º 8036/2003, de 7 de fevereiro, publicado no DR, 2.ª Série, n.º8, de 28.04.2003; Despacho n.º 12.594/2007, de 16 de março, proferido ao abrigo do disposto no n.º5 do art. 5.° do Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de fevereiro, publicado no DR, 2.ª Série, n.º 118, de 21 de junho de 2007; Despacho DGV n.º 20/2007, também de 16 de março, não publicado no DR.
Nos termos do art.º5º n.º5 do DL n.º 44/2005, de 23 de fevereiro, cabia à Direção Geral de Viação aprovar, para uso na fiscalização do trânsito, os aparelhos ou instrumentos que registem os elementos de prova previstos no n. ° 4 do art. 170.° do Código da Estrada, aprovação que devia ser precedida, quando tal fosse legalmente exigível, pela aprovação do modelo, no âmbito do regime geral do controlo metrológico.
A utilização do alcoolímetro do modelo em causa, da marca DRAGER, ou seja, o modelo Alcotest 7110 MKIII P, fabricado por Drager Safety AG & CO, foi de novo aprovado pelo IPQ, pelo prazo de 10 anos, a requerimento de TECNIQUITEL - Sociedade de Equipamentos Técnicos, Ld.a, como consta do Despacho n.º 11037/2007, de 24 de abril de 2007, publicado no DR, 2.ª Série, n.º 109, de 6 de junho de 2007, correspondendo-lhe agora o n.º 211.06.07.3.06.
Saliente-se que a letra P é um dos símbolos de aprovação do modelo (cf. Ponto III - n.º7 do Regulamento do Controlo Metrológico), que integra os dois últimos dígitos do ano de aprovação e um número característico a estabelecer pelo IPQ para as aprovações nacionais.
O Regime Legal do Controlo Metrológico dos Métodos e Instrumentos de Medição encontra-se estabelecido no Dec.-Lei n.º 291/90, de 20/Set. (DR I, n.º 218), o qual visa estabelecer o quadro legal de referência que permite garantir o rigor das medições efetuadas com os instrumentos de medição, assegurando a fiabilidade desses mesmos instrumentos.
Para o efeito logo no seu artigo 1.º, n.º 3 se elencam as operações desse controlo.
A aprovação do modelo consiste no “ato que atesta a conformidade de um instrumento de medição ou de um dispositivo complementar com as especificações aplicáveis à sua categoria” [2.º, n.º 1], que tem uma validade de 10 anos, sujeita a renovação [2.º, n.º 2].
Por sua vez a verificação consiste “no conjunto de operações destinadas a constatar a qualidade metrológica dos instrumentos de medição” [3.º, n.º 1] ou então se mantêm essa “qualidade metrológica dentro das tolerâncias admissíveis relativamente ao modelo respetivo” [4.º n.º 1].
No caso de se tratar de verificação periódica e regulando o período de validade desse exame estabeleceu-se no artigo 4.º, n.º 5 o comando legal de que “A verificação periódica é válida até 31 de dezembro do ano seguinte ao da sua realização, salvo regulamentação específica em contrário”. Entretanto e fora deste regime jurídico geral de controlo metrológico, surgiu um regime específico, com o Dec.-Lei n.º 192/2006, de 26/Set. [DR I, n.º 186], mas que não se aplica aos alcoolímetros.
No que concerne a estes e na sequência da Lei n.º 18/2007, de 17/maio [DR I, n.º 95], que aprovou o Regulamento de Fiscalização da Condução sob a Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, enunciou-se, no seu artigo 14.º, que a aprovação dos analisadores cabe, por despacho, ao presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária [n.º 1 e 3], muito embora sujeitos a prévia homologação do Instituto de Português de Qualidade (IPQ), nos termos do Regulamento do Controlo Metrológicos dos Alcoolímetros [n.º 2].
Convém precisar, para afastar quaisquer nuvens interpretativas, que o referido Regulamento de Fiscalização [Lei n.º 18/2007], apenas estabeleceu um comando legal quanto à aprovação dos analisadores, não tendo enunciado qualquer dispositivo a propósito da qualidade metrológica de tais instrumentos.
Ora o mencionado Regulamento do Controlo Metrológicos dos Alcoolímetros foi aprovado pela Portaria n.º 1556/2007, de 10/Dez. [DR I, n.º 237].
Este Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, como consta expressamente do mesmo, foi aprovado pelo Governo, “Ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 1.º e no artigo 15.º do Decreto -Lei n.º 291/90, de 20 de setembro, conjugado com o disposto no n.º 1.2 do Regulamento Geral do Controlo Metrológico anexo à Portaria n.º 962/90, de 9 de outubro”.
Na Portaria 1556/2007 o momento temporal das verificações metrológicas ordinárias, que comporta a primeira e as verificações periódicas encontra-se regulado no seu artigo 7.º, distinguindo-se esses dois momentos, pois enquanto no seu n.º 1 se reporta à inicial, no n.º 2 alude-se às subsequentes [n.º 2] – o n.º 3 refere-se às operações de verificação extraordinária.
No que concerne às verificações ordinárias subsequentes à primeira verificação estipula-se naquele artigo 7.º, n.º 2 que “A verificação periódica é anual, salvo indicação em contrário no despacho de aprovação do modelo”.
Ou seja, como se conclui no Douto Aresto do Tribunal da Relação do Porto de 7/11/2012, disponível em www.dgsi.pt, o que a lei estabelece no art.º 7.º, n.º 3 da Portaria n.º 1556/2007, de 10 de dezembro é que os alcoolímetros terão que ser sujeitos a verificação periódica uma vez em cada ano, sendo que nos termos do art.º 4.º, n.º 5 do Decreto-Lei n.º 291/90, de 20 de setembro essa verificação periódica é válida até 31 de dezembro do ano seguinte ao da sua realização”.
Tal como sucede no caso que ocupou do douto aresto, também aqui “a atestação do aparelho consta de elementos ínsitos no auto de notícia e aos quais aí se alude”, pelo que não pode deixar de considerar-se certificada a verificação periódica em 03/02/2012 e afastada qualquer dúvida quanto à regularidade e fiabilidade do alcoolímetro utilizado.
Tal constitui, assim, a motivação dos factos provados elencados em 1 e 2.
Já quanto ao vertido em 3 e 4, nas declarações do arguido prestadas em sede de audiência de julgamento quanto às suas condições pessoais e económicas e no teor do certificado de registo criminal junto aos autos.
De registar apenas que quanto à hora a que o Tribunal entendeu dar como provados os factos descritos, socorreu-se o Tribunal quer das declarações do arguido, quer das testemunhas ouvidas em sede de audiência de julgamento, que explicaram e contextualizaram a hora, por referência à hora a que haviam saído do local de diversão noturna, coligidos com a hora constante do talão junto aos autos.
No mais, dos seus depoimentos nada mais se retira que infirme os factos em causa.
*
III. Fundamentação de Direito:
III.1 O Crime de Condução em Estado de Embriaguez

Encontra-se arguido acusado da prática de um crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelos arts. 292º/1 e 69º/ 1 a) do Código Penal.
Tê-lo-á perpetrado?
Parece-nos que sim.
Vejamos.
Comete o crime previsto pelo art. 292º do Código Penal “quem, pelo menos por negligência, conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l”.
Conforme resulta do texto da norma e da sua integração na lógica sistemática do Código Penal, o bem jurídico tutelado pela incriminação sob análise é a segurança da circulação rodoviária, a qual é pressuposto, além do mais, da segurança da integridade física e da própria vida das pessoas, constituindo, assim, a segurança do tráfego rodoviário um bem jurídico teleogicamente vinculado a bens jurídicos pessoais, por estar ao serviço destes.[1].
Compulsados os factos de que partimos, cremos ser razoavelmente clara a ideia de que se encontram verificados todos os requisitos do tipo legal de crime sob análise.
Na verdade, o arguido conduziu o aludido ciclomotor – no sentido de processo de movimento de trânsito que aqui importa ter presente para efeitos de subsunção da conduta ao tipo legal em causa – um ciclomotor numa via pública – conceito que reclama se chame à colação o disposto no art. 1º do Código da Estrada e que a que já supra se aludiu – numa altura em que tinha no sangue uma taxa de álcool superior a 1,2 g/l.
Por outro lado, deriva da matéria fáctica em causa que o arguido atuou de forma consciente, livre e deliberada, o que inculca a ideia de que o dolo esteve presente na sua forma direta (v. o art. 14º/1 do Cód. Penal).
Por tudo quanto vem expendido, e concluímos então que o arguido perpetrou o crime de condução de veículo em estado de embriaguez de que vem acusado, não resultando da factualidade provada qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa.

III.3. A escolha da pena criminal e a determinação da sua medida

Feito o enquadramento jurídico-penal da conduta do arguido, cabe agora determinar a natureza e medida das sanções a aplicar.
Ao crime de condução em estado de embriaguez é aplicável a pena de prisão entre 1 mês e 1 ano ou a de multa entre 10 e 120 dias (v. os arts. 292º, 41º/1 e 47º/1 do Cód. Penal).
Importará proceder primeiramente à tarefa de escolher a espécie de pena adequada – prisão ou multa –, para em seguida determinar a sua medida ideal.
Avancemos então.
Diz-nos o art. 70º do Cód. Penal que se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Precisemos então os fins das penas.
A aplicação de uma pena visa essencialmente a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade; resultam tais finalidades nomeadamente dos arts. 1º, 13º/1, 18º/2 e 25º/1 da Constituição e, na versão de 1995 do Código Penal, do seu art. 40º.
Debruçando-nos sobre o caso sub judice, cremos ser relevante ponderar por um lado que são elevadas as exigências de prevenção geral positiva quanto a ambos os crimes em análise, atenta, por um lado, a frequência com que o crime de condução sem habilitação legal é cometido, gerando inquietude social, e, por outro, os infelizes índices de sinistralidade automóvel que se verificam no nosso país, tantas vezes intrinsecamente ligados ou causados pela condução em estado de embriaguez.
Noutro plano, parecem-nos situar-se a um nível reduzido as exigências de prevenção especial positiva, uma vez que o arguido não tem antecedentes criminais e encontra-se profissionalmente inserido, sendo jovem.
Optar-se-á por conseguinte pela pena de multa.
*
Realizada a opção pela pena de multa, cabe-nos fixar a sua medida.
Na esteira das regras supra enunciadas e sem esquecer os ditames decorrentes do art. 71º da atual versão do Cód. Penal, aderimos à conceção doutrinária que propugna que em sede de determinação da medida da pena o tribunal deve encontrar o quantum correspondente à culpa do agente, o qual funcionará como ponto absolutamente inultrapassável; fixado esse limite, o tribunal deve buscar o ponto mínimo aquém do qual qualquer pena não satisfaria as exigências de proteção do bem jurídico violado, interpretadas tais exigências através da necessidade de restabelecer a confiança comunitária na validade e vigência da norma infringida; como último passo, o tribunal deve procurar, entre o mínimo e o máximo que se avançaram, a medida ótima de pena, tendo em atenção os princípios da prevenção especial positiva.
Sopesando os fatores concretamente destacados em sede de escolha da espécie de pena, e sem ignorar que também situamos a culpa a um nível médio, atento o dolo direto com o que o arguido terá atuado na prática de ambos os tipos legais, a taxa de álcool em presença, entendo ser justo e adequado fixar a pena de 70 (setenta) dias de multa à taxa diária de 8.00 (sete) euros, perfazendo o montante global de € 560.00.
*
Tendo-se concluído pela verificação do crime de condução em perigosa de veículo rodoviário e pelo crime de condução de veículo em estado de embriaguez, cumpre apreciar da aplicação ou não da pena acessória prevista no art. 69º, n.º 1, al. a) do CP, já que, nos termos do art. 65º do CP, nenhuma pena envolve, como efeito necessário, a perda de direitos civis, profissionais ou políticos, não podendo esta perda decorrer como efeito automático daquela.
Nos termos do art. 69º, n.º 1, al. a) do CP, é condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido por crime previsto nos arts. 291º e 292º.
Assim, verifica-se que a aplicação da pena acessória tem agora como pressuposto formal a condenação do arguido numa pena principal por crime cometido no exercício de condução, mantendo-se inalterados os pressupostos materiais estabelecidos no art. 71º do mesmo diploma legal.
Atendendo aos critérios do art. 71º do CP, nomeadamente às especiais exigências de prevenção que se impõem no caso e que se expuseram anteriormente, valendo aqui de igual modo, ao grau de ilicitude do facto, que se reputa de médio, à sua conduta anterior, à taxa de álcool no sangue que o arguido trazia no exercício da condução, julga-se adequada, em concreto, aplicar a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período mínimo, ou seja, três meses.
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b) apreciação do mérito:

Antes de mais, convirá recordar que, conforme jurisprudência pacífica[2], de resto, na melhor interpretação do artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, o objeto do recurso deve ater-se às conclusões apresentadas pelo recorrente, sem prejuízo, obviamente, e apenas relativamente às sentenças/acórdãos, da eventual necessidade de conhecer oficiosamente da ocorrência de qualquer dos vícios a que alude o artigo 410º, do Código de Processo Penal[3].
Anote-se, em sede de conclusões, que importa apreciar apenas as questões concretas que resultem das conclusões trazidas à discussão, o que não significa que cada destacada conclusão encerre uma individualizada questão a tratar, tal como sucede no caso vertente, sendo vulgar constatar a confusão existente entre os argumentos utilizados e as concretas questões a apreciar, realidades bem diversas e do que nos dá conta imensa jurisprudência publicitada.
*
Neste contexto, e em face daquilo que se apreende das efetivas conclusões trazidas à discussão pelo recorrente, importa saber:

1 – se a prova produzida perdeu eficácia;

2 – se a decisão recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia, incluindo omissão de diligência essencial, e por falta de fundamentação;

3 – se a mesma enferma também de erro notório na apreciação da prova e de contradição insanável da fundamentação;

Vejamos, pois.

1 – da perda de eficácia da prova:

O recorrente alega que decorre da tramitação que descreve que a audiência esteve interrompida por mais de trinta dias, uma vez que entre 18/04/2013 e 23/05/2013 não foi realizada qualquer diligência probatória, o que, ao abrigo do nº 6, do artigo 328º, do Código de Processo Penal, acarreta a perda da eficácia da prova, nomeadamente da prova testemunhal, e violação do princípio da oralidade, imediação e continuidade, facto que, ao abrigo da alínea d), do nº 2, do artigo 120º daquela mesma codificação, constitui uma omissão de diligência essencial para a descoberta da verdade (a produção de prova cuja eficácia se perde), mais concretamente de toda a prova testemunhal produzida nas precedentes audiências.
Sustenta, pois, que se impõe a repetição de toda a prova testemunhal realizada nas precedentes audiências, cuja perda de eficácia o prejudica por se tratar de testemunhas de defesa.

O Ministério Público respondeu para sublinhar que o arguido age com absoluta má-fé, já que o que resulta documentado é que no dia 18/04/2013 ocorreu uma sessão de audiência, ficando designada a sua continuação para o dia 02/05/2013, sessão em que foi feita uma comunicação nos termos do artigo 358, do Código de Processo Penal, na sequência do que, e uma vez que o mesmo requereu uma prazo não inferior a dez dias para preparar a sua defesa, ficou designada a continuação da audiência o dia 14/05/2013, altura em que o seu defensor requereu nova data para inquirição das testemunhas por si arroladas, tendo tal requerimento sido aceite e designado o dia 23/05/2013 para continuação, data em que vieram a ouvidas essas testemunhas, designando-se depois nova sessão para o dia 30/05/2013, na qual foi ouvida outra testemunha e ficou designado o dia 04/06/2013 (e não o mesmo dia 30.05.2013, como por lapso, refere) para continuação (leia-se, leitura da sentença).
Entende, pois, que dizer-se que entre o dia 18 de abril e o dia 23 de maio houve interrupção da audiência é uma completa falsidade e a circunstância de entre esse período de tempo não ter sido produzida prova resulta apenas do cumprimento das formalidades exigidas aquando da alteração não substancial dos factos, sendo que foi o próprio arguido que solicitou prazo para defesa e, de seguida, indicou testemunhas, que o tribunal teve necessidade de ouvir em nova data, concluindo, pois, que age com má-fé quem solicita prazo para defesa, esgota esse prazo, indica testemunhas, que o tribunal para assegurar todos os direitos de defesa do próprio aceita ouvir, e depois imputa ao tribunal a circunstância de entre o dia 18 de abril e 23 de maio não ter sido produzida prova, alegando que a instância este interrompida por mais de tinta dias.
Finaliza dizendo que não assiste razão ao recorrente.

O Ex.mo PGA aderiu à resposta e, sem se referir expressamente a esta questão, relembrou que das nulidades invocadas, umas são nulidades da sentença e outras são do julgamento ou de fases anteriores e que estas últimas teriam de ser arguidas nos termos do artigo 120º, nº 3, do Código de Processo Penal, o que não vislumbrava que tivesse sido feito.

Apreciando.

É ponto assente que na sessão de 18/04/2013 teve início a produção de prova, mais concretamente, o próprio julgamento, com encerramento da discussão, na sessão de 02/05/2013, em vez da anunciada leitura da sentença, foi reaberta a audiência e efetuada uma comunicação de alteração não substancial de factos, o que, logicamente, implica a concomitante reabertura da fase da discussão, e requerido o prazo para preparação da defesa, que na sessão seguinte, a 14/05/2013, a defesa requereu que fosse designada nova data para inquirição das testemunhas que arrolara em requerimento anterior, o que foi deferido e designada a continuação da audiência para o dia 23/05/2013, altura em que foi inquirida uma testemunha arrolada pela defesa e designado o dia 30/05/2013 para (re)inquirição da testemunha de defesa que faltara na precedente data, o que veio a suceder, designando-se então a leitura da sentença para o dia 04/06/2013, o que se confirmou.
Assim sendo, dúvidas não existem de que após a sessão que teve lugar no dia 18/04/2013, só foi produzida nova prova na sessão de 23/05/2013, ou seja, decorridos mais de trinta dias, sendo certo que não poderá afirmar-se que até então existia já uma deliberação definitiva que “pusesse a salvo” a prova já adquirida.
Este é um facto indesmentível, sendo que não poderá falar-se aqui de má-fé do arguido, que se limitou a esgrimir com os seus direitos de defesa legalmente estatuídos, mas de falta de cuidado por parte do tribunal recorrido, pois que só a este incumbiria não deixar passar um tal prazo sem que, antes disso, se produzisse nova prova. O que, diga-se de passagem, seria muito fácil, já que bastaria, por exemplo, colocar uma questão ao arguido, por exemplo, já que este prestou declarações na 1ª sessão (há sempre algo que importa “clarificar” …).

Consequências.

Estipula o artigo 328º, nº 6, do Código de Processo Penal, que, nestes casos, perde eficácia a prova já produzida.
Clarificando a questão, o Acórdão do STJ nº 11/2008 fixou jurisprudência no sentido de que “Nos termos do artigo 328.º, n.º 6, do Código de Processo Penal, o adiamento da audiência de julgamento por prazo superior a 30 dias implica a perda de eficácia da prova produzida com sujeição ao princípio da imediação; Tal perda de eficácia ocorre independentemente da existência de documentação a que alude o artigo 363.º do mesmo diploma”[4].
Já vimos que o tribunal recorrido, contrariando esta jurisprudência, nenhuma posição tomou e que da sentença proferida consta a apreciação de toda a prova produzida, incluindo a que foi produzida no dia 18/04/2013, ou seja, as declarações do arguido e das três testemunhas indicadas pela defesa.
Na sequência de tal, veio o arguido suscitar uma tal questão em sede de recurso, não se discutindo a sua legitimidade para o efeito, uma vez que está em causa o que ele próprio declarou e o depoimento das testemunhas por si indicadas, ou seja, a sua defesa.
Resta saber se seria este o momento próprio.
Nesta matéria encontramos divergências interpretativas.
Na verdade, consta do próprio Acórdão de fixação de jurisprudência supra citado que a não repetição da prova cuja eficácia se perdeu configura uma omissão suscetível de configurar o vício a que alude o artigo 120º, nº 2, al. d), do Código de Processo Penal (refere-se ao último segmento ali inscrito, ou seja, à omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade).
Perante tal, a questão que se coloca, e que tal aresto não resolve expressamente, consiste em saber qual o momento próprio para a arguição de uma tal nulidade.
Segundo Paulo Pinto de Albuquerque, que subscreve a existência da referida nulidade e a necessidade de repetir a prova cuja eficácia se perdeu, tal “…nulidade deve ser arguida quando o tribunal dá por finda a produção da prova pelos interessados que se encontrem presentes na audiência (artigo 360.º, n.º 1) e pelos demais interessados na motivação do recurso da sentença (artigo 379.º, n.º 2)”[5].
Anote-se que este autor sustenta ainda, a coberto do disposto no artigo 399º do Código de Processo Penal, que tal não invalida que os sujeitos processuais possam recorrer do despacho que designa data para continuação da audiência em violação do prazo em questão, pois que considera que tal despacho é ilegal[6].
Tese diversa é a que sustenta que, existindo a sobredita omissão de diligências, a que consubstancia a nulidade prevista no artigo 120º, nº 2, al. d), do Código de Processo Penal, esta pode ser arguida por via de recurso, nos termos do artigo 410º, nº 3, do Código de Processo Penal[7].
Neste último sentido, embora sustentando, a par, uma cambiante diversa, pode ler-se em Acórdão do TRG que “Segundo a melhor jurisprudência, deverá considerar-se que o vício cometido constitui uma nulidade, já que o juiz no momento em que proferiu a sentença deveria ter verificado que a prova produzida perdera eficácia, não podendo ter-se socorrido da mesma, uma vez que se impunha a sua repetição, que, não tendo sido levada a cabo, se constitui em omissão de diligência essencial para a descoberta da verdade – cfr. arts. 120.º, n.º 2, al. d), 374.º. n.º 2, e 379.º, todos do C. P. Penal”, ali se anotando depois que “Esta nulidade é sanável – cfr., arts. 119.º, 120.º e 121.º –, dela só podendo conhecer-se se for arguida no prazo de cinco dias – art. 105.º, n.º 1 –, ou na motivação, como fundamento de recurso – art. 410º, nº. 3, todos estes artigos do mesmo C. P. Penal”[8].
Ainda no sentido da apontada nulidade, é sustentado em aresto deste TRP, que “Se, após um adiamento da audiência, por período superior a 30 dias, o tribunal não procedeu à repetição da prova, que entretanto perdera eficácia, ocorre a nulidade prevista na alínea d) do nº 2 do artº 120º do CPP98”[9]. Contudo, este aresto, que apreciou recurso interposto da sentença, não se pronunciou sobre o “timing” da arguição de uma tal nulidade apenas em sede de recurso, limitando-se a constatar a sua existência e a determinar a repetição do julgamento.
Existem ainda entendimentos diversos.
De facto, há quem entenda que a prova produzida para além dos trinta dias perde eficácia, pura e simplesmente, tendo de ser repetida,[10] ignorando-se, contudo, qual o percurso processual legitimador de uma tal repetição.
Cremos que nesse caso, se o pressuposto é a inelutável repetição da prova por via da sua própria ineficácia, sem mais, então o recurso poderia ser a via adequada para o solicitar, pelo que, e a ser assim, seria até equacionável a sustentação da imposição de uma tal repetição ou renovação da prova “ex officio”.
Em sentido similar àquele, sustentava-se em Acórdão do STJ já algo longínquo que “O nº. 6 do art. 328.º do CPP não comina, diretamente, de nulo, nem o despacho que faz retomar a audiência que permaneceu adiada ou interrompida por período superior a 30 dias, nem a audiência de julgamento realizada à sombra de tal despacho, nem a decisão proferida em resultado daquela audiência: apenas a prova feita oralmente em anteriores sessões de julgamento perde eficácia”[11].
Nesta decisão, apela-se à figura da ineficácia em sentido estrito, daí derivando que o ato, embora válido, não produz efeitos jurídicos por circunstância que lhe é exterior[12].
Ali se esclarece ainda que um tal vício só afetará a sentença se esta incluir, nos seus fundamentos, algum daqueles meios de prova ineficazes.
Simplesmente, e atentas as específicas circunstâncias do caso sobre que se debruçava, já que todos os depoimentos que serviram para formar a convicção do tribunal tinham sido prestados em datas posteriores à reabertura da audiência que havia sido ordenada por despacho, ali não se deu depois seguimento prático/processual a tal teoria.
Por seu turno, era sustentado noutro aresto do TRG que “Ultrapassado aquele prazo (30 dias) perde eficácia a prova, resultando da invalidade da fundamentação, ou seja, verifica-se a nulidade prevista no art. 379.º, n.º 1, alínea a), do C.P.P., por referência ao art. 374.º, n.º 2, do mesmo diploma”, adiantando-se ainda que “Nula a sentença por invalidade da prova, tem o julgamento de ser integralmente repetido”[13].
Cremos que esta tese vai entroncar naqueloutra do STJ.

Quid juris?

Independentemente do percurso a seguir em sede de enquadramento processual, cremos que só com a publicação (leia-se, com a entrega de cópia da sentença, já que é consabido que a leitura, por súmula, pode não esclarecer este tipo de pormenores) é possível saber quais as provas efetivamente utilizadas pelo tribunal, ou seja, se este também “aproveitou” provas entretanto tornadas ineficazes.
E isto porque antes disso o julgador não poderá exteriorizar, de modo algum, a avaliação da prova que vai sendo produzida, já que tal constituirá até uma ilícita antecipação da deliberação (cfr. artigos 361º, nº 2, 365º, nº 1, 367º e 372º, todos do Código de Processo Penal).
Assim sendo, só nessa altura poderá saber-se se o tribunal, embora tendo-se até apercebido, na altura própria, de que haveria prova já tornada ineficaz, porque a tinha como inócua, decidiu não determinar a sua repetição, assim evitando a prática de atos inúteis, que a lei não tolera (cfr. artigo 137º do Código de Processo Civil, na versão coeva dos fatos, e artigo 130º, na atual).
Neste contexto, e mesmo seguindo a tese da nulidade a que aludia o próprio Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, cremos que o recurso será sempre a sede adequada para suscitar uma tal questão, através do consignado no artigo 410º, nº 3, do Código de Processo Penal, já que, seja por que via for, a sentença fica claramente inquinada com a utilização de prova ineficaz, impondo-se sempre a repetição do julgamento.
Aqui chegados, seguindo essa mesma orientação, e sendo pacífico que a prova produzida na sessão de 18/04/2013 perdeu eficácia por via da disciplina contida no artigo 328º, nº 6, não tendo sido repetida, nos termos conjugados dos artigos 120º, nºs 1 e 2, al. d) e 122º, todos os citados preceitos do Código de Processo Penal, impõe-se declarar essa mesma ineficácia da prova e, em consequência, a nulidade desse ato e subsequentes, incluindo a sentença, determinando-se a repetição do julgamento.
*
Flui naturalmente do exposto que fica prejudicada a apreciação das demais questões supra elencadas, devendo relembrar-se, além do mais, que é imperioso “dar a devida saída” também aos factos alegados na contestação, sendo certo que os factos de natureza pessoal de cada arguido, seja qual for o crime em questão, e por via de regra, terão sempre interesse para se apreender a subjacente personalidade.
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III – DISPOSITIVO:
Nos termos e pelos fundamentos expostos, os juízes desta Relação acordam em conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido B…, na parte apreciada e, em consequência, decidem declarar a ineficácia da prova produzida nos moldes sobreditos e, em consequência, a nulidade desse ato e subsequentes, incluindo a sentença, determinando-se a repetição do julgamento.

Sem tributação (cfr. artigo 513º, nº 1, “a contrario”, do Código de Processo Penal).

Notifique.
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Porto, 19/03/2014[14].
Moreira Ramos
Maria Deolinda Dionísio
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[1] V. Paula Ribeiro de Faria, in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, parte especial, t. II, pgs. 1093 e 1094
[2] Vide, entre outros, o Ac. do STJ, datado de 15/04/2010, in http://www.dgsi.pt, no qual se sustenta que “Como decorre do art. 412.º do CPP, é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada, em que resume as razões do pedido que se define o âmbito do recurso. É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões, excetuadas as questões de conhecimento oficioso”.
[3] Conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada no Acórdão nº 7/95, do STJ, in DR, I série-A, de 28/12/95.
[4] Aresto datado de 29/10/2008 e publicado no DR, I série, de 11/12/2008.
[5] Vide, Aut. Cit., in Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, 4ª ed., pág. 853.
[6] Vide ob. e pág. cit., onde se refere um Ac. do STJ datado de 03/07/1996 nesse mesmo sentido.
[7] Vide Ac. do TRE de 12/09/2006, referenciado no Comentário e notas práticas do Código de Processo Penal da autoria dos Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial Porto, Coimbra Editora, 2009, pág. 814.
[8] Citação de parte do sumário do sobredito aresto, datado de 17/11/2003, relatado por Francisco Marcolino, Apud Vinício Ribeiro, Código de Processo Penal, Notas e Comentários, Coimbra editora 2008, págs. 683 e 684.
[9] Ac. deste TRP datado de 21/02/2007, relatado por Artur Oliveira, a consultar in www.dgsi.pt., o mais recente que conseguimos detetar, sublinhando-se que ali é feita referência a variada jurisprudência de sentido similar.
[10] É o que parece resultar das anotações constantes do Comentário e notas práticas do Código de Processo Penal da autoria dos Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial Porto supra citado, a pág. 811.
[11] Vide Ob. Cit. na nota anterior, pág. 813.
[12] Ali é citado Mota Pinto, Teoria Geral, 3ª ed., pág. 605.
[13] Citação do ac. datado de 10/11/2003, relatado por Anselmo Lopes, Apud Ob. Cit. na nota 8, pág. 683.
[14] Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico, convertido pelo Lince, composto e revisto pelo relator – versos em branco (artigo 94º, nº2, do Código de Processo Penal).