Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
400/11.0TTMTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MACHADO DA SILVA
Descritores: DESCARACTERIZAÇÃO
ACIDENTE DE TRABALHO
NEGLIGÊNCIA GROSSEIRA
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RP20140113400/11.0TTMTS.P1
Data do Acordão: 01/13/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I- A negligência grosseira relevante para a descaracterização do acidente de trabalho, de acordo com o disposto no art. 14.º, nºs 1, alínea b), e 3, da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, pressupõe uma conduta do sinistrado que se possa considerar temerária em alto e relevante grau e que se não materialize em acto ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na inexperiência profissional ou dos usos e costumes da profissão.
II- Não pode concluir-se pela descaracterização de um acidente de trabalho resultante de uma queda do sinistrado se, mesmo não tendo o sinistrado colocado cinto de segurança, apenas se apurou que a queda ocorreu quando aquele, a cerca de 7 metros de altura, executava a tarefa de limpeza de uma caleira, sendo nesta caleira que o sinistrado se encontrava e se movimentava, resultando de um movimento acidental de desequilíbrio o apoio em local que não suportou o seu peso.
III- Não basta que tenha ocorrido um acidente de trabalho traduzido em queda em altura para, de imediato e sem mais, se poder afirmar que houve violação das regras de segurança, não podendo a eclosão do acidente ser o ponto de partida para se ajuizar da necessidade de implementar uma determinada medida de segurança.
IV- A prova dos factos integrativos da descaracterização do acidente, uma vez que se trata de factos impeditivos do direito à reparação reclamada pelo sinistrado, constitui ónus daquele contra quem esse direito é reclamado, nos termos do n.º 2 do artigo 342.º do Código Civil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Reg. nº 1812.
Proc. n.º 400/11.0TTMTS

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

1. B… intentou a presente ação, com processo especial emergente de acidente de trabalho, contra C..… – Companhia de Seguros, SPA, pedindo o pagamento das seguintes quantias:
- A pensão que vier a ser determinada com base na IPP a fixar e na retribuição de € 2.000 x 14 meses;
- € 20 de despesas de transporte;
- tudo, acrescido de juros de mora desde a data da tentativa de conciliação.
Para tanto, alegando em síntese que, no dia 03/03/2010, quando procedia à limpeza de uma caleira de um pavilhão, caiu em cima do telhado de outro pavilhão, partindo um a telha e provocando a sua queda de 7 m, a qual foi causa direta e necessária das lesões sofridas, não aceitando a IPP fixada pelo IML.
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A R. contestou, sustentando a descaracterização do acidente de trabalho, alegando que o mesmo foi provocado por negligência grosseira do A., e, se assim não se entender, a queda do A. apenas se verificou porque a empregadora não cumpriu as mais elementares regras de segurança, sendo assim esta a responsável pela reparação dos danos do acidente.
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Por despacho de fls. 182 determinou o Tribunal a intervenção da empregadora D…, Lda., vindo esta alegar que não houve qualquer responsabilidade sua na verificação do acidente.
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Foi elaborado despacho saneador, no qual se reconheceu a validade e regularidade da instância, tendo-se procedido à seleção da matéria de facto assente e controvertida.
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No apenso de Fixação da Incapacidade foi proferida decisão, fixando em 24,75% a IPP a atribuir ao sinistrado.
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Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com gravação da prova, após o que foi proferida sentença, julgando a ação parcialmente procedente e, consequentemente, condenando a R. C…, Companhia de Seguros SPA a pagar ao A.:
- pensão anual, vitalícia e actualizável de € 5.060,63, com início em 09/04/2011 (dia seguinte ao da alta), atualizada em 01/01/2012 para o valor de € 5.242,81, a ser paga adiantada e mensalmente até ao 3º dia do mês a que respeitar, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual e sendo os subsídios de férias e de Natal pagos, respetivamente, nos meses de junho e novembro;
- a quantia de € 20, a título de despesas com deslocações;
- os juros de mora à taxa legal de 4% ao ano desde as datas referidas na decisão e até integral pagamento.
Mais se absolveu a R. companhia de seguros quanto ao demais peticionado e a R. D…, Lda.
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Inconformada com esta decisão, dela recorreu a Ré Seguradora, formulando as seguintes conclusões:
1. Com base numa simples presunção judicial e ainda no depoimento de parte do autor e das testemunhas E…, F… e G…, todos ouvidos na audiência de 14.05.2013 (cf. registo dos seus depoimentos no sistema) devera dar-se como provado o quesito 20° da base instrutória.
2. O maior risco de quedas em cima de um telhado, como facto público e notório, precisamente o facto deste, por regra, ser coberto por telhas, que são mero material de revestimento e não são material suficientemente resistente para aguentar peso, muito menos de um homem, como é expressamente reconhecido pela lei (cf. art. 45° do Dec. 41821, de 11.08.1958: "Nos telhados de fraca resistência e nos envidraçados usar-se-á das prevenções para que os trabalhos decorram sem perigo e os operários não se apoiem inadvertidamente sabre pontos frágeis”). Ora, ficou provado que o sinistro ocorreu porque o autor se desequilibrou, colocou o pé direito para trás, apoiou-se no telhado do prédio vizinho, a telha do mesmo não aguentou o impacto e quebrou, provocando a sua queda, de mais de 7 metros de altura (cf. factos 17 a 21).
3. Ficou ainda provado que o autor não usava, na execução dos trabalhos em cima do trabalho, qualquer equipamento individual ou coletivo de segurança.
4. A prova do não uso de equipamentos individuais ou coletivos de segurança deverá fazer presumir que o sinistro se ficou a dever ao mesmo não uso ou sempre, pelo menos, deverá inverter o ónus da prova, por forma a impôr ao sinistrado a prova que, apesar dele (do dito não uso) o sinistro teria sempre, na mesma, ocorrido.
5. O autor não provou que a sua queda do telhado não se ficou a dever ao não uso dos equipamentos individuais ou coletivos de segurança mas a qualquer outro motivo estranho a ele.
6. Em face destes factos, tendo a recorrente provado que o sinistro ocorreu em cima de um telhado, que o autor não usava qualquer equipamento individual ou coletivo de segurança e que aquele sinistro ocorreu precisamente por se ter verificado o maior risco na execução de uma obra em cima de um telhado, o de, pelo peso, se partirem as telhas que o revestem, impunha-se, por força do previsto no art. 342° do CC e do previsto no art. 516° do CPC, dar como provado o perguntado no quesito 22° da base instrutória.
7. Com base na factualidade provada e a dar como provada deverá concluir-se que o autor, enquanto gerente e trabalhador da sua entidade patronal, agiu com negligência grosseira, descaracterizadora do acidente como de trabalho, face ao previsto no art. 14°/3 da Lei n° 100/97.
8. Se assim se não entender, deverá então, ao menos, considerar-se que a ré entidade patronal violou as regras de segurança no trabalho previstas nos art. 6° do DL. 348/93, de 1 de outubro; art. 44° do Dec. 41821, de 11.08.1958; art. 37° do DL. 50/05, de 25 de fevereiro; art. 151° da Port. 53/71, de 3 de fevereiro, e Port. 702/80, tendo tal violação sido causal do acidente, devendo, assim, afastar-se a responsabilidade principal da recorrente, face ao disposto nos arts. 18° e 79° da Lei 98/09, de 14 de setembro.
9. Provado nos autos que a retribuição real auferida pelo trabalhador era inferior transferida para a seguradora deverá ser com base naquela e não nesta que se deverá calcular a pensão a atribuir ao sinistrado.
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Não houve contra-alegações.
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Nesta Relação, a Ex.ma Sr.ª Procuradora Geral Adjunta emitiu o seu douto parecer no sentido do não provimento do recurso, ao qual apenas respondeu o Autor.
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Cumpre decidir.
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2. Factos provados (na 1ª instância):
1. No dia 03/03/2010, o A. era gerente da R. D…, Lda., o que já acontecia desde 24/09/2004.
2. O A. estava isento de horário de trabalho, e auferia o vencimento mensal de € 2.000,00 x 14 meses.
3. No dia 3 de março de 2010, por cerca das 14,15 horas, quando o A. trabalhava por conta da referida entidade patronal, nuns pavilhões que a empresa estava a restaurar, na cidade de Matosinhos, sofreu um acidente quando estava em cima duma caleira dum pavilhão, a limpá-la.
4. O A. não usava cinto de segurança e respetiva linha de vida no momento da queda.
5. Não estavam a ser utilizados andaimes ou guarda-corpos.
6. Não existia no local qualquer arnês.
7. Nem rede de proteção.
8. A caleira referida em situava-se entre dois pavilhões, e faz uma cana, com cerca de meio metro de largura.
9. O A. estava de cócoras, em cima da referida caleira, a limpá-la, estando os pavilhões integralmente cobertos.
10. A determinada altura, o A. levantou-se, desequilibrou-se e caiu em cima do telhado do pavilhão situado à sua direita.
11. Uma das telhas partiu, provocando a queda do A.
12. O A., à data dos factos, usava capacete de proteção na cabeça.
13. E botas com biqueira de aço.
14. O A. não usava qualquer outro apetrecho que o agarrasse e impedisse a sua queda no solo.
15. O A. encontrava-se a limpar a caleira em cima de rufo para canalização de águas pluviais existente no telhado do pavilhão.
16. Que utilizava para a sua deslocação em cima do telhado.
17. Tendo-se desequilibrado.
18. Na tentativa de recuperar o equilíbrio, colocou o pé direito para trás.
19. Apoiando-se no telhado do prédio vizinho.
20. A telha do mesmo não aguentou o impacto e quebrou.
21. Caindo o sinistrado sobre o teto falso.
22. Que também cedeu.
23. Acabando o A. por cair no chão desamparado de uma altura aproximada de 7 metros.
24. O A. exercia esta atividade há já 20 anos.
25. A empregadora não possuía fichas de procedimentos de segurança relativas ao trabalho a ser prestado.
26. Não tendo procedido à identificação ou avaliação dos riscos do trabalho a executar.
27. A empregadora não possuía serviços organizados de segurança no trabalho.
28. O local era completamente vedado.
29. Só havia uma escada interior para aceder à caleira.
30. Como consequência necessária e direta da queda, o A. sofreu fratura da bacia e do punho esquerdo.
31. Por causa das graves lesões que sofreu, foi imediatamente conduzido ao hospital …, na cidade de Matosinhos, onde foi observado, radiografado e aí, colocaram-lhe uma luva engessada.
32. O A. esteve internado no referido hospital, durante dois dias consecutivos.
33. Foi depois transferido para o Hospital de Vila Nova de Famalicão, onde foi operado aos ossos do antebraço esquerdo e colocaram-lhe tração ao membro inferior esquerdo, durante três meses consecutivos, período em que permaneceu internado, nesta última unidade hospitalar.
34. Posteriormente, por ordem dos serviços clínicos da R., o A. continuou os tratamentos, por conta da seguradora, no Hospital …, na cidade do Porto, onde foi operado aos ossos do antebraço esquerdo e fez tratamento da ferida infetada pela tração.
35. O A. fez, também, várias sessões de fisioterapia, na Clínica da R., e só retomou o trabalho, em novembro de 2010, com 30% de I.T.P.
36. O A. teve alta definitiva para o trabalho, em 08/04/2011.
37. A R. pagou ao A. indemnização pelos períodos de incapacidade temporária e deslocações efetuadas.
38. Para além das deslocações já referidas, o A. despendeu ainda em deslocações a quantia de 20,00 euros.
39. No dia 03/03/2010, e no que ao A. concerne, a empregadora interveniente tinha a responsabilidade infortunística emergente de acidente de trabalho transferida para a R., pela totalidade da retribuição anual auferida pelo sinistrado 29.210,00 euros, através de contrato de seguro titulado pela Apólice nº ….-……...
40. O A. nasceu em 25/03/1964.
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Fixação da matéria de facto.
Nas suas alegações, e conclusões, a recorrente pretende a alteração da decisão da matéria de facto, considerando que o Tribunal a quo deveria ter dado diferentes respostas aos factos constantes dos quesitos 20º e 22º, considerando-os provados.
Para tanto, alegou a recorrente que com base numa simples presunção judicial e ainda no depoimento de parte do autor e das testemunhas E…, F… e G…, deveria dar-se como provado o quesito 20° da base instrutória.
Por outro lado, tendo a recorrente provado que o sinistro ocorreu em cima de um telhado, que o autor não usava qualquer equipamento individual ou coletivo de segurança e que aquele sinistro ocorreu precisamente por se ter verificado o maior risco na execução de uma obra em cima de um telhado, o de, pelo peso, se partirem as telhas que o revestem, impunha-se, sustenta a recorrente, por força do previsto no art. 342° do CC e do previsto no art. 516° do CPC, dar como provado o perguntado no quesito 22°.
Vejamos.
No quesito 20° perguntava-se o seguinte:
"Sabendo o A. que deveria usar estes [equipamentos de segurança] e os que estão referidos na matéria de facto assente?”
Este quesito mereceu a resposta de não provado.
No quesito 22º perguntava-se o seguinte:
"Usando estes elementos de segurança [os meios de proteção que o agarrassem e impedissem a sua queda no solo] não teria caído no solo nem sofrido as lesões verificadas?"
Este quesito foi dado como não provado.
E, na verdade, a audiência de julgamento decorreu com gravação dos depoimentos prestados, estando estes, assim, acessíveis.
No entanto, importa salientar que, ao tempo da interposição do recurso estava em vigor o CPC, na redação constante da republicação em anexo ao DL 329-A/95, de 12 de dezembro, com as alterações posteriormente introduzidas.
Em tal versão, dispunha o art. 685º-B que:
«1- Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 522.º-C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição.
(…)».
Ou seja:
Na impugnação da matéria de facto o recorrente deverá identificar, com clareza e precisão, os concretos pontos da decisão da matéria de facto e deverá também relacionar ou conectar cada facto, individualizadamente, com o concreto meio de prova que, em seu entender, sustentaria diferente decisão.
Por outro lado, fundamentando-se a discordância em depoimentos que hajam sido gravados, deverá não apenas identificar as testemunhas por referência a cada um dos factos, mas também, sempre que seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, ou, na fórmula legal “indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição”.
A exigência prevista no artigo 685º-B não é um mero capricho legal, ela visa que a Relação, de forma rápida, identifique as passagens dos depoimentos e desse modo, que sejam evitadas impugnações de facto de caráter mais genérico, imponderado, precipitado e infundamentado.
As mesmas razões se aplicam no tocante ao quesito 22º.
Aqui, aliás, por maioria de razão.
Na verdade, aqui, a recorrente nem sequer indica os depoimentos que, em seu entender, fundamentam a alteração do decidido.
Limitou-se, apenas, a invocar a necessidade de esta Relação, em função dos factos provados indicados, e supra referidos, utilizar a presunção judicial, para daí legitimar a resposta de provado ao quesito 22º.
Tal não é possível.
Desde logo, e, como é sabido, as presunções são ilações que a lei ou o julgador tira dum facto conhecido para firmar um facto desconhecido – cf. art. 349.º do CC.
Trata-se dum meio probatório que é admitido para prova de factos suscetíveis de serem demonstrados por prova testemunhal, conforme determina o art. 351.º do CC
No entanto, e como constitui jurisprudência pacífica – cf. o acórdão do STJ, de 05-11-2009, in www.dgsi.pt:
«I- A Relação, dentro da competência que a lei lhe confere em matéria de facto, pode fazer uso das presunções judiciais, as quais não podem ser censuradas pelo STJ se forem extraídas dos factos provados com base em máximas de experiência, não alterarem esses factos e apenas representarem a sua decorrência lógica.
II- Porém, se essas ilações não forem a decorrência lógica dos factos provados ou se implicarem a prova de factos que contrariem as respostas afirmativas ou negativas aos quesitos ou a prova de factos nem sequer alegados, então já o Supremo as pode apreciar e censurar, por se estar perante alteração não prevista no art. 712.º, n.º 1, do CPC, ou perante matéria de facto não alegada pelas partes, com violação da parte final do art. 664.º, do mesmo Código.».
Ou seja:
Sufragando este entendimento jurisprudencial uniforme, não se pode suprir por via da presunção judicial a carência de prova dum facto sujeito a julgamento.
Aplicando este entendimento, no caso em apreço, temos de concluir que não podemos, por via da presunção judicial, suprir a falta de prova do quesito 22º.
Com efeito, tendo sido dado como não provada a materialidade constante do quesito 22º, não pode esta Relação, sem que tivesse alterado a decisão sobre a matéria de facto, dar como assente precisamente o seu contrário.
Como supra se disse, para a alteração por este tribunal da decisão sobre tal ponto, tinha a recorrente de dar cumprimento aos citados ónus processuais, o que não fez.
Em consequência, improcede a pretensão da recorrente de alteração da decisão de facto.
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3. Do mérito.
Nesta sede, as questões suscitadas são as seguintes:
- imputação do acidente a negligência grosseira do sinistrado e a culpa da entidade empregadora;
- cálculo da pensão.
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3.1. Imputação do acidente a negligência grosseira do sinistrado e a culpa da entidade empregadora.
Sustenta a recorrente que os factos provados deviam ter conduzido a M.ma Juíza a reconhecer a negligência grosseira do sinistrado e a culpa da entidade empregadora no acidente.
O acidente dos autos ocorreu no dia 03.03.2010, sendo-lhe aplicável o regime jurídico da Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro, (abreviadamente designada por LAT e de que serão todos os preceitos doravante citados sem outra indicação de origem), conforme resulta dos seus arts. 187º, nº 1, e 188º.
Vejamos a 1ª imputação.
Estabelece o art. 14º, n.º 1, alínea b), que “o empregador não tem de reparar os danos decorrentes do acidente que provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado”.
Esclarecendo o nº 3 do mesmo artigo que “entende-se por negligência grosseira o comportamento temerário em alto e relevante grau, que não se consubstancie em ato ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos da profissão”.
Assim, para que se verifique a apontada exclusão da responsabilidade emergente de acidente de trabalho é necessária a prova de que ocorreu um ato ou omissão temerários em alto e relevante grau por parte do sinistrado, injustificados pela habitualidade ao perigo do trabalho executado, pela confiança na experiência profissional ou pelos usos e costumes da profissão, e, além disso, que o acidente tenha resultado exclusivamente desse comportamento.
Por outro lado, a falta grave e indesculpável deve ser apreciada em concreto, em face das condições da própria vítima e não em função de um padrão geral, abstrato, de conduta.
Acresce que a descaracterização do acidente constitui um facto impeditivo do direito que o autor se arroga e, como tal, de acordo com os critérios gerais de repartição do ónus da prova, a sua prova compete ao réu na ação, ou seja, à entidade empregadora ou à respetiva seguradora (artigo 342º, n.º 2, do Código Civil).
Não surpreendemos na matéria de facto provada qualquer facto de onde se possa retirar que o sinistrado agiu com negligência grosseira.
Vejamos os factos interessantes:
- A caleira referida em situava-se entre dois pavilhões, e faz uma cana, com cerca de meio metro de largura;
- O A. estava de cócoras, em cima da referida caleira, a limpá-la, estando os pavilhões integralmente cobertos;
- A determinada altura, o A. levantou-se, desequilibrou-se e caiu em cima do telhado do pavilhão situado à sua direita;
- O A. encontrava-se a limpar a caleira em cima de rufo para canalização de águas pluviais existente no telhado do pavilhão;
- Que utilizava para a sua deslocação em cima do telhado;
Ou seja:
Os factos apurados apenas revelam que o acidente ocorreu, quando o A. executava a tarefa de limpeza de uma caleira, sendo nesta caleira que o sinistrado se encontrava e se movimentava, resultando de um movimento acidental de desequilíbrio o apoio em local que não suportou o seu peso.
É certo que o sinistrado não tinha colocado cinto de segurança, que poderia ter evitado o acidente, omissão esta que revela algum incumprimento de regras elementares de cuidado e, como infra se dirá, de regras legais de segurança no trabalho, traduzindo-se, por isso, numa atitude que se pode caracterizar de negligente.
No entanto, os factos apurados em nada permitem concluir que a negligência do A. tenha sido temerária e, muito menos, causa única do acidente, sendo certo que sobre a entidade seguradora incumbia o ónus de provar a falta grave e indesculpável do sinistrado.
Consequentemente, nesta parte, improcedem as conclusões da recorrente.
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- Violação de regras de segurança pela empregadora.
Sustenta a recorrente que os factos provados deviam ter conduzido a M.ma Juíza a reconhecer a culpa da entidade empregadora no acidente.
Como é sabido, a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho constitui um caso típico de responsabilidade objetiva, incidindo sobre o empregador independentemente da culpa deste na ocorrência do acidente – cf. arts. 2º e 7º.
No entanto, pode ocorrer que o acidente seja devido a atuação culposa da entidade empregadora, que pode resultar de ação ou omissão desta, sendo de destacar que, neste caso, tal omissão pode advir da violação das regras de segurança e saúde no trabalho – cf. art. 18º – o que poderá acarretar uma indemnização e pensão agravadas e que ficará naturalmente a cargo do empregador, dado que, em tais casos, a responsabilidade da seguradora é apenas a de satisfazer as prestações que seriam devidas caso não houvesse atuação culposa – cf. art. 79º, nº 3.
Face aos graves problemas sociais que a ocorrência de acidentes de trabalho acarretava, desde há muito, que constitui uma grande preocupação do legislador a necessidade de estabelecer regras de segurança dos trabalhadores nos seus locais de trabalho com vista à redução do número de acidentes e das suas consequências gravosas.
No caso, decorrendo os trabalhos executados pelo sinistrado em telhado, relevam os arts. 44.º e 45.º do Dec. n.º 41.821, de 11.8.1958 (Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil), nos termos dos quais:
«[…]
Art. 44.º
No trabalho em cima de telhados que ofereçam perigo pela inclinação, natureza ou estado da sua superfície, ou por efeito de condições atmosféricas, tomar-se-ão medidas especiais de segurança, tais como a utilização de guarda-corpos, plataformas de trabalho, escadas de telhador e tábuas de rojo.
§ 1.º (…)
§ 2.º. Se as soluções indicadas no corpo do artigo não forem praticáveis, os operários utilizarão pontos de segurança providos de cordas que lhes permitam prender-se a um ponto resistente da construção.
Art. 45.º
Nos telhados de fraca resistência e nos envidraçados, usar-se-á as precauções necessárias para que os trabalhos decorram sem perigo e os operários não se apoiem inadvertidamente sobre pontos frágeis».
Também o Regulamento Geral de Segurança e Higiene do Trabalho nos Estabelecimentos Industriais, aprovado pela Portaria n.º 53/71, de 3 de fevereiro, com a redação conferida pela Portaria n.º 702/80, de 22 de setembro, tem em vista a prevenção técnica dos riscos profissionais e a higiene nos estabelecimentos industriais (artigo 1.º), aplicando-se a todos os estabelecimentos industriais públicos, cooperativos ou privados onde se exerça atividade constante das rubricas da tabela anexa ao Decreto n.º 46.924, de 28 de março de 1966, e suas alterações (artigo 2.º).
No art. 3.º constam as obrigações gerais da entidade patronal, mormente, «adotar as medidas necessárias, de forma a obter uma correta organização e uma eficaz prevenção dos riscos que podem afetar a vida, integridade física e saúde dos trabalhadores ao seu serviço [alínea b)], «fornecer gratuitamente aos trabalhadores os dispositivos de proteção individual e outros necessários aos trabalhos a realizar, assegurando a sua higienização, conservação e utilização» [alínea f)], «informar os trabalhadores dos riscos a que podem estar sujeitos e das precauções a tomar, dando especial atenção aos casos dos admitidos pela primeira vez ou mudados de posto de trabalho» [alínea g)], e «promover uma conveniente informação e formação em matéria de higiene e segurança no trabalho para todo o pessoal ao seu serviço» [alínea h)].
Por seu turno, o art. 151.º, epigrafado «Cintos de segurança» e incluído no capítulo IX referente ao equipamento de proteção individual, determina que «os trabalhadores expostos ao risco de queda livre devem usar cintos de segurança, de forma e materiais apropriados, suficientemente resistentes, bem como cabos de amarração e respetivos elementos de fixação» [n.º 1)].
O DL nº 441/91, de 14/11, veio estabelecer a lei quadro das condições de segurança, higiene e saúde nos locais de trabalho, como forma de realização pessoal e profissional dos trabalhadores e de estabelecer um programa de prevenção dos riscos profissionais com vista a um aumento da produtividade e competitividade das empresas com diminuição da sinistralidade laboral.
Este quadro legislativo surgiu também para dar cumprimento integral às obrigações do Estado decorrentes da ratificação da Convenção nº 155 da OIT sobre segurança e saúde dos trabalhadores e da necessi­dade de adaptar os normativos internos à diretiva comuni­tária nº 89/391/CEE, que respeita à implementação de medidas destinadas a promover a melhoria da segurança e saúde dos trabalhadores nos seus locais de trabalho.
Assumindo a importância da segurança dos trabalhadores nos seus locais de trabalho, o próprio legislador constitucional veio consagrar para todos os trabalhadores o direito à prestação de trabalho em condições de higiene, segurança e saúde [art. 59, nº 1, alínea c), da CRP].
Ora, resulta do nº 1 do art. 8º do DL nº 441/91 que o empregador é obrigado a assegurar aos trabalhadores condições de segurança, higiene e saúde em todos os aspetos relacionados com o trabalho, devendo aplicar as medidas necessárias para prevenir a ocorrência de acidentes ou para atenuar as suas consequências [nº 2)].
Por isso, na conceção das instalações e processos de trabalho deve proceder à identificação dos riscos previsíveis, combatendo-os na origem, anulando-os ou limitando os seus efeitos, de forma a garantir um nível eficaz de proteção [alínea a)].
Por outro lado, na aplicação das medidas de prevenção deve o empregador mobilizar os meios necessários, bem como o equipamento de proteção que se tome adequado, tendo em conta, em qualquer caso, a evolução da técnica.
Recentemente foi publicada a Lei nº 102/2009, de 10.09, que, regulamentando, além do mais, o regime jurídico da promoção e prevenção da segurança e da saúde no trabalho, de acordo com o previsto no artigo 284.º do Código do Trabalho, no que respeita à prevenção, revogou expressamente o DL nº 441/91, mantendo, no entanto, os mesmos princípios e medidas de prevenção supra referidas, como disso dá nota, entre outros, o artigo 15º, epigrafado «Obrigações gerais do empregador», nele se estabelecendo:
«1- O empregador deve assegurar ao trabalhador condições de segurança e de saúde em todos os aspectos do seu trabalho.
2- O empregador deve zelar, de forma continuada e permanente, pelo exercício da actividade em condições de segurança e de saúde para o trabalhador, tendo em conta os seguintes princípios gerais de prevenção:
a) Identificação dos riscos previsíveis em todas as actividades da empresa, estabelecimento ou serviço, na concepção ou construção de instalações, de locais e processos de trabalho, assim como na selecção de equipamentos, substâncias e produtos, com vista à eliminação dos mesmos ou, quando esta seja inviável, à redução dos seus efeitos;
b) Integração da avaliação dos riscos para a segurança e a saúde do trabalhador no conjunto das actividades da empresa, estabelecimento ou serviço, devendo adoptar as medidas adequadas de protecção;
c) Combate aos riscos na origem, por forma a eliminar ou reduzir a exposição e aumentar os níveis de protecção;
[…]
g) Substituição do que é perigoso pelo que é isento de perigo ou menos perigoso;
h) Priorização das medidas de protecção colectiva em relação às medidas de protecção individual;
[…]
3- Sem prejuízo das demais obrigações do empregador, as medidas de prevenção implementadas devem ser antecedidas e corresponder ao resultado das avaliações dos riscos associados às várias fases do processo produtivo, incluindo as actividades preparatórias, de manutenção e reparação, de modo a obter como resultado níveis eficazes de protecção da segurança e saúde do trabalhador.
4- Sempre que confiadas tarefas a um trabalhador, devem ser considerados os seus conhecimentos e as suas aptidões em matéria de segurança e de saúde no trabalho, cabendo ao empregador fornecer as informações e a formação necessárias ao desenvolvimento da actividade em condições de segurança e de saúde.
[…]
6- O empregador deve adoptar medidas e dar instruções que permitam ao trabalhador, em caso de perigo grave e iminente que não possa ser tecnicamente evitado, cessar a sua actividade ou afastar-se imediatamente do local de trabalho, sem que possa retomar a actividade enquanto persistir esse perigo, salvo em casos excepcionais e desde que assegurada a protecção adequada.
7- O empregador deve ter em conta, na organização dos meios de prevenção, não só o trabalhador como também terceiros susceptíveis de serem abrangidos pelos riscos da realização dos trabalhos, quer nas instalações quer no exterior.
[…]
10- Na aplicação das medidas de prevenção, o empregador deve organizar os serviços adequados, internos ou externos à empresa, estabelecimento ou serviço, mobilizando os meios necessários, nomeadamente nos domínios das actividades técnicas de prevenção, da formação e da informação, bem como o equipamento de protecção que se torne necessário utilizar.
[…]».
Ainda, no desenvolvimento da regulamentação anunciada no n.º 2 do art. 23.º do DL n.º 441/91, foi editado o DL n.º 348/93, de 1 de outubro, que visou transpor para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 89/656/CEE, do Conselho, de 30 de novembro, relativa às prescrições mínimas de segurança e de saúde dos trabalhadores na utilização de equipamentos de proteção individual, que constitui a terceira diretiva especial, na aceção do n.º 1 do art. 16.º da Diretiva n.º 89/391/CEE, do Conselho, de 12 de junho, e atende aos princípios orientadores da Comunicação da Comissão n.º 89/C328/02, de 30 de novembro, relativa à avaliação do ponto de vista de segurança dos equipamentos de proteção individual.
De harmonia com o DL n.º 348/93, entende-se por equipamento de proteção individual todo o equipamento, bem como qualquer complemento ou acessório, destinado a ser utilizado pelo trabalhador para se proteger dos riscos, para a sua segurança e para a sua saúde (n.º 1 do art. 3.º), o qual deve ser utilizado quando os riscos existentes não puderem ser evitados ou suficientemente limitados por meios técnicos de proteção coletiva ou por medidas, métodos ou processos de organização do trabalho – art. 4º.
Refira-se, também, que constitui obrigação do empregador, nos termos do art. 6.º do citado diploma legal, «fornecer equipamento de proteção individual e garantir o seu bom funcionamento» [alínea a)], «fornecer e manter disponível nos locais de trabalho informação adequada sobre cada equipamento de proteção individual» [alínea b)], «informar os trabalhadores dos riscos contra os quais o equipamento de proteção individual os visa proteger» [alínea c)], «assegurar a formação sobre a utilização dos equipamentos de proteção individual, organizando, se necessário, exercícios de segurança» [alínea d)].
Consoante o Anexo II daquela Portaria, intitulado «Lista indicativa e não exaustiva dos equipamentos de proteção individual», são adequados à proteção contra quedas, os equipamentos ditos «antiquedas», os equipamentos com travão «absorvente de energia cinética» e os dispositivos de preensão do corpo (cintos de segurança).
Por sua vez, o art. 14º, nº 1, do DL nº 273/2003, de 29/10, estabelece que "sempre que se trate de trabalhos em que não seja obrigatório o plano de segurança e saúde de acordo com o n° 4 do art. 5° mas que impliquem riscos especiais previstos no art. 7°, a entidade executante deve elaborar fichas de procedimentos de segurança para os trabalhos que comportem tais riscos e assegurar que os trabalhadores intervenientes na obra tenham conhecimento das mesmas".
Estipulando o art. 20º as obrigações da entidade executante, entre as quais está prevista – elaborar fichas de procedimentos de segurança para os trabalhos que impliquem riscos especiais e assegurar que os subempreiteiros e trabalhadores independentes e os representantes dos trabalhadores para a segurança, higiene e saúde no trabalho que trabalhem no estaleiro tenham conhecimento das mesmas – cf. al. c).
Resulta, pois, globalmente das normas destinadas a garantir a segurança no trabalho, que o uso do cinto de segurança é obrigatório, para além dos casos especialmente previstos, quando o trabalhador estiver exposto a um risco efetivo de queda livre e esse risco não possa ser evitado ou suficientemente limitado por meios técnicos de proteção coletiva.
Relativamente aos arts. 44.º e 45.º citados há que referir que não basta qualquer trabalho em cima de um telhado para que, desde logo, se imponha a adoção de medidas de segurança, coletivas ou individuais.
Para tanto é necessário que se demonstre a verificação de alguma das circunstâncias previstas nas normas (perigosidade decorrente da inclinação, da natureza ou do estado da superfície, das condições atmosféricas, da fraca resistência dos telhados e nos envidraçados) que justifique a adoção de tais medidas.
Sufragando este entendimento, o acórdão do STJ, de 9.12.2010, in www.dgsi.pt, aí se referindo:
«(…)
Como se deixou consignado no Acórdão da Secção Social deste Supremo, de 21.10.2009, proferido no Proc. n.º 230/09.0YFLSB, sintetizando a posição que vem sendo seguida neste Tribunal, a implementação de medidas de proteção contra quedas em altura, no quadro dos apontados normativos (arts. 44.º e 45.º do citado Regulamento e 11.º da Portaria n.º 101/96) só é obrigatória quando esse risco efetivamente existir, face a um juízo de prognose a formular, no quadro do circunstancialismo existente aquando do acidente, circunstancialismo de que o sinistrado tenha conhecimento ou de que se possa aperceber, agindo com a diligência normal do ‘bonus paterfamilias’ (2), e não face a um juízo a emitir com base em circunstâncias ou dados que só após o acidente se tornaram conhecidos ou cognoscíveis pelo sinistrado. Sendo que não basta que tenha ocorrido um acidente de trabalho traduzido em queda em altura para, de imediato e sem mais, se poder afirmar que houve violação das regras de segurança (neste sentido veja-se, por exemplo, o Acórdão desta Secção de 16.6.2004, www.dgsi.pt, processo n.º 04S339), não podendo a eclosão do acidente ser o ponto de partida para se ajuizar da necessidade de implementar uma determinada medida de segurança (ver Acórdão desta Secção de 31.10.2007, www.dgsi.pt, processo n.º 07S1517)”.
(…)».
Da análise dos factos provados resulta apenas que, em abstrato, a entidade empregadora violou o art. 20º, alínea c), do citado DL nº 273/2003, uma vez que se provou que não obstante no caso concreto haver risco de queda em altura – cf. al. a) do art. 7° do citado DL – não promoveu a elaboração de fichas de procedimento de segurança – cf. pontos de facto nºs 25 e 26.
Ora, para que se aplique o art. 18º, é necessário que se verifique, em concreto, não só a falta de cumprimento ou a violação de regras de segurança no trabalho, imputável ao empregador, mas também que exista nexo de causalidade entre essa inobservância e a produção do acidente.
No caso, a R. seguradora não demonstrou a existência do nexo de causalidade entre a violação de regras de segurança e a produção do acidente, apesar do respetivo ónus lhe caber, atento o disposto no nº 2 do art. 342º do CC.
Com efeito, os factos apurados revelam, como supra referido, que o sinistrado se encontrava a trabalhar na limpeza de uma caleira existente no rufo do telhado, utilizando aquela caleira para se deslocar, tendo-se desequilibrado e apoiando-se para o efeito no telhado do prédio vizinho, não tendo a telha aguentado, acabando por cair.
Não se apurou, assim, que a execução específica desses trabalhos de limpeza e, em consequência, que o acidente em causa tenha ocorrido devido à inexistência dessas fichas de procedimento de segurança.
Na verdade, no tocante ao necessário nexo de causalidade entre a falta de observação das ditas regras e a produção do acidente, a sua prova impende, conforme arts. 342.º, nºs 1 e 2, e 487.º, nº 1, do CC, sobre quem pretenda tirar proveito da responsabilidade agravada, no caso, a recorrente.
É pacífico que a mera inobservância de (identificadas) regras de segurança, higiene e saúde no trabalho não acarreta automaticamente a responsabilidade do empregador.
No caso, mesmo que se entendesse que os trabalhos executados pela empregadora implicavam risco especial, ainda assim não resulta dos factos materiais provados a necessária relação de causa-efeito, num processo de causalidade adequada, entre essa, eventual, omissão e a produção do acidente que vitimou o sinistrado.
Segundo o entendimento pacificamente reconhecido e seguido, o art. 563.º do CC acolheu, nesta matéria, a doutrina da causalidade adequada, na sua formulação negativa, segundo a qual o estabelecimento do nexo de causalidade, juridicamente relevante para o efeito da imputação de responsabilidade, pressupõe que o facto ilícito (ação ou omissão) praticado pelo agente tenha atuado como condição da verificação de certo dano, apresentando-se este como consequência normal, típica ou provável daquele.
Assim discorreu o acórdão do STJ, de 8.6.2011, in www.dgsi.pt:
«No que ao nexo de causalidade concerne, perfilhando uma teoria de formulação negativa, tal como foi formulada por Enneccerus-Lehmann, para se usarem os ensinamentos de Antunes Varela (“Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 748), “o facto que atuou como condição do dano só deixará de ser considerado como causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo em todo indiferente (…) para a verificação do dano, tendo-o provocado só por virtude de circunstâncias excecionais, anormais, extraordinárias ou anómalas, que intercederam no caso concreto”, sendo que, no juízo de prognose, em ‘condições regulares, desprendendo-nos da natureza do evento constitutivo de responsabilidade, dir-se-ia que um facto só deve considerar-se causa (adequada) daqueles danos (sofridos por outrem) que constituem uma consequência normal, típica, provável dele”; (cf., também, Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 3.ª Edição, 518, para quem “o facto que atua como condição só deixará de ser causa do dano desde que se mostre, por sua natureza, de todo inadequado e o haja produzido apenas em circunstâncias anómalas ou excecionais” e ainda Pessoa Jorge, “Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil”, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 392, que defende que a “orientação hoje dominante é que a considera causa de certo efeito a condição que se mostra, em abstrato, adequada a produzi-l”’, traduzindo-se essa adequação em ‘termos de probabilidade, fundada nos conhecimentos médios: se, segundo a experiência comum, é lícito dizer que, posto o antecedente x se dá provavelmente a consequência y, haverá relação causal entre eles”)».
Assim, sufragando esta orientação, não se retirando da matéria de facto estabelecida que o acidente tenha resultado – nos termos da sobredita causalidade adequada – da falta de observação de regras sobre segurança no trabalho, não se mostram preenchidos os pressupostos da pretendida responsabilização da R. empregadora.
Improcedem, pois, as conclusões do recurso.
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4. Atento o exposto, e decidindo:
Acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
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Porto, 13-01-2014
Machado da Silva
Fernanda Soares
Paula Leal de Carvalho