Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4947/09.0T2OVR-D.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JUDITE PIRES
Descritores: OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
ILEGITIMIDADE PASSIVA
INCOMUNICABILIDADE DA DÍVIDA EXEQUENDA
Nº do Documento: RP201403274947/09.0T2OVR-D.P1
Data do Acordão: 03/27/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A execução pode ser promovida contra o cônjuge do executado, mesmo que aquele não figure como devedor no título executivo, desde que o exequente no requerimento executivo invoque a comunicabilidade da dívida, articulando factos que permitam concluir ser a dívida comum.
II - Não aceitando o (ex)-cônjuge do executado, citado nos termos do disposto no artigo 825º, nº2 do Código de Processo Civil, a comunicabilidade da dívida e comprovando que à data da realização da penhora e da sua citação, já havia sido decretada a separação de pessoas e bens dos membros do (ex)-casal, e que não existia património comum, por também já ter sido partilhado, apenas responde pela dívida exequenda os bens próprios de quem no título figura como devedor.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 4947/09.0T2OVR-D.P1
Comarca do Baixo Vouga
Ovar – Juízo de Execução

Relatora: Judite Pires
1ª Adjunta: Des. Teresa Santos
2º Adjunto: Des. Aristides de Almeida

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I.RELATÓRIO
1. B…, casada, residente na Rua …, n.º . em …, Anadia, deduziu oposição à execução para pagamento de quantia certa, em processo comum, que lhe foi movida por “C…, Lda”, com sede na …, alegando, em síntese, a prescrição da acção cambiária e a incomunicabilidade da dívida exequenda, pelo que o responsável é única e exclusivamente o executado D…, devendo a penhora começar pelos bens próprios dele.
Notificada, a exequente apresentou contestação, tendo impugnado os fundamentos da oposição nos termos alegados pela executada/oponente e respondeu às excepções.
No despacho saneador de fls. 35, foi apreciada a excepção de prescrição da acção cambiária, tendo-se decidido pela exequibilidade material dos títulos executivos. Foi, ainda, dispensada a selecção da matéria de facto relevante para a decisão.
As partes indicaram as suas provas.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida decisão sobre a matéria de facto submetida a apreciação, sem reclamação.
Proferiu-se seguidamente sentença que julgou improcedente a oposição deduzida à execução, determinando o prosseguimento desta.
2. Inconformada com tal decisão, dela interpôs a oponente recurso de apelação para esta Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões:
“A- Em nenhum dos quatro cheques dados à execução consta o nome ou assinatura da Alegante.
B- Assim, não constando dos cheques apresentados o nome da Alegante e apelando ao critério formal para aferir a legitimidade activa e passiva em sede de acção executiva, deveria ser julgada extinta a instância executiva contra a Alegante, já que tal ilegitimidade passiva, constitui excepção dilatória, é de conhecimento oficioso e conduz à absolvição da instância –nos termos dos arts. 55º, 494º al. e), 405º e 288º, nº1 todos do Código de Processo Civil.
C- Neste sentido se vem pronunciando a melhor jurisprudência, entre ela o Acórdão da Relação de 17.01.2000, publicado em www.dgsi.pt onde se lê que “em execução instaurada com base em letra aceite apenas por um dos cônjuges, o outro é parte ilegítima, mesmo se invoque o proveito comum do casal, o qual terá de ser previamente apreciado em acção declarativa.
D- Os cheques dados à execução não constituem títulos executivos cambiários, por terem sido apresentados fora do prazo legal e muito menos são títulos executivos enquanto documentos particulares.
E- Os títulos dados à execução, a respectiva acção do seu portador contra o sacador prescreveram decorridos que foram seis meses, contados do termos do prazo da sua apresentação a pagamento – artº 52º do D.L. nº 459/91, LURC.
F- Ora, o requerimento executivo deu entrada no tribunal em 23 de Outubro de 2009 e os cheques foram apresentados a pagamento em 18/01/2009, 28/01/2009, 11/03/2009 e 18/03/2009 respectivamente, passado, portanto, o aludido prazo de seis meses, encontrando-se portanto prescritos.
G- E tais cheques, muito menos podem constituir título executivo como quirógrafo da obrigação subjacente, como erradamente a douta sentença apoio a sua fundamentação.
H- É que a Exequente/Apelada no seu requerimento executivo nada refere quanto ás circunstâncias ou razões que justificaram o preenchimento e entrega dos cheques em que vem basear a execução, limitando-se a referir que foram preenchidos e entregues pelo executado, que foram apresentados a pagamento e que vieram devolvidos por falta de provisão.
I- Por outra via, a sede própria par a Exequente fazer a invocação da causa de pedir devia ser no seu requerimento executivo, e nunca na contestação à oposição, pois a ser de outro modo, tal equivaleria a uma alteração inadmissível da causa de pedir ou a alegação de uma nova causa de pedir, uma vez que não fora invocada sequer – V. o AC. do STJ, de 17-11-2011, www.dgsi.pt.
J- Além do mais, o DL nº 38/2003, de 8-3, veio dar uma nova redacção ao artigo 810º, 3, do CPC, passando na sua alínea c) a estatuir o seguinte: “O requerimento executivo deve conter os seguintes elementos, além dos referidos nas alíneas b), c), e) e f) do nº1 do artigo 467º, bem como na alínea c) do nº1 do artº 806 c) Exposição sucinta dos factos que fundamentam o pedido, quando não constem do último executivo”.
K- Entretanto, o DL nº 226/2008, de 20-11, aplicável aos iniciados após 21-11-2008, como é o caso, introduziu nova redacção ao artigo 810º, 1º do CPC, que na sua alínea e) passou a ler-se o seguinte:
“1- No requerimento executivo, dirigido ao tribunal de execução, o exequente:
e) Expõe sucintamente os factos que fundamentam o pedido, quando não constem do título executivo.
L- Destas alterações há que concluir que a lei processual civil consagrou a teoria de que a causa de pedir na acção executiva é o facto jurídico fonte d obrigação accionada, sendo o título (no caso os cheques) um condição especial (probatória, necessária e suficiente) par que se possa intentar a acção executiva.
M- Ora, in casu, dos títulos nada consta quanto à causa de pedir e são inexistentes quaisquer factos susceptíveis de servirem de fundamentos ao pedido, pelo que face à falta de convite à exequente para proceder ao seu aperfeiçoamento, tal inexistência conduz à nulidade de todo o processo, nos termos do disposto no artº. 191º do Código de Processo Civil.
N- É que, como se refere no Acórdão da relação do Porto de 05//05/2011, publicado em www.dgsi.pt “o expediente processual em causa não consente mais do que dois momentos: o primeiro marcado pela posição do exequente no requerimento inicial da execução tendente a viabilizar a formação do título parajudicial que permita a execução contra o cônjuge do executado e, o segundo e, o segundo, relativo ao direito deste de se opor, ainda que apenas de modo concludente, à comunicabilidade da dívida, conforme a B… se opôs, negando a comunicabilidade e demonstrando a existência de Inventário para separação de bens.
Assim sendo, jamais poderia relevar a resposta da exequente à oposição, nomeadamente com o sentido de definir ou concretizar (diga-se que de modo pouco rigoroso) qualquer fundamento de comunhão de dívida do casal, seja ele um novo fundamento ou o esclarecimento de fundamento invocado no requerimento inicial executivo”.
O- O momento em que deduziu a sua Oposição, a ora Alegante nem por sombras poderia suspeitar, muito menos conhecer, a intenção da exequente em alegar a presunção da comunicabilidade da dívida através da sua atribulada classificação de ter sido contraída no exercício de um acto de comércio do executado.
P- A sentença conclui errada e infundadamente que o executado D… contraiu a dívida, correspondente à quantia exequenda, na qualidade de comerciante,
Q- Na verdade, deu por provados factos (desde logo as datas do fornecimento), não alegados pela Exequente (nem no seu requerimento executivo, nem mesmo na sua contestação) – violando de modo clamoroso os princípios dispositivo e do contraditório, bem como o estabelecido no nº2 do artº 825º do CPC.
R- Por outro lado, não foi explicado o raciocínio lógico seguido pelo Tribunal para formar a sua convicção, tanto mais que a matéria dada por provada foi-o sem respeito às mais básicas regras da experiência, razoabilidade e lógica – não faz qualquer sentido que o executado compre em seu nome individual material que ascende a mais de 25.000,00€, para o destinar a um obra que é realizada por uma sociedade da qual é sócio-gerente.
S- A aplicação das regras da experiência, temperadas com a análise crítica da prova, só poderiam conduzir à conclusão de que o executado D… actuou como gerente da sociedade da qual era gerente e que os materiais fornecidos foram utilizados por essa sociedade, não por ele.
T- Não são as regras da experiência, mas também o disposto no artº 253º do Código Comercial, na medida em que dispõe: “Nenhum gerente poderá negociar por conta própria, nem tomar interesse debaixo do seu nome ou alheio em negócio do mesmo género ou espécie da de que se acha incumbido, salvo com expressa autorização do proponente”, deixa antever como seria ilógico ter sido o executado a comprar o material para depois o fornecer à sociedade de que é gerente.
U- Ao contrário do decidido o alegado nos artigos 57º e 8º da contestação permitem concluir que o executado D… maia agiu como gerente da sociedade e não em seu nome.
V- Por outra via, não há qualquer facto alegado que permita concluir que a dívida é pessoal do executado e não da sociedade.
W- O que significa que a Sentença não poderia decidir-se pela comunicabilidade da dívida, devendo antes ter sido decidido que a existir tal dívida, nunca seria d responsabilidade da oponente, mas da sociedade de E….
X- Assim, não tendo a qualidade de comerciante o gerente, enquanto tal, a dívida em causa não é comercial nem goza da presunção d comunicabilidade do nº1 do artº 1691º do Cód. Civil, recaindo, consequentemente, o ónus da prova sobre o proveito comum do casal sobre a exequente – o que como é evidente não está demonstrado.
Y- Tendo sido dado por assente que executado e Oponente estão separados de facto desde 2007 e judicialmente desde 12.2.2009, deveria ter-se por invertido o ónus que recaía sobre a Alegante e a que se refere o nº 1 do artº 1691º do Cód. Civil.
Z- Da aplicação das regras da experiência decorre que um casal separado, passa a viver em economias independentes, ainda que mesmo assim, persistam os deveres de assistência e de alimentares.
AA- Além da falha de sentido lógico ou coerência, da tese defendida n Sentença, relativamente à independência económica da Recorrente é notório por constar dos autos, que a mesma vive do seu vencimento de auxiliar de acção educativa, sendo precisamente esse salário que se pretende ver penhorado.
BB- Por outro lado, até tomar conhecimento da sentença a Apelante apenas podia saber que segundo a exequente a dívida era comum por respeitar a fornecimentos feitos DURANTE o casamento.
CC- Tal só permitiria afastar a eventual presunção através da apresentação e análise de toda a “contabilidade” referente ao período em que se manteve o seu casamento.
Por outro lado,
DD- A Recorrente, deu cumprimento ao disposto no artº 825º do CPC, ao deduzir a Oposição.
Assim;
EE- Tendo na data da citação para aquele normativo, decorrido mais de um ano desde a sua separação ocorrida em 12.02.2009, nessa altura já havia sido partilhado o património comum do casal.
FF- Pelo que, deveria ser considerada parte ilegítima na execução e declarar-se extinta a instância quanto a si.
A douta sentença violou, nomeadamente, o disposto no art. 52º da LUC, bem como os artºs 55º, 46º, nº1, alínea c), 825º, nº2 todos do Código de Processo Civil.
Termos em que se requer a V. Exªs que dêem provimento ao presente recurso, revogando a sentença recorrida e consequentemente dando procedência à oposição deduzida pela ora recorrente, assim se fazendo JUSTIÇA!”.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

II.OBJECTO DO RECURSO
A. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito.
B. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelo recorrente, no caso dos autos cumprirá apreciar fundamentalmente:
- Se a apelante é parte ilegítima na execução contra ela também instaurada;
- Se os cheques dados à execução constituem títulos executivos;
- Se a oponente é responsável pelo pagamento da dívida exequenda.

III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Em primeira instância consideraram-se provados os seguintes factos:
a) - A sociedade comercial “C…, Lda” instaurou acção executiva contra B…, cônjuge do executado D…, reclamando o pagamento da quantia de € 28.124,46 euros, acrescida de juros de mora à taxa legal supletiva, vencidos após a instauração da acção executiva, tendo como fundamento os cheques exequendos, cujas cópias se acham juntas a fls. 40 e 41, e a circunstância de a dívida ter sido contraída pelo referido executado D… em proveito comum do casal;
b) - O cheque n.º ………. foi sacado sobre a conta n.º ……….. titulada por D…, conta solidária;
c) - Aquele cheque foi emitido pelo montante de € 10.612,20, em 16/01/2009, e uma vez apresentado a pagamento, foi devolvido por falta de provisão;
d) - O aludido cheque encontra-se assinado pelo referido D… e foi emitido à ordem da sociedade “C…, Lda”;
e) - O cheque n.º ………. foi sacado sobre a conta n.º ……….. titulada por D…, conta solidária;
f) - Aquele cheque foi emitido pelo montante de € 13.000,00, em 26/01/2009, e uma vez apresentado a pagamento, foi devolvido por falta de provisão;
g) - O aludido cheque encontra-se assinado pelo referido D… e foi emitido à ordem da sociedade “C…, Lda”;
h) - O cheque n.º ………. foi sacado sobre a conta n.º ………. titulada por D…;
i) - Aquele cheque foi emitido pelo montante de € 1.367,90, em 09/03/2009, e uma vez apresentado a pagamento, foi devolvido por falta de provisão;
j) - O aludido cheque encontra-se assinado pelo referido D… e foi emitido à ordem da sociedade “C…, Lda”;
l) - O cheque n.º ………. foi sacado sobre a conta n.º ………. titulada por D…;
m) - Aquele cheque foi emitido pelo montante de € 1.367,90, em 09/03/2009, e uma vez apresentado a pagamento, foi devolvido por falta de provisão;
n) - O aludido cheque encontra-se assinado pelo referido D… e foi emitido à ordem da sociedade “C…, Lda”;
o) - A sociedade exequente, no exercício da sua actividade comercial, vendeu ao executado D… e este comprou-lhe diversa mercadoria de vidro duplo e vidro cortado durante os anos de 2007 e 2008;
p) - Os cheques exequendos foram entregues pelo referido D… à exequente e destinaram-se ao pagamento do preço dos materiais melhores descritos na alínea anterior;
q) – Aquele material foi usado na realização de obras pertencentes à sociedade de E…, de que o executado D… era sócio gerente;
r) – Em 12/02/2009, foi decretada a separação de pessoas e bens, por mútuo consentimento, entre D… e B…, tendo a decisão transitado de imediato;
s) – Em 12/02/2009, entre os referidos D… e B…, procedeu-se à partilha do prédio urbano com a descrição 3274 da freguesia …, concelho de Albergaria-a-Velha, bem como do prédio rústico com a descrição 2159, da freguesia …, concelho de Águeda, de acordo com o documento cuja cópia se acha junta a fls. 43 a 45 destes autos;
t) – Aquando da subscrição dos cheques exequendos pelo executado D…, a oponente não vivia com o seu marido, mas apenas com os dois filhos menores do casal, sendo que essa separação ocorre desde 2007.

IV- FUNDAMENTOS DE DIREITO
1.Da (i) legitimidade da executada/oponente
1.1. Da sua responsabilidade pela dívida exequenda
A apelante, não o tendo feito em sede de oposição deduzida à execução contra si também instaurada, veio em sede de recurso invocar a sua ilegitimidade com o argumento de que em nenhum dos cheques dados à execução como títulos executivos figura o seu nome, pelo que, nos termos dos artigos 55º, 494º, al. e), 405º e 288º, nº1 do Código de Processo Civil, constituindo a ilegitimidade passiva excepção dilatória, sendo esta de conhecimento oficioso, devia ter sido absolvida da instância.
Dispõe o artigo 55º, nº1 do Código de Processo Civil que “a execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor”.
Como elucida Lebre de Freitas[1], “a legitimidade das partes determina-se, na acção executiva, com muito maior simplicidade do que na acção declarativa.
Enquanto nesta há que indagar da posição das partes em face da pretensão, o que implica averiguar a titularidade, real (…) ou meramente afirmada pelo autor (…), da relação ou de outra situação jurídica material em que ela se funda e que dá por vezes lugar a dificuldades de distinção perante a questão de mérito, na acção executiva a indagação a fazer-se resolve-se no confronto entre as partes e o título executivo: têm legitimidade como exequente e executado, respectivamente, quem no título figura como credor e como devedor (art. 55).
Esta regra consente, quanto à legitimidade passiva, um desvio (no caso de execução por dívida provida de garantia real) e excepções (por alargamento a terceiros abrangidos pela eficácia do caso julgado).
Há, além disso, que considerar a legitimidade específica do Ministério Público para a acção executiva”.
O que permite concluir, tal como o faz Amâncio Ferreira[2]: “afere-se assim a legitimidade, na acção executiva, através de um critério formal, diversamente do que ocorre na acção declarativa, onde se faz apelo a um critério substancial, identificando-se aqui a legitimidade com o interesse que o autor e o réu têm, respectivamente, em demandar e contradizer (art. 26.º, n.º1)”[3].
Verifica-se que os quatro cheques dados à execução, referentes à conta bancária do também executado D…, são assinados apenas por este, neles não figurando em qualquer parte, nem em qualquer qualidade – sacadora ou outra – a assinatura da oponente B….
A ser da responsabilidade de ambos os (ex)-cônjuges a dívida exequenda, como defende a exequente, e pretendendo ele executar bens comuns do casal, teria ela de previamente se munir de título executivo onde ambos figurem como devedores[4]; se somente tiver título contra um deles, terá de obter também título contra o outro (v.g., sentença condenatória ou requerimento de injunção onde tenha aposta a forma executória)”[5].
Assim, na medida em que a execução apenas tem por base quatro cheques, independentemente de estes formarem títulos cambiários ou, no caso de ocorrer prescrição da obrigação cambiária, documentos particulares, não figurando em nenhum deles a oponente, ora apelante como devedora, não teria, à partida a mesma legitimidade (passiva) para contra ela ser instaurada a execução.
Poderia, no entanto, ela ser chamada a intervir na execução, como cônjuge do executado, a ocorrer alguma das situações em que essa intervenção é processualmente admitida.
A lei processual civil consente nessa intervenção em três situações distintas:
- Quando sejam penhorados bens comuns do casal, por não se conhecerem bens suficientes próprios do executado, nos termos do nº1 do artigo 825º[6];
- Quando a penhora tenha recaído sobre bens imóveis ou estabelecimento comercial que o executado não possa alienar livremente;
- Quando o cônjuge do executado aceita a comunicabilidade da dívida, depois de citado ou notificado para o efeito, nos termos do nºs 2 e 6 do artigo 825º[7].
No caso, claramente não se configuram nenhuma das duas primeiras hipóteses[8]: o bem penhorado na execução foi o vencimento da oponente. Dado que a penhora se concretizou quando esta já se encontrava separada de pessoas e bens, o bem penhorado constitui um bem próprio da oponente, nos termos do artigo 1735º do Código Civil, como, de resto, reconhece a sentença recorrida.
Resta a terceira hipótese delineada.
A este propósito, esclarece Lebre de Freitas[9]: “com a reforma da acção executiva, passou a proporcionar-se ao exequente, no requerimento executivo (art. 825-2) (…) a invocação da comunicabilidade da dívida, com a consequência, não do apuramento, na acção executiva, do fundamento dessa invocação (…), mas do convite ao cônjuge do executado para vir declarar se aceita a comunicabilidade; se esta não for por ele negada (expressamente, ou mediante requerimento de separação de bens ou prova da pendência do processo de separação (…), constitui-se automaticamente um título executivo extrajudicial contra o cônjuge, que passa, com base nele, a ser executado (art. 825-3)”. Ou, como se refere no acórdão da Relação do Porto de 05.05.2011[10], “na esteira dos objectivos da reforma, a norma visa, assim, criar um título executivo parajudicial para o cônjuge do executado, ajustando-se ao regime substantivo das dívidas dos cônjuges e viabilizando a prossecução da execução também contra ele no pressuposto de que seja também responsável pela dívida. O processo executivo não é intrinsecamente contraditório, uma vez que não serve para verificar jurisdicionalmente a existência de direitos incertos e/ou contestados, mas antes para lhes dar satisfação[…]”.
É neste contexto que na execução, promovida inicialmente contra o executado D…, e apesar de nos cheques exequendos apenas figurar este como devedor, através da extensão do título ao respectivo cônjuge[11] vem a ter intervenção, também como executada, a ora apelante, cujo vencimento é objecto de penhora, nos termos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 825º do Código de Processo Civil.
Como fundamento da comunicabilidade da dívida, invocou o exequente que a dívida contraída pelo executado D… foi contraída em “proveito comum do casal”.
Refere o Prof. Pereira Coelho[12] que o proveito comum afere-se, não pelo resultado, mas pela aplicação da dívida, pelo fim visado pelo devedor, devendo essa finalidade de beneficiar o casal ser apreciada também objectivamente, tendo em conta os interesses dos cônjuges e da família.
Importa essencialmente indagar se o cônjuge administrador, ao contrair a dívida, agiu com o objectivo de alcançar um fim comum ao casal, ou se actuou antes com o objectivo de satisfazer um interesse exclusivo seu, próprio.
Só o primeiro caso preenche o conceito de “proveito comum”, de que emerge a responsabilidade de ambos os cônjuges pela dívida contraída por um deles; no segundo caso, a dívida é da responsabilidade exclusiva de quem a contraiu, não se comunicando ao outro cônjuge[13].
Sustenta o Acórdão do S.T.J. de 10.09.2009[14], “não basta dizer – foi no interesse comum do casal. É preciso dizer – alegar – factos dos quais se possa concluir objectivamente pela definição do interesse prosseguido como comum, nos termos em que o direito defina a comunhão de vida do casamento. Sem factos não há conclusão, e de qualquer modo a conclusão que nos interessa, que interessa à lei, não é puramente fáctica, é uma conclusão ... de direito”.
Daí também poder afirmar-se, como sustenta o Acórdão do S.T.J., de 22.10.2009[15], que “…o apuramento do proveito comum se traduz numa questão mista ou complexa, envolvendo uma questão de facto e outra de direito, sendo a primeira a de averiguar o destino dado ao dinheiro representado pela dívida, e a segunda a de ajuizar sobre se, tendo em conta esse apurado destino, a dívida foi contraída em proveito comum, preenchendo o conceito legal”.
Idêntico entendimento foi perfilhado, entre outros, pelo acórdão da Relação de Coimbra de 20.01.2009, ao referir: “a complexidade em que se resolve o conceito de proveito comum (questão de facto, por um lado, e questão de direito, por outro) só é susceptível de configuração através da alegação de suporte factual que explicite os fins ou motivos da contracção da dívida, forma única de se poder concluir se a mesma teve, ou não, em vista a satisfação dos interesses do casal”.
O debate sobre o conceito do “proveito comum” não é, de resto, novo e já o Acórdão do S.T.J. de 07.06.2005[16] expressava inequivocamente: “a expressão legal proveito comum traduz-se (…) num conceito de natureza jurídica, a preencher através dos factos materiais indicadores daquele destino, a alegar na petição inicial”, não configurando “matéria de facto passível de ser adquirida pela confissão ficta prevista no invocado artigo 484.º, n.º 1, do CPC”.
Exige o nº2 do artigo 825º do Código de Processo Civil que o exequente alegue fundamentadamente que a dívida, constante de título diverso da sentença, é comum. Ou seja, como se conclui no já citado acórdão da Relação do Porto de 05.05.2011, “figurando apenas um dos cônjuges como obrigado no título executivo extrajudicial e invocando o exequente no requerimento inicial da execução que a dívida foi contraída em proveito comum do casal, embora seja concludente e não se destine a ser objecto de prova, tal alegação deve ser minimamente concretizada”.
Claramente não satisfaz essa exigência de fundamento[17], a mera alegação – conclusiva – de que a dívida foi contraída em proveito comum do casal.
A exequente que no requerimento executivo invocou a comunicabilidade da dívida limitando-se à afirmação tabelar de que a mesma foi contraída em proveito comum do casal, declarando a oponente na oposição que deduziu à oposição que não aceitava essa comunicabilidade, com o argumento de que a dívida não foi contraída em proveito comum do casal, nem dela retirou a mesma qualquer proveito, aproveitou a exequente para, na contestação que apresentou àquela oposição concretizar os fundamentos da invocada comunicabilidade, invocando ser a dívida comercial, pelo que se presume da responsabilidade de ambos os cônjuges, mencionando que os cheques dados à execução se destinavam ao pagamento de material fornecido pela exequente e usado na realização de obra pertencente à sociedade E…, de que este o marido da oponente era o sócio gerente.
Perante a manifesta insuficiência de alegação no requerimento executivo quanto aos fundamentos da comunicabilidade da dívida, importa, assim, indagar se essa deficiência poderia ser suprida pela exequente naquele articulado de oposição à execução.
A resposta surge inevitavelmente como negativa
O nº 2 do artigo 825º do Código de Processo Civil dispõe que “quando o exequente haja fundamentadamente alegado que a dívida, constante de título diverso de sentença, é comum, é ainda o cônjuge do executado citado para, em alternativa e no mesmo prazo, declarar se aceita a comunicabilidade da dívida, baseada no fundamento alegado, com a cominação de, se nada disser, a dívida se considera comum, para os efeitos da execução e sem prejuízo da oposição que contra ela deduza”.
A negação da comunicabilidade da dívida não constitui fundamento para oposição à execução, devendo, como parece apontar a literalidade do preceito citado, ser declarada em requerimento autónomo na acção executiva[18].
Apesar de não utilizar o meio processual próprio para o efeito, pecando por excesso de forma o meio utilizado - oposição à execução -, não pode deixar de se considerar, e de forma relevante, o facto de ter a apelante se pronunciado, e de forma inequívoca, quanto à invocada comunicabilidade da dívida exequenda, negando a mesma.
Ao fazê-lo, negando a comunicabilidade, e demonstrando que em data anterior à penhora já tinham sido partilhados os bens comuns do dissolvido casal, obstou à produção do efeito cominatório previsto no referido nº 2 do artigo 825º, e inviabilizou a formação do título parajudicial que permitia a execução também contra si.
Tanto basta para que se possa concluir pela irrelevância da resposta da exequente expressa na contestação à oposição no sentido de concretizar o fundamento da comunhão da dívida, quer essa concretização consista na invocação de diferente fundamento ou mesmo no esclarecimento do anteriormente invocado no requerimento executivo.
Ademais, comportando a oposição à execução apenas dois articulados não pode a exequente fazer uso da contestação para suprir qualquer incorrecção ou insuficiência de alegação do requerimento executivo, completando-o ou corrigindo-o. Admitir tal possibilidade seria consentir numa manifesta desigualdade de armas, ficando a oponente impossibilitada de exercer o direito ao contraditório, por a lei não lhe facultar resposta à contestação.
Saliente-se, finalmente, que tendo a penhora sido efectuada, sem citação prévia, a 03.03.2010, na data em que foi concretizada já tinha sido dissolvida a comunhão conjugal e já não existia património comum, pois como resulta das alíneas r) e s) dos factos provados elencados na sentença impugnada, a 12.02.2009 foi decretada a separação de pessoas e bens entre a oponente e o executado D…, tendo a decisão transitado de imediato em julgado, e nessa mesma data estes procederam à partilha dos imóveis que integravam o património comum.
Segundo o acórdão da Relação de Lisboa de 11.03.2010[19], “apesar de no citado art.º 825º, n.ºs 1 e 2, se aludir apenas à citação do cônjuge do executado, não nos deveremos ficar por uma interpretação meramente literal, sendo que o espírito da lei adjectiva contempla para além dos casos de sociedade conjugal em vigor, também aqueles em que o executado tenha sido membro de uma tal sociedade e já o não seja por a mesma se ter dissolvido, desde que permaneça o património comum do casal, por ausência de partilha”.
No caso aqui em discussão, não só a sociedade conjugal, à data em que foi concretizada a penhora – de bem próprio da oponente -, sem prévia citação desta, já se achava dissolvida, como ainda já não existia património comum, por ter sido objecto de partilha.
Dado que a oponente não aceitou a comunicabilidade da dívida e que comprovou que anteriormente à penhora havia já sido decretada a sua separação de pessoas e bens em relação ao executado D… e que os bens do ex-casal também já haviam sido partilhados, a dívida exequenda não pode ser considerada comum, mas antes da responsabilidade exclusiva de quem no título executivo figura como devedor, por ela respondendo os bens próprios deste[20].
Como tal, não pode ser mantida a sentença que, julgando improcedente a oposição, determinou o prosseguimento da execução contra a oponente, ora apelante, antes se impondo a sua revogação.
2. Em face de tal decisão, fica prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas pelas conclusões recursivas.
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Síntese conclusiva:
- A execução pode ser promovida contra o cônjuge do executado, mesmo que aquele não figure como devedor no título executivo, desde que o exequente no requerimento executivo invoque a comunicabilidade da dívida, articulando factos que permitam concluir ser a dívida comum.
- Não aceitando o (ex)-cônjuge do executado, citado nos termos do disposto no artigo 825º, nº2 do Código de Processo Civil, a comunicabilidade da dívida e comprovando que à data da realização da penhora e da sua citação, já havia sido decretada a separação de pessoas e bens dos membros do (ex)-casal, e que não existia património comum, por também já ter sido partilhado, apenas responde pela dívida exequenda os bens próprios de quem no título figura como devedor.
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Nestes termos, acordam os Juízes desta Relação, na procedência da apelação, em revogar a sentença recorrida, julgando extinta a execução quanto à oponente B…, determinando-se o levantamento da penhora que incidiu sobre o seu vencimento, e a devolução à mesma das quantias do seu vencimento que já foram penhoradas.
Custas a cargo da apelada.

Porto, 27 de Março de 2014
Judite Pires
Teresa Santos
Aristides Rodrigues de Almeida
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[1] “A Acção Executiva Depois da Reforma da Reforma”, 5ª ed., pág. 121.
[2] “Curso de Processo de Execução”, 2010, 13ª ed., Almedina, pág. 75.
[3] Cfr. Ainda acórdão da Relação de Coimbra de 20.01.2009, processo nº 1447/07.7TBCVL-A.C1 e acórdãos da Relação de Lisboa de 30.06.2011, processo nº 2327/07.1TBCSC-A.L1-7 e de 15.11.2007, processo nº 8521/07-2, todos em www.dgsi.pt.
[4] Designadamente, sentença que reconheça ser de ambos a responsabilidade pelo pagamento da dívida e que os condene nesse pagamento.
[5] Amâncio Ferreira, ob. cit., pág. 212; cfr. ainda acórdão da Relação do Porto de 17.01.2000, processo nº 9951390, www.dgsi.pt.
[6] Cfr. acórdão da Relação do Porto de 05.03.2009, processo nº 2864/06.5YRPRT, www.dgsi.pt.
[7] Amâncio Ferreira, ob. cit., pág. 71.
[8] Primeira parte da alínea a) do nº3 do artigo 864º do Código de Processo Civil
[9] Ob. citada, pág. 227.
[10] Processo nº 46/09.3TBVPA-B.P1, www.dgsi.pt.; em idêntico sentido, cfr. acórdão da Relação de Coimbra de 05.05.2009, processo nº 605/08.1TBCBR-B.C1, www.dgsi.pt.
[11] Cfr. acórdão da Relação de Coimbra de 28.10.2008, processo nº 39/06.2TBSCG-A.P1, www.dgsi.pt.
[12] “Curso de Direito da Família”, págs. 348, 349.
[13] Cf. artigo 1692º, a) do Código Civil.
[14] E no quadro da orientação jurisprudencial recente maioritariamente defendida pelo Supremo Tribunal de Justiça.
[15] www.dgsi.pt.
[16] CJSTJ, ano XIII, tomo 2, 118.
[17] Como refere Lebre de Freitas, ob. cit., pág. 227, nota (37), “o fundamento tem de ser invocado (fundamentadamente), mas não é objecto de prova, bastando-se com um juízo de concludência, que o juiz poderá verificar se tal lhe for solicitado nos termos do art. 809-1, al. c) ou d)”.
[18] Neste sentido, se pronunciou o já citado acórdão da Relação do Porto de 05.05.2011: “A verbis legis non recedendum, este normativo faz supor que a declaração de incomunicabilidade não tem (não deve ter) lugar na própria oposição à execução. Não constitui fundamento legal do incidente de oposição a que o cônjuge do executado pode lançar mão (art.ºs 864º, nº 3, al. a) e 864º-A)”.
[19] Processo nº 9320/05.7YYLSB-B.L1-2, www.dgsi.pt.
[20] Cfr. acórdão da Relação de Guimarães de 18.09.2012, processo nº 157/10.2TBFAF-C.G1, www.dgsi.pt.