Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
336/09.5TBVPA-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA CECÍLIA AGANTE
Descritores: RESPONSABILIDADES PARENTAIS
INCUMPRIMENTO
COMPORTAMENTO GRAVE E REITERADO
Nº do Documento: RP20120110336/09.5TBVPA-B.P1
Data do Acordão: 01/10/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA A DECISÃO.
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: A verificação do incumprimento da regulação das responsabilidades parentais exige um comportamento grave e reiterado por parte do progenitor remisso, não bastando uma ou outra falta sem antecedentes nem consequentes, de forma a apurar se ele criou intencionalmente uma situação que permita assacar-lhe um efectivo juízo de censura.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação 336/09.5TBVPA-B.P1
Tribunal Judicial de Vila Pouca de Aguiar
Divórcio sem consentimento do outro cônjuge n.º 336/09.5TBVPA
Relatora: Cecília Agante
Desembargadores Adjuntos: José Carvalho
Rodrigues Pires
Acórdão

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório
Nestes autos de divórcio sem consentimento do outro cônjuge que B…, residente na Rua …, em Vila Pouca de Aguiar, move a C…, residente na Rua …, .º Esq., Entrada .., em Vila Pouca de Aguiar, a requerida, mãe dos menores, invocando incumprimento do regime provisório de regulação de responsabilidades parentais por parte do pai dos menores, o requerente, requereu “as diligências indispensáveis para assegurar a execução efectiva” desse regime homologado por sentença.
Respondeu o pai dos menores, alegando que foram os filhos que se recusaram a regressar a casa da mãe. A pretensão de os fazer regressar à força, acompanhados de pessoas estranhas e pela força policial só agrava a situação. Apesar de ter envidados esforços para preparar e convencer os menores, os mesmos recusaram a acompanhar a mãe, tal como constataram os agentes da GNR. No dia 18 de Fevereiro também a mãe se recusou a entregar-lhe a filha D…, por via da recusa dos filhos gémeos em a acompanhar.

Produzida prova, o Ministério Público emitiu parecer na consideração de inexistir incumprimento culposo por parte do pai dos menores, pois foram estes que se recusaram a ir para casa da mãe.
Foi proferida decisão que, julgando verificada a situação de incumprimento, condenou o requerido B… a pagar uma multa de 200,00 euros (duzentos euros).
Inconformado com a decisão, recorreu o requerido, concluindo, em síntese, a sua alegação do seguinte modo:
1. Com base nos factos dados por provados, o tribunal a quo deveria ter julgado improcedente o incidente.
2. Ficou provado que os menores se recusam a ir viver com a mãe, não havendo qualquer prova de que a recusa seja imputável ao pai.
3. A única razão apresentada para não cumprir o acordo fixado é a recusa dos menores em ir viver com a mãe.
4. Há contradição entre a decisão e os fundamentos, violando a al. c), do n.º1 do artigo 668º do C.P.C.
5. Apesar de se socorrer dos depoimentos dos menores, o tribunal usou-os para concluir que o pai os manipula.
6. Assentando nesses depoimentos descurou todos os demais elementos de prova constantes dos autos, já que nem sequer ouviu as testemunhas indicadas.
7. A maioria da jurisprudência entende que só o incumprimento culposo deve ser sancionado e não o incumprimento desculpável.
8. Na procedência da apelação, deve o incidente ser julgado improcedente.

Não consta dos autos resposta à alegação do recorrente.

II. Objecto do recurso
Admitido o recurso como apelação, com subida imediata, em separado e efeito suspensivo, estando o seu âmbito delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, salvo as questões de conhecimento oficioso, cumpre apreciar se o requerido incumpriu culposamente o regime provisório de regulação de responsabilidades parentais relativo aos seus filhos (artigos 684º e 685º-A do Código de Processo Civil[1]).

III. Fundamentos de facto
1. Por sentença de 26.01.2011 foi homologado o acordo provisório estabelecido entre B… e C…, pais dos menores E…, nascida em 31.03.1995, D… e F…, ambos nascidos em 13.04.2000 (dados extraídos dos relatórios da perícia médico-legal).
2. Nesse acordo ficou estipulado:
PRIMEIRO
As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida dos menores será exercida em comum, por ambos os progenitores, nos termos que vigoravam na constância do matrimónio, salvo nos casos de manifesta urgência.
SEGUNDO
Os menores ficarão a residir com cada um progenitores, de forma alternada, das 21:30 horas de domingo até às 21:30 horas do domingo seguinte, iniciando-se no próximo domingo em casa do requerente.
TERCEIRO
Acordam este regime de guarda, uma vez que residem a cerca de 500 metros um do outro.
3. O requerido B… não entregou, no dia 06.02.2011, os menores E… e F… à progenitora.
4. A requerente interpelou várias vezes o requerido para lhe entregar os menores aludidos em 2), mas sem êxito.
5. No dia 07-02-2011, a GNR foi chamada à residência do progenitor, mas os menores não acompanharam a requerente.
6. Os menores E… e F… recusam-se a ir viver com a progenitora nos termos fixados no acordo provisório.
7. O aludido em 1) a 3) causa dor, desgosto e sofrimento à requerente, privando-a do convívio com os filhos.
8. A requerida vive num apartamento T3 com condições de habitabilidade.
9. A requerida, a partir de 18-02-.2011, não entregou a menor D… na casa do progenitor.
10. Os progenitores trabalham como professores de Português.
11. O progenitor aufere cerca de 1.700,00 euros mensais.
12. Os menores são estudantes. A menor E… frequenta o 9º ano sem retenções. Não tem problemas de disciplina, comportamento ou sociabilidade. De postura adequada, sem inibições, colaborante, sem aparentar qualquer psicopatologia relevante. Apresenta uma relação segura com a mãe e com o pai, mas conflituosa com a mãe (dados extraídos dos relatórios da perícia médico-legal).
13. O menor F… frequenta o 4º ano sem retenções e com bom rendimento escolar. Não tem problemas de disciplina, comportamento ou sociabilidade. Manifesta o desejo de viver com o pai. Embora tendo uma boa relação com os progenitores, sente-se mais seguro e cuidado pelo pai (dados extraídos dos relatórios da perícia médico-legal).
14. A menor D… frequenta o 4º ano sem retenções e com bom rendimento escolar. Não tem problemas de disciplina, comportamento ou sociabilidade. Apresenta uma relação segura com a mãe, mas descreve-a menos gratificante do que a relação com o pai (dados extraídos dos relatórios da perícia médico-legal). 15. A mãe e o pai dos menores não apresentam psicopatologia evidente nem traços de personalidade desadaptativo (dados extraídos dos relatórios da perícia médico-legal).

IV. Fundamentos de direito
O poder paternal constitui um meio de suprimento da incapacidade de exercício de direito do menor (artigo 124º do Código Civil). E na constância do matrimónio, o exercício das responsabilidades parentais pertence a ambos os pais (artigo 1901º do Código Civil[2]). Em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação de casamento ou mesmo separação de facto, as responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores, salvo nos casos de urgência manifesta. Ao passo que o exercício das responsabilidades parentais relativas a actos da vida corrente do filho cabe ao progenitor com quem ele reside habitualmente ou ao progenitor com quem ele se encontra temporariamente, embora não deva contrariar as orientações educativas mais relevantes, tal como são definidas pelo progenitor com quem o filho reside habitualmente (artigos 1906º e 1909º do Código Civil).
Na situação sob exame, na pendência do divórcio, acordaram provisoriamente os progenitores no exercício comum das responsabilidades parentais relativas aos seus três filhos menores, mas estabeleceram uma guarda partilhada, acordando que, residindo a cerca de 500 metros um do outro, os menores ficarão a residir com cada um progenitores, de forma alternada, das 21:30 horas de domingo até às 21:30 horas do domingo seguinte, com início no primeiro e mais próximo domingo em casa do requerente, a significar que ficam, alternadamente, uma semana com a mãe e a outra semana com o pai.
Sem pretendermos imiscuir-nos na opção dos progenitores quanto à guarda partilhada, por não ser objecto da nossa análise, num tom de humilde pedagogia, não podemos deixar de assinalar os malefícios que, por vezes, ela acarreta para as crianças. Desde a instabilidade emocional gerada com a permanente mudança de casa e de orientações de vida ao distanciamento da “casa de morada de família”, tudo constitui um factor de inquietação emocional que quebra o equilíbrio essencial ao crescimento e desenvolvimento de uma criança num ambiente securizante. De todo o modo, cremos que os pais, que amam os seus filhos, perspectivarão para eles o melhor. E o melhor só pode ser uma vida de harmonia, paz e segurança, não apenas económica, mas primordialmente afectiva.
Os factos que os autos patenteiam revelam já uma instabilidade quer na relação das crianças com os progenitores quer destes entre si. A normalidade da vida assinala uma forte ligação emocional da criança ao pai e à mãe, pelo que “a escolha” da criança pelo pai ou pela mãe é, sem si, um agente de perturbação, porque pode levar a criança a interiorizar sentimentos de culpa e de ambivalência pela “escolha”. Acresce que um desenvolvimento harmonioso tem de passar sempre pelo convívio, sereno e saudável, com o pai e com a mãe, ainda que estes se não possam manter juntos. Não procurem os pais junto de qualquer tribunal a solução mágica para uma problemática que só a sua razoabilidade e bom senso podem resolver.
É certo que o tribunal decidirá, sempre e prioritariamente, de harmonia com o interesse do menor (artigo 1906º, 7, do Código Civil), procedendo objectivamente à sua aferição, procurando garantir a prossecução do interesse do menor sem comprometimento dos vínculos afectivos próprios da filiação e assegurar os cuidados ou a atenção adequados à idade ou à situação pessoal da criança, sem punir ou censurar os pais. Aliás, a actual terminologia legal de responsabilidades parentais, em substituição da anterior, poder paternal, pretende co-envolver os progenitores nas medidas que afectem o futuro dos filhos e co-responsabilizá-los na preservação de relações de proximidade, não obstante a ruptura conjugal.
Evidentemente que é muito relevante a disponibilidade afectiva dos progenitores para que as crianças alcancem um harmonioso desenvolvimento e é nesse progenitor que deve sustentar-se a figura primária de referência, que é sempre aquela que cuida da criança na sua via quotidiana. Daí que uma guarda partilhada de um modo tão paritário possa redundar na ausência da dita “figura primária de referência”, aspecto de que não devem alhear-se os progenitores. Figura que permite, por um lado, “promover a continuidade da educação e das relações afectivas da criança e, por outro, atribuir a guarda dos filhos ao progenitor com mais capacidade para cuidar destes e a quem estes estão mais ligados emocionalmente. A figura primária de referência será, também, em regra, aquele progenitor com quem a criança prefere viver”[3] .
Neste sentido, os progenitores destes meninos, à luz das suas responsabilidades parentais, deveriam preservá-los de incidentes deste jaez, como seja o incumprimento do acordo estipulado. O pai, no dia 06-02-2011, não entregou, os filhos E… e F… à progenitora e, apesar de interpelado, não o fez (n.ºs 2 e 3 dos factos provados). Não obstante a GNR ter sido chamada, no dia seguinte, em 07-02-2011, a deslocar-se à residência do progenitor, os meninos voltaram a não acompanhar a mãe, já que se recusaram a residir com a progenitora (n.ºs 5 e 6 da fundamentação de facto). Por seu turno, também a mãe, a partir de 18-02-2011, não entregou a menor D… em casa do progenitor.
As “responsabilidades parentais” não são “um conjunto de faculdades de conteúdo egoísta e de exercício livre, ao arbítrio dos respectivos titulares, mas um conjunto de faculdades de conteúdo altruísta que tem de ser exercido de forma vinculada, de harmonia com a função do direito, consubstanciada no objectivo primacial de protecção e promoção dos interesses do filho, com vista ao seu desenvolvimento integral”[4]. Ora, os progenitores parecem “usar” as crianças como arma de arremesso um contra o outro, sem cuidarem de estimulá-las a observar o acordo que celebraram. Admitimos que a menina mais velha, a E…, já com 15 anos de idade, ponha algum afinco na sua negação a residir com a mãe e que esse posicionamento gere alguma dificuldade em o pai ultrapassar a sua resistência. Porém, o F… e a D…, com 10 anos de idade, serão demovíveis dessa resistência à mãe, oposição que parece não afectar a D…. De todo o modo, esperamos que o bom senso dos progenitores obste à separação dos irmãos. Apesar da dor que lhes causará, é inconcebível que os progenitores consintam que os irmãos cresçam e formem a sua personalidade separados entre si, numa ruptura afectiva que nem o tempo nem a idade adulta superarão.
Expressos estes considerandos, recusando-se os menores a regressaram à casa da mãe, não cremos que possamos reputar de culposo o comportamento do progenitor. Lidamos com uma adolescente e um pré-adolescente que, nem com a presença da GNR, se motivaram a regressar a casa da mãe, que verbalizam pretender residir com o pai e que o pai não demoveu, ou não conseguiu, a regressar. Nestas idades, aceitamos que a vontade da criança seja um factor decisivo na resolução de questões que dizem respeito à sua vida (artigo 1901º, 3, do Código Civil). No entanto, consideramos que cabe aos pais antever o que é melhor para o futuro desenvolvimento das crianças e que, num sadio relacionamento, os persuadam a optar por essa solução.
A decisão recorrida considerou culposo o incumprimento do pai “porque foi demonstrado que o progenitor de uma forma mais ou menos dissimulada e manipuladora impede a entrega dos menores à progenitora, agindo, assim, dolosamente”. Todavia, essa factualidade não se encontra comprovada. Embora da motivação probatória da decisão de facto transpareça o convencimento do Senhor Juiz que o pai manipula os filhos “com vista a alcançar o seu desiderato, pondo em segundo plano o interesse superior daqueles”, o Senhor Juiz acabou por não dar por comprovada a correspondente realidade factual. Daí que assista razão ao apelante quando atribui à decisão uma contradição entre os fundamentos e o dispositivo. É que o tribunal só estaria legitimado a extrair o juízo conclusivo de “dolo” no incumprimento se tivesse dado por provado um quadro fáctico que o legitimasse.
O processo tem a natureza de jurisdição voluntária e, por isso, o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, antes devendo adoptar, em cada caso, a solução que julgue mais conveniente e oportuna. Pode investigar livremente os factos, coligir provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes, desde que o juiz as considere necessárias (artigos 150º da Organização Tutelar de Menores[5] e 1409º e 1410º do Código de Processo Civil). Logo, na regulação das responsabilidades parentais, o juiz investiga autonomamente os factos, sem estar circunscrito ao alegado pelas partes, tendo em vista somente o interesse do menor, para acautelá-lo, defendê-lo e protegê-lo de modo a garantir-lhe um devir estável e afectivamente compensado. Portanto, estava o tribunal a quo em condições de livremente apurar o modo de agir do pai os menores de modo a dar por factualmente demonstrado aquilo que deixou antever na sua convicção probatória: a manipulação dos filhos à recusa em acompanhar a mãe.
Prescreve o art. 181º, 1, da Organização Tutelar de Menores que “[S]e, relativamente à situação do menor, um dos progenitores não cumprir o que tiver sido acordado ou decidido, pode o outro requerer ao tribunal as diligências necessárias ao cumprimento coercivo e a condenação do remisso em multa até €249,90 e em indemnização a favor do menor ou do requerente ou de ambos”. A requerente solicitou ao tribunal que fossem tomadas medidas adequadas para tornar efectiva a execução do acordo, mas a decisão impugnada, decerto por razões de pura inexequibilidade prática, nada inscreveu no segmento decisório a tal respeito, limitando-se a condenar o pai numa multa de 200,00 euros. Sanção que não garante a futura efectividade no cumprimento do acordo e que a decisão recorrida deixou cair. Na verdade, também não vislumbramos que meios coercivos poderão ser usados para vincular o pai a cumprir a entrega das crianças, mormente sem as lacerar, perturbando a harmonia e segurança que qualquer criança espera dos seus pais.
Sem estarmos aqui a discutir qual o “interesse do menor” para ajuizar qual o progenitor que se mostra mais idóneo para satisfazer as necessidades destes meninos, assegurando-lhes condições materiais, sociais, morais e psicológicas que possibilitem o seu desenvolvimento estável, depara-se-nos um clima de tensão e conflito no relacionamento destes pais que nos faz duvidar da sensatez e da prudência de ambos, desde logo por consentirem na separação dos irmãos, olvidando a essencialidade da estabilidade afectiva para o equilíbrio emocional das crianças. Não somos alheios à ideia de que as relações de grande proximidade com os dois progenitores são fonte de satisfação do interesse dos filhos, pelo que todas as decisões devem favorecer amplas oportunidades de contacto das crianças com os pais e dos irmãos entre si. E só uma partilha de responsabilidades parentais poderá assegurar o objectivo da lei que «quer, agora mais que antes, que os pais se mantenham solidários e responsáveis pelo destino dos filhos que não podem ser vítimas inocentes de decisões que têm repercussão no desenvolvimento dos laços de afectividade e parentalidade, sobretudo, tendo em vista a relevante consideração que, quanto menos idade tiverem, mais se impõe que a figura do progenitor que não pode manter proximidade, “deva estar presente”, na solidariedade e co-responsabilização das decisões que afectam o seu futuro»[6].
Ora, vivendo estes progenitores a escassos 500 metros um do outro, bastaria a sua cautela no preservar da estabilidade e a continuidade relacional intra-familiar e estaria assegurado, cremos, o desenvolvimento saudável e equilibrado dos seus filhos. As crianças não dão mostras de qualquer afectação comportamental, mas um quadro de permanente disputa entre os pais agudizará a ambiência que já os envolve. Vemos que os progenitores não têm promovido um ambiente sereno e tranquilo, de tal modo que levaram duas das crianças a rejeitar um dos progenitores, pois está comprovado que os menores E… e F… se recusam a ir viver com a mãe nos termos fixados no acordo provisório (n.º 6 dos factos provados). E, posteriormente, a partir de 18-02-2011, é a requerida que também não cumpre o acordado. Persistindo na separação dos irmãos, não entregou a menor D… na casa do progenitor (nº 9 dos factos provados), usando a menina como um “joguete” de vingança para com o pai, a dar mostras da animosidade e ressentimento que os atinge.
Para concluir em que medida é que a não entrega destes dois menores à mãe é ilícita e culposa não basta a mera verificação objectiva do facto omissivo. Impõe-se a análise do conjunto de circunstâncias concretas caracterizadoras do incumprimento para determinar a ilicitude, a culpa e gravidade do facto. Aquela norma exige a verificação de um incumprimento efectivamente grave e reiterado por parte do progenitor remisso que torne necessário o recurso a meios coercivos para levar de vencida a resistência pertinaz e continuada do progenitor remisso a cumprir o que estava acordado ou decidido quanto à situação de menor, e não a uma ou outra falta sem antecedentes nem consequentes. Pressupondo o não cumprimento culposo, censurável, por parte do faltoso, devem ser investigadas as circunstâncias da acção de modo a determinar o grau de culpa do agente e, também em função dele, fixar a multa e a indemnização, ambas de conteúdo variável[7].
Daí que para haver incumprimento relevante das responsabilidades parentais, no que diz respeito à entrega dos dois menores à mãe, seja necessário apurar se o pai criou intencionalmente uma situação reiterada e grave, culposa, que permita assacar-lhe um efectivo juízo de censura. E, como antecipámos, o quadro factual assestado, não permite ajuizar no sentido propugnado pela primeira instância. Assim não sendo e não dispondo este Tribunal da Relação de factos que sustentem a culpa do pai dos menores, não pode subsistir a sua condenação em multa.
Almejamos, de sobremaneira, que os progenitores destes meninos se unam num objectivo comum: assegurar-lhes um desenvolvimento harmonioso e um ambiente familiar francamente satisfatório em casa de qualquer deles.
Em suma:
1. As responsabilidades parentais pretendem co-envolver os progenitores nas medidas que afectem o futuro dos filhos e co-responsabilizá-los na preservação de relações de proximidade, não obstante a ruptura conjugal.
2. Na sua regulação, o tribunal aferirá objectivamente o interesse do menor, sem comprometimento dos vínculos afectivos próprios da filiação, para assegurar os cuidados ou a atenção adequados à idade ou à situação pessoal da criança, sem punir ou censurar os pais.
3. A verificação do incumprimento da regulação das responsabilidades parentais exige um comportamento grave e reiterado por parte do progenitor remisso, não bastando uma ou outra falta sem antecedentes nem consequentes, de forma a apurar se ele criou intencionalmente uma situação que permita assacar-lhe um efectivo juízo de censura.

V. Decisão
Ante o exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente a apelação e em revogar a decisão recorrida, julgando improcedente o incidente de incumprimento e absolvendo do respectivo pedido o requerido B….

Custas do incidente e da apelação a cargo da requerente (artigo 446º, 1, do Código de Processo Civil; artigo 6º, 2; Tabela I-B do Regulamento das Custas Processuais).
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Porto, 10 de Janeiro de 2012
Maria Cecília de Oliveira Agante dos Reis Pancas
José Bernardino de Carvalho
Eduardo Manuel B. Martins Rodrigues Pires
__________________
[1] Na redacção dada pelo Decreto-Lei 303/2007, de 24 de Agosto, à qual se reportarão todas as normas que desse Código vierem a ser mencionadas e que por ele tenham sido alteradas.
[2] Na redacção dada pela Lei 61/2008, de 31 de Outubro, à qual se referirão todos os preceitos que deste Código forem indicados e que por ela tenham sido alterados.
[3] Clara Sottomayor, “Regulação do Exercício do Poder Paternal nos Casos de Divórcio”, 3ª ed., pág. 46.
[4] Armando Leandro, “Poder Paternal: natureza, conteúdo, exercício e limitações. Algumas reflexões de prática judiciária – Temas do Direito da Família”, pág. 119.
[5] Aprovada pelo Decreto-Lei 314/1978, de 27 de Outubro, doravante designada “OTM”.
[6] Ac. STJ de 28-09-2010, in www.dgsi.pt., process 870/09.7TBCTB.C1.S1.
[7] Ac. R. L. de 14-09-2010, in www.dgsi.pt, processo 1169/08.1TBCSC-A.L1-1.