Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
489/08.0TTMAI.P1
Nº Convencional: JTRP00043785
Relator: FERREIRA DA COSTA
Descritores: PROCESSO DISCIPLINAR
ENTIDADE EMPREGADORA
LAPSUS CALAMI
Nº do Documento: RP20100412489/08.0TTMAI.P1
Data do Acordão: 04/12/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO SOCIAL - LIVRO 100 - FLS. 221.
Área Temática: .
Sumário: I - Sendo todos os actos do procedimento disciplinar praticados pela entidade empregadora, embora da nota de culpa conste ter ela sido emitida por diferente sociedade, apesar de se encontrar subscrita pelo Advogado nomeado instrutor pela mesma entidade empregadora, deve-se considerar tal diferença, atento tal contexto factual, como mero lapsus calami, nos termos do disposto no Art.º 249.º do Cód. Civil, sendo despropositada a invocação da figura da ilegitimidade.
II - A resposta à nota de culpa constitui uma declaração receptícia que carece de ser dada a conhecer ao destinatário e é eficaz logo que chegue ao poder do destinatário ou dele é conhecida – cfr. Art.º 224.º do Código Civil.
III - Se o trabalhador só coloca essa resposta no correio no dia em que terminava o prazo para a sua apresentação e ela só chega ao conhecimento da entidade patronal posteriormente, tem de concluir-se que a apresentação ocorreu fora do prazo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Reg. N.º 669
Proc. N. º 489/08.0TTMAI.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

B…………… interpôs em 2008-10-02 a presente acção emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra C………….., S.A., pedindo que se:
a) Declare ilícito o despedimento do A., efectuado pela R.
b) Condene a R. a pagar ao A.:
1) - A indemnização, em substituição da reintegração, no valor de € 1.973,08;
2) - A quantia de € 5.150,59, relativa a férias de 2007, vencidas e não gozadas, férias, respectivo subsídio e subsídio de Natal, proporcionais do ano de 2008 e danos patrimoniais e não patrimoniais, para além de todas as retribuições vencidas desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do Tribunal e
3) - Juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.
Alega o A., para tanto e em síntese, que tendo sido admitido ao serviço da R. em 2007-07-02, por contrato de trabalho a termo, por 8 meses, renovado por igual período em 2008-03-02, para exercer as funções de vendedor, mediante a retribuição mensal de € 475,00, acrecido de um subsídio de alimentação no valor de € 3,74, foi despedido sem justa causa em 2008-06-13, por carta de 2008-08-13. Tal ocorreu no seguimento de processo disciplinar instaurado ao A. pela R., depois de o A. ter sofrido um acidente de viação em 2008-03-10, ao volante do veículo que a R. lhe havia distribuído, sendo certo que a nota de culpa foi emitida por D…………., S.A. que, sendo embora do mesmo grupo da R., não é a entidade empregadora do A., o que determina a invalidade do procedimento. Acresce que tal despedimento foi decretado sem que a R. proferisse decisão final, por escrito e fundamentada, no processo disciplinar, o que também determina a respectiva invalidade.
Contestou a R., por impugnação, tendo também alegado os factos constantes da nota de culpa; por outro lado, pede a condenação do A. como litigante de má fé em multa e em indemnização a favor da R.; por último, deduziu reconvenção, na qual pede indemnização pelos danos que sofreu em consequência do acidente de viação causado pelo A., no montante de € 743,44, sem prejuízo do que mais se vier a liquidar oportunamente, sendo tudo acrescido de juros à taxa legal, desde a notificação da reconvenção até ao efectivo pagamento.
O A. respondeu à contestação/reconvenção, por impugnação.
Proferido despacho saneador tabelar, o Tribunal a quo assentou os factos considerados provados e elaborou base instrutória quanto aos restantes, sem reclamações.
Procedeu-se a julgamento com gravação da prova pessoal, tendo-se respondido à base instrutória, sem reclamações.
Proferida sentença, o Tribunal a quo:
a) - Condenou a R. a pagar ao A. a quantia de € 748,17, a título de créditos salariais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento;
b) - Absolveu a R. dos demais pedidos e
c) - Condenou o A. a pagar à R. a quantia de € 743,44.
Irresignado com o assim decidido, veio o A. interpor recurso de apelação, pedindo que se revogue a sentença, tendo formulado a final as seguintes conclusões:

1 - A entidade patronal do Recorrente, é a aqui Recorrida, "C…………, S.A.".
2 - Entidade Patronal com quem o Recorrente celebrou um contrato de trabalho, logo é esta que tem todo e qualquer poder disciplinar sob o trabalhador, e não qualquer outra.
3 - Ora o processo disciplinar, e em concreto a nota de culpa, é emitida por "D…………, S.A.", pelo que não tem esta entidade qualquer poder disciplinar sob o trabalhador, existindo por isso falta de legitimidade.
4 - Estamos perante figuras jurídicas distintas, pois possuem um número fiscal diferente, e possuem personalidade jurídica completamente distinta, ou seja, juridicamente estamos perante duas personalidades jurídicas distintas.
5 - Assim sendo a "D…………., S.A.", não tinha legitimidade para instaurar qualquer processo disciplinar ao trabalhador e aqui Recorrente.[1]
6 - O art. 396.º, n.º 1 do Código do Trabalho de 2003 recuperou integralmente o conceito de justa causa que constava do pretérito art. 9.º, n.º 1 da LCCT, pressupondo para o efeito a verificação de dois requisitos cumulativos: um comportamento culposo do trabalhador violador de deveres de conduta ou de valores inerentes à disciplina laboral, que seja grave em si mesmo e nas suas consequências; um nexo de causalidade entre esse comportamento e a impossibilidade da subsistência da relação laboral, reconduzindo-se esta à ideia da "inexigibilidade da manutenção vinculística".
7 - Exige-se para a verificação do segundo requisito uma "impossibilidade prática", com necessária referência ao vínculo laboral em concreto, e "imediata", no sentido de comprometer, desde logo e sem mais, o futuro do contrato.
8 - São critérios de apreciação da justa causa: o grau de lesão dos interesses do empregador - em que, sem embargo da previsão específica da alínea e) do n.º 3 do art. 396.°, não se exige a verificação de danos -, o carácter das relações entre as partes e entre o visado e demais trabalhadores e todas as outras circunstâncias que relevem ao caso, a aferir no contexto da gestão da empresa (art. 396.°, n.º 2 do Código do Trabalho).
9 - Ao trabalhador assiste a faculdade de exprimir livremente as suas opiniões e críticas, mas impõe-se que tal direito seja exercido com respeito pelos deveres que para ele emergem do vínculo laboral, nos termos das obrigações contratualmente assumidas e da própria lei.
10 - A noção de justa causa de despedimento prevista no n.º 1 do art. 396.° do Código do Trabalho exige a verificação cumulativa de 2 requisitos: (i) um comportamento ilícito e culposo do trabalhador, violador de deveres de conduta ou de valores inerentes à disciplina laboral, grave em si mesmo e nas suas consequências; (ii) que torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral.
11 - Existe a impossibilidade prática e imediata de subsistência da relação laboral quando ocorra uma situação de absoluta quebra de confiança entre o empregador e o trabalhador, susceptível de criar no espírito do primeiro a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta do último, deixando de existir o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento dessa relação laboral.
12 - Face à estrutura e princípios que regem os termos do processo disciplinar e a acção de impugnação de despedimento constantes do Código do Trabalho e aos princípios gerais do ónus da prova, constantes do Código Civil, cabe ao empregador, na acção de impugnação judicial do despedimento, a prova dos factos constantes da decisão de despedimento, isto é, integradores da respectiva justa causa.
13 - O empregador não está onerado com a prova de factos alheios à justa causa que invocou, nomeadamente com a prova dos invocados pelo trabalhador, tenham ou não sido por este alegados no processo disciplinar.
14 - O dever de lealdade previsto no código do trabalho, tem um alcance normativo que supera os limites do sigilo e da não concorrência, impondo ao trabalhador que aja, nas relações com o empregador, com franqueza, honestidade e probidade, em consonância, aliás, com a boa fé que deve presidir à execução do contrato, nomeadamente, vedando-lhe comportamentos que determinem situações de perigo para o empregador ou para a organização da empresa, por um lado, e, por outro, impondo-lhe que tome as atitudes necessárias quando constate uma ameaça de prejuízo.
15 - Vigora no nosso sistema jurídico o principio da necessidade da impugnação judicial do despedimento (art. 435.º do Código do Trabalho), o que vale por dizer que o trabalhador, para contrariar as consequências da cessação do contrato de trabalho por iniciativa do empregador, carece de impugnar em juízo a medida sancionatória que a tal conduziu.
16 - O despedimento ilícito (injustificado, proferido sem processo disciplinar, ou na sequência de um processo disciplinar inválido) constitui uma declaração negocial receptícia que é plenamente eficaz e determina a imediata cessação do contrato de trabalho, com a consequente paralisação do dever de prestar trabalho e do dever de pagar a retribuição.
17 - A sentença judicial que julga procedente uma acção de impugnação de despedimento declara a ilicitude do acto de ruptura do vínculo por parte do empregador, por um lado, e, por outro, é, em si, apta a produzir efeitos que correspondem ao tratamento normal da invalidade do negócio jurídico (cfr. o art. 289.°, n.º 1 do CC): a recomposição do estado de coisas que se teria verificado, não fora a prática do acto extintivo (reposição em vigor do contrato) e a destruição dos efeitos entretanto produzidos.
18 - Apesar de ser ilícito o despedimento, por nulidade do processo disciplinar, se o trabalhador acciona a resolução sem que houvesse reconhecimento judicial da ilicitude do despedimento e ancora nesse seu acto resolutório os pedidos formulados na acção ulteriormente intentada, está o tribunal impedido de, nessa acção, apreciar a justa causa da resolução, uma vez que não é concebível resolver um vínculo que se encontra cessado e que só o tribunal podia ter feito renascer.
19 - E está, também, impedido de extrair as consequências inerentes à ilicitude do despedimento, sob pena de condenação em objecto diverso do pedido [art. 668.º, n.° 1, al. e) do CPC]: pagamento de salários intercalares entre o despedimento e a sentença, em vez dos pedidos salários até à resolução e indemnização por despedimento ilícito, quando a indemnização pedida se fundava na resolução com justa causa.
20 - A possibilidade de reabertura do procedimento disciplinar nos termos previstos no n.º 2 do artigo 436.° do Código do Trabalho cinge-se aos casos em que, com base na sua invalidade, haja sido impugnado judicialmente o despedimento.
21 - A sobredita norma não consente o alargamento das imputações contidas na nota de culpa a novos factos, conhecidos há mais de 60 dias pelo empregador ou pelo superior hierárquico com competência disciplinar.
22 - Na medida em que a nova nota de culpa, emergente da reabertura do processo disciplinar e que acrescentou factos novos aos constantes da nota de culpa em que assentou a decisão de despedimento impugnada, foi elaborada depois de expirado o prazo de 60 dias previsto no n.º 1 do artigo 372.° do Código do Trabalho, não deve atender-se à nova nota de culpa e subsequente decisão, considerando-se na acção de impugnação judicial apenas a decisão resultante da primitiva nota de culpa, não se valorando os factos resultantes da reabertura do procedimento.
23 - A ilegitimidade de qualquer das partes só se verifica quando em Juízo se não encontrar o titular da alegada relação material controvertida, ou quando legalmente não for permitida a titularidade daquela relação.
24 - A regra de aferição da legitimidade em função da relação material controvertida tal como é configurada pelo autor, foi introduzida no n.º 3 do artigo 26º do CPC pela Reforma de 1995/96 "sob reserva" de inaplicabilidade à legitimidade plural (legitimação extraordinária, traduzida na exigência do litisconsórcio ou na atribuição de legitimidade indirecta).
25 - Ao alegar-se falta de legitimidade para discutir a existência, a validade ou a exigibilidade de obrigações, ou para accionar os mecanismos do enriquecimento sem causa, ainda que sob a epígrafe de ilegitimidade substantiva, nesta parte, pelo menos, do que se trata é de ilegitimidade processual.
26 - O julgador para aferir da legitimidade das partes tem apenas que atentar na relação material controvertida como o autor a apresenta na petição inicial para em face dela verificar se o autor e o réu são sujeitos com interesse directo em demandar ou contradizer.
27 - Não importa saber se essa relação é verídica ou não, não importa indagar da posição que o réu sobre ela venha a assumir, não importa considerar a relação que tenha resultado da discussão da causa, pois que esta vai interessar antes para o conhecimento de mérito.
28 - O Recorrente, no dia 2 de Maio de 2008, recebeu a nota de culpa, ora dispunha de 10 dias úteis para responder à mesma, e assim o fez, pois remeteu a mesma com carimbo aposto dos CTT, no dia 16 de Maio de 2008, (Doc. 11 da Petição Inicial), precisamente no último dia, logo, salvo melhor opinião, a mesma não é extemporânea, e em consequência deveria ser admitida.
29 - Ora a Recorrida limitou-se a não admitir a resposta, e a não levar em consideração o seu conteúdo, salvo melhor opinião, a data do registo do CTT é a que deverá ser levada em consideração, e não a data da recepção da resposta, por parte da entidade patronal.
30 - A recusa da entidade empregadora em juntar ao processo disciplinar a respectiva resposta à Nota de Culpa, fere todo o processo disciplinar de morte", devendo ser por tal facto considerado nulo, e em consequência o despedimento perpetrado pela Ré ser declarado ilícito, com todas as demais consequências.
31 - A prática disciplinar da empresa é um dos factores a considerar na apreciação da justa causa, mas, na acção de impugnação judicial de despedimento, compete ao trabalhador alegar e provar os factos que permitam concluir que o seu despedimento não respeitou aquela prática.
32 - A nota de culpa desempenha a função própria da acusação em processo-crime: por isso, nela deve constar a descrição circunstanciada, em termos de modo, tempo e lugar, dos factos de onde se extraia a imputação de uma infracção ao trabalhador.
33 - Não cumpre tal desiderato e, por isso, é inválido o procedimento disciplinar em que a resposta à nota de culpa, não é admitida, por facto imputável à entidade patronal. Afecta, todo o processo disciplinar, a não admissão da resposta à nota de culpa.
34 - A coerência disciplinar é um dos elementos que o tribunal deve levar em consideração na apreciação da justa causa, mas compete ao trabalhador alegar e provar os factos que permitam concluir pela sua falta.
35 - É pacífica a jurisprudência no sentido de se considerar que a rejeição infundada da resposta à nota de culpa, no âmbito do processo disciplinar contra ele movido, equivale à falta de audição do mesmo, constituindo esta circunstância nulidade insuprível do próprio processo disciplinar, invalidando-o.
36 - O facto de a entidade patronal ter proferido decisão final no processo disciplinar sem atender à resposta à nota de culpa tempestivamente apresentada pelo trabalhador, nomeadamente sem ter previamente procedido às diligências probatórias que o trabalhador requereu, implica a nulidade do processo disciplinar que, por seu turno, implica a ilicitude do despedimento (Ac. RE, de 4.4.2000: BMJ, 4960-317, e CJ, 2000, 20-290).
37 - A contagem do prazo para o trabalhador responder à nota de culpa apresentada pela entidade patronal, aplicam-se as regras estabelecidas na lei civil, dado que não está em causa um acto que deva ser praticado em juízo e que não existe qualquer preceito que imponha outra forma de contagem do referido prazo.

A R. apresentou a sua contra-alegação, que concluiu pela improcedência do recurso.
O Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto, nesta Relação, emitiu douto parecer no sentido de que o recurso de apelação não merece provimento.
Recebido o recurso, elaborado o projecto de acórdão e entregues as respectivas cópias aos Exm.ºs Juízes Desembargadores Adjuntos[2], foram colhidos os vistos legais.

Cumpre decidir.

São os seguintes os factos dados como provados pelo Tribunal a quo:

1. A Ré "C…………., S.A.", dedica-se a actividade de comércio de automóveis. (aI. A) da matéria de facto assente).
2. Em 02 de Julho de 2007, o Autor e a Ré, celebraram um contrato de trabalho a termo certo, com início nessa data e termo em 01 de Março de 2008, com a duração de 8 (oito) meses. (aI. B) da matéria de facto assente).
3. Tendo-se este renovado, em 02 de Março de 2008, por mais 8 (oito) meses. (aI. C) da matéria de facto assente).
4. Por força do qual, o Autor, se obrigou a prestar à Ré, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, as funções de vendedor, mediante o salário mensal de € 475,00 (Quatrocentos e Setenta e Cinco Euros), acrescido de um subsídio de alimentação no valor de € 3,74. (al. D) da matéria de facto assente).
5. O Autor trabalhou ininterruptamente nas instalações da C…………., no pólo da Trofa, bem como na área limítrofe ao pólo, cumprindo o seu horário laboral de 8h diárias durante os 5 dias da semana. (al. E) da matéria de facto assente).
6. Para além, do horário estabelecido no contrato de trabalho, o Autor, prestava serviço no pólo da Trofa, dois sábados por mês, pelos quais, recebia como remuneração o valor de 50,00 €. (al. F) da matéria de facto assente).
7. Para o desempenho das suas funções foi-lhe atribuído um veículo de serviço, um Citroen C3, com a matrícula ..-FC-.., e um telemóvel para uso profissional. (al. G) da matéria de facto assente).
8. No dia 10 de Março de 2008, quando regressava a casa, vindo de um cliente e após ter cumprido o seu horário laboral, sofreu um acidente de viação na nacional 14, sentido Trofa/Maia, ao Km 11,600, por volta das 20h, com o veículo da Ré. (al. H) da matéria de facto assente).
9. Facto que, originou por parte da entidade patronal, a instauração de um procedimento disciplinar, consistindo na suspensão preventiva do Autor, sem perda da retribuição, em 24 de Março de 2008. (Does. 3 e 4). (al. I) da matéria de facto assente).
10. No teor da carta em questão indica-se, além do mais, que foi "nomeado como instrutor do processo, o Senhor Dr. E…………..", o subscritor da Nota de Culpa e da carta que a capeava. (al. J) da matéria de facto assente).
11. A carta de fls. 14 está impressa em papel timbrado da empresa-Ré, podendo ler-se, na parte inferior, a indicação "D…………." e, em letra mais pequena, "Grupo F…………" e "Grupo G………….". (al. K) da matéria de facto assente).
12. Em 30 de Abril de 2008, foi notificado da Nota de Culpa contra si deduzida em 28 de Março de 2008, pela "D………., S.A." (Docs. 5 a 8). (al. L) da matéria de facto assente).
13. Através de carta enviada em 04 de Agosto de 2008 pela Ré, levantada pelo Autor em 13 de Agosto de 2008, foi-lhe remetida a declaração de Situação de Desemprego com data de 13 de Junho de 2008. (Docs.13 a 16). (al. M) da matéria de facto assente).
14. O Autor encontra-se incapacitado para o trabalho durante mais de 4 meses. (Docs. 17 a 21). (al. N) da matéria de facto assente).
15. A decisão final a decretar o despedimento foi devolvida pelos serviços postais à remetente (a ora Ré). (al, O) da matéria de facto assente).
16. Que fizeram constar do envelope as seguintes menções:
- "não atendeu" no dia 16-06-2008, pelas 11.00 horas
- e "objecto não reclamado" até ao dia 30-06-2008. (al, P) da matéria de facto assente).
17. Porque o Autor não atendeu, nem levantou a carta nos correios, foi esta devolvida ao remetente a 5 de Julho de 2008 - cfr. fls. 55 do procedimento disciplinar. (al. Q) da matéria de facto assente).
18. Encontrando-se o dito envelope por abrir (nos exactos termos em que foi entregue à Ré pelos serviços postais). (al. R) da matéria de facto assente).
19. O Autor não gozou férias no ano de 2007 (ano de admissão), nem no ano de 2008 (ano de cessação). (al. S) da matéria de facto assente).
20. A Ré não pagou ao Autor os seguintes créditos: o correspondente aos dias de férias não gozados do ano de 2007, no valor de 280,67 €, o correspondente aos proporcionais de férias, do subsídio de férias e de Natal do ano de 2008, no valor de 1.369,92 €, no total de 1.650,59 €. (item 1º da base instrutória).
21. No dia 10 de Março de 2008, pelas 20.15 horas, o Autor foi causador de um acidente de viação enquanto circulava na estrada nacional 14, pois o veículo por si conduzido seguia em contra-mão e descontrolado. (item 4° da base instrutória).
22. Apesar de circular em contra-mão, o veículo conduzido pelo Autor não estava a ultrapassar qualquer viatura. (item 5° da base instrutória).
23. Na sequência dessas circunstâncias, o veículo conduzido pelo Autor embateu na parte lateral esquerda do veículo da marca Volvo, com a matrícula ..-..-0L. (item 6° da base instrutória).
24. Indo, depois, embater na parte lateral esquerda do veículo com a matrícula ..-..-JQ. (item 7° da base instrutória).
25. E, ainda, na zona frontal do veículo com a matrícula ..-..-ZJ. (item 8° da base instrutória).
26. Deste acidente, resultaram danos físicos ligeiros para o condutor deste último veículo (matrícula ..-..-ZJ). (item 9° da base instrutória).
27. E danos materiais graves na frente do veículo da propriedade da Ré. (item 10° da base instrutória).
28. Após o acidente, o Autor abandonou o local em que o mesmo se deu. (item 11º da base instrutória).
29. Abandonando o veículo acidentado em que seguia. (item 12° da base instrutória).
30. Pelas 22.00 horas, o Autor contactou telefonicamente o Sr. H………….. (item 14° da base instrutória).
31. Comunicou-lhe, então, que se envolvera num acidente e que fugira do local, pedindo ajuda para resolver a situação. (item 15° da base instrutória).
32. Em vez disso, quando o Sr. H………….. se apresentou no local do acidente com o Sr. I………….. (seu superior hierárquico), tiveram ambos de tratar do assunto sozinhos, junto das autoridades competentes visto que o Autor não compareceu. (item 16° da base instrutória).
33. Em face disso, o veículo da Ré foi apreendido. (item 17° da base instrutória).
34. O reboque da referida viatura, custou à empresa € 75,00. (item 18° da base instrutória).
35. Posteriormente, ao prestar declarações junto das autoridades competentes, o Autor disse expressamente ter "abandonado o local do acidente, em pânico, com o intuito de informar a administração da empresa". (item 19° da base instrutória).
36. A Nota de Culpa foi recepcionada pelo Autor a 02 de Maio de 2008 conforme aviso de recepção assinado pelo Autor, junto a fls. 36 do processo disciplinar. (item 20° da base instrutória).
37. O Autor apenas fez chegar à Ré a sua "Resposta à Nota de Culpa", no dia 21 de Maio de 2008. (item 21 ° da base instrutória).
38. E por ter sido recebida nessa data, não foi, por isso, admitida a sua junção aos autos do processo - v.g. despacho de fls. 51 do processo disciplinar. (item 22° da base instrutória).
39. Com as indicações da carta de fls. 14 pretende-se, com isso, indicar uma parceria entre o "Grupo F……….." e o "Grupo G………..". (item 23° da base instrutória).
40. Apesar de a "D……….." não ser a entidade patronal do Autor essa entidade está longe de ser um nome desconhecido do mesmo, visto tratar-se do Grupo económico onde está inserida a ora Ré. (item 24° da base instrutória).
41. Uma das empresas que integram o referido "Grupo …….." chama-se, ela própria, "D…………, S.A.", que tem como actividade a comercialização de veículos da marca TOYOTA. (item 25° da base instrutória).
42. Tal como é do conhecimento do Autor as instalações da "D……….., S.A." na Trofa; as instalações da ora Ré ("C…………, S.A.") sitas na mesma cidade, e ainda as instalações da "G……….., Lda.", ainda na Trofa, são comuns. (item 26° da base instrutória).
43. Justificando-se esse facto por a empresa-Ré se dedicar somente à comercialização de viaturas Citroen, a empresa "D…………, S.A. comercializar apenas viaturas da marca "Toyota" e a empresa "G…………, Lda." viaturas da marca Opel. (item 27° da base instrutória).
44. Esta confusão (em sentido jurídico) se estende igualmente à estrutura organizativa das três empresas que tinham um gerente de pólo comum - o Sr. I…………, (à altura) superior hierárquico do Autor - que é responsável pelo sector comercial das 3 marcas sitas nas instalações da Trofa. (item 28° da base instrutória).
45. Esta situação justifica-se por todas as empresas pertencerem ao "Grupo D……….". (item 29° da base instrutória).
46. A decisão final a decretar o despedimento foi efectivamente proferida pela Ré e enviada para a mesma morada para onde havia sido enviada (e recepcionada), quer a carta de suspensão preventiva (por parte da gerência da C………..), quer a Nota de Culpa. (item 30° da base instrutória).
47. Morada essa que, além do mais, era a mesma que fora indicada pelo próprio Autor no cabeçalho da carta por ele remetida à ora Ré, que capeava a sua "Resposta à Nota de Culpa". (item 31º da base instrutória).
48. A Ré processou todos os créditos a que o Autor tinha direito no "recibo de remunerações" junto como doc. 3. (item 32° da base instrutória).
49. Sendo que apenas não liquidou esses valores por estar a aguardar que o Autor a abordasse de modo a efectuar alguns acertos (como a devolução do telemóvel da empresa e o pagamento de algumas dividas que este tinha na oficina da Ré). (item 33° da base instrutória).
50. Computando-se o valor líquido a receber em € 748,17. (item 34° da base instrutória).
51. O Autor recebeu os montantes de subsídio de férias e subsídio de Natal a que tinha direito em 2007. (item 35° da base instrutória).
52. Tendo o Autor estado de baixa médica entre 17 de Março a 27 de Maio de 2008, havia-lhe sido paga a totalidade da retribuição referente a esse mês. (item 36° da base instrutória).
53. No mês de Maio, esteve de baixa até ao dia 27, não tendo, no entanto, apresentado justificativo até ao dia 31/05/2008. (item 37° da base instrutória).
54. Motivo pelo qual lhe foi paga a importância de € 65,77 referente aos últimos dias do mês. (item 38° da base instrutória).
55. No mês de Junho, foram pagas as horas até á data de 13/06/2008 - data da cessação do contrato. (item 39° da base instrutória).
56. Uma hora antes do acidente, o Autor falou via telefone com um colega vendedor (o Sr. J…………), que referiu que mesmo apresentava a voz entaramelada e dificuldade em articular um discurso compreensível. (item 41º da base instrutória).
57. A Ré é credora em relação ao Autor da franquia devida pelo acidente com a viatura Citroen C3, de matricula ..-EA-.., que se fixa em € 314,00. (item 45° da base instrutória).
58. Pela franquia devida pelo acidente com a viatura Citroen CI, de matricula ..-FC-.., que se fixa em € 259,81. (item 46º da base instrutória).
59. Pelos trabalhos de oficina na viatura Toyota Rav 4, matricula ..-CC-.., que se fixa em €70,43. (item 47° da base instrutória).
60. Pelo custo do reboque relativo ao acidente de 10 de Março de 2008, que se fixa em €75,00. (item 48° da base instrutória).
61. Pelo valor do telemóvel de serviço que nunca foi entregue pelo Autor à empresa e que se cifra em € 24,20. (item 49° da base instrutória).

Fundamentação.
Sendo pelas conclusões do recurso que se delimita o respectivo objecto[3], como decorre do disposto nos Art.ºs 684.º, n.º 3 e 685.º-A, n.º 1, ambos do Cód. Proc. Civil, na redacção que lhe foi dada pelo diploma referido na nota (2), ex vi do disposto no Art.º 87.º, n.º 1 do Cód. Proc. do Trabalho de 2000, salvo tratando-se de matérias de conhecimento oficioso de que o Tribunal ad quem pode conhecer por sua iniciativa, mas que não ocorrem in casu, são duas as questões a decidir nesta apelação, a saber:
I – Da ilegitimidade da "D…………, S.A." para instaurar processo disciplinar ao A. e
II – Da tempestividade da resposta à nota de culpa.

A 1.ª questão.
Refere o A., ora apelante, nas conclusões 1 a 5 [não tendo qualquer interesse as restantes até à 27], que a sua entidade patronal é a aqui Recorrida, "C……….., S.A." pelo que sendo a nota de culpa emitida por "D…………., S.A.", esta não tem legitimidade para lhe instaurar qualquer processo disciplinar.
Na sua contra-alegação, entende a R. que se tratou de mero erro de escrita, atento o disposto no Art.º 249.º do Cód. Civil, invocando para o efeito os factos pertinentes, dados como provados.
Vejamos.
Previamente, deverá referir-se que o recurso é restrito à matéria de direito uma vez que, apesar de a prova pessoal ter sido gravada, nenhuma das partes impugnou a decisão roferida sobre a matéria de facto, nem se antevê a necessidade de ex officio proceder a qualquer alteração. Daí que na decisão das questões colocadas se vá atender apenas aos factos dados como provados pelo Tribunal a quo, embora expurgados da matéria de direito e do seu conteúdo conclusivo, assinalado a itálico, atento o disposto no Art.º 646.º, n.º 4 do Cód. Proc. Civil.
Dispõe tal Art.º 249.º do Cód. Civil, o seguinte:
O simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à rectificação desta.
In casu, analisados criticamente os factos pertinentes dados como provados, verificamos que, exceptuada a nota de culpa, todos os actos do procedimento disciplinar foram praticados pela R., ora apelada; aliás, mesmo a nota de culpa foi assinada pelo Sr. Advogado, previamente nomeado instrutor do procedimento disciplinar, pela [mesma] R., constituindo a indicação de "D…………, S.A." a única discrepância de todos os actos praticados.
Ora, não faz qualquer sentido a ênfase colocada pelo A. relativamente a tal dessincronização, pois claramente se vê, atento o contexto dos factos provados, que o ocorrido correspondeu a mero lapso, pois ambas as sociedades pertencem ao mesmo grupo económico e disputam identidade de, pelo menos, instalações e chefias.
Trata-se, por isso, de mero erro de escrita ou lapsus calami que não tem outras consequências que extravasem o âmbito da rectificação, atento o disposto no Art.º 249.º do Cód. Civil, sendo despropositada a invocação da figura da ilegitimidade.
Improcedem, destarte, as conclusões 1 a 27 da apelação.

A 2.ª questão.
Trata-se de saber se a resposta à nota de culpa foi deduzida tempestivamente. Na verdade, o A. entende que o foi porquanto, tendo recebido a nota de culpa em 2 de Maio de 2008, remeteu à R. a resposta por carta de 16 do mesmo mês, conforme carimbo aposto no respectivo registo, sendo esta a data a atender.
Vejamos.
É jurisprudência uniforme que o despedimento envolve uma declaração unilateral receptícia, que apenas se torna eficaz quando é recebida pelo destinatário. Tal ocorre, a nosso ver, também na resposta à nota de culpa, se não por maioria, pelo menos por identidade de razão. Na verdade, não faria sentido que, para despedir, acto de decisão final do procedimento disciplinar, existissem umas regras e para um acto semelhante ou de menor importância, mas do mesmo procedimento, as regras a observar fossem outras.
Daí a doutrina firmada pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1990-03-30[4], cujo sumário se transcreve:
I - A resposta à nota de culpa constitui uma declaração receptícia que carece de ser dada a conhecer ao destinatário e é eficaz logo que chegue ao poder do destinatário ou dele é conhecida - artigo 224.º do Código Civil.
II - Se o trabalhador só coloca essa resposta no correio no dia em que terminava o prazo para a sua apresentação e ela só chega ao conhecimento da entidade patronal no dia imediato, tem de concluir-se que a apresentação ocorreu fora do tempo útil.
Ora, estando provado, conforme resulta do ponto 37. da lista constante da sentença, que ‘O Autor apenas fez chegar à Ré a sua "Resposta à Nota de Culpa", no dia 21 de Maio de 2008’, temos de convir que o acto foi praticado fora de prazo, pois apenas é de atender à data da recepção da carta pela qual foi enviada a resposta à nota de culpa à entidade empregadora e não à data da sua emissão, atento o disposto no Art.º 224.º, n.º 1 do Cód. Civil: “A declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida…”.
Na verdade, sendo o prazo de resposta à nota de culpa de 10 dias úteis, atento o disposto no Art.º 413.º do Cód. do Trabalho[5], recebida a nota de culpa em 2 e, como o A. alega, remetida a resposta em 16, ambos do mês de Maio de 2008, o A. remeteu a carta no último dia do prazo, quando o deveria ter feito mais cedo, para permitir que a R. a recebesse até ao referido dia 16. Porém, não o tendo feito, a resposta foi intempestivamente deduzida, não sendo de censurar a atitude da apelada quando não juntou a referida resposta ao procedimento disciplinar, o qual não ficou afectado, por esta banda, de qualquer vício.
Improcedem, desta arte, as restantes conclusões da apelação, pelo que a decisão impugnada deve ser confirmada.
Decisão.
Termos em que se acorda em negar provimento à apelação, assim confirmando a decisão recorrida.
Custas pelo A., sem prejuízo do que se encontrar decidido em sede de apoio judiciário.

Porto, 2010-04-12
Manuel Joaquim Ferreira da Costa
António José Fernandes Isidoro
Albertina das Dores N. Aveiro Pereira
______________________
[1] As conclusões 6 a 27 não têm qualquer interesse para a decisão do objecto do recurso, sendo certo que todas elas são apenas a reprodução da alegação, agora submetida a números.
[2] Atento o disposto no Art.º 707.º, n.º 2 do CPC, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, ex vi do disposto nos Art.ºs 11.º, n.º 1 – a contrario sensu – e 12.º, n.º 1, ambos deste diploma.
[3] Cfr. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, volume V, reimpressão, 1981, págs. 308 a 310 e os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1986-07-25 e de 1986-10-14, in Boletim do Ministério da Justiça, respectivamente, n.º 359, págs. 522 a 531 e n.º 360, págs. 526 a 532.
[4] Processo 002402, in www.dgsi.pt.
[5] Diploma aplicável in casu, pois sendo de 2008 os factos em apreço, o Cód. do Trabalho de 2009 apenas entrou em vigor em 2009-02-17.
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Apelação.
Proc. N. º 489/08.0TTMAI.P1
Data do julgamento:
Relator: - Ferreira da Costa (Reg. N.º 669)
Adjuntos: - Fernandes Isidoro
- Albertina Pereira.

S U M Á R I O
I - Sendo todos os actos do procedimento disciplinar praticados pela entidade empregadora, embora da nota de culpa conste ter ela sido emitida por diferente sociedade, apesar de se encontrar subscrita pelo Advogado nomeado instrutor pela mesma entidade empregadora, deve-se considerar tal diferença, atento tal contexto factual, como mero lapsus calami, nos termos do disposto no Art.º 249.º do Cód. Civil, sendo despropositada a invocação da figura da ilegitimidade.
II - A resposta à nota de culpa constitui uma declaração receptícia que carece de ser dada a conhecer ao destinatário e é eficaz logo que chegue ao poder do destinatário ou dele é conhecida – cfr. Art.º 224.º do Código Civil.
III - Se o trabalhador só coloca essa resposta no correio no dia em que terminava o prazo para a sua apresentação e ela só chega ao conhecimento da entidade patronal posteriormente, tem de concluir-se que a apresentação ocorreu fora do prazo.