Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
241/09.5TYVNG-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERNANDO SAMÕES
Descritores: SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA
PLANO DE INSOLVÊNCIA
DESPACHO
ENCERRAMENTO
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
VERIFICAÇÃO DE CRÉDITOS
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
IMPOSSIBILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
Nº do Documento: RP20111129241/09.5TYVNG-A.P1
Data do Acordão: 11/29/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA A DECISÃO.
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Legislação Nacional: ARTº 233º, Nº 2 DO CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS
Sumário: O mero trânsito em julgado da sentença homologatória do plano de insolvência e do despacho de encerramento do processo em que foi proferida não determina a extinção da instância do processo de verificação de créditos por inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 241/09.5TYVNG-A.P1
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Relator: Fernando Samões
1.º Adjunto: Dr. Vieira e Cunha
2.º Adjunto: Dr.ª Maria Eiró

Acordam no Tribunal da Relação do Porto - 2.ª Secção:

I. Relatório

Nestes autos de reclamação e verificação de créditos apensos ao processo de insolvência da B…, SA, findos os articulados, antes do saneamento, a fls. 5088, em 30/11/2010, foi proferido o seguinte despacho:
“Na esteira do determinado nos AP’s (c/trânsito), julgo extintos os termos desta demanda declarativa por relação com o estatuído nos arts. 278º e) do CPC/arts. 230 e 233º n.º 2 in fine do CIRE”.
Inconformados com esta decisão, interpuseram recurso de apelação cinco dos vários credores impugnantes, acabando por ser recebidos apenas os interpostos por C…, D… e E… (cfr. fls. 5104, 5169, 5200 e 5615).
As recorrentes apresentaram, oportunamente, as suas alegações com as conclusões que aqui se transcrevem:
A) Da C…:
“A) Vem o presente recurso interposto da decisão que julgou extintos os termos da demanda do apenso de "Reclamação de Créditos" ''por relação com o estatuído nos arts. 278.º e) do CPC/ arts. 230 e 233 n.º 2 "in fine" do ClRE';
B) Antes de mais, tal decisão viola flagrantemente o disposto no artigo 158.° do CPC, porquanto não contém qualquer fundamentação;
C) A fundamentação da decisão em crise, ou a falta dela, atingiu tais proporções, que só após demorada consulta do processo pôde a Apelante adivinhar em que concreta disposição legal pretendia o Tribunal a quo estribar o seu entendimento.
D) E a assunção feita pela Apelante de que a decisão a quo foi baseada na alínea b) do número 2 do artigo 233.° do CIRE, decorreu da análise do requerimento apresentado pelo Senhor Administrador da Insolvência, de fls. 5086;
E) Assim, é manifesto que a decisão ora sob análise padece de nulidade, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 668°, n.º 1, alínea b), do CPC, pelo que deverá ser revogada;
F) Em qualquer caso, e assumindo que o Tribunal a quo pretendia fosse aplicável ao presente caso o disposto no artigo 233°, n.º 2, alínea b), do CIRE, sempre se dirá que a interpretação feita pelo Tribunal a quo de tal disposição legal não está correcta, uma vez que esta não determina a extinção dos presentes autos;
G) Com efeito, a possibilidade de aprovação de um plano de insolvência antes de proferida a sentença de verificação e graduação dos créditos apenas surgiu com a alteração efectuada ao CIRE pelo Dec.-Lei 200/2004, de 18 de Agosto;
H) Tal alteração legislativa implicou ajustamentos em várias disposições do CIRE, designadamente no artigo 209°, números 2 e 3 e no artigo 233°, n.º 2, al. b) do mencionado Código;
I) De facto, na redacção original do CIRE, o plano de insolvência apenas poderia ser aprovado após estar proferida a sentença de verificação e graduação dos créditos;
J) Nessa medida, e determinando a aprovação e homologação do plano de insolvência, o encerramento do processo, previa-se quanto aos efeitos de tal encerramento que os recursos interpostos da sentença de verificação e graduação dos créditos prosseguiriam até afinal, nos termos do disposto no art. 233°, n.º 2, al. b) do CIRE (versão original);
K) Com a alteração efectuada pelo Dec.-Lei n.º 200/2004, de 18 de Agosto ao art. 209° do CIRE, passou a ser possível a aprovação de um plano de insolvência logo que estivesse esgotado o prazo para a impugnação da lista de credores reconhecidos, ou seja, em momento anterior ao da prolação da sentença de verificação dos créditos.
L) E por isso entendeu, e bem, o legislador ser necessário introduzir uma nova excepção à regra da extinção da instância dos processos de verificação de créditos após o encerramento do processo de insolvência, precisamente a decorrente da aprovação de plano de insolvência em momento anterior ao da prolação da sentença.
M) Assim, o legislador decidiu enxertar um novo segmento, porventura não da melhor forma, à referida alínea b), do n.º 2, do art. 233º do CIRE, por forma a que o encerramento do processo de insolvência decorrente da aprovação de um plano de insolvência não tivesse por efeito a extinção da instância dos processos de verificação de créditos;
N) Passou assim o art. 233°, n.º 2, alínea b), do CIRE a contemplar duas excepções à extinção dos processos de verificação de créditos que se encontrem pendentes à data do encerramento do processo de insolvência, a saber (i) já ter sido proferida sentença de verificação e graduação de créditos e (ii) o encerramento decorrer da aprovação de um plano de insolvência.
O) Determinando a lei, em ambas as situações, que deverão prosseguir até final os (eventuais) recursos interpostos da sentença de verificação e graduação de créditos.
P) Tal interpretação do disposto no art. 233°, n.º 2, al. b), tem perfeito acolhimento no CIRE, pois a entender-se de outra forma - isto é, que a alteração introduzida em tal disposição legal não se destina a excepcionar a extinção da instância dos processos de verificação de créditos que se encontrem pendentes à data do encerramento do processo de insolvência em que tenha sido aprovado um plano de insolvência - não se descortina que aplicação poderia ter a disposição constante do art. 209º, n.º 3, do CIRE.
Q) E nem sequer se diga que tal norma apenas teria aplicação nos (raros) casos em que a aprovação do plano de insolvência ocorre apenas após se encontrar proferida a sentença de verificação de créditos, pois o texto do art. 209°, n.º 3, do CIRE é claro e menciona expressamente que o plano de insolvência deverá acautelar os efeitos da eventual procedência das impugnações da lista de credores reconhecidos e não só dos eventuais recursos interpostos dessa sentença.
R) De relevar que a interpretação contrária, ou seja de que o disposto no art. 233°, n.º 2, al. b), do CIRE não pretende excepcionar da extinção da instância os processos de verificação de créditos pendentes quando o encerramento do processo de insolvência decorra da aprovação de um plano de insolvência, conduziria a uma situação de pura e simples denegação de justiça.
S) Com efeito, dessa forma, os credores impugnantes veriam o seu processo de verificação de créditos extinto, por inutilidade superveniente da lide, sem nunca terem sido apreciadas as suas impugnações por um Juiz e tendo o seu crédito sido modificado, indevidamente qualificado ou excluído apenas por decisão do Administrador da Insolvência, a qual nem sequer tem que ser devidamente fundamentada, sendo certo que o Administrador da Insolvência não tem, nem poderá ter, competência para apreciar e julgar definitivamente questões litigiosas submetidas pelas partes à apreciação do Tribunal.
T) Assim, estar-se-ia perante uma situação em que, por mero efeito da análise efectuada pelo Administrador da Insolvência aos créditos reclamados e da decisão por este tomada na elaboração da lista de credores reconhecidos, se produziriam todas e quaisquer alterações nos créditos sobre a insolvência, sem que fosse possível sindicar e submeter a validação judicial tal apreciação.
U) Não foi certamente esse o propósito do legislador, nem poderia o mesmo ser sustentado em face da Constituição da República Portuguesa que, no seu artigo 20º, confere a todos o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva e que, no seu artigo 202°, confere aos Tribunais a competência para administrar a justiça em nome do povo.
V) Interpretar a norma constante do art. 233°, n.º 2, al. b), do CIRE no sentido de se verificar a extinção dos processos de verificação de créditos pendentes nos quais ainda não tenha sido proferida a respectiva sentença de verificação de créditos aquando do encerramento do processo de insolvência, torná-la-ia assim inconstitucional, por violação das supra mencionadas normas.
W) Não poderá assim deixar de concluir-se que a interpretação correcta e consentânea com o sistema jurídico e que tem perfeita sustentação na própria letra da lei e também no pensamento legislativo subjacente - cfr. art. 9º do Código Civil - a dar ao disposto no art. 233º, n.º 2, al. b), do CIRE é a de que a aprovação de um plano de insolvência excepciona a extinção da instância dos processos de verificação de créditos.
X) Andou assim mal o Tribunal a quo na decisão ora sob análise, por errada interpretação e aplicação do disposto no art. 233°, n.º 2, al. b) do CIRE, pelo que a decisão em causa deverá ser substituída por outra que ordene o prosseguimento dos autos de verificação de créditos, para a instrução e a realização da competente audiência de julgamento, seguida da prolação da respectiva sentença.
Termos em que, deverá ser dado integral provimento ao presente recurso e, em consequência:
(i) deverá ser declarada a nulidade da sentença recorrida, com a consequente revogação da mesma; e
(ii) deverá a sentença recorrida ser substituída por outra que ordene o prosseguimento dos autos de verificação de créditos, para a instrução e a realização da competente audiência de julgamento, seguida da prolação da respectiva sentença, por errada interpretação e aplicação do disposto no art. 233°, n.º 2, al. b), do CIRE.”

B) Da D…:
“1. Vem o presente recurso interposto da, aliás, douta decisão que julgou extintos os apensos de reclamação de créditos “por relação com o estatuído nos arts. 278º e) do CPC/arts. 230 e 233º n.º 2 in fine do CIRE”;
2. Antes de mais, importa porém chamar atenção para a nulidade de todo o processado posterior à apresentação da impugnação da lista de credores reconhecidos apresentada pela aqui Recorrente;
3. A Recorrente oportunamente reclamou os seus créditos no âmbito do processo de insolvência da sociedade B…, S.A.
4. Os seus créditos vieram as ser, numa primeira fase, reconhecidos pelo Sr. Administrador de Insolvência pelo exacto montante reclamado;
5. No entanto a lista de credores reconhecidos veio, num segundo momento a ser rectificada pelo Sr. Administrador de Insolvência;
6. Nesse momento foi levado ao conhecimento da ora Recorrente através de notificação expedida mediante carta registada com aviso de recepção, que o crédito por si reclamado havia sido, por lapso, erroneamente inscrito na lista de credores reconhecidos pelo que foi objecto de correcção;
7. De acordo com a aludida notificação o montante de € 30.035,19 havia sido indevidamente incluído como crédito reconhecido, pelo que o crédito reconhecido encontrava-se, pois, reduzido a € 228.825,80;
8. A ora Recorrente impugnou nos termos do disposto no artigo 130º do CIRE a lista de credores reconhecidos mediante articulado apresentado em juízo;
9. Desde a apresentação de tal impugnação não mais a aqui Recorrente foi notificada de nada no âmbito do presente apenso de reclamação de créditos nem tão pouco no âmbito do processo principal de insolvência;
10. A Recorrente, após consulta dos autos em juízo constatou que a sua impugnação não tinha sido objecto de qualquer pronúncia por parte nem do Sr. Administrador de Insolvência, nem por parte da devedora ou qualquer outro credor;
11. Pelo que o mesmo deveria ter-se como reconhecido por provado;
12. Nesse mesmo momento, constatou igualmente a Recorrente que havia sido proferido nos autos, em 26/05/2010 um despacho que determinava o encerramento processo de insolvência, nos termos do disposto na al. b) do n.º 1 do artigo 230º do CIRE;
13. Bem como constatou a existência de um segundo despacho datado de 30/11/2010 que “na esteira do determinado nos AP’s (c/trânsito), julgo extintos os termos desta demanda declarativa por relação com o estatuído nos arts. 278º e) do CPC/arts. 230 e 233º n.º 2 in fine do CIRE”;
14. Ora, estes despachos nunca foram notificados à Recorrente, contrariamente ao que aconteceu com a generalidade dos credores;
15. A falta das referidas notificações consubstancia uma omissão que tem manifesta influência no exame e decisão da causa;
16. A falta das referidas notificações consubstancia uma flagrante violação do princípio do contraditório;
17. Pois da impugnação da lista de credores reconhecidos apresentada em juízo veio a ser feita letra morta, não obstante, a mesma reunir, em absoluto, todas as condições para que sobre a mesma viesse a recair uma decisão favorável;
18. A falta das aludidas notificações consubstancia igualmente a preterição de uma formalidade legalmente prescrita que viola gravemente os superiores interesses da Recorrente;
19. Pelo que estamos perante uma evidente situação de nulidade processual, nulidade essa que aqui se invoca para todos os devidos e legais efeitos;
20. Assim, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 201º do CPC aplicável por força do disposto no artigo 17º do CIRE, deverá ser declarado nulo todo o processado posterior à apresentação impugnação à lista de credores reconhecidos constante de fls…, dos autos;
21. Sem prescindir, sempre se dirá ainda que a sentença em crise é nula nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 668º do CPC;
22. Uma vez que a mesma viola de forma flagrante o disposto no artigo 158º do CPC e no artigo 205º n.º 1 da CRP;
23. A decisão em crise revela uma total ausência de fundamentação;
24. No entanto, partindo do princípio de que o Mº a quo pretendia fazer aplicar ao presente caso o disposto na al. b) do n.º 2 do artigo 233º do CIRE, sempre se dirá que a interpretação levada a cabo pelo Tribunal não é correcta, pois a mesma não determina a extinção dos processos de verificação de créditos;
25. Para tanto basta ter presente que a possibilidade de aprovação de um plano de insolvência em momento anterior à prolação da sentença de verificação e graduação de créditos resulta da alteração de regime levada a cabo pelo Dec-Lei n.º 200/2004 de 18 de Agosto;
26. A referida alteração legislativa além de mexer no corpo da al. b) do n.º 2 do artigo 233º do CIRE veio também provocar ajustamentos em outras disposições do CIRE, nomeadamente no artigo 209º;
27. O CIRE na sua versão original previa que os planos de insolvência apenas poderiam ser aprovados após ser proferida a sentença de verificação e graduação de créditos;
28. Assim, e por força desse regime, determinado a aprovação e homologação do plano de insolvência o encerramento do processo, previa-se quanto aos efeitos de tal encerramento que os recursos que viessem a ser interpostos da sentença de verificação e graduação de créditos prosseguissem até final, nos termos do disposto no art. 233º n.º2 al. b) do CIRE (na sua versão original);
29. No entanto, fruto da alteração levada a cabo pelo Dec-Lei 200/2004 ao artigo 209º do CIRE passou a ser possível aprovar os planos de insolvência logo que estivesse esgotado o prazo para a impugnação da lista de credores reconhecidos, isto é, num momento anterior ao da prolação da sentença de graduação e verificação de créditos;
30. Por isso não faz o menor sentido que a aprovação desse mesmo plano de insolvência constitua uma causa extintiva dessas mesmas impugnações;
31. Assim, tendo em conta a necessária unidade do sistema jurídico a compatibilização de normas o legislador entendeu, e bem, enxertar uma nova previsão no corpo da já referida al. b) do n.º 2 do artigo 233º, por forma a que o encerramento do processo de insolvência decorrente da aprovação do plano de insolvência não tivesse por efeito a extinção, sem mais, da instância dos apensos de verificação de créditos;
32. Assim, fruto do novo regime legal, passou al. b) do n.º 2 do artigo 233º do CIRE a comportar duas excepções à extinção da instância dos processos de verificação de créditos pendente, a saber, a prolação da sentença de verificação e graduação de créditos e o encerramento decorrer da aprovação de um plano de insolvência;
33. A acolher-se outra interpretação que não esta, não se vislumbra qual o efeito prático e desejado pelo legislador ao efectuar a alteração ao n.º 3 do artigo 209º do CIRE;
34. E não pode admitir que a norma em causa (artigo 209º n.º 3) teria apenas aplicação apenas nos (raros) caso em que a aprovação do plano de insolvência ocorre apenas depois de proferida a sentença de verificação e graduação de créditos;
35. Pois tal comando normativo é claro ao definir de forma expressa que o plano de insolvência deverá acautelar os efeitos da eventual procedência das impugnações à lista de credores reconhecidos e não apenas dos eventuais recursos interpostos da sentença;
36. Interpretação contrária a esta aqui defendida implica, sem mais, conduzir-nos a uma clara e inequívoca situação de denegação de justiça;
37. Pois, dessa forma, os credores que tenham impugnado a lista de credores reconhecidos veriam os seus processos extintos por inutilidade superveniente da lide, sem nunca terem sido apreciadas as suas impugnações pelo tribunal e tendo os seus créditos sido modificados, indevidamente qualificados ou excluídos apenas por decisão do Administrador de Insolvência, sendo pacífico que este não tem, nem pode ter competência para apreciar e julgar em definitivo questões controvertidas submetidas pelas partes a juízo;
38. Não pode ter sido este o propósito do legislador, pois o mesmo colide de forma flagrante com o disposto nos artigos 20º e 202º da CRP;
39. Assim, a interpretação da al. b) do n.º 2 do artigo 233º do CIRE no sentido de verificar a extinção dos processos de verificação de créditos pendentes nos quais ainda não tenha sido proferida sentença de verificação e graduação de créditos aquando do encerramento do processo de insolvência torná-la-ia, manifestamente inconstitucional, por violação das normas supra referidas;
40. Inconstitucionalidade essa que aqui expressamente se invoca para todos os devidos e legais efeitos;
41. Assim, mal andou o Mº a quo na prolação da decisão em crise, por errada aplicação e interpretação do artigo 233º n.º 2 al. b) do CIRE, pelo que a decisão deverá ser substituída por uma outra que determine o prosseguimento do apenso de verificação e graduação de créditos seguindo os seus ulteriores termos até final.
Nestes termos e nos melhores de direito deverá ser dado provimento ao presente recurso com o que se fará a inteira e acostumada JUSTIÇA”.

C) Da E…:
“1. Vem o presente recurso interposto da, aliás, douta decisão que julgou extintos os apensos de reclamação de créditos “por relação com o estatuído nos arts. 278º e) do CPC/arts. 230 e 233º n.º 2 in fine do CIRE”;
2. Antes de mais, importa porém chamar atenção para a nulidade de todo o processado posterior à apresentação da impugnação da lista de credores reconhecidos apresentada pela aqui Recorrente;
3. A Recorrente oportunamente reclamou os seus créditos no âmbito do processo de insolvência da sociedade B…, S.A.
4. Os seus créditos vieram as ser reconhecidos pelo Sr. Administrador de Insolvência pelo exacto montante reclamado;
5. Tendo no entanto sido qualificados como subordinados ao invés, conforme se defendeu, de comuns;
6. Nesse momento foi levado ao conhecimento da ora Recorrente através de notificação expedida mediante carta registada com aviso de recepção, que o crédito por si reclamado havia sido reconhecido com uma qualificação diferente;
7. A ora Recorrente impugnou nos termos do disposto no artigo 130º do CIRE a lista de credores reconhecidos mediante articulado apresentado em juízo;
8. Desde a apresentação de tal impugnação não mais a aqui Recorrente foi notificada de nada no âmbito do presente apenso de reclamação de créditos nem tão pouco no âmbito do processo principal de insolvência;
9. A Recorrente, após consulta dos autos em juízo constatou que a sua impugnação não tinha sido objecto de qualquer pronúncia por parte do Sr. Administrador de Insolvência, mas apenas por parte da devedora;
10. Pelo que o processo deveria ter seguido os seus ulteriores termos até final;
11. Nesse mesmo momento, constatou igualmente a Recorrente que havia sido proferido nos autos, em 26/05/2010 um despacho que determinava o encerramento processo de insolvência, nos termos do disposto na al. b) do n.º 1 do artigo 230º do CIRE;
12. Bem como constatou a existência de um segundo despacho datado de 30/11/2010 que “na esteira do determinado nos AP’s (c/trânsito), julgo extintos os termos desta demanda declarativa por relação com o estatuído nos arts. 278º e) do CPC/arts. 230 e 233º n.º 2 in fine do CIRE”;
13. Ora, estes despachos nunca foram notificados à Recorrente, contrariamente ao que aconteceu com a generalidade dos credores;
14. A falta das referidas notificações consubstancia uma omissão que tem manifesta influência no exame e decisão da causa;
15. A falta das referidas notificações consubstancia uma flagrante violação do princípio do contraditório;
16. Pois da impugnação de da lista de credores reconhecidos apresentada em juízo veio a ser feita letra morta, não obstante, a mesma reunir, em absoluto, todas as condições para que sobre a mesma viesse a recair uma decisão favorável;
17. A falta das aludidas notificações consubstancia igualmente a preterição de uma formalidade legalmente prescrita que viola gravemente os superiores interesses da Recorrente;
18. Pelo que estamos perante uma evidente situação de nulidade processual, nulidade essa que aqui se invoca para todos os devidos e legais efeitos;
19. Assim, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 201º do CPC aplicável por força do disposto no artigo 17º do CIRE, deverá ser declarado nulo todo o processado posterior à apresentação impugnação à lista de credores reconhecidos constante de fls…, dos autos;
20. Sem prescindir, sempre se dirá ainda que a sentença em crise é nula nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 668º do CPC;
21. Uma vez que a mesma viola de forma flagrante o disposto no artigo 158º do CPC e no artigo 205º n.º 1 da CRP;
22. A decisão em crise revela uma total ausência de fundamentação;
23. No entanto, partindo do princípio de que o Mº a quo pretendia fazer aplicar ao presente caso o disposto na al. b) do n.º 2 do artigo 233º do CIRE, sempre se dirá que a interpretação levada a cabo pelo Tribunal não é correcta, pois a mesma não determina a extinção dos processos de verificação de créditos;
24. Para tanto basta ter presente que a possibilidade de aprovação de um plano de insolvência em momento anterior à prolação da sentença de verificação e graduação de créditos resulta da alteração de regime levada a cabo pelo Dec-Lei n.º 200/2004 de 18 de Agosto;
25. A referida alteração legislativa além de mexer no corpo da al. b) do n.º 2 do artigo 233º do CIRE veio também provocar ajustamentos em outras disposições do CIRE, nomeadamente no artigo 209º;
26. O CIRE na sua versão original previa que os planos de insolvência apenas poderiam ser aprovados após ser proferida a sentença de verificação e graduação de créditos;
27. Assim, e por força desse regime, determinado a aprovação e homologação do plano de insolvência o encerramento do processo, previa-se quanto aos efeitos de tal encerramento que os recursos que viessem a ser interpostos da sentença de verificação e graduação de créditos prosseguissem até final, nos termos do disposto no art. 233º n.º2 al. b) do CIRE (na sua versão original);
28. No entanto, fruto da alteração levada a cabo pelo Dec-Lei 200/2004 ao artigo 209º do CIRE passou a ser possível aprovar os planos de insolvência logo que estivesse esgotado o prazo para a impugnação da lista de credores reconhecidos, isto é, num momento anterior ao da prolação da sentença de graduação e verificação de créditos;
29. Por isso não faz o menor sentido admitir que a aprovação do plano de insolvência possa constituir uma causa extintiva das impugnações da lista de credores reconhecidos;
30. Assim, tendo em conta a necessária unidade do sistema jurídico a compatibilização de normas o legislador entendeu, e bem, enxertar uma nova previsão no corpo da já referida al. b) do n.º 2 do artigo 233º, por forma a que o encerramento do processo de insolvência decorrente da aprovação do plano de insolvência não tivesse por efeito a extinção, sem mais, da instância dos apensos de verificação de créditos;
31. Assim, fruto do novo regime legal, passou al. b) do n.º 2 do artigo 233º do CIRE a comportar duas excepções à extinção da instância dos processos de verificação de créditos pendente, a saber, a prolação da sentença de verificação e graduação de créditos e o encerramento decorrer da aprovação de um plano de insolvência;
32. A acolher-se outra interpretação que não esta, não se vislumbra qual o efeito prático e desejado pelo legislador ao efectuar a alteração ao n.º 3 do artigo 209º do CIRE;
33. E não pode admitir que a norma em causa (artigo 209º n.º 3) teria apenas aplicação apenas nos (raros) caso em que a aprovação do plano de insolvência ocorre apenas depois de proferida a sentença de verificação e graduação de créditos;
34. Pois tal comando normativo é claro ao definir de forma expressa que o plano de insolvência deverá acautelar os efeitos da eventual procedência das impugnações à lista de credores reconhecidos e não apenas dos eventuais recursos interpostos da sentença;
35. Interpretação contrária a esta aqui defendida implica, sem mais, conduzir-nos a uma clara e inequívoca situação de denegação de justiça;
36. Pois, dessa forma, os credores que tenham impugnado a lista de credores reconhecidos veriam os seus processos extintos por inutilidade superveniente da lide, sem nunca terem sido apreciadas as suas impugnações pelo tribunal e tendo os seus créditos sido modificados, indevidamente qualificados ou excluídos apenas por decisão do Administrador de Insolvência, sendo pacífico que este não tem, nem pode ter competência para apreciar e julgar em definitivo questões controvertidas submetidas pelas partes a juízo;
37. Não pode ter sido este o propósito do legislador, pois o mesmo colide de forma flagrante com o disposto nos artigos 20º e 202º da CRP;
38. Assim, a interpretação da al. b) do n.º 2 do artigo 233º do CIRE no sentido de verificar a extinção dos processos de verificação de créditos pendentes nos quais ainda não tenha sido proferida sentença de verificação e graduação de créditos aquando do encerramento do processo de insolvência torná-la-ia, manifestamente inconstitucional, por violação das normas supra referidas;
39. Inconstitucionalidade essa que aqui expressamente se invoca para todos os devidos e legais efeitos;
40. Assim, mal andou o Mº a quo na prolação da decisão em crise, por errada aplicação e interpretação do artigo 233º n.º 2 al. b) do CIRE, pelo que a decisão deverá ser substituída por uma outra que determine o prosseguimento do apenso de verificação e graduação de créditos seguindo os seus ulteriores termos até final.
Nestes termos e nos melhores de direito deverá ser dado provimento ao presente recurso com o que se fará a inteira e acostumada JUSTIÇA”.

Foram apresentadas contra-alegações, em separado, pela F…, SA, entidade resultante da conversão da massa insolvente da B…, SA, defendendo a confirmação da decisão recorrida (cfr. fls. 5259 a 5270, 5487 a 5505 e 5511 a 5529).

Remetidos os autos a este Tribunal, foram detectadas várias omissões, que obstavam ao imediato conhecimento dos recursos, pelo que foi proferido o despacho de fls. 5751 e v.º, em 29/9/2011, ao abrigo do disposto nos art.ºs 670.º, n.º 5 e 700.º, n.º 1, als. b) e d), ambos do CPC, providenciando-se pelo seu suprimento, tendo sido ordenado que baixassem ao Tribunal recorrido para aí ser dado cumprimento ao ali decidido, designadamente:
- apreciação das nulidades processuais arguidas a fls. 5095 e 5156 pelas credoras E… e E…;
- apreciação da nulidade da sentença arguida em sede de recurso;
- apreciação dos requerimentos de interposição dos recursos de fls. 5464 e 5535;
- e junção da decisão a que alude a sentença recorrida, com nota do trânsito em julgado.

Em obediência ao assim determinado, o Ex.mo Juiz da 1.ª instância proferiu o despacho de fls. 5755 a 5758, donde resulta, no que importa aqui considerar, que:
- indeferiu as aludidas nulidades do processado arguidas a fls. 5095 e 5156;
- rejeitou os recursos interpostos a fls. 5464 e 5535;
- e esclareceu que a decisão impugnada foi exarada na sequência da sentença proferida na acção principal, que homologou o plano de insolvência aprovado na respectiva assembleia de credores, e do despacho de encerramento desses mesmos autos, conforme cópia certificada que mandou juntar, onde consta que tal sentença tem a data de 11/12/2009 e transitou em julgado no dia 1/2/2010 (refere 2009, por manifesto lapso) e que aquele despacho foi proferido em 31/5/2010 e transitou em julgado no dia 5 de Julho seguinte; bem como esclareceu que naquela decisão quis levar em cogitação o estatuído no art.º 233.º, n.º 2, al. b) “in fine” do CIRE, repudiando, consequentemente, a arguição da sua nulidade.

Remetidos, novamente, a este Tribunal, depois de tudo visto e cumprido o disposto no art.º 707.º, n.º 2, 2.ª parte, do CPC, cumpre apreciar e decidir do mérito dos três recursos admitidos, o que será feito conjuntamente por se tratar de questões comuns.
Sabido que o seu objecto está delimitado pelas conclusões das recorrentes (cfr. art.ºs 684.º, n.º 3 e 685.º-A, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC, este na redacção introduzida pelo DL n.º 303/2007, de 24/8, aqui aplicável), e não podendo este Tribunal de 2.ª instância conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excepcionais que aqui não relevam, as únicas questões que importa dirimir consistem em saber:
- se pode declarar-se a nulidade do processado ou da decisão impugnada;
- e se os autos devem prosseguir.

II. Fundamentação

Na apreciação e decisão destas questões, importa considerar os factos constantes do relatório acabado de elaborar, já que outros não foram dados como assentes na decisão recorrida, nem resultam provados destes autos.

1. Das nulidades

As recorrentes D… e E… arguiram a nulidade de todo o processado posterior à apresentação dos seus requerimentos de impugnação da lista de créditos por falta de notificação dos actos praticados, nomeadamente dos despachos de 26 de Maio e 30 de Novembro de 2010.
Como é sabido, as nulidades processuais são todos os desvios do ritualismo processual prescrito na lei, com relevância no exame e decisão da causa.
Estes desvios, de carácter formal, podem traduzir-se num de três tipos: prática de acto proibido, omissão de acto prescrito na lei e realização de um acto imposto ou permitido por lei mas sem as formalidades requeridas.
Não há dúvida de que a falta de notificação de um despacho a mandatário constituído viola o disposto no art.º 229.º, nº 1 do CPC e constitui uma nulidade, por omissão, de acto prescrito na lei.
No entanto, por não constar entre as mencionadas na 1.ª parte do art.º 202.º do CPC, é uma nulidade meramente secundária, dependente de reclamação da parte.
Deste modo, se a parte não arguir a nulidade dentro do prazo legal fixado, esta considera-se sanada.
Quanto ao prazo de arguição destas nulidades, rege o art. 205.º n.º 1 do CPC, cuja segunda parte, que agora interessa considerar, estipula que esse prazo se conta do dia em que depois de cometida a nulidade, “a parte interveio em algum acto praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência”.
Tais nulidades têm de ser arguidas perante o tribunal em que ocorreram e nele devem ser apreciadas e julgadas, com a excepção prevista no n.º 3 do citado art.º 205.º que no caso manifestamente não se verifica.
Do despacho proferido sobre as nulidades assim arguidas, poderá a parte reclamante, se vencida, recorrer.
Estas regras reconduzem-se ao postulado que a doutrina e a jurisprudência consagraram: “dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se,” (cfr. Alberto dos Reis, Comentário ao CPC, vol. II, pág. 507, e Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, pág. 183).
Como supra se aludiu, as referidas recorrentes haviam arguido nulidades de todo o processado a fls. 5095 e 5156, as quais foram indeferidas por despacho de fls. 5755 a 5758, mais precisamente a fls. 5757 e 1758.
As reclamantes não recorreram deste despacho, ou, pelo menos, não consta que isso tivesse acontecido. Não serve, para este efeito, a interposição dos recursos, agora em apreciação, pela simples razão de terem sido interpostos doutra decisão, que não a que apreciou as reclamações, proferida muito antes desta. Os fundamentos aqui invocados são os mesmos que foram apreciados na reclamação e as nulidades arguidas não estão cobertas pelo despacho impugnado para poderem ser apreciadas em sede de recurso, por não ser este o meio próprio para tal arguição, mas antes a simples reclamação, à qual poderia seguir-se o competente recurso. Inexistindo este, precludiu o direito de reapreciação das nulidades aqui arguidas.
De qualquer forma as irregularidades cometidas mostram-se sanadas com a intervenção das reclamantes nos autos e as mesmas não têm influência na decisão da causa, como adiante se decidirá, pelo que não poderiam produzir nulidade (cfr. art.ºs 201.º, n.º 1 e 203.º, n.º 1, ambos do CPC).

As três recorrentes arguiram a nulidade do despacho impugnado por falta de adequada fundamentação, invocando o disposto no art.º 668.º, n.º 1, al. b) do CPC, aplicável ao processo de insolvência “ex vi” art.º 17.º do CIRE.
Atento o preceituado naquele normativo, aplicável aos despachos “até onde seja possível” nos termos do n.º 3 do art.º 666.º do mesmo Código, a sentença (leia-se, agora, despacho) é nula quando “não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.
Esta causa de nulidade consiste na falta absoluta de fundamentação da decisão, não bastando que ela seja deficiente, incompleta ou não convincente.
Quanto aos fundamentos de facto, não é a falta de exame crítico das provas que basta para preencher aquela nulidade, tornando-se antes necessário que o juiz não concretize os factos que considera provados e coloca na base da decisão.
Relativamente aos fundamentos de direito, importa salientar que a fundamentação contenta-se com a indicação das razões jurídicas que servem de apoio à solução adoptada pelo julgador e que não é indispensável a especificação das disposições legais que fundamentam a decisão. Fundamental é que sejam mencionados os princípios, as regras, as normas em que a decisão se apoia (cfr. Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2.ª ed. revista, 1985, págs. 687 e 688).
Por outro lado, tem vindo a entender-se, desde há muito, que as nulidades da decisão, cujas causas estão taxativamente enunciadas no citado art.º 668.º não incluem o erro de julgamento, seja de facto ou de direito (cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 137, Antunes Varela, obra citada, pág. 686; acórdãos do STJ, de 13/2/1997 e de 21/5/1998, na CJ, ano V, tomo I, pág. 104 e ano VI, tomo II, pág. 95, da RC de 18/1/2005 e da RL de 16/1/2007, proferidos nos processos n.ºs 2545/2004 e 8942/2006-1, disponíveis em www.dgsi.pt).
As apelantes, ao invocarem a violação da alínea b) do n.º 1 do citado art.º 668.º entendendo que a fundamentação contida no despacho que impugnaram é insuficiente para a identificação da causa extintiva da instância, tanto mais que não especifica alguma das alíneas do n.º 2 do art.º 233.º do CIRE, que consideram violado, parece que fundamentam tal nulidade em erro de julgamento.
Assim sendo, jamais poderia verificar-se a arguida nulidade.
De resto, importa referir que não se vislumbra falta absoluta de fundamentação, de facto ou de direito, da decisão.
Apesar de, inicialmente, a decisão impugnada ser totalmente omissa quanto à fundamentação de facto e de, relativamente à fundamentação de direito, não especificar a que parte final do n.º 2 do art.º 233.º do CIRE se referia, sendo este constituído por três alíneas, a verdade é que o Sr. Juiz, autor da mesma decisão, veio prestar os esclarecimentos que constam do despacho de fls. 5755 a 5758, dizendo, em síntese, que tal decisão foi proferida na sequência da sentença homologatória do plano de insolvência e do despacho de encerramento da acção principal, ambos transitados em julgado, e que pretendia reportar-se ao estatuído na parte final da alínea b) do n.º 2 do citado art.º 233.º.
Este despacho, proferido nos termos do n.º 5 do art.º 670.º do CPC, considera-se complemento e parte integrante do despacho recorrido, atento o disposto no seu n.º 1.
Mostra-se, assim, suprida a omissão da fundamentação de facto e a deficiente fundamentação de direito, reveladas na decisão inicial.
Deste modo, passou a conter fundamentação bastante, de facto e de direito, como revela uma simples leitura de ambos os despachos.
Improcede, por conseguinte, a arguição da referida nulidade.

2. Da inutilidade superveniente da lide

Dispõe o art.º 287.º, al. e) do CPC que a instância extingue-se com “a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide”.
Estas causas de extinção da instância ocorrem quando, em virtude de novos factos verificados na pendência do processo, a decisão a proferir nele já não possa ter qualquer efeito útil, porque não é possível dar satisfação à pretensão que o demandante quer fazer valer ou porque o escopo visado com a acção foi atingido por outro meio (cfr. Alberto Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. III, págs. 367-373 e Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1.º, 2.ª edição, pág. 555). Estes últimos autores explicam e distinguem assim as duas referidas causas no local acabado de citar: “a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar - além por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio”.
Para a decisão da questão do prosseguimento dos autos, importa averiguar se o encerramento do processo após o trânsito em julgado da decisão homologatória do plano de insolvência determina a extinção da instância do processo de verificação de créditos, como foi entendido no despacho recorrido, ou não, como defendem as apelantes.
Preceitua o art.º 230.º do CIRE:
“1- Prosseguindo o processo após a declaração de insolvência, o juiz declara o seu encerramento:
a)…
b) Após o trânsito em julgado da decisão de homologação do plano de insolvência, se a isso não se opuser o conteúdo deste;

2- A decisão de encerramento do processo é notificada aos credores e objecto da publicidade e do registo previstos nos artigos 37.º e 38.º, com indicação da razão determinante.”
Por sua vez, estabelece o art.º 233.º, n.º 2, al. b) do CIRE que o encerramento do processo de insolvência antes do rateio final determina “a extinção da instância dos processos de verificação de créditos e de restituição e separação de bens já liquidados que se encontrem pendentes, excepto se tiver já sido proferida a sentença de verificação e graduação de créditos prevista no artigo 140.º, ou se o encerramento decorrer da aprovação do plano de insolvência, caso em que prosseguem até final os recursos interpostos dessa sentença e as acções cujos autores assim o requeiram, no prazo de 30 dias”.
Esta alínea tem a redacção dada pelo DL n.º 200/2004, de 18/8, que lhe aditou outra excepção à extinção da instância contemplando a hipótese em que o encerramento do processo decorra da “aprovação do plano de insolvência”.
E tal aditamento ter-se-á ficado a dever à alteração efectuada pelo mesmo Decreto-Lei ao n.º 2 do art.º 209.º do CIRE, tornando possível a aprovação de um plano de insolvência sem estar previamente proferida sentença de verificação, embora já com o prazo de reclamação esgotado e as impugnações deduzidas.
Não obstante tais alterações, partindo de uma análise literal do mencionado preceito, sobretudo da parte final que se manteve intacta, e invocando a falta de esclarecimentos por parte do legislador, autores há que defendem a não aplicação da estatuição ali prevista aos autos de verificação de créditos de forma a impossibilitar a sua continuação até à decisão final. É o caso de Carvalho Fernandes e João Labareda, no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, reimpressão de 2009, págs. 772 a 773, afirmando expressamente nesta última página: “no caso de o processo judicial ter terminado na decorrência de um plano de insolvência, não estando, como é pressuposto, proferida sentença de verificação de créditos, apenas se salvaguarda a continuação das acções pendentes de restituição e separação de bens já liquidados cujos autores assim requeiram, no prazo de trinta dias”.
Foi, aliás, a doutrina perfilhada por estes autores que permitiu ao Sr. Administrador da Insolvência propor a extinção da instância, na sequência da notificação que lhe foi feita para informar sobre os efeitos da sentença de encerramento (cfr. fls. 5081 e 5086), proposta essa que foi aceite, tendo originado a decisão aqui impugnada.
Com o devido respeito por essa opinião, afigura-se-nos que não há lugar à extinção da instância nos termos determinados.
Desde logo, porque a alínea b) do n.º 2 do citado art.º 233.º consagra como excepção à regra da extinção da instância do processo de verificação de créditos o facto de o “encerramento decorrer da aprovação do plano de insolvência”.
Apesar de não ser muito clara a redacção dessa alínea, decorrente do aditamento daquela excepção e da manutenção da parte restante, não há dúvida que o legislador quis consagrar e consagrou a referida excepção. E, tendo consagrado tal excepção, alguma utilidade deve ter, tanto mais que temos de presumir que consagrou a solução mais acertada e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (cfr. art.º 9.º, n.º 3 do Código Civil). Não será pela manutenção da anterior redacção relativa à outra excepção que quis inviabilizar a aplicação da segunda excepção que acabara de consagrar. E não alterou a estatuição, certamente por a julgar desnecessária por partir do pressuposto de que a regra normal de extinção da instância é o julgamento. Daí que nos seja lícito presumir que, ao consagrar a referida excepção, quis a continuação do apenso de verificação de créditos até à decisão final. Tal continuação impõe-se sobretudo nos casos de impugnação à lista de créditos elaborada pelo administrador da insolvência, havendo uma certa analogia com a situação ali prevista de interposição de recurso da sentença de verificação.
Por outro lado, do citado art.º 230.º resulta que o encerramento do processo de insolvência não opera automaticamente após o trânsito em julgado da decisão de homologação do plano de insolvência. Para além da correspondente decisão judicial a declarar o encerramento do processo, terá a mesma de ser notificada aos credores e ser objecto da publicidade e do registo previstos nos artigos 37.º e 38.º.
Os presentes autos não mostram que tivessem sido observadas todas estas formalidades, nem foi consignada na decisão recorrida a sua observância, a qual se limitou a fazer referência ao trânsito em julgado, o que não é, manifestamente, suficiente.
Quer tudo isto dizer que não se mostra verificada qualquer causa de extinção da instância, seja por impossibilidade seja por inutilidade superveniente da lide. Estes autos não perderam o seu efeito útil, já que nada obsta à satisfação da pretensão dos credores e esta não foi satisfeita por outro meio.
Assim, não podia o Tribunal recorrido ter julgado extinta a instância de verificação de créditos.
Os autos devem, pois, prosseguir, ficando, consequentemente, prejudicada a questão da inconstitucionalidade da norma do art.º 233.º, n.º 2, b) do CIRE, na interpretação impeditiva desse prosseguimento.

Em jeito de síntese final, podemos concluir que:
1. Não pode declarar-se a nulidade do processado por não ter sido interposto recurso do despacho que decidiu a respectiva reclamação;
2. Não padece de nulidade o despacho que contém fundamentação fáctica e jurídica, ainda que vaga, conclusiva e deficiente;
3. O mero trânsito em julgado da sentença homologatória do plano de insolvência e do despacho de encerramento do processo em que foi proferida não determina a extinção da instância do processo de verificação de créditos por inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide.

Procedem, por conseguinte, as apelações deduzidas, pelo que se impõe a revogação do despacho recorrido.

III. Decisão

Por tudo o exposto, julgam-se as apelações procedentes e revoga-se a decisão recorrida que deverá ser substituída por outra que determine o prosseguimento destes autos de verificação de créditos, com a subsequente tramitação legal.
*
Custas pela massa insolvente.
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Porto, 29 de Novembro de 2011
Fernando Augusto Samões
José Manuel Cabrita Vieira e Cunha
Maria das Dores Eiró de Araújo