Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1474/11.0TBVRL.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: OLIVEIRA ABREU
Descritores: REAPRECIAÇÃO DA PROVA
NOVO REGIME
AMPLITUDE
REFORMA QUANTO A CUSTAS
PODERES DO TRIBUNAL DE RECURSO
Nº do Documento: RP201403241474/11.0TBVRL.P1
Data do Acordão: 03/24/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Legislação Nacional: ARTº 527º, 607º, 613º, 616º, 662º, 640º, 666º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: I - Com a introdução de novas regras sobre o regime legal disciplinador da admissão e reapreciação da prova feita em Juízo ditadas pelo Novo Código Processo Civil é inequívoco que na reapreciação da prova, as Relações têm a mesma amplitude de poderes que tem a 1ª instância, enquanto efectiva garantia de um segundo grau de jurisdição, permitindo sublinhar que a reapreciação da prova em segunda Instância configura, efectivamente, um novo julgamento.
II - O baldio é uma figura específica, em que é a própria comunidade, enquanto colectividade de pessoas que é titular da propriedade dos bens, e da unidade produtiva, bem como da respectiva gestão, no quadro do artº. 82º, nº. 4, alínea b) da Constituição da República Portuguesa, sendo que os actos ou negócios jurídicos de apossamento ou apropriação, tendo por objecto terrenos baldios, são nulos nos termos gerais, excepto nos casos expressamente previstos na lei, sendo os baldios insusceptíveis de apropriação e de usucapião.
III - Na acção de reivindicação, entre o pedido primário reclamado pelo proprietário, ou seja, o reconhecimento - "pronunciatio" - do seu direito de propriedade e a consequência lógica que será a restituição – “condemnatio” - do que lhe pertence, poder-se-á verificar uma ruptura, obstando à procedência da reclamada reivindicação, a qual ocorrerá se o demandado ocupar o prédio com titulo que o legitime, sendo que a invocação dos respectivos factos consubstancia uma verdadeira excepção peremptória, nos termos da lei civil adjectiva.
IV - O direito de resolução é considerado no sistema legal vigente como uma mera faculdade e uma das alternativas que se oferecem, num contrato bilateral, ao credor adimplente, para reagir contra o incumprimento “lato sensu” da contraparte.
V - O nosso direito adjectivo civil consagra o chamado dever de boa-fé ou de probidade processual, constituindo a litigância de má fé, a mais grave violação desses deveres.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº. 1474/11.0TBVRL.P1
3ª Secção Cível
Relator - Juiz Desembargador Oliveira Abreu (104)
Adjunto - Juiz Desembargador António Eleutério
Adjunta - Juíza Desembargadora Maria José Simões
Tribunal de Origem do Recurso – Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real (2º Juízo)
Apelante/B…
Apelado/Conselho Directivo de Baldios C…

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO

No Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real (2º Juízo), o Conselho Directivo de Baldios C…, intentou a presente acção, sob a forma de processo sumário, contra, B… e D…, pedindo que seja declarado resolvido o contrato de cessão de exploração havido entre Autor e Réu em 8 de Junho de 2009; seja ordenada a desocupação imediata da área de exploração e a sua entrega ao Autor livre de pessoas e bens; seja o Réu condenado a pagar ao Autor a prestação em dívida referente ao ano de 2010 no valor de €300,00 e nas prestações proporcionais vincendas até efectiva desocupação; seja o Réu condenado a devolver ao baldio o trato de terreno baldio ilicitamente ocupado com 2.583,20m2, livre de pessoas e bens e a pagar ao Autor a quantia de €150,00 de indemnização referente aos danos causados pela ocupação do articulado trato de terreno.
Articula, com utilidade, que é, nos termos da Lei n.º 68/93 de 4 de Setembro com as alterações introduzidas pela Lei n.º 89/97 de 30 de Julho, o legítimo administrador dos terrenos da unidade de baldio C…, freguesia …, da Comarca de Vila Real.
Alega, ainda, ter celebrado com o Réu um contrato denominado de arrendamento de uma área baldia com finalidade exclusiva de servir de alimentação às abelhas de um apiário explorado pelo Réu.
Mais, alega o incumprimento do referido contrato por parte do Réu.
Conclui, pela procedência da presente demanda.
Regularmente citados, os Réus deduziram contestação nos autos defendendo-se por excepção e impugnando a factualidade alegada pelo Autor.
Ademais, deduziram os Réus pedido reconvencional, alegando em síntese que a parcela de terreno que surge nas fotografias é, em grande parte do Autor e no que resta, da Paróquia …, sendo que, em todo o caso, o Autor recebeu, indevidamente, o valor de €300,00, a título de renda.
Por fim, os Réus alegam incumprimento, por parte do Autor, dos seus deveres contratuais e legais, causando prejuízos ao Réu.
Concluem, pedindo que seja julgada procedente por provada a excepção de ilegitimidade passiva, absolvendo-se a Ré, D… da instância; seja julgada procedente por provada a excepção de ilegitimidade activa e, em consequência disso, sejam os Réus absolvidos da instância; seja a presente acção julgada improcedente por não provada; seja julgado procedente o pedido de condenação do Autor como litigante de má-fé, em multa, procuradoria e indemnização condigna a favor dos Réus, de valor nunca inferior a €2.500,00; seja o Autor condenado a pagar ao Réu B…, a quantia de €300,00, respeitante ao montante da renda pago indevidamente; seja o Autor condenado a pagar ao Réu B…, a título de indemnização por danos causados, a quantia de €14.650,00.
O Autor respondeu à contestação concluindo nos termos da petição inicial apresentada e pugnando pela improcedência do pedido reconvencional.

Procedeu-se ao saneamento da demanda, julgando-se improcedentes as excepções dilatórias deduzidas, consignando-se, outrossim, por forma expressa, os factos assentes e controvertidos para decisão da causa.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, de acordo com o formalismo legal, tendo o Tribunal “a quo” proferido decisão sobre a matéria de facto.
Em sede de audiência de discussão e julgamento veio o Autor desistir do pedido formulado contra a Ré, D….
Foi proferida sentença na qual o Tribunal “a quo”, no respectivo dispositivo consignou “Por todo o exposto: a) julgo a ação parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, em consequência: - Declarado resolvido o contrato celebrado entre Autor e Réu, determinando a desocupação imediata da área de exploração e a sua entrega ao Autor livre de pessoas e bens; - Condeno o Réu a pagar ao Autor a prestação referente ao ano de 2010 no valor de 300,00€ e nas prestações proporcionais vincendas até efetiva desocupação; - Condenado o Réu a devolver ao baldio o trato de terreno baldio ocupado com 2.583,20m2, livre de pessoas; - Julgo improcedente o demais peticionado pelo Autor. b) Julgo improcedente o pedido reconvencional formulado pelo Réu e, em consequência, absolvo do mesmo o Autor. c) Julgo improcedente o pedido de condenação do Autor como litigante de má fé. Custas a cargo de Autor e Réu na proporção de 1/5 para o Autor e 4/5 para o Réu.”

É contra esta decisão que o Réu/B… se insurge formulando as seguintes conclusões:
1.º O presente processo está ferido de nulidade, por falta de representação do “SECRETARIADO DOS BALDIOS E…”, e consequentemente a não constituição de advogado nos termos al. a) e b) do n.º 1 do art.º 32 do CPC (ANTIGO).
2.º Sem prescindir, pretende-se, também, através da interposição do presente recurso, nos termos do disposto no artigo 511.º do C.P.C. (antigo) impugnar o douto despacho proferido a fls… que se debruçou a cerca da reclamação oportunamente apresentada pelo aqui recorrente, que incidiu essencialmente quanto à selecção da matéria de facto dada como assente, pela omissão de factos, e quanto à selecção da matéria de facto incluída na base instrutória, por omissão, e que, em consequência a indeferiu.
3.º Na verdade, ao dar-se como matéria assente em “E” da base instrutória, a certidão de teor de fls. 23, deveria, consequentemente ter-se dado como matéria de facto assente os artigos 15.º e 16.º da contestação apresentada pelo aqui recorrente.
4.º Ao excluir da matéria de facto dada como assente o expresso no Código de Posturas da freguesia …, nomeadamente o constante no seu artigo 18.º é retirar a sua força à lei.
5.º Os factos constantes do artigo 15.º e 16.º da contestação do Réu são factos que foram provados documentalmente e aceites pela Autora.
6.º O Tribunal ao quo ao não incluir na selecção da base instrutória como quesitos os factos articulados na contestação nos artigos 12.º, 18.º, 19.º 20.º, 28.º, 29.º, 30.º, 63.º, a 68.º, 73.º, 76, 82.º é colocar o Réu numa situação de evidente desvantagem, tendo este, em consequência, ficado com o seu direito ao contraditório manietado e em clara desigualdade, ofendendo, assim, a decisão o preceituado no artigo 3.º e 3.º A do C.P.C. (antigo).
7.º Isto porque, e com o devido respeito, ao não incluir na base instrutória a matéria constante dos artigos 66.º, 67.º e 73.º da contestação, que versam que o local em apreço e em discussão é propriedade da Paróquia, do qual se pretendia fazer prova, está o tribunal, antecipadamente, a ditar a sentença a favor da Autora.
8.º O Tribunal a quo, na fundamentação da matéria de facto dada como provada e não provada veio dizer que a “Declaração” constante de fls. 67 dos autos, consubstancia um depoimento escrito e que a lei não o admite. Até se admite que tal seja verdade, no entanto, se o tribunal tivesse incluído na selecção da matéria de facto o artigo 66.º, 67.º e 73.º da contestação, o Réu teria tido a possibilidade de indicar o padre, e outros, como testemunhas e fazer prova de quem efectivamente administra aquele trato de terreno baldio e possibilitaria que se desse razão de existência de tal documento.
9.º Ou seja, teria o tribunal dado ao Réu a possibilidade deste provar quem é o legitimo administrador do trato de terreno baldio onde se situa o apiário e de provar, também, que a Presidente do Conselho de Compartes de C… era precisamente a mesma pessoa que administrava os baldios da Paróquia.
10.º Teria dado a possibilidade do provar, que essa Sr. Presidente da Conselho de Compartes dos Baldios C…, F…, é cunhada da Presidente de direito do Conselho Directivo dos Baldios C…, G…, irmã do Presidente de facto H… marido da Presidente de direito, e, ainda cunhada da secretária do Conselho de Compartes, I…, também irmã da Presidente de direito do Conselho Directivo dos Baldios C…, que se pode extrair do documento junto aos autos, pela Autora, como Doc. 1.
11.º Mais teria o tribunal dado a possibilidade de o Réu fazer prova que a Sr.ª F…, governanta dos baldios da Paróquia e Presidente do Conselho de Baldios C…, deu a devida autorização para a colocação da rede protetora no apiário, e, a quem a deu, e quanto e se pagou, e quem pagou para tal e também daria o tribunal possibilidade de o verdadeiro administrador do trato de terreno baldio onde se situa o apiário, fazer prova de que o é (administrador) de facto.
12.º O Tribunal a quo ao não incluir tais matérias na Base Instrutória, determinou “ab initio” a sentença e a Autora ficou, assim em posição de total vantagem, e o Réu com o seu direito ao contraditório manietado, e em clara desigualdade, ofendendo assim, a decisão ora recorrida o preceituado no art.º 3º e 3ºA do CPC (ANTIGO).
13.º Ou seja, com o devido respeito, condicionou e limitou assim, o tribunal, a defesa do Réu, o que, salvo o devido respeito, não se pode aceitar.
14.º Assim, tendo em conta o supra referido, devem ser incluídos como quesitos na Base Instrutória os factos alegados nos art.ºs 12.º, 18.º, 19º, 20.º, 28.º, 29.º, 30.º, 63.º a 68.º, 73º, 76.º a 82.º da contestação do Réu, procedendo-se à elaboração da prova.
Caso assim não se entenda, e sem prescindir,
15.º Relativamente à fundamentação da matéria de facto o tribunal teve única e exclusivamente em consideração os depoimentos prestados pelas testemunhas da Autora, as quais considerou coerentes, isentas, sinceras e conhecedoras dos factos e do local objecto dos autos.
16.º Contudo, as testemunhas arroladas pela Autora todas residem em …, …, Vila Real, e em duas ruas da referida aldeia e todas elas confessaram ser compartes, logo com um interesse desmesurado no resultado da presente acção – todas elas vieram dizer que tudo é deles, é pertença deles, sem apresentarem qualquer fundamento para tal afirmação.
17.º Através da audição dos depoimentos das testemunhas arroladas pela Autora, poder-se-á constatar que todas elas demonstraram ter um ódio vincado contra o aqui Réu, tomando-o como um inimigo comum, chegando a testemunha H…, representante de facto da Autora, a afirmar (ao minuto 37:03 do seu depoimento) “Ó Sr. Doutor isso dá para rir, quem tiver apetite para rir, então as abelhas dão para morrer o Sr. B… é um assassino”.
18.º Para além disso todas as testemunhas da Autora - que foram indicadas à matéria do quesito 1.º ao 12.º , matéria a qual competia à Autora fazer prova – não tinham, como se pode constatar através da audição dos respectivos depoimentos, conhecimento directo acerca dos factos, pois os depoimentos de todas elas são assentes no “ ouvi dizer”, ou então, pura e simplesmente recusaram-se a responder ao que lhe foi perguntado.
19.º Ora, com o devido respeito, que como se disse é muito, considerar válido, coerente e isento um depoimento em que uma testemunha se recusa a responder, esconde provas ao próprio tribunal e trata o Réu por assassino, é manifestamente excessivo!
20.º Por sua vez, as testemunhas arroladas pelo Réu para além de não terem qualquer relacionamento pessoal com este e não terem qualquer interesse no desfecho da acção, são vizinhas desde sempre dos habitantes (compartes) do … e com eles convivem diariamente, pelo que, estão sujeitas às suas sevícias se faltassem á verdade nos seus depoimentos.
21.º Para além disso demonstraram ter conhecimento directo dos factos, quer passados, quer presentes.
22.º Ou seja, o aqui Recorrente vem impugnar a matéria de facto constante dos quesitos 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 10º, 11º, e 12º, da base instrutória por entender estarem incorrectamente julgados e que deveriam, em consequência merecer resposta diversa, mais concretamente NÃO PROVADOS.
23.º E impugna, também, a matéria de facto constante dos quesitos 14.º, 21º, 25.º, 26.º, 27.º, e, 28.º que deveriam ser dados como PROVADOS.
24.º Pois, é nosso entender que a Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo” não fez uma correcta apreciação da prova documental junta aos autos nem da prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento, nem interpretou e aplicou a Lei aos factos
25.º Relativamente à base instrutória, no ponto 1, considerou o tribunal a quo provado que a área de 2.583,20 confronta de todos os lados com baldio, sita no local denominado por N… está integrada no logradouro comum dos compartes de …. Mas se o tribunal pretende dizer especificadamente, o que não fez, que quer fazer coincidir com a área do apiário, então deveria, salvo melhor opinião especificar os seguintes ponto: - Está integrada por usucapião como querem fazer crer nos art da base instrutória do artigo 2.º a 6? - Ou está integrada porque está dentro da área delimitada pela certidão de teor junta a fls. 23? - Ou está integrada porque está dentro da área delimitada pelo Livro de Posturas da freguesia de …, junto aos autos a fls. 78 a 81, mais concretamente no seu artigo 18.º?
26.º Ora não pode o tribunal considerar integrada por usucapião, além do mais pelos fundamentos explanados na resposta ao quesito dois.
27.º Salvo melhor opinião, em momento algum a Autora logrou provar que o apiário explorado pelo Réu está dentro dos limites constantes da certidão de teor junta a fls. 23. Aliás sempre ficou provado que o apiário se encontra fora desse limites, se atentarmos à conjugação dos depoimentos prestados pelas testemunhas J… (minuto 20:37 a 22:58 e 23:00 a 23:20), H… (minuto 00:15 a 01:15, minuto 16:02 a 17:05, minuto 54:32 a 55:23), K… (minuto 03:35 a 07:14) L… (minuto 01:46 a 07:22 do seu depoimento).
28.º Aliás, apesar de não restarem dúvidas, de que pela certidão de teor, o apiário fica fora dos limites que constam da mesma, o certo é que nenhuma certidão, ou qualquer documento, ou mesmo depoimento, pode contrariar o expresso no Código de Posturas da Freguesia …, nomeadamente o expresso no seu artigo 18.º.
29.º O Tribunal a quo não esclarece, como deveria, se o apiário está integrado nos baldios C…, porque está dentro da área delimitada pelo livro de Posturas da freguesia …, junto aos autos a fls. 78 a 81, mais precisamento a fls. 78, no seu artigo 18.º
30.º Foi por demais evidente que a A. tudo fez para escondera o tribunal onde fica o moinha da Capela, peça fundamental para o esclarecimento da verdade e que se encontra descrito no artigo 18.º do referido código de Posturas da freguesia … e que forma um dos limites, a ponte/sul.
31.º Independentemente do apiário estar no monte N… ou no monte O… o certo é que o mencionado código de posturas, no seu artigo 18.º diz claramente que é exclusivo do baldio C… um só monte: - o P….
32.º Assim, a Autora não logrou fazer prova, como lhe competia, pelo que deverá ser dado como provado o quesito n.º 1 da base instrutória.
33.º Relativamente ao quesito dois da base instrutória, pese embora o tribunal o ter dado como provado, a verdade é que a representante da Autora, G…, em depoimento de parte, nega-o e afirma precisamente o oposto (ouça-se ao minuto 14:26, ao 29:22 a 31: 10), pelo que, o mesmo deveria ter sido dado como não provado.
34.º Todos os argumentos supra apresentados relativamente ao quesito dois, determinam negativamente a resposta aos quesitos 3, 4, 5, 6.
35.º O quesito sete deveria, também ter sido não provado pelo tribunal pois resulta dos autos que o Réu foi detentor de um apiário - conjunto de colemias mais as respectivas abelhas, instalado num terreno, solo, privado. Não existe nos autos qualquer prova de que o Réu detenha na sua esfera jurídica qualquer direito, nomeadamente de propriedade, sobre o trato de terreno em questão, isto é, sobre o espaço físico, solo, terreno onde o apiário havia sido instalado.
36.º Também, no que concerne, agora, ao quesito 8, nenhuma testemunha veio dizer ao tribunal que viram o Réu derrubar o muro, antes pelo contrário, pois dizem, “não vi” ou “pelo que dizem” - veja-se os depoimentos das testemunha H…, J…, Q….
37.º Assim que não tendo nenhuma das testemunhas conhecimento directo, pois nenhuma delas viu o aqui Recorrente a tirar/derrubar o muro nem muito menos dizer quando tal aconteceu.
38.º Não existindo nos autos qualquer prova de que se posa inferir a responsabilidade do Réu no derrubamento de qualquer muro, em qualquer lugar, em qualquer momento, deveria o quesito 8 ser dado como não provado.
39.º Compulsados os autos também não resulta provado que tenha sido o Réu a proceder à limpeza do mato, pois não existe nenhum documento nem nenhuma testemunha que o tenha visto, pelo que o quesito 9 deveria ser dado como não provado.
40.º Relativamente ao quesito 10, cuja prova competia à A., deveria ter sido dado, também, como não provado, pois é o próprio marido da representante da Autora que se recusa a fornecer ao tribunal um documento - carta militar que acompanhava contrato – essencial para a descoberta da verdade, já que com o mesmo se provaria que o apiário há muito que tinha aquela configuração e que há muito que aquela rede lá estava e que era do conhecimento e concordância da Autora.
41.º Nunca, com base na prova produzida o tribunal a quo poderia ter dado como provado que foi o Réu a delimitar o espaço com rede, pois tal é mera conclusão dedutiva.
42.º Em consequência, os argumentos e as provas referidas anteriormente ao quesito 10 determinam negativamente a resposta aos quesitos 11 e 12.
43.º Se o Tribunal dá como provado o quesito 13 - que o Réu enviou a carta de 17 de Abril – obrigatoriamente terá que dar como provado que a recebeu, até porque se encontra junto aos autos o respectivo aviso de recepção, assinado pelo marido da representante da autora, Sr. H….
44.º Aliás foi a própria representante da Autora, (aos minuto 00:49, 01:00, 01:15, 02:06, 02:08, 02:10, 48:22 e 48: 24) que confessa que o referido aviso de recepção, que se encontra junto aos autos, foi assinado pelo marido, pelo que o quesito 14 terá que ser dado como provado.
45.º Resulta, também, provado, por confissão da representante da Autora, o quesito 26 tal como resulta da seguinte transcrição: 14:26 – Juiz – Aquele local continua a ser utilizado por pastores que lá deixam o gado? Rep. da Autora – Sim, sim. Eles utilizam para pastar, cortar o estume, os pastores, são de …, utilizam aquele espaço, cortam o estrume, não nos dizem nada não nos dão satisfação também. 15:24 – Juiz – […] Se o gado que lá anda a apascentar se come as flores silvestres a vegetação … Rep. da Autora – Eles passam por ali e o gado apanha tudo [ … ] […]16:36 – Juiz – Mas deixam zonas sem vegetação ? 17:19 – Juiz – Pergunta-se aqui se com isso as pessoas destroem o ecossistema necessário às abelhas. 17:22 - Rep. da Autora – Naquele espaço onde o Sr. B… tem as abelhas, nem há nada, os de … limpam tudo, está como esta sala
46.º Por sua vez, o quesito 27 está na dependência directa do quesito 26 devendo ser, assim, dado como provado.
47.º Por fim no que respeita ao quesito 28, a morte da abelhas, por intoxicação está na dependência directa da lixeiras, facto que, aliás a representante da autora também confessou, pelo que o mesmo deve ser dado como provado.
48.º Em consequência deve ser Declarado resolvido o contrato celebrado entre a Autora e o Réu em 07/04/2009, e em consequência deve a Autora ser condenada a devolver ao Réu as importâncias pagas à Autora.
49.º E Deve-se declarar o Autor sem legitimidade administrativa e de gestão sobre o trato de terreno baldio envolvente do local onde se situa o apiário em causa nos autos.
Termos em que, nos melhores de direito e com o mui suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando a decisão recorrida, tal ocasionando o retorno dos autos ao tribunal a quo para aí prosseguir termos, caso assim não entendam deve o Réu ser absolvido dos pedidos e condenado o Autor, além do mais, em litigante de má fé, e farão serena, sã e objectiva Justiça.

Houve contra-alegações, tendo o Recorrido/Conselho Directivo de Baldios C…, pugnado pela manutenção da decisão.

Foram colhidos os vistos.

Cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

II. 1. As questões a resolver, recortadas das conclusões apresentadas pelo Recorrente, consistem em saber se:

(1) O presente processo está ferido de nulidade, por falta de representação do “Secretariado dos Baldios E…”, e consequente não constituição de advogado nos termos da lei adjectiva civil?
(2) O despacho proferido pelo Tribunal “a quo” que apreciou e indeferiu a reclamação apresentada quanto à selecção da matéria de facto dada como assente, pela omissão de factos, e quanto à selecção da matéria de facto controvertida, incluída na base instrutória, também por omissão, deverá ser reparado e, consequentemente, ter-se como assente a matéria de facto compreendida nos artigos 15.º e 16.º da contestação apresentada pelo Recorrente, outrossim, o Tribunal recorrido não poderá deixar de incluir na selecção dos factos controvertidos, e enunciar na base instrutória, a materialidade articulada na contestação, concretamente, nos artigos 12.º, 18.º, 19.º, 20.º, 28.º, 29.º, 30.º, 63.º, a 68.º, 73.º, 76.º e 82.º?
(3) Há fundamento para alterar a decisão da matéria de facto, nomeadamente, considerar-se não provada a factualidade constante dos quesitos, 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 10º, 11º, e 12º, e como provada a matéria de facto consignada nos quesitos 14.º, 21º, 25.º, 26.º, 27.º, e 28.º, da elaborada base instrutória?
(4) Considerando a facticidade demonstrada, a subsunção jurídica da mesma, deverá ser diversa da sentenciada?

II. 2. Da Matéria de Facto

Em 1ª Instância foi fixada a seguinte matéria de facto:

A - Consta do escrito junto a fls. 19 A 21, denominado “CONTRATO DE ARRENDAMENTO “, datado de 8/06/2009, que:
“1º. - 0 CONSELHO DIRECTIVO DE BALDIOS C… com o NIPC N° ……… com sede em …, Freguesia …, aqui O CEDENTE é representante do Órgão supra citado, dono e legítimo possuidor de toda a área baldia, integrante do domínio comunitário do baldio C…, legalmente Representado pelo seu Presidente, G…, casada, portador do Cartão de Cidadão nº …….., com a mesma residência profissional, adiante designado por cedente e 2º. – B…, portador do B.I. nº ……. e com o NIF nº ………, com a residência profissional em …, …, adiante designado por BENEFICIÁRIO, é celebrado e reciprocamente aceite o presente contrato de arrendamento da área de baldio C… exclusivamente para a alimentação de um apiário, o qual se rege nos termos e condições constantes das seguintes cláusulas:
CLÁUSULA PRIMEIRA
O CEDENTE é representante do Órgão supra citado, dono e legítimo possuidor de toda a área baldia, integrante do domínio comunitário do baldio C….
O BENEFICIÁRIO possui uma parcela de terreno privada de 224,80 m2, encravada nos Baldios C…, devidamente identificada em carta militar, e que se anexa a este contracto, confrontando a nascente com a estrada que liga a Povoação … a norte e sul com terrenos baldios C… e no qual pretende instalar um apiário.
CLÁUSULA SEGUNDA
1. Pelo presente contrato, o CEDENTE cede ao BENEFICIÁRIO, em regime de arrendamento o espaço do baldio necessário à alimentação de um apiário devidamente legalizado nos termos da Lei em vigor, com um número de colmeias que não pode ascender a mais de 100. Instalado na parcela privada já identificada na cláusula anterior. A área de alimentação do respectivo apiário, faz-se no baldio, mediante o pagamento de 300 (trezentos) euros ano, no acto de assinatura do contracto e em iguais anuidades, no respectivo mês da assinatura até ao seu limite.
2. O contrato de arrendamento tem início e produz efeitos a partir da data da sua celebração.
CLÁUSULA TERCEIRA
1. O Contrato tem a duração de 5 (anos), podendo vir a ser sucessivamente renovados, mediante acordo de ambas as partes. 2. O CEDENTE pode denunciar o contrato em qualquer altura, desde que, comprovada e supervenientemente, se mostrem alterados os pressupostos de facto que fundamentaram o presente contrato, nomeadamente por alteração das finalidades a que o objecto deste contrato se destina.
3. O BENEFICIÁRIO pode denunciar o contrato a todo o tempo, desde que comunique tal facto, por escrito, com aviso de recepção remetido ao CEDENTE, com uma antecedência mínima de dois meses relativamente à data do termo do prazo ou da sua renovação.
CLÁUSULA QUARTA
Durante o período de vigência do contrato, o BENEFICIÁRIO não pode construir na área baldia C…, qualquer infra-estrutura de carácter duradouro, nem utilizar os terrenos comunitários que para este efeito destinam-se exclusivamente a servir de suporte natural ao livre exercício na alimentação apícola. Sendo manifestamente proibido ao beneficiário utilizar ou fruir qualquer outro recurso do baldio que não o obtido naturalmente pelas abelhas para a sua alimentação.
CLÁUSULA QUINTA
O CEDENTE encontra-se devidamente autorizado pela Assembleia de Compartes para a celebração do presente contrato para as finalidades a que se destina.
CLÁUSULA SEXTA
As partes prescindem reciprocamente do reconhecimento notarial das suas assinaturas.
CLÁUSULA SÉTIMA
Ao presente contrato aplica-se, em tudo o que nele não estiver expressamente previsto, o regime estabelecido nos artigos 1129.° a 1141º do Código Civil.
CLÁUSULA OITAVA
1. Ambos os outorgantes procurarão resolver pela via negocial e de boa fá as questões que possam decorrer da execução ou da interpretação do presente contrato.
2. Qualquer diferendo ou dúvida quanto à interpretação ou à aplicação deste contrato serão, na falta de acordo entre os outorgantes, dirimidas pelo Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, com expressa renúncia a qualquer outro foro. (…)” – alínea A) dos factos assentes.
B - O autor é legítimo administrador dos terrenos de baldio C…, freguesia de …, Vila Real – alínea B) dos factos assentes.
C - O primeiro réu é apicultor e detentor do número de produtor …… – alínea C) dos factos assentes.
D - O réu não pagou a anuidade respeitante a Junho de 2010 – alínea D) dos factos assentes.
E - Sob o artigo 2107 da freguesia …, Vila Real, encontra-se inscrito a favor do Conselho Directivo de Baldios – C…, o prédio rústico com a área de 247200, localizado em … e …, com as seguintes confrontações:
norte – S… – T…;
nascente – U… e Outros;
sul – V…;
poente – W… – alínea E) dos factos assentes.
F - O réu enviou ao autor, e este recebeu, a carta datada de 5/04/2010, junta aos autos a fls. 61 a 63, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido - alínea F) dos factos assentes.
G - A área de terreno com a área de 2.583,20, que confronta de todos os lados com baldio, sita no local denominado por N… está integrada no logradouro comum dos compartes de C… – resposta ao artigo 1º da base instrutória.
H - Tal trato de terreno sempre foi fruído livremente pelos compartes de C…, sem divisão de parte ou direito – resposta ao artigo 2º da base instrutória.
I - … que nele apascentaram e apascentam os seus gados, cortam mato, lenha e madeira e que por ele circulam livremente – resposta ao artigo 3º da base instrutória.
J - … sem oposição de ninguém, quer nos trabalhos agrícolas quer na caça, aproveitando em comum todas as suas utilidade – resposta ao artigo 4º da base instrutória.
L - … de forma pública, à vista de toda a gente, pacífica, sem oposição de quem quer que fosse – resposta ao artigo 5º da base instrutória.
M - … ininterruptamente, de boa fé, convictos de que lhes pertence em comum, exercitando tais direitos na convicção de serem próprios sem com isso lesarem interesses alheios – resposta ao artigo 6º da base instrutória.
N - O terreno de que o réu é proprietário, identificado na Cláusula Primeira do contrato referido em A), apresentava forma circular e está limitado por um muro em pedra em torno de uma árvore que ainda hoje existe no local – resposta ao artigo 7º da base instrutória.
O - O Réu procedeu ao derrubamento do muro que limita o seu terreno – resposta ao artigo 8º da base instrutória.
P - … destruiu a camada vegetal existente, composta por carqueja, urze, alguns pinheiros de pequena e média dimensão – resposta ao artigo 9º da base instrutória.
Q - … alargou o limite da sua propriedade para o baldio, limitando-a com postes em cimento e rede de ferro – resposta ao artigo 10º da base instrutória.
R … ocupando de início uma área de 1.540,50 m2 – resposta ao artigo 12º da base instrutória.
S - Avançou ainda para lá dessa vedação destruindo em torno dela a camada vegetal existente, ocupando atualmente a área de 2.583,20 referida em G. – resposta ao artigo 12º da base instrutória. T - O réu enviou ao autor a carta datada de 7 de Abril de 2010, com o seguinte teor:
“Resolução do Contrato de Arrendamento Florestal. B… identificado como 2º outorgante no CONTRATO DE ARRENDAMENTO FLORESTAL do BALDIO C…, celebrado em 16 de Junho de 2009 em que V.Exªs. figuram como 1º outorgante, uma vez que reagira, com ameaças e insultos à comunicação que vos foi entregue em 5 de Abril último, e dado ter-se quebrado a confiança entre as partes e estar perfeitamente convicto que V.Exªs. têm actuado de má fé, fazendo orelhas moucas a tudo, vem por este meio e no estritamente estipulado na CLÁUSULA TERCEIRA no seu nº 3 do contrato em causa, e no previsto nos artigos 432º e 436º do C.C. RESOLVER DO CONTRATO celebrado com V.Exªs em 16 de Junho de 2009, com os fundamentos invocados na comunicação de 5 de Abril. Queiram, V.Exª nos termos do artigo 433º e 434º, nº.1 do C.C. proceder à devolução das importâncias recebidas (…) – resposta ao artigo 13º da base instrutória.
U - Na área referida na cláusula primeira do escrito mencionado em A. já existia um apiário desde há um número de anos que em concreto não foi possível apurar – resposta ao artigo 15º da base instrutória.
V - O Réu explora o apiário desde Março de 2009 – resposta ao artigo 16º da base instrutória.
X - Sendo a apicultura uma actividade que envolve animais perigosos, o réu foi obrigado a delimitar o espaço com rede e postes para evitar que pessoas e animais entrassem nesse espaço – resposta ao artigo 17º da base instrutória.
Z - Essa vedação é anterior à data do celebração do contrato referido em A. – resposta ao artigo 18º da base instrutória.
AA - O autor, aquando da celebração do contrato referido em A., tinha conhecimento da existência do apiário e da vedação – resposta ao artigo 19º da base instrutória.
AB - Essa vedação não tem carácter duradouro, sendo facilmente removível – resposta ao artigo 20º da base instrutória.
AC - No local existia uma lixeira – resposta ao artigo 22º da base instrutória.
AD - O autor jamais providenciou pela limpeza e remoção do lixo – resposta ao artigo 23º da base instrutória, explore.”
AF - O local continuou a ser utilizado por pastores que ali deixavam o seu gado apascentar – resposta ao artigo 24º da base instrutória.

II. 3. Do Direito

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do Recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - artºs. 635º, 639º e 663º, todos do Novo Código Processo Civil “ex vi” artºs. 5º, e 7º da Lei n.º 41/2013 de 26 de Junho.

II. 3.1. O presente processo está ferido de nulidade, por falta de representação do “Secretariado dos Baldios E…”, e consequente não constituição de advogado nos termos da lei adjectiva civil? (1)
Cotejado o objecto do recurso (e se bem entendemos esta particular questão trazida à discussão), determinará o mesmo que se aprecie os requisitos de que depende dever o juiz proferir decisão sobre o mérito da causa (concedendo ou denegando a providência judiciária requerida pelo demandante), ou seja, leva-nos a cuidar do enquadramento jurídico que atende aos comummente designados pressupostos processuais, mais concretamente, à capacidade judiciária, enquanto pressuposto processual positivo e que respeita ao processo no seu todo, de tal sorte que, na sua falta, o juiz só pode e deve declarar isso mesmo, abstendo-se de estatuir sobre o mérito do pleito trazido a Juízo.
Nos termos da lei adjectiva civil (artº. 15º nºs. 1 e 2, do Novo Código Processo Civil que reproduz sem alterações o artº. 9º nºs. 1 e 2 do anterior Código Processo Civil) a capacidade judiciária consiste na susceptibilidade de estar, por si, em juízo, tendo por base e por medida a capacidade do exercício de direitos. Trata-se, pois, de uma qualidade intrínseca, natural da pessoa, que se traduz no plano jurídico processual na possibilidade de exercitar validamente por si própria os direitos processuais respectivos, neste sentido, Anselmo de Castro, apud, Direito Processual Civil Declaratório, edição de 1982, Volume II, página 111.
O critério fixado na lei adjectiva civil para se apurar da capacidade judiciária tem por base, e por medida, a capacidade de exercício, significando, designadamente, que têm plena capacidade judiciária as pessoas, singulares ou colectivas que possuam integral capacidade de exercício de direitos, sabendo-se que relativamente às pessoas colectivas, importa sempre ter em conta a ligeira limitação que, através do principio mitigado da especialidade, o direito substantivo civil estabelece quanto à capacidade de gozo de direitos (artº. 160º do Código Civil).
Para que o Tribunal possa apreciar a pretensão jurídica deduzida, não basta que as partes tenham personalidade judiciária, sendo necessário possuir também capacidade judiciária ou que, não a possuindo se encontrem devidamente representadas ou autorizadas, sendo que, atendendo ao caso “sub iudice” relativamente às entidades que, não sendo pessoas singulares, gozam de personalidade e de capacidade judiciárias, importando saber por intermédio de que pessoas físicas podem elas estar em Juízo, no limite, quem as representa na acção.
Neste particular, o direito adjectivo civil estatui que a representação far-se-á por quem a lei, os estatutos ou o pacto social designarem, e segundo esta enunciada escala hierárquica de designação, neste sentido, Antunes Varela e outros, apud, Manual de Processo Civil, 2ª edição, Revista e actualizada, páginas 117 a 121.
Importa, pois, referenciar a estrutura básica do regime dos baldios.
Com consagração constitucional, os Baldios são considerados meios de produção comunitários, possuídos e geridos por comunidades locais, integrando, a par dos sectores público e privado, o sector cooperativo e social – artº. 82º, nºs. 1, a 4, alínea b), da Constituição da República Portuguesa, sendo qualificados como terrenos possuídos e geridos por comunidades locais, isto é, o universo dos compartes, ou seja, os moradores de uma ou mais freguesias ou parte delas que, segundo os usos e costumes, têm direito ao seu uso e fruição, conforme estabelecido no artº 1º da Lei nº. 68/93, de 4 de Setembro (Lei dos Baldios).
Nos termos da enunciada Lei nº. 68/93, de 4 de Setembro, o respectivo artº. 3º, ao prevenir sobre as finalidades dos baldios, estabelece que estes constituem, em regra, logradouro comum, designadamente para apascentação de gados, de recolha de lenhas ou de matos, de culturas e outras fruições, nomeadamente de natureza agrícola, silvícola, silvo - pastoril ou apícola.
A sua posse e gestão comunitárias significam que as comunidades locais, enquanto comunidades de habitantes, são titulares em comum dos direitos de gozo, de uso e de domínio dos meios de produção comunitários.
Não sendo bens pertencentes a entidades públicas nem a entidades privadas, importa concluir que se trata de uma terceira espécie de propriedade, encabeçada nas referidas comunidades locais, estatuindo a consignada Lei dos Baldios, nos respectivos artºs. 4º, e 5º sobre os actos ou negócios jurídicos de apropriação ou apossamento e respectivo uso e fruição dos terrenos que constituem o baldio.
Por outro lado, temos que os baldios são administrados, por direito próprio, pelos respectivos compartes, nos termos dos usos e costumes aplicáveis, ou, na sua falta, através de órgão ou órgãos democraticamente eleitos, sendo que as comunidades locais organizam-se, para o exercício dos actos de representação, disposição, gestão e fiscalização relativos aos baldios, através de uma assembleia de compartes, um conselho directivo e uma comissão de fiscalização (artº. 11º, nºs. 1 e 2 da Lei nº. 68/93, de 4 de Setembro)
Como decorre da Lei dos Baldios, o Conselho Directivo, é um dos órgãos da comunidade local que administra os baldios, estabelecendo o artº. 21º, da Lei nº. 68/93, de 4 de Setembro, na sua alínea h), que compete ao Conselho Directivo “recorrer a juízo e constituir mandatário para a defesa dos direitos ou interesses legítimos da comunidade relativos ao correspondente baldio e submeter estes actos à ratificação da assembleia dos compartes”.
Daqui decorre que o Conselho Directivo é um órgão da comunidade dos compartes ou comunidade local para a administração dos baldios, cabendo-lhe funções executivas, nas quais se incluem as de recorrer a juízo em defesa dos direitos e interesses citados e de representar o universo dos compartes, nos termos e para os efeitos do prevenido na alínea i) do citado artº. 21º, da Lei nº. 68/93, de 4 de Setembro.
Da enunciação dos diversos preceitos da Lei dos Baldios, concluímos com facilidade que a personalidade judiciária será sempre a da comunidade local estabelecida em Assembleia de Compartes, em cujo nome e interesse actua o respectivo Conselho Directivo, sendo inquestionável que a comunidade de compartes só pode estar em juízo através dos seus órgãos, em particular representada pelo Conselho Directivo, a quem incumbe declaradamente essa função.
A este propósito e reforçando o entendimento perfilhado, damos nota da defesa de Jaime Gralheiro, apud, Comentário à Nova Lei dos Baldios, Almedina, 2002, pagina 156, ao sustentar que “o Conselho Directivo é uma emanação da Assembleia de Compartes; o seu órgão executivo”.
É, pois, ao Conselho Directivo que cabe intentar as pertinentes acções em Juízo, em representação e em nome da comunidade ou, no dizer da lei, e sublinhamos “recorrer a juízo e constituir mandatário para a defesa dos direitos ou interesses legítimos da comunidade relativos ao correspondente baldio”, carecendo, porém, tais actos, de ratificação da Assembleia de compartes, conforme dispõe a alínea h) do artº. 21º, da Lei 68/93, de 4 de Setembro, ratificação esta, aliás, tão pouco questionada pelo Apelante, neste caso que somos chamados a conhecer.
Concluímos, pois, que dada a natureza jurídica dos baldios, divisamos que no caso “sub iudice” está salvaguardada a representação legal da comunidade, através do respectivo Conselho Directivo, não fazendo sentido o pugnado pelo Réu/Recorrente ao argumentar que o presente processo está ferido de nulidade, por falta de representação do “Secretariado dos Baldios E…”, e, consequentemente, a não constituição de advogado nos termos da lei adjectiva civil.
Sem deixarmos de assegurar que a personalidade judiciária pertence à pessoa colectiva Comunidade local erigida em Assembleia de Compartes, não sofre qualquer contestação que, neste caso, a capacidade judiciária pertence ao ora Autor/Conselho Directivo de Baldios C…, podendo/devendo, estar e agir em Juízo, em representação e em nome da comunidade, para a defesa dos direitos ou interesses legítimos relativos aos Baldios C….
Soçobra, assim, neste particular, a argumentação esgrimida pelo Apelante/Réu/B….

II. 3.2. O despacho proferido pelo Tribunal “a quo” que apreciou e indeferiu a reclamação apresentada quanto à selecção da matéria de facto dada como assente, pela omissão de factos, e quanto à selecção da matéria de facto controvertida, incluída na base instrutória, também por omissão, deverá ser reparado e, consequentemente, ter-se como assente a matéria de facto compreendida nos artigos 15.º e 16.º da contestação apresentada pelo Recorrente, outrossim, o Tribunal recorrido não poderá deixar de incluir na selecção dos factos controvertidos, a enunciar na base instrutória, a materialidade articulada na contestação, concretamente, nos artigos 12.º, 18.º, 19.º, 20.º, 28.º, 29.º, 30.º, 63.º, a 68.º, 73.º, 76.º e 82.º? (2)
Como questão prévia à apreciação deste particular assunto, suscitado no recurso apresentado pelo Réu, não deixaremos de tecer breves notas no sentido de se apurar se este Tribunal “ad quem” deve conhecer desta especifica questão retirada das alegações de recurso, na parte em que incidiu sobre o despacho que indeferiu a reclamação apresentada contra a matéria de facto assente e controvertida constante da elaborada base instrutória, cuja apreciação por este Tribunal de recurso, na opinião do Recorrido, não devia ter lugar, porquanto segundo alega, e passamos a citar, “O Réu reclamou da selecção da matéria de facto, reclamação essa que foi indeferida em despacho próprio e do qual não houve recurso em tempo próprio, razão pela qual lhe ficou precludido o direito de recorrer desta matéria. Não obstante ninguém lhe coarctou o direito de apresentar a prova que entendeu.”
Atentemos.
O Réu, em conformidade com o estatuído no artº. 511º, nº. 2, do anterior Código do Processo Civil, veio reclamar dos seleccionados factos assentes e controvertidos, sustentando que, ao dar-se como assente a facticidade da alínea E) dos factos assentes, deveria ter-se dado como assente os artºs. 15.º, e 16.º da contestação apresentada, enquanto facticidade que foi provada documentalmente, e aceite pelo Autor, a par de que o Tribunal “a quo”, ao não incluir na elaborada base instrutória, os factos articulados na contestação nos artigos 12.º, 18.º, 19.º 20.º, 28.º, 29.º, 30.º, 63.º, a 68.º, 73.º, 76, 82.º, colocou o Réu numa situação de desvantagem, tendo este, em consequência, ficado com os seus direitos manietados e em clara desigualdade, ofendendo, assim, esta decisão, o principio do contraditório.
Acontece que na decisão que apreciou a reclamação à selecção da matéria de facto, o Tribunal “a quo” entendeu ser irrelevante para a decisão da causa, os factos pretensamente a considerar como assentes, bem como, aqueloutros, devidamente enunciados, a levar à base instrutória, enquanto factos controvertidos, consignando na oportunidade:
“Nos presentes autos vieram os Réus reclamar da selecção da matéria de facto assente e controvertida alegando nos termos vertidos a fls. 113 a 117 dos autos.
Notificado, o Autor veio pugnar pelo indeferimento da reclamação apresentada.
Cumpre apreciar e decidir:
Analisados os autos e, em concreto o pedido e a causa de pedir da acção e da reconvenção, tendo ainda em conta o ónus de prova de cada uma das partes e a alegação meramente conclusiva ou de direito, conclui-se inexistir fundamento para a pretendida reclamação da selecção da matéria de facto assente e controvertida.
Nestes termos, indefere-se a reclamação apresentada.
Notifique”
Concluindo, assim, pelo indeferimento da reclamação apresentada pelo Réu, o Tribunal “a quo” manteve, sem qualquer alteração, a seleccionada matéria de facto assente e controvertida.
Reconhecemos que o despacho proferido sobre as reclamações, tal como resulta do estabelecido no artº. 511º, nº. 3, do anterior Código Processo Civil, aplicável, apenas pode ser impugnado no recurso interposto da decisão final, donde, a decisão que o Tribunal profere sobre as reclamações não pode ser objecto de recurso autónomo, porém, uma vez interposto recurso da decisão final, as alegações que aí sejam produzidas, podem incluir a sua impugnação, neste sentido, Lebre de Freitas e outros, apud, Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 2ª edição, página 414.
Daqui decorre que o Réu, inconformado com a decisão que apreciou a reclamação apresentada ao abrigo do citado artº. 511º, nº. 2, do anterior Código Processo Civil, pode impugná-la no recurso que interpôs da decisão final.
Pelo exposto, tomando em consideração o regime que inequivocamente decorre do nº. 3, do artº. 511º, do anterior Código Processo Civil, aplicável ao caso “sub iudice”, não deixaremos de conhecer do recurso interposto, na parte em que com o mesmo se visa a impugnação do despacho que indeferiu a reclamação apresentada pelo Réu, o que seguida faremos.
Sublinhamos que, discorda o Réu/Recorrente da matéria de facto seleccionada, porquanto, ao ter-se dado como matéria assente, a facticidade constante da alínea E) dos factos assentes, retirada da certidão de fls. 23 dos autos, deveria ter-se dado como matéria de facto assente os artigos 15.º e 16.º da contestação apresentada, enquanto facticidade que foi provada documentalmente, e aceite pelo Autor, a par de que o Tribunal “a quo”, ao não incluir na elaborada base instrutória, os factos articulados na contestação nos artºs. 12.º, 18.º, 19.º, 20.º, 28.º, 29.º, 30.º, 63.º, a 68.º, 73.º, 75.º a 82.º, colocou o Réu numa situação de evidente desvantagem, ofendendo, a decisão, o princípio do contraditório.
Vejamos se assiste razão ao Reclamante/Réu/Recorrente.
Quanto à sustentada omissão de selecção de matéria de facto dada como assente, alega o Réu na contestação, não só que “o Baldio C… representa uma área de terreno sito em … ou … que confronta de Norte com S…, Nascente U… e outros, Sul V… e Poente W….” [artº.15.º], mas também que “Do Código de Posturas da Junta de Freguesia … de 20 de Dezembro de 1942, delimita o Baldio C… da seguinte forma: “Pertencem única e exclusivamente ao povo de … o monte baldio chamado P…, o qual começa a … e vai pelo norte confrontar com as bouças da O… até às N…, e daí segue pelo rego da água ao moinho da Capela, Ribeiro a baixo até …, donde a confrontar com prédios dos irmãos de X…, vai até ao …” [art.º 16.º], factos que alegadamente são importantes, quer para aferir da legitimidade do Autor, para a presente acção, quer para celebrar o contrato objecto da presente lide, devendo, por via disso, corrigir-se essa omissão, fazendo constar ambos os factos como assentes.
Quanto à invocada omissão da selecção da matéria de facto incluída na base instrutória, alega o Réu haver deficiência na selecção da matéria de facto controvertida.
Assim, alega o Reclamante que, decidindo o Tribunal pela legitimidade da Ré/D…, não fez constar nenhum facto, fosse na Matéria de Facto Assente, fosse na Base Instrutória que permita tal julgamento. E, alegado que se mostra (Réplica – artº. 2.º) que ambos os Réus, são casados entre si, deve o Tribunal fazer constar da Base Instrutória um quesito com o seguinte texto: “A R. D… é casada com o R. B…, em comunhão de adquiridos e o objecto do pleito respeita a factos ocorridos na constância do matrimónio?”
Por outro lado, estão invocados factos que, alegadamente, se revelam fundamentais para a descoberta da verdade material mas que, não obstante, não se mostram incluídos na Base Instrutória, como sucede com os factos alegados nos art.ºs 12.º, 18.º, 19.º, 20.º, 28.º, 29.º, 63.º a 68.º, 73.º, 75.º a 82.º da Contestação
Termos em que, conclui o Reclamante:
Deveria constar da selecção da Matéria Assente os seguintes factos:
“G) O Baldio C… representa uma área de terreno sito em … ou … que confronta de Norte com S…, Nascente U… e outros, Sul V… e Poente W….
H) “Do Código de Posturas da Junta de Freguesia … de 20 de Dezembro de 1942, delimita o Baldio C… da seguinte forma: “Pertencem única e exclusivamente ao povo de … o monte baldio chamado P…, o qual começa a … e vai pelo norte confrontar com as bouças da O… até às N…, e daí segue pelo rego da água ao moinho da Capela, Ribeiro a baixo até …, donde a confrontar com prédios dos irmãos de X…, vai até ao ….”
Deveria constar da selecção da Base Instrutória os seguintes quesitos:
“35º O R. B… foi pressionado a assinar contrato com aquele Conselho Directivo, para evitar “problemas maiores”?
36º O limite do baldio, tal como se mostra descrito no Código das Posturas, situa-se a mais de 1.000 metros de distância do apiário?
37º Os artigos 2.108 e 2.109, que partem com o prédio baldio da A. ficam longe do apiário, entre um e outro e não chegam, nem de perto, a confrontar com este ou os terrenos envolventes?
38º A A. a entidade não é entidade competente para a gestão daquelas áreas de terreno?
39º O R. enviou à A. com data de 5 de Abril de 2010 a carta que se mostra junta aos autos a fls… (doc. n.º 1 da contestação) na qual lhe dava conta que não a reconhecia como proprietária?
40º A parcela de terreno que surge nas fotografias é, em grande parte do A. e no que resta da Paróquia …?
41º Sempre utilizada, em exclusivo, pela população de …?
42º A caça é proibida no local?
43º Atento o que consta dos quesitos 40 e 41 o R. pagou à Paróquia …, na pessoa da Sr.ª F…, 500€ para poder instalar a rede protectora nos moldes em que aquela já se encontrava no local?
44º A citada F… era ainda, à data dos factos, a Presidente da Assembleia da A?
45º Sabia a A, estar a celebrar um contrato e a receber as rendas a que não tinha nem tem direito?
46º A limpeza feita à volta da rede, que não foi feita pelo R., teve como único fim evitar que um incêndio destruísse por completo o apiário?
47º A demanda a Ré D… que viu-se obrigada a contratar Advogado a quem pagará os honorários devidos com o trabalho deste, bem como terá de pagar metade das custas inerentes à contestação?
48º A A. propõe acção para a qual sabe não ter legitimidade visto que a parcela de terreno do A. tem mais do que os 224,80m2 de área e a restante área não é dos baldios C…?
49º A A. peticiona o pagamento de rendas e indemnizações sobre parcelas de propriedade que sabe não são suas?
50º Foi a própria Presidente da Assembleia quem, na qualidade de Governanta da Paróquia, recebeu o valor pago pela autorização de instalação da rede melhor identificada nos autos?
51º A A. deturpa consciente e grosseiramente factos que lhe são pessoais com o único objectivo de lograr um resultado a que sabe não tem direito?
52º Não contente em reclamar a entrega de uma parcela de terreno que não é dela, pede rendas e indemnizações a que sabe, não tem direito?
53º Pede a resolução de um contrato que há mais de 17 meses estava resolvido?
54º Indica como causa da resolução a ocupação abusiva e não autorizada de uma área de terreno com a construção de infraestruturas, todas elas anteriores à da outorga do próprio contrato de arrendamento?
55º Factos que também lhe são pessoais e dos quais tem conhecimento?”
Estabelece o artº. 511º, do anterior Código Processo Civil, aplicável à particular questão em apreço, que o juiz, ao fixar a base instrutória, selecciona a matéria de facto relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, que deva considerar-se controvertida.
Assim, quer na selecção dos factos assentes, quer na selecção dos factos controvertidos, o juiz deve ter em conta todos os factos relevantes segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito e não apenas os factos que relevam para a solução da questão de direito que tem como aplicável.
A este propósito, a Doutrina defende que o Tribunal “deve respeitar, tanto quanto possível, as várias soluções prováveis ou verosímeis da questão de direito, caso o enquadramento jurídico do litígio suscite mais do que uma solução jurídico -dogmática”, neste sentido, Remédio Marques, apud, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 3.ª Edição, página 548, e ainda, no mesmo sentido, Teixeira de Sousa, apud, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, páginas 310/311, ao sustentar que “ao tribunal da causa não cabe, no momento da selecção dos factos relevantes, antecipar qualquer solução jurídica e, menos ainda, excluir daquela escolha os factos que não forem relevantes segundo esse enquadramento”.
A selecção da matéria alegada pelas partes deve permitir a discussão ampla da matéria de facto, com o desiderato confesso, de possibilitar para o caso trazido a Juízo, tal como resulta do julgamento de facto, uma solução de direito aberta a todas as questão de direito que se mostrem legalmente plausíveis, não devendo nem podendo restringir a discussão a uma única solução da questão de direito.
Assim, aquando da condensação, com consignação expressa da matéria alegada, o Tribunal não poderá deixar de observar, não só as regras gerais do ónus da prova, mas também recorrer aos factos concretos e aos juízos de facto que suportem a factualidade relevante para o desfecho da acção, de preferência com a respectiva subordinação a uma sequência temático – cronológica - tanto na enunciação dos factos adquiridos (por comprovação documental ou pelo acordo das partes em matéria disponível), quanto na consignação dos factos controvertidos da base instrutória.
No caso “sub iudice” divisamos, e desde já podemos adiantar, que na selecção da facticidade (assente e controvertida) relevante para a boa decisão da causa, o Tribunal “a quo” foi criterioso, sendo notório, não só o respeito pelas regras do ónus da prova, mas também a preocupação em formular os quesitos isentos de complexidade, evitando, outrossim, a inclusão de matéria conclusiva ou de direito, a ter sempre em consideração dando satisfação à melhor ortodoxia processual prevenida no direito adjectivo civil, e, nesta medida, bem andou o Tribunal apelado, ao indeferir a reclamação à consignada selecção da matéria de facto.
Cotejada a reclamação deduzida à registada selecção da matéria de facto, constatamos que o Reclamante/Réu pretendia a formulação de quesitos onde a respectiva materialidade, somente por documento autêntico é que podia ser demonstrada, nomeadamente, ao sustentar a elaboração de quesitos com o seguinte teor “A R. D... é casada com o R. B…, em comunhão de adquiridos e o objecto do pleito respeita a factos ocorridos na constância do matrimónio?”; “A caça é proibida no local?”; “A citada F… era ainda, à data dos factos, a Presidente da Assembleia da A?”, a par de que muitos outros quesitos, pretensamente a formular, encerram facticidade manifestamente conclusiva, como são os casos reclamados, a seguir enunciados “O R. B… foi pressionado a assinar contrato com aquele Conselho Directivo, para evitar “problemas maiores”?”; “Os artigos 2.108 e 2.109, que partem com o prédio baldio da A. ficam longe do apiário, entre um e outro e não chegam, nem de perto, a confrontar com este ou os terrenos envolventes?”; “A A. a entidade não é entidade competente para a gestão daquelas áreas de terreno?”; “A parcela de terreno que surge nas fotografias é, em grande parte do A. e no que resta da Paróquia …?; “Sempre utilizada, em exclusivo, pela população de …?”; “Sabia a A, estar a celebrar um contrato e a receber as rendas a que não tinha nem tem direito?”; “A A. peticiona o pagamento de rendas e indemnizações sobre parcelas de propriedade que sabe não são suas?”; “A A. deturpa consciente e grosseiramente factos que lhe são pessoais com o único objectivo de lograr um resultado a que sabe não tem direito?”; “Não contente em reclamar a entrega de uma parcela de terreno que não é dela, pede rendas e indemnizações a que sabe, não tem direito?”, ou os factos, supostamente, a quesitar, são claramente, irrelevantes para o desfecho do pleito, como “O limite do baldio, tal como se mostra descrito no Código das Posturas, situa-se a mais de 1.000 metros de distância do apiário?”; “O R. enviou à A. com data de 5 de Abril de 2010 a carta que se mostra junta aos autos a fls… (doc. n.º 1 da contestação) na qual lhe dava conta que não a reconhecia como proprietária?”; “Atento o que consta dos quesitos 40 e 41 o R. pagou à Paróquia …, na pessoa da Sr.ª F…, 500€ para poder instalar a rede protectora nos moldes em que aquela já se encontrava no local?”; “A limpeza feita à volta da rede, que não foi feita pelo R., teve como único fim evitar que um incêndio destruísse por completo o apiário?”; “A A. propõe acção para a qual sabe não ter legitimidade visto que a parcela de terreno do A. tem mais do que os 224,80m2 de área e a restante área não é dos baldios C…?”; “Foi a própria Presidente da Assembleia quem, na qualidade de Governanta da Paróquia, recebeu o valor pago pela autorização de instalação da rede melhor identificada nos autos?”; “Pede a resolução de um contrato que há mais de 17 meses estava resolvido?”; “Indica como causa da resolução a ocupação abusiva e não autorizada de uma área de terreno com a construção de infraestruturas, todas elas anteriores à da outorga do próprio contrato de arrendamento?”; “Factos que também lhe são pessoais e dos quais tem conhecimento?”, ou ainda, pretensamente a quesitar, facticidade, visivelmente notória, como “A demanda a Ré D… que viu-se obrigada a contratar Advogado a quem pagará os honorários devidos com o trabalho deste, bem como terá de pagar metade das custas inerentes à contestação?”.
Ademais, quanto à materialidade, alegadamente, a constar da selecção dos Factos Assentes, qual seja, “O Baldio C… representa uma área de terreno sito em … ou … que confronta de Norte com S…, Nascente U… e outros, Sul V… e Poente W….”; e “Do Código de Posturas da Junta de Freguesia … de 20 de Dezembro de 1942, delimita o Baldio C… da seguinte forma: “Pertencem única e exclusivamente ao povo de … o monte baldio chamado P…, o qual começa a … e vai pelo norte confrontar com as bouças da O… até às N…, e daí segue pelo rego da água ao moinho da Capela, Ribeiro a baixo até …, donde a confrontar com prédios dos irmãos de X…, vai até ao …”, divisamos estar a mesma prejudicada, face ao consignado na alínea E) dos Factos Assentes, e quesitos 1º, 2º, 3º, 4º, 5º e 6º da elaborada Base Instrutória, ou seja, “Sob o artigo 2107 da freguesia …, Vila Real, encontra-se inscrito a favor do Conselho Directivo de Baldios – C…, o prédio rústico com a área de 24,7200, localizado em … e …, com as seguintes confrontações: norte – S… – T…; nascente – U… e Outros; sul – V…; poente – W… – alínea E) dos factos assentes.”; “A área de terreno com a área de 2.583,20, que confronta de todos os lados com baldio, sita no local denominado por N… está integrada no logradouro comum dos compartes de C…? Quesito 1º da base instrutória.”; “Tal trato de terreno sempre foi fruído livremente pelos compartes de C…, sem divisão de parte ou direito?” Quesito 2º da base instrutória.”; “… que nele apascentaram e apascentam os seus gados, cortam mato, lenha e madeira e que por ele circulam livremente? Quesito 3º da base instrutória.”; “… sem oposição de ninguém, quer nos trabalhos agrícolas quer na caça, aproveitando em comum, todas as suas utilidades? Quesito 4º da base instrutória.”; “… de forma pública, à vista de toda a gente, pacífica, sem oposição de quem quer que fosse? Quesito 5º da base instrutória.”; “… ininterruptamente, de boa fé, convictos de que lhes pertence em comum, exercitando tais direitos na convicção de serem próprios sem com isso lesarem interesses alheios? Quesito 6º da base instrutória.”
Daqui decorre não merecer qualquer censura a decisão do Tribunal recorrido que indeferiu a reclamação apresentada pelo Réu, quanto à selecção dos factos assentes e controvertidos, consignados na elaborada base instrutória.
Pelo exposto, este Tribunal “ad quem” ao conhecer deste recurso, na parte em que com o mesmo se visa a impugnação do despacho que indeferiu a reclamação apresentada pelo Réu, conclui pela manutenção da decisão apelada.

II. 3.3. Há fundamento para alterar a decisão da matéria de facto, nomeadamente, considerar-se não provada a factualidade constante dos quesitos, 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 10º, 11º, e 12º, e como provada a matéria de facto consignada nos quesitos 14.º, 21º, 25.º, 26.º, 27.º, e 28.º, da elaborada base instrutória? (3)
O Recorrente/B… pede a reapreciação da decisão da matéria de facto, na medida em que entende que da conjugação da prova produzida, a solução da matéria de facto haveria de ser diferente da consignada no aresto sob recurso.
O Apelante/B… ao questionar a decisão sobre a matéria de facto, impõe a análise sobre se há fundamento legal para alterar a decisão sobre a matéria de facto.
Como é sabido, fixada a matéria de facto, através da regra da livre apreciação das provas, com ressalva dos factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, ou aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes, conforme consagrado nos termos do artº. 607º n°. 5, do Novo Código Processo Civil, essa matéria de facto é, em princípio, inalterável.
A decisão da lª Instância sobre a matéria de facto só pode ser alterada pela Relação nos casos previstos no artº. 662º, do Novo Código Processo Civil, ou seja:
1. A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. 2. A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente: a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento; b) Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova; c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta; d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.
Estas constituem as excepções à regra básica da imodificabilidade da decisão de facto proferida na lª Instância.
Neste caso, torna-se meridiano não ser aplicável a previsão contida no n°. 1 (“in fine”), do artº. 662º, do Novo Código Processo Civil, pois não foi apresentado documento novo superveniente, tão pouco os factos assentes impõem decisão diversa, conforme estabelecido no n°. 1, do artº. 662º, do Novo Código Processo Civil.
Tendo ocorrido a gravação dos depoimentos, o Tribunal de recurso tem a prerrogativa de apreciar não só da credibilidade do(s) depoente(s) prestado(s) ou sobre o sentido do(s) respectivo(s) depoimento(s), bem como, conhecer da necessidade da produção de novos meios de prova, caso repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou considere indispensável a ampliação desta, outrossim, apreciar da fundamentação da decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, tendo em conta os depoimentos gravados (concebendo-se que foi cumprido o artº. 640º do Novo Código Processo Civil).
Importa ter presente, e desde já sublinhar que a finalidade do aludido dispositivo da lei adjectiva civil (artº. 662º do Novo Código Processo Civil) é garantir a correcção do apuramento da matéria de facto, sendo que tal possibilidade tem de ser levada a cabo tendo sempre presente, e em momento algum desprezar, as normas jurídicas/processuais atinentes.
A sindicância à convicção do julgador da 1ª Instância, por este Tribunal de recurso, tem de se mostrar adequada, isto é, não poderá permitir, em caso algum, que a mesma se apresenta manifestamente contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos, de tal sorte que possamos afirmar sem reservas que a reapreciação da prova configura, efectivamente, um novo julgamento.
Na verdade, no que tange aos concretos poderes de reapreciação da prova nesta 2ª Instância, dominou, até há algum tempo, uma tese restritiva que sustentava que os Tribunais da Relação não podiam procurar uma nova convicção, antes deviam limitar-se a apreciar se a do julgador “a quo”, vertida nos factos provados e não provados e na fundamentação desse seu juízo valorativo, tinha suporte razoável no que a gravação permitiria percepcionar e em conjugação com os demais elementos probatórios que os autos fornecessem. Ou seja, o Tribunal da Relação teria que cingir a sua actividade (de reapreciação da matéria de facto) ao apuramento da razoabilidade da convicção do julgador da 1ª Instância, reduzindo os poderes de alteração da matéria fáctica às situações que se apresentassem manifestamente contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos, aos casos de flagrante desconformidade com os elementos de prova disponíveis.
Imediatamente antes da entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, ganhou força uma perspectiva mais ampla relativamente à reapreciação da prova, a qual, embora reconheça que a gravação dos depoimentos áudio ou vídeo não consegue traduzir tudo quanto pôde ser observado no tribunal “a quo”, nomeadamente, o modo como as declarações são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória e que existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas são percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia, entende, ainda assim, que na reapreciação da prova, as Relações têm a mesma amplitude de poderes que tem a 1ª Instância, devendo proceder à audição dos depoimentos ou fazer incidir as regras da experiência, como efectiva garantia de um segundo grau de jurisdição.
Quando um Tribunal de 2ª Instância, ao reapreciar a prova, valorando-a de acordo com o princípio da livre convicção, a que também está sujeito, conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, uma convicção segura acerca da existência de erro de julgamento da matéria de facto, deve proceder à modificação da decisão, afirmando os reconhecidos poderes que lhe foram atribuídos enquanto tribunal de instância que garante um segundo grau de jurisdição - neste sentido, Abrantes Geraldes, apud, “Recursos em Processo Civil – Novo Regime”, 2008, págs. 279 a 286; idem, mesmo Autor, in “Reforma dos Recursos em Processo Civil”; Revista Julgar, nº. 4, Janeiro-Abril/2008, págs. 69 a 76; Amâncio Ferreira, apud, “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 2008, pág. 228, e Acórdãos do Venerando Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Novembro de 2008 (Processo 08A3334), de 12 de Março de 2009 (Processo 08B3684), de 28 de Maio de 2009 (Processo 4303/05.0TBTVD.S1), e de 1 de Junho de 2010 (Processo 3003/04.2TVLSB.L1.S1), todos disponíveis in www.dgsi.pt/jstj.
Com a introdução de novas regras sobre o regime legal disciplinador da admissão e reapreciação da prova feita em Juízo ditadas pelo Novo Código Processo Civil continuamos a reconhecer, como suporte essencial do nosso ordenamento jurídico, os princípios da imediação, oralidade e concentração, e da livre apreciação da prova, assumindo-se, inquestionavelmente, como princípios proeminentes na apreciação da matéria de facto, sendo que na reapreciação da prova, as Relações têm a mesma amplitude de poderes que tem a 1ª Instância, devendo proceder à audição dos depoimentos gravados e analisar a documentação apresentada em Juízo, fazendo incidir as regras da experiência, como efectiva garantia de um segundo grau de jurisdição, permitindo-nos sublinhar que a reapreciação da prova deve configurar, e efectivamente configura, um novo julgamento.
Sem deixar de reconhecer que, em regra, a convicção do julgador da 1ª Instância resulta da experiência, prudência e saber deste, sendo certo que é no contacto pessoal e directo com as provas, designadamente, com a testemunhal e no depoimento de parte, que aquelas qualidades de julgador mais são necessárias, pois é com base nelas que determinado depoimento pode ou não convencer quanto à veracidade ou probabilidade dos factos sobre que recai, constituindo uma das manifestações dos princípios da oralidade e da imediação, em razão das quais o julgador tem a possibilidade de se aperceber da frontalidade, lucidez, rigor e firmeza com que os depoimentos são prestados, mesmo do confronto imediato entre os vários depoimentos, do contraditório formado pelos intervenientes, advogados e juízes, do interrogatório do advogado que a apresenta, do contraditório do outro mandatário e das dúvidas do próprio tribunal, não podemos deixar de enfatizar que o Tribunal de recurso tem agora prerrogativas legais que, sem quaisquer reservas, lhe permitem melhor ajuizar e aquilatar da decisão de facto, e, sendo caso disso, ordenar a renovação da produção da prova, ordenar a produção de novos meios de prova, ou mesmo em casos extremos anular a decisão proferida na 1.ª instância, ou determinar que o tribunal de 1.ª instância fundamente a decisão proferida, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.
Importa, ainda, considerar que a Relação deve reapreciar toda a prova produzida e não apenas a indicada pelos recorrentes e que, porventura, lhe seja favorável, obviando a conclusões descontextualizadas.
Dito isto, analisemos a possibilidade de alteração da decisão de facto.
Na decisão sobre a matéria de facto vertida nos autos, o Tribunal “a quo” no que à motivação da respectiva decisão respeita, fez constar:
“A decisão da matéria de facto, no que concerne às respostas que antecedem, resultou da análise da prova produzida e, em concreto, da análise conjugada dos documentos juntos aos autos, da inspeção ao local, do depoimento de parte e dos depoimentos das testemunhas Q…, J…, Y…, Z…, H…, L…, K… e AB… ouvidos em sede de audiência de discussão e julgamento.
Efetivamente, atendeu o Tribunal, desde logo, à factualidade confessada em sede de depoimento de parte.
Por seu turno, do depoimento das testemunhas Q…, J…, Y…, Z…, H…, demonstraram de forma que se mostrou sincera por coerente entre todos, conhecer bem o local em causa nos autos, a utilização que ao mesmo era dada pela população de …. Reportaram-se, ainda, ao apiário antigo que ali existia e que veio a ser vendido ao Réu, às pequenas dimensões desse apiário ao muro que o delimitava e à área, entretanto, ocupada pelo Réu e às alterações efetuadas – colocação de rede e corte da vegetação.
Ao invés e no que concerne à utilização do terreno ora em causa as testemunhas L…, K… e AB…, apresentaram depoimentos com um caracter vago, reportaram-se a primeira e a última testemunha à circunstância de terem ouvido dizer que o local em causa nos autos era da paróquia e a testemunha AB… esclareceu frequentar o local ora em causa desde 2008.
Refira-se, ainda, que o documento a fls. 67 dos autos denominado “Declaração” consubstancia um depoimento por escrito, o qual a lei não admite.
Refira-se ainda ter a prova produzida sido insuficiente para responder positivamente ao vertido nos artigos 14º e 26º a 34º. Na verdade, apesar de no depoimento de parte ter sido inicialmente confessado o recebimento da carta indicada no artigo 13º da base instrutória, após foi tal afirmação corrigida. Por outro lado, resultando dos autos duas cartas e um só aviso de receção não pode o Tribunal concluir a qual das cartas o mesmo se refere. De igual, forma, não foi feita prova nos autos da existência de zonas sem vegetação em virtude do corte de mato e arbustos pelas pessoas que ali se deslocam ou de que se tenha destruído o ecossistema necessários às abelhas ou que isso tenha implicado a morte das abelhas.
Por fim, refira-se que nada de concreto resultou quanto aos montantes despendidos pelo Réu ou aos valores a auferir com a produção de mel. Com efeito, neste âmbito, a testemunha L… reportou-se apenas à circunstância de ter ouvido uma conversa entre o Réu e um terceiro relativa à abertura de caminhos, tendo ouvido falar em € 8000 ou €9000. Contudo, atento o carácter vago deste depoimento não pode o Tribunal concluir ter o Réu pago tais montantes ou sequer quais os montantes despendidos pelo Réu,”.
Entretanto, o Tribunal “a quo”, antes mesmo da prolação da decisão de direito, fez consignar nos autos”Compulsada a resposta à matéria de facto controvertida que antecede constata-se que o Tribunal não respondeu ao artigo 9º da base instrutória, pelo que se responde ao mesmo neste momento.
Quesito 9º: Provado.

Fundamentação:
Para responder positivamente ao quesito que antecede o Tribunal atendeu, igualmente, ao depoimento das testemunhas Q…, J… e H…, os quais, tal como se referiu no despacho de resposta à restante matéria de facto controvertida, demonstraram de forma que se mostrou sincera por coerente entre todos, conhecer bem o local em causa e, em concreto, ao que ora releva, as alterações efetuadas no local tais como a colocação de rede e o corte da vegetação.”
Ouvidas as declarações de todas as testemunhas, e o depoimento de parte prestado, constantes do suporte digital junto aos presentes autos, confirmamos o consignado e descrito na motivação da decisão do Tribunal “a quo”, no que a mesma tem de relevante.
Sublinhamos que importa reapreciar sempre toda a prova produzida, obviando a conclusões descontextualizadas.
Da audição fonográfica da referida prova em conjugação com a restante prova trazida a juízo, resulta que a convicção da Julgadora da 1ª Instância não merece censura, sendo imodificável a facticidade questionada pelo Apelante.
Tendo como adquirido que a bondade de qualquer decisão de direito está intrinsecamente ligada ao julgamento da matéria de facto, cremos que do escrutínio da decisão da matéria de facto em escrutínio, é inequívoco que a Mmª. Juiz “a quo” alicerçou a decisão fáctica, evidenciando uma adequada análise critica das provas produzidas em audiência de discussão e julgamento, e uma clara e criteriosa consignação das razões que foram determinantes para a formação da convicção do Tribunal, concretizando todos os elementos probatórios, por nós sufragados, atento o retrato feito dos depoimentos prestados em audiência de discussão, registado com rigor na fundamentação da decisão de facto, concluindo a Julgadora “a quo”, e bem, a nosso ver, pela sua suficiência para demonstrarem os factos constantes dos quesitos 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 10º, 11º, e 12º, da base instrutória, e insuficientes para demonstrarem a materialidade consignada nos quesitos 14.º, 21º, 25.º, 26.º, 27.º, e 28.º, da elaborada base instrutória, acabando por os considerar, num raciocínio lógico, como provados e não provados, respectivamente.

Este Tribunal “ad quem” não tem qualquer elemento idóneo que possa abalar a livre convicção do Tribunal recorrido quanto aos fundamentos da decisão, que se mantém inalterável, face à prova produzida, nomeadamente, do depoimento de parte de G…, B… e das declarações das testemunhas, Q…, J…, Y…, Z… e H…, não obstante, as declarações das testemunhas, L…, K… e AB…, cujos depoimentos o Tribunal “a quo” cuidou de valorar, retirando-lhes crédito, adiantando que estas, de concreto, nada sabiam, pois, apresentaram depoimentos com um carácter vago, sendo de realçar que é no julgamento da 1ª Instância que as qualidades de julgador mais sobressaem (princípio da oralidade e imediação aí nitidamente presentes), concretizando-se o que se estabelece no artº. 396°, do Código Civil, e artº. 655° n°. 1, do anterior Código Processo Civil, condizente ao nº. 5, do artº. 607º, do Novo Código Processo Civil (livre apreciação pelo tribunal).
Não deixaremos de anotar que ouvido o depoimento de parte prestado em audiência de discussão e julgamento, a Mmª. Juiz “a quo” lavrou termo que consideramos como assentada, tendo em consideração o estatuído sobre a Prova por Confissão das Partes, artº. 563º, do anterior Código Processo Civil (“1 - O depoimento é sempre reduzido a escrito, mesmo que tenha sido gravado, na parte em que houver confissão do depoente, ou em que este narre factos ou circunstâncias que impliquem indivisibilidade da declaração confessória; 2 - A redacção incumbe ao juiz, podendo as partes ou seus advogados fazer as reclamações que entendam; 3 - Concluída a assentada, é lida ao depoente, que a confirmará ou fará as rectificações necessárias.”)
A prova por confissão das partes tem em devida conta os factos pessoais ou os factos que os depoentes tenham conhecimento e na exacta medida em que foram reconhecidos como confessórios, ou seja, o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária, conforme prevenido na lei substantiva e adjectiva civil – Confissão, artº. 352º, do Código Civil, o que de resto o Tribunal recorrido cuidou de observar, sendo por este Tribunal de recurso corroborado, conforme se colhe da audição fonográfica da referida prova.
Permitimo-nos também, a propósito da reapreciação da prova, sublinhar segmentos da motivação da decisão de facto, que confirmamos com a reapreciação da prova, atinente à fundamentação da decisão acerca da materialidade constante dos factos provados.
Assim, do cotejo da motivação da decisão de facto, queremos enfatizar o excerto retirado da mesma, com a seguinte enunciação “(…) Efetivamente, atendeu o Tribunal, desde logo, à factualidade confessada em sede de depoimento de parte.
Por seu turno, do depoimento das testemunhas Q…, J…, Y…, Z…, W…, demonstraram de forma que se mostrou sincera por coerente entre todos, conhecer bem o local em causa nos autos, a utilização que ao mesmo era dada pela população de …. Reportaram-se, ainda, ao apiário antigo que ali existia e que veio a ser vendido ao Réu, às pequenas dimensões desse apiário ao muro que o delimitava e à área, entretanto, ocupada pelo Réu e às alterações efetuadas – colocação de rede e corte da vegetação.”
Outrossim, queremos também acentuar outro trecho da motivação da decisão da matéria de facto, com evidente interesse, cremos nós, para a questão trazida a debate pelo Recorrente ao impugnar a decisão da matéria de facto, e que passamos a consignar “Ao invés e no que concerne à utilização do terreno ora em causa as testemunhas L…, K… e AB…, apresentaram depoimentos com um caracter vago, reportaram-se a primeira e a última testemunha à circunstância de terem ouvido dizer que o local em causa nos autos era da paróquia e a testemunha K… esclareceu frequentar o local ora em causa desde 2008.”
Por último, queremos dar relevância à fundamentação exarada na motivação da decisão de facto quanto à insuficiência de prova, que importava reconhecer diversamente, na perspectiva do Apelante, tendo a Mmª. Juiz declarado “Refira-se, ainda, que o documento a fls. 67 dos autos denominado “Declaração” consubstancia um depoimento por escrito, o qual a lei não admite. (…) Refira-se ainda ter a prova produzida sido insuficiente para responder positivamente ao vertido nos artigos 14º e 26º a 34º. Na verdade, apesar de no depoimento de parte ter sido inicialmente confessado o recebimento da carta indicada no artigo 13º da base instrutória, após foi tal afirmação corrigida. Por outro lado, resultando dos autos duas cartas e um só aviso de receção não pode o Tribunal concluir a qual das cartas o mesmo se refere. De igual, forma, não foi feita prova nos autos da existência de zonas sem vegetação em virtude do corte de mato e arbustos pelas pessoas que ali se deslocam ou de que se tenha destruído o ecossistema necessários às abelhas ou que isso tenha implicado a morte das abelhas. Por fim, refira-se que nada de concreto resultou quanto aos montantes despendidos pelo Réu ou aos valores a auferir com a produção de mel. Com efeito, neste âmbito, a testemunha L… reportou-se apenas à circunstância de ter ouvido uma conversa entre o Réu e um terceiro relativa à abertura de caminhos, tendo ouvido falar em € 8000 ou €9000. Contudo, atento o carácter vago deste depoimento não pode o Tribunal concluir ter o Réu pago tais montantes ou sequer quais os montantes despendidos pelo Réu.”
Tudo visto, concluímos que este Tribunal de recurso não tem qualquer elemento que possa justamente enfraquecer a livre convicção do Tribunal recorrido quanto às razões subjacentes à decisão de facto, que aqui mais uma vez acentuamos, foram, clara e congruentemente, consignadas na decisão da matéria de facto, que se mantém imodificável, face à prova produzida em audiência de discussão e julgamento.

II. 3.4. Considerando a facticidade demonstrada, a subsunção jurídica da mesma, deverá ser diversa da sentenciada? (4)
Perante a facticidade demonstrada nos autos, conforme acabamos de reconhecer, o Tribunal “a quo” concluiu no segmento decisório, na parcial procedência da acção, declarando resolvido o contrato celebrado entre Autor e Réu, determinando a desocupação imediata da área de exploração e a sua entrega ao Autor livre de pessoas e bens; outrossim, condenou o Réu a pagar ao Autor a prestação referente ao ano de 2010 no valor de €300,00 e nas prestações proporcionais vincendas até efectiva desocupação; a par da condenação do Réu a devolver ao baldio o trato de terreno baldio ocupado com 2.583,20 m2, livre de pessoas; sem deixar de julgar improcedente o demais peticionado pelo Autor, bem como, improcedente o pedido reconvencional formulado pelo Réu, com consequente absolvição do mesmo o Autor, e ainda julgou improcedente o pedido de condenação do Autor como litigante de má fé, condenado em custas, a cargo de Autor e Réu na proporção de 1/5 para o Autor e 4/5 para o Réu.
A sentença apelada consignou que atendendo aos elementos processualmente adquiridos, as questões a apreciar e a decidir no caso vertente, contendem com a propriedade da parcela de terreno em causa nos autos; a qualificação jurídica do acordo celebrado entre A. e R. e com o seu cumprimento/incumprimento.
Assim, ao problematizar as enunciadas questões a apreciar nestes autos, o Tribunal “a quo” cuidou de reconhecer, e bem, que “Os terrenos baldios nem pertencem ao domínio público, nem ao domínio privado do Estado ou das autarquias sendo propriedade comunal dos moradores de determinada freguesia ou freguesias ou parte delas, que exerçam a sua atividade no local. Tais terrenos estão fora do comércio jurídico, sendo inalienáveis e insuscetíveis de apropriação privada por qualquer título, incluída a usucapião.”
E, uma vez cotejada a materialidade adquirida processualmente, não deixou de consignar “(…) nos autos resultou provado que entre Autor e Ré foi celebrado um contrato, denominado pela partes de “contrato de arrendamento” e no qual o Autor cede ao Réu em regime de arrendamento o espaço do baldio necessário à alimentação de um apiário (…)” sendo que “A área de alimentação do respetivo apiário, faz-se no baldio, mediante o pagamento de 300 (trezentos) euros ano, no ato de assinatura do contracto e em iguais anuidades, no respetivo mês da assinatura até ao seu limite.
Nos autos provou-se, ainda, que o réu não pagou a anuidade respeitante a Junho de 2010.
Mais, provou-se que a área de terreno com a área de 2.583,20, que confronta de todos os lados com baldio, sita no local denominado por N… está integrada no logradouro comum dos compartes de C….
Tal trato de terreno sempre foi fruído livremente pelos compartes de C…, sem divisão de parte ou direito, que nele apascentaram e apascentam os seus gados, cortam mato, lenha e madeira e que por ele circulam livremente, sem oposição de ninguém, quer nos trabalhos agrícolas quer na caça, aproveitando em comum todas as suas utilidade, de forma pública, à vista de toda a gente, pacífica, sem oposição de quem quer que fosse, ininterruptamente, de boa fé, convictos de que lhes pertence em comum, exercitando tais direitos na convicção de serem próprios sem com isso lesarem interesses alheios.
Provou-se, igualmente, que o Réu procedeu ao derrubamento do muro que limita o seu terreno, destruiu a camada vegetal existente e alargou o limite da sua propriedade para o baldio, limitando-a com postes em cimento e rede de ferro, ocupando de início uma área de 1.540,50 m2
Avançou ainda para lá dessa vedação destruindo em torno dela a camada vegetal existente, ocupando atualmente a área de 2.583,20.”
De igual modo, o Tribunal apelado, acompanhando as pretensões formuladas pelo demandante e Réu/Reconvinte, e os actos ou factos jurídicos donde emerge o direito que o Autor e Réu/Reconvinte se arrogam e pretendem fazer valer, actos ou factos concretos e regularmente traçados nos articulados apresentados em Juízo, não deixou de concluir, nos termos que passamos a consignar “(…) Ora, face à factualidade provada, impõe-se concluir não resultar dos autos o incumprimento por parte do Autor do acordado com o Réu. Donde, desde logo, não se poderá concluir pela validade da resolução a que alude a carta datada de 07/04/2010.
Por outro lado, não fez o Autor qualquer prova quanto aos peticionados danos resultantes da ocupação no valor de € 150,00, nem fez o Réu prova nos autos dos alegados danos no valor de 14.650€.
Isto posto, impõe-se concluir pela procedência do pedido do Autor à exceção da peticionada condenação do Réu a pagar-lhe a quantia de 150,00€ de indemnização referente ao danos causados pela ocupação do trato de terreno e pela improcedência do pedido reconvencional formulado pelo Réu nos autos.
Refira-se, ainda, que nada resultou nos autos que permita concluir pela peticionada condenação do Autor como litigante de má-fé.”
Divisamos, assim, que o Tribunal “a quo”, embora tenha dirimido a questão, em termos que, no essencial, ratificamos, deixou, no entanto, de sustentar a propósito, com desenvoltura e parcimónia, quedando-se ao mínimo exigível no conhecimento dos pressupostos exigidos à impetrada reivindicação, ao reclamado cumprimento/incumprimento do ajuizado contrato, bem como, cuidou por forma que podemos adjectivar de muito superficial, os requisitos necessários ao reconhecimento do dever de indemnizar, razão pela qual, embora aprovemos, e desde já o dizemos, o julgamento parcial da acção e improcedência da reconvenção, a par da reconhecida falta de sustentação da deduzida litigância de má fé do Autor, não deixaremos de levar a cabo algumas breves reflexões, julgadas ajustadas a fundamentar o dispositivo do aresto apelado.
Nos termos do art.º 1.º, n.ºs. 1 a 3, da Lei nº. 68/93, de 4 de Setembro (Lei dos Baldios), são baldios os terrenos possuídos e geridos por comunidades locais, como tal se considerando o universo dos moradores de uma ou mais freguesias ou parte delas que, segundo os usos e costumes, têm direito ao uso e fruição do baldio, estatuindo, igualmente, o artº. 3.°, da citada Lei nº. 68/93, de 4 de Setembro que "os baldios constituem, em regra, logradouro comum, designadamente para efeitos de apascentação de gados, de recolha de lenhas ou de matos, de culturas e outras fruições, nomeadamente de natureza agrícola, silvícola, silvo - pastoril ou apícola", donde se colhe que os baldios são prédios rústicos, e enquanto tal, uma subespécie da categoria das coisas imóveis (artº. 204º, nº. 1, al. a), do Código Civil), registando-se que a propriedade dos imóveis abrange o espaço aéreo correspondente à superfície, bem como, o subsolo, com tudo o que neles se contém e não esteja desintegrado do domínio por lei ou negócio jurídico, conforme expressamente dispõe o nº. 1, do artº. 1344º, do Código Civil.
O regime jurídico dos baldios sofreu consideráveis mudanças, sendo tais terrenos considerados como bens colectivos (propriedade comunal ou comunitária) desde tempos imemoriais, sempre do domínio colectivo, mas variando a sua consideração como sendo do domínio público ou privado.
Na vigência do Código Civil de 1867, os baldios eram tidos pela doutrina civilista da época, como integrando a propriedade pública das autarquias locais, podendo, segundo o entendimento dominante da doutrina, à época, entrar no domínio privado por desafectação.
Acontece que o Código de Seabra criou a figura de coisas comuns (restaurando a trilogia romana de coisas comuns, coisas públicas e coisas privadas), pelo que, no seu domínio, doutrina e jurisprudência, consideravam os baldios municipais (que se contrapunham dos baldios paroquiais), alienáveis e prescritíveis, de tal sorte que no domínio daquele Código, muitas vozes se inclinavam no sentido de considerar que também os baldios podiam ser adquiridos mediante a prescrição aquisitiva ou positiva.
No domínio do actual Código Civil, foi suprimida a categoria legal de coisas comuns, razão pela qual, era entendimento maioritário, que tais bens eram susceptíveis de apropriação e de usucapião, então apelidada prescrição aquisitiva, o que, de resto, se entendeu até à entrada em vigor do Decreto Lei nº. 39/76, de 19 de Janeiro que, no seu artº. 2º, estabelecia “Os terrenos baldios, encontram-se fora do comércio jurídico, não podendo no todo ou em parte, ser objecto de apropriação privada por qualquer forma ou título, incluída a usucapião”.
A partir de então, correspondendo ao texto da Lei Fundamental, e até hoje, os baldios são considerados insusceptíveis de apropriação privada.
A este propósito, pedimos vénia para citarmos o Acórdão do Venerando Supremo Tribunal de 20 de Junho de 2000, (Processo nº. 00A342), in, www.dgsi.pt, onde, sumariamente, se consignou “o baldio é uma figura específica, em que é a própria comunidade, enquanto colectividade de pessoas que é titular da propriedade dos bens, e da unidade produtiva, bem como da respectiva gestão, no quadro do artº. 82º, nº. 4, alínea b) da Constituição da República Portuguesa”, registando adiante “os actos ou negócios jurídicos de apossamento ou apropriação, tendo por objecto terrenos baldios, são nulos nos termos gerais, excepto nos casos expressamente previstos na própria lei, nas fronteiras do artigo 4º, nº 1, da Lei 68/93”.
Do enunciado enquadramento jurídico, doutrinário e jurisprudencial, retiramos a conclusão de que desde a entrada em vigor do Decreto Lei nº. 39/76, de 19 de Janeiro, confirmado pela actual Lei dos Baldios (Lei nº. 68/93, de 4 de Setembro, cujos artºs. 30º e 39º foram alterados pela Lei 89/97, de 30 de Julho) os baldios são insusceptíveis de apropriação e de usucapião.
Alegado e demonstrado nos autos que “E - Sob o artigo 2107 da freguesia …, Vila Real, encontra-se inscrito a favor do Conselho Directivo de Baldios – C…, o prédio rústico com a área de 247200, localizado em … e …, com as seguintes confrontações: norte – S… – T…; nascente – U… e Outros; sul – V…; poente – W… – alínea E) dos factos assentes.”; “G - A área de terreno com a área de 2.583,20, que confronta de todos os lados com baldio, sita no local denominado por N… está integrada no logradouro comum dos compartes de C… – resposta ao artigo 1º da base instrutória.”; “H - Tal trato de terreno sempre foi fruído livremente pelos compartes de C…o, sem divisão de parte ou direito – resposta ao artigo 2º da base instrutória.”; “I - … que nele apascentaram e apascentam os seus gados, cortam mato, lenha e madeira e que por ele circulam livremente – resposta ao artigo 3º da base instrutória.”; “J - … sem oposição de ninguém, quer nos trabalhos agrícolas quer na caça, aproveitando em comum todas as suas utilidade – resposta ao artigo 4º da base instrutória.”; “L - … de forma pública, à vista de toda a gente, pacífica, sem oposição de quem quer que fosse – resposta ao artigo 5º da base instrutória.”; “M - … ininterruptamente, de boa fé, convictos de que lhes pertence em comum, exercitando tais direitos na convicção de serem próprios sem com isso lesarem interesses alheios – resposta ao artigo 6º da base instrutória.”; “O - O Réu procedeu ao derrubamento do muro que limita o seu terreno – resposta ao artigo 8º da base instrutória.”; “P - … destruiu a camada vegetal existente, composta por carqueja, urze, alguns pinheiros de pequena e média dimensão – resposta ao artigo 9º da base instrutória.”; “Q - … alargou o limite da sua propriedade para o baldio, limitando-a com postes em cimento e rede de ferro – resposta ao artigo 10º da base instrutória.”; “R … ocupando de início uma área de 1.540,50 m2 – resposta ao artigo 12º da base instrutória.”; “S - Avançou ainda para lá dessa vedação destruindo em torno dela a camada vegetal existente, ocupando atualmente a área de 2.583,20 referida em G. – resposta ao artigo 12º da base instrutória”, temos, desde logo, por incontestada, a legitima aquisição do prédio em questão, reivindicado pelo Autor/Conselho Directivo de Baldios C…, que está, e age, em Juízo, em representação, e em nome da comunidade, para a defesa dos direitos ou interesses legítimos relativos aos Baldios C….
O nosso direito substantivo civil - art°. 1311º n°. 1, do Código Civil - permite ao proprietário exigir judicialmente de qualquer detentor ou possuidor da coisa, o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence.
Todavia se é indubitável a necessidade de a acção ser exercida pelo proprietário, não possuidor, contra o detentor ou possuidor que não é proprietário da coisa, neste sentido, Professor Mota Pinto, apud, Direitos Reais, 1971, 238, terá o Autor de demonstrar isso mesmo, ou seja, o seu direito de propriedade, que abrange, entre outros o direito de restituição, demonstrando também que a coisa ora reivindicada se encontra na posse ou detenção de outrem, neste sentido, entre outros, Professor Manuel Rodrigues, apud, A Reivindicação no Direito Civil Português, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 57, pág. 144, citado pelos Professores, Pires de Lima e Antunes Varela, apud, Código Civil anotado, página 114, volume III.
Sendo certo que o aludido direito de propriedade sobre os imóveis que constituem os Baldios C…, não sofre qualquer contestação, e que ora se reconhece, ter-se-á que analisar se, reconhecido o direito de propriedade, improcederá a restituição reclamada.
A suscitada questão prende-se com o disposto no n°. 2, do consignado art°. 1311º, do Código Civil.
Assim, entre o pedido primário reclamado pelo proprietário, ou seja, o reconhecimento - "pronunciatio" - do seu direito de propriedade e a consequência lógica que será a restituição - "condemnatio” - do que lhe pertence, poder-se-á verificar uma ruptura a qual ocorrerá se o aqui Réu ocupar o prédio dos autos com titulo que a legitime.
O próprio n°. 2, do citado artº. 1311°, do Código Civil, já citado, refere expressamente "(…) a restituição só pode ser recusada nos casos previstos na lei".
Deste modo, em principio, a restituição da coisa, sendo consequência directa do reconhecimento do direito de propriedade, exceptuar-se-á, todavia, se o poder de gozo do proprietário estiver suspenso ou modificado pela constituição, no caso, uma vez que se trata de baldios, de um direito obrigacional de outrem, caso em que se deve respeitar tal situação jurídica só devendo ordenar-se a restituição se, e enquanto não colidir com ela.
A invocação dos respectivos factos consubstancia uma verdadeira excepção peremptória, nos termos da lei civil adjectiva, neste sentido, entre outros, Professor A. Castro Mendes, apud, Acção Executiva, página 407.
No que ao caso interessa, as situações previstas serão, portanto, todas as situações em que se julguem as detenções como legitimas, traduzindo-­se estas num circunstancialismo que se exprima na existência de um direito obrigacional que, pela sua natureza, permita obstar à pretensão do Autor.
Assim, poder-se-ia pensar na validade do outorgado contrato celebrado entre Autor e Réu, cujos termos constam do escrito junto a fls. 19 a 21, dos autos, referenciado em A) da Matéria Provada, no entanto, quer o Autor quer o Réu sustentam que o mesmo já está extinto, razão pela qual, não faz qualquer sentido apreciar o mesmo, com vista a considerá-lo justo titulo, e, nessa circunstância, assumir virtualidade bastante para obstar à restituição do prédio.
Deste modo, cremos ser elementar concluir pela bondade da sentença apelada que determinou a desocupação imediata da área de exploração e a sua entrega ao Autor livre de pessoas e bens, outrossim condenou o Réu a devolver ao baldio o trato de terreno baldio ocupado com 2.583,20 m2, livre de pessoas, demonstrado que foi a ocupação abusiva nos termos decorrentes da subsunção jurídica da materialidade adquirida processualmente.
No que tange ao restantes pedidos formulados pelo Autor/Conselho Directivo de Baldios C…, concretamente ao reconhecido pedido traduzido na resolução do ajuizado contrato celebrado entre Autor e Réu, com consequente condenação do Réu a pagar ao Autor a prestação referente ao ano de 2010 no valor de €300,00 e nas prestações proporcionais vincendas até efectiva desocupação, sempre diremos que nas relações negociais, os contraentes são inteiramente livres, tanto para contratar ou não contratar, como para fixar o conteúdo das relações contratuais que estabeleçam, desde que não haja lei imperativa, sustentada em normativos éticos e sociais, ou mesmo na segurança do comércio jurídico, ditame de ordem pública ou bons costumes que se oponham, neste sentido, Almeida Costa, apud, Direito das Obrigações, Almedina, 3ª edição, página 184.
A regra é, pois, a liberdade de fixação do conteúdo contratual com o alcance de que as partes são livres na configuração interna dos contratos que realizam – artº. 405º, do Código Civil.
Acima de quaisquer elementos objectivos, o elemento fundamental a considerar é sempre constituído pela vontade das partes. A qualificação jurídica do negócio há-de resultar, em larga medida, do que tiver sido pretendido pelos contraentes.
A interpretação do contrato constitui um “prius” em relação à respectiva qualificação, sendo em atenção ao sentido correspondente à vontade real das partes – apurado através da interpretação – que deve ser qualificado o negócio, mesmo que a este tenha sido atribuído um “nomen júris” pelas partes que, aliás, pode não corresponder ao sentido do negócio, por erro ou por intencional qualificação inadequada.
Estabelece o artº. 10º, da citada Lei dos Baldios que, “os baldios podem ser objecto, no todo ou em parte, de cessão de exploração, nomeadamente, para efeitos de povoamento ou exploração florestal, salvo nas partes do baldio com aptidão para aproveitamento agrícola” definindo a lei substantiva civil a cessão de exploração, sendo que os termos enunciados no ajuizado contrato, estão perfeitamente enquadrados juridicamente, e reconhecidos pelo Tribunal “a quo” como tal, com o que, aliás, o Recorrente se conforma, manifestando, somente, a sua dissensão quanto à reconhecida resolução contratual, pois, o Réu, sem questionar a qualificação do negócio outorgado entre as partes, entende que a subsunção jurídica dos mesmos, uma vez ajustada a facticidade dada como apurada, com o aditamento pretendido, deveria ser diversa da sentenciada, sustentando que se lhe reconheça a reclamada resolução contratual.
A responsabilidade contratual, que ora nos ocupa, resulta da violação de um direito de crédito ou obrigação em sentido técnico.
Concretizando e tendo por base os factos alegados e demonstrados nos autos, temos que considerar a circunstancia de, a existir responsabilidade do Réu e/ou do Autor, derivam estas de obrigações assumidas e não cumpridas, de efectuar o pagamento da retribuição acordada a par de não poder construir na área baldia C…, qualquer infra-estrutura de carácter duradouro, nem utilizar os terrenos comunitários que para este efeito destinam-se exclusivamente a servir de suporte natural ao livre exercício na alimentação apícola, sendo proibido utilizar ou fruir qualquer outro recurso do baldio que não o obtido naturalmente pelas abelhas para a sua alimentação, quanto ao Réu, e de proporcionar o gozo integral da coisa, quanto ao Autor.
Assim, a via que se percorre quando se analisa a responsabilidade das partes, ou tão só a alegada responsabilidade pela conduta assumida, é a responsabilidade civil contratual.
Os contratos devem ser pontualmente cumpridos, e o devedor que falte culposamente ao cumprimento da sua obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que cause ao credor (artºs. 406º nº. 1 e 798º ambos do Código Civil).
Quanto às regras gerais de resolução do contrato, dispõe o artº. 436º, do Código Civil, quanto ao “modo como se efectiva a resolução”: “1. A resolução do contrato pode fazer-se mediante declaração à outra parte. 2. Não havendo prazo convencionado para a resolução do contrato pode a outra parte fixar ao titular do direito de resolução um prazo razoável para que o exerça, sob pena de caducidade.”
De tal norma ressalta que a resolução do contrato se pode fazer por mera declaração à parte contrária, ainda que haja a necessidade de, posteriormente, se obter a declaração judicial de que o acto foi legalmente resolvido, ou, como sustenta Nuno Manuel Pinto Oliveira, apud, “Princípios de Direito dos Contratos”, Coimbra Editora 2009, página 882, “o sentido real do nº. 1, do artº. 436º, em ligação com o artº. 435º, nº. 2, do Código Civil, é o de que a resolução pode fazer-se judicial ou extrajudicialmente.”
O direito de resolução é considerado no sistema legal vigente como uma mera faculdade e uma das alternativas que se oferecem, num contrato bilateral, ao credor adimplente, para reagir contra o incumprimento “lato sensu” da contraparte, neste sentido, José Carlos Brandão Proença, apud, A Resolução do Contrato no Direito Civil. Do enquadramento e do regime, reimpressão, Coimbra Editora, páginas 76 a 78.
Estatui o nosso direito substantivo civil que é admitida a resolução do contrato fundada na lei ou em convenção (artº. 432º, nº. 1, do Código Civil), sendo que na falta de disposição especial, a resolução é equiparada, quanto aos seus efeitos, à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico, com ressalva do disposto nos artigos seguintes (artº. 433º do Código Civil), designadamente, a resolução tem efeito retroactivo, salvo se a retroactividade contrariar a vontade das partes ou a finalidade da resolução, sendo que nos contratos de execução continuada ou periódica, como é o caso dos autos, a resolução não abrange as prestações já efectuadas, excepto se entre estas e a causa de resolução existir um vínculo que legitime a resolução de todas elas (artº. 434º, do Código Civil).
Recordemos a materialidade demonstrada nos autos, atinente ao ajuizado contrato:
A - Consta do escrito junto a fls. 19 A 21, denominado “CONTRATO DE ARRENDAMENTO “, datado de 8/06/2009, que: “1º. - 0 CONSELHO DIRECTIVO DE BALDIOS C… (…) e 2º. – B… (…) é celebrado e reciprocamente aceite o presente contrato de arrendamento da área de baldio C… exclusivamente para a alimentação de um apiário, o qual se rege nos termos e condições constantes das seguintes cláusulas:
(…) O CEDENTE é representante do Órgão supra citado, dono e legítimo possuidor de toda a área baldia, integrante do domínio comunitário do baldio C….
O BENEFICIARIO possui uma parcela de terreno privada de 224,80 m2, encravada nos Baldios C…, (…)
CLÁUSULA SEGUNDA
1. Pelo presente contrato, o CEDENTE cede ao BENEFICIÁRIO, em regime de arrendamento o espaço do baldio necessário à alimentação de um apiário devidamente legalizado nos termos da Lei em vigor, com um número de colmeias que não pode ascender a mais de 100. Instalado na parcela privada já identificada na cláusula anterior. A área de alimentação do respectivo apiário, faz-se no baldio, mediante o pagamento de 300 (trezentos) euros ano, no acto de assinatura do contracto e em iguais anuidades, no respectivo mês da assinatura até ao seu limite.
2. O contrato de arrendamento tem início e produz efeitos a partir da data da sua celebração.
CLÁUSULA TERCEIRA
1. O Contrato tem a duração de 5 (anos), podendo vir a ser sucessivamente renovados, mediante acordo de ambas as partes. 2. O CEDENTE pode denunciar o contrato em qualquer altura, desde que, comprovada e supervenientemente, se mostrem alterados os pressupostos de facto que fundamentaram o presente contrato, nomeadamente por alteração das finalidades a que o objecto deste contrato se destina.
3. O BENEFICIÁRIO pode denunciar o contrato a todo o tempo, desde que comunique tal facto, por escrito, com aviso de recepção remetido ao CEDENTE, com uma antecedência mínima de dois meses relativamente à data do termo do prazo ou da sua renovação.
CLÁUSULA QUARTA
Durante o período de vigência do contrato, o BENEFICIÁRIO não pode construir na área baldia C…, qualquer infra-estrutura de carácter duradouro, nem utilizar os terrenos comunitários que para este efeito destinam-se exclusivamente a servir de suporte natural ao livre exercício na alimentação apícola. Sendo manifestamente proibido ao beneficiário utilizar ou fruir qualquer outro recurso do baldio que não o obtido naturalmente pelas abelhas para a sua alimentação.
CLÁUSULA QUINTA
O CEDENTE encontra-se devidamente autorizado pela Assembleia de Compartes para a celebração do presente contrato para as finalidades a que se destina.
CLÁUSULA SEXTA
(…) CLÁUSULA SÉTIMA
Ao presente contrato aplica-se, em tudo o que nele não estiver expressamente previsto, o regime estabelecido nos artigos 1129.° a 1141º do Código Civil.
CLÁUSULA OITAVA (…)
D - O réu não pagou a anuidade respeitante a Junho de 2010.
F - O réu enviou ao autor, e este recebeu, a carta datada de 5/04/2010, junta aos autos a fls. 61 a 63, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
G - A área de terreno com a área de 2.583,20, que confronta de todos os lados com baldio, sita no local denominado por N… está integrada no logradouro comum dos compartes C….
H - Tal trato de terreno sempre foi fruído livremente pelos compartes C…, sem divisão de parte ou direito.
I - … que nele apascentaram e apascentam os seus gados, cortam mato, lenha e madeira e que por ele circulam livremente.
J - … sem oposição de ninguém, quer nos trabalhos agrícolas quer na caça, aproveitando em comum todas as suas utilidade.
L - … de forma pública, à vista de toda a gente, pacífica, sem oposição de quem quer que fosse.
M - … ininterruptamente, de boa fé, convictos de que lhes pertence em comum, exercitando tais direitos na convicção de serem próprios sem com isso lesarem interesses alheios.
N - O terreno de que o réu é proprietário, identificado na Cláusula Primeira do contrato referido em A), apresentava forma circular e está limitado por um muro em pedra em torno de uma árvore que ainda hoje existe no local.
O - O Réu procedeu ao derrubamento do muro que limita o seu terreno.
P - … destruiu a camada vegetal existente, composta por carqueja, urze, alguns pinheiros de pequena e média dimensão.
Q - … alargou o limite da sua propriedade para o baldio, limitando-a com postes em cimento e rede de ferro.
R … ocupando de início uma área de 1.540,50 m2.
S - Avançou ainda para lá dessa vedação destruindo em torno dela a camada vegetal existente, ocupando atualmente a área de 2.583,20 referida em G..
T - O réu enviou ao autor a carta datada de 7 de Abril de 2010, com o seguinte teor: “Resolução do Contrato de Arrendamento Florestal. B… identificado como 2º outorgante no CONTRATO DE ARRENDAMENTO FLORESTAL do BALDIO C…, celebrado em 16 de Junho de 2009 em que V.Exªs. figuram como 1º outorgante, uma vez que reagira, com ameaças e insultos à comunicação que vos foi entregue em 5 de Abril último, e dado ter-se quebrado a confiança entre as partes e estar perfeitamente convicto que V.Exªs. têm actuado de má fé, fazendo orelhas moucas a tudo, vem por este meio e no estritamente estipulado na CLÁUSULA TERCEIRA no seu nº 3 do contrato em causa, e no previsto nos artigos 432º e 436º do C.C. RESOLVER DO CONTRATO celebrado com V.Exªs em 16 de Junho de 2009, com os fundamentos invocados na comunicação de 5 de Abril. Queiram, V.Exª nos termos do artigo 433º e 434º, nº.1 do C.C. proceder à devolução das importâncias recebidas (…).
Confrontada a facticidade enunciada, sem reservas afirmamos que o Réu não conformou o seu comportamento com as obrigações decorrentes do ajuizado contrato, designadamente, o ajustado e consignado na CLÁUSULA QUARTA, ou seja, “Durante o período de vigência do contrato, o BENEFICIÁRIO não pode construir na área baldia C…, qualquer infra-estrutura de carácter duradouro, nem utilizar os terrenos comunitários que para este efeito destinam-se exclusivamente a servir de suporte natural ao livre exercício na alimentação apícola. Sendo manifestamente proibido ao beneficiário utilizar ou fruir qualquer outro recurso do baldio que não o obtido naturalmente pelas abelhas para a sua alimentação.”
Tendo em atenção o acordo celebrado entre as partes e os factos assumidos pelo Réu, conforme vem demonstrado, designadamente, o facto de o Réu ter procedido ao derrubamento do muro que limita o seu terreno, destruindo a camada vegetal existente, composta por carqueja, urze, alguns pinheiros de pequena e média dimensão, tendo alargado o limite da sua propriedade para o baldio, limitando-a com postes em cimento e rede de ferro, ocupando de início uma área de 1.540,50 m2, tendo avançado ainda para lá dessa vedação destruindo em torno dela a camada vegetal existente, ocupando actualmente a área de 2.583,20, a par de que réu não pagou a anuidade respeitante a Junho de 2010, fácil será reconhecer que o Réu não cuidou de cumprir o ajustado no ajuizado contrato, sendo legitimo, por parte do Autor, enquanto adimplente do negócio jurídico articulado, usar da faculdade ditada por lei, com vista à extinção do contrato, por resolução, reagindo, assim, contra o demonstrado incumprimento do Réu.
Ademais, devendo os contratos ser pontualmente cumpridos, e o devedor que falte culposamente ao cumprimento da sua obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que cause ao credor (artºs. 406º nº. 1 e 798º ambos do Código Civil), decorre que, no caso “sub iudice”, o Réu também se torna responsável pelo pagamento da acordada anuidade respeitante a Junho de 2010, e aqueloutras prestações proporcionais vincendas até efectiva desocupação, como reconhecido, e bem, pelo Tribunal apelado.
Tudo visto, quanto ao incumprimento contratual, temos de concluir pela improcedência da reclamada resolução do negócio jurídico, impetrada pelo Réu, uma vez reconhecido que este assumiu comportamento que sustentou a declarada resolução contratual, enquanto inadimplente.
Não deixaremos ainda de alinhavar alguns considerando acerca do imputado dever de indemnizar, quer quanto ao Autor, quer quanto ao Réu, cujo correspectivo direito à indemnização, foi também julgado improcedente em 1ª Instância.
Como é sabido, constituem pressupostos da responsabilidade civil por facto ilícito, nos termos do disposto no artº. 483º, do Código Civil, quais sejam, o facto (voluntário do agente); a ilicitude (o facto tem de ser ilícito, por consubstanciar a violação de um direito de outrem - direitos subjectivos - ou a violação de um preceito de lei tendente à protecção de interesses alheios, prevendo a lei casos especiais de ilicitude, designadamente, o da ofensa do crédito ou do bom nome, consagrado no artº. 484º do C.C.); a culpa (consiste na imputação do facto ao agente, em termos de sobre a respectiva conduta recair um juízo de reprovação ou censura do direito, podendo revestir a forma de dolo ou de negligência); o dano (o qual pode ser patrimonial ou não patrimonial. De harmonia com o disposto no artº. 496º, nº 1, os danos não patrimoniais são indemnizáveis desde que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito, cabendo ao julgador, em cada caso, dizer se o dano é ou não merecedor dessa tutela e fixar a indemnização com base em critérios de equidade - cf. nº 3, do citado artigo); e o nexo de causalidade entre o facto e o dano (de harmonia com a teoria da causalidade adequada, acolhida pelo Código Civil - artº 563º - esse nexo existirá sempre que o facto tenha sido, em concreto, condição "sine qua non" do dano e desde que o mesmo constitua, em abstracto, segundo o curso normal das coisas, causa adequada à sua produção).
Perante a matéria factual provada, ou ausência dela, não podem subsistir dúvidas de que o reclamado direito a ser indemnizado, no correspondente dever de indemnizar, impetrado quer pelo Autor, quer pelo Réu, não podem ser reconhecidos, pois, estes não lograram provar, como lhes incumbia, todos os enunciados requisitos de que depende o dever de indemnizar, aprovando-se o que a este propósito se consignou na sentença escrutinada “Por outro lado, não fez o Autor qualquer prova quanto aos peticionados danos resultantes da ocupação no valor de €150,00, nem fez o Réu prova nos autos dos alegados danos no valor de €14.650,00”.
Cuidemos da reclamada litigância de má-fé, por parte do Autor.
O nosso direito adjectivo civil consagra o chamado dever de boa-fé ou de probidade processual.
A mais grave violação desses deveres constitui justamente a litigância de má fé, cujos contornos se acham definidos no artº. 542º, do Novo Código Processo Civil, condizente ao artº. 456º, da anterior lei adjectiva civil.
Nos termos do disposto no n° 2 do artº. 542° do Novo Código Processo Civil, diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
Constata-se que na redacção do consignado artº. 542°, do Novo Código Processo Civil, releva não apenas o dolo mas ainda a negligência grave ou grosseira para o efeito da litigância de má fé.
O regime instituído traduz uma substancial ampliação do dever de boa fé processual, alargando-se o tipo de comportamentos que podem integrar má fé processual, quer substancial, quer instrumental, tanto na vertente subjectiva como na objectiva.
A condenação por litigância de má fé pode fundar-se, além da situação de dolo, em erro grosseiro ou culpa grave.
Verifica-se a negligência grave naquelas situações resultantes da falta de precauções exigidas pela mais elementar prudência ou das aconselhadas pela previsão mais elementar que devem ser observadas nos usos correntes da vida, neste sentido, Maia Gonçalves, apud, Código Penal Português, 4ª edição, página 48.
Feitas estas breves considerações, analisemos a situação em apreço.
Na decisão recorrida entendeu-se que a pretensão deduzida pelo Conselho Directivo de Baldios C…, qual seja, a declaração da resolução do contrato de cessão de exploração havido entre Autor e Réu em 8 de Junho de 2009; seja ordenada a desocupação imediata da área de exploração e a sua entrega ao Autor livre de pessoas e bens; seja o Réu condenado a pagar ao Autor a prestação em dívida referente ao ano de 2010 no valor de €300,00 e nas prestações proporcionais vincendas até efectiva desocupação; seja o Réu condenado a devolver ao baldio o trato de terreno baldio ilicitamente ocupado com 2.583,20m2, livre de pessoas e bens e a pagar ao Autor a quantia de €150,00 de indemnização referente aos danos causados pela ocupação do articulado trato de terreno, somente este ultimo pedido traduzido na condenação do Réu a pagar indemnização ao Autor, correspondente à quantia de €150,00, em razão dos danos causados pela ocupação do articulado trato de terreno, não logrou reconhecimento por parte do Tribunal, sendo que a alegação e ausência de demonstração dos factos em que o Autor fundamenta o arrogado direito a ser indemnizado, não se enquadram na pratica de quaisquer factos praticados pelo Autor, reconhecidamente dolosos ou levados a cabo com negligência grave, por parte do demandante.
Assim, não sendo o comportamento processual do Autor, enquadrável na previsão legal enunciada, temos de concordar com o Tribunal “a quo” quando no aresto apelado concluiu “(…) nada resultou nos autos que permita concluir pela peticionada condenação do Autor como litigante de má-fé.”

Finalmente, observar-se-á que, conforme estabelecido no direito adjectivo civil quanto aos vícios e reforma da sentença, uma vez proferida a sentença fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa, sendo licito ao juiz, no entanto, rectificar erros materiais, suprir nulidades, esclarecer dúvidas existentes na sentença e reformá-la, nos termos dos artigos seguintes – artº. 613º, nºs. 1, e 2 do Novo Código Processo Civil – estando a reforma quanto a custas prevenida no artº. 616º, nº. 1, do Novo Código Processo Civil. Anota-se que, nos termos do artº. 666º, nº. 1, do Novo Código Processo Civil, é aplicável à 2ª instância o que se acha disposto nos artºs. 613º, a 617º do Novo Código Processo Civil.
Estabelece o artº. 527º, do Novo Código Processo Civil “1- A decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condenará em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito.” “2 - Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.”
Como se retira do normativo adjectivo consignado, a responsabilidade pelo pagamento das custas decorre e está estruturada segundo o principio da causalidade, o que equivale por dizer que no caso dos autos, tendo havido Reconvenção, e tendo sido julgado improcedente o respectivo pedido reconvencional, ficou o Réu/Reconvinte vencido, devendo, pois, suportar as respectivas custas.
Na decorrência do consignado, este Tribunal de recurso, assumindo a substituição do Tribunal recorrido, procede à reforma, quanto a custas, do apelado aresto, na parte em que tange à reconvenção deduzida (artºs. 527º, nºs. 1, e 2, 613º, nºs. 1, e 2, 616º nº. 1, e 666º nº. 1, do Novo Código Processo Civil), determinando-se que do mesmo fique a constar “Custas da Reconvenção a cargo do Réu/Reconvinte/B…”.
Na improcedência das conclusões retiradas das alegações trazidas à discussão pelo Recorrente/B…, não reconhecemos às mesmas quaisquer virtualidades no sentido de alterarem o destino da demanda, e, nessa medida, mantém-se a sentença em escrutínio, reformando, no entanto, a mesma quanto às custas, conforme consignamos.

III. SUMÁRIO (artº. 663º nº. 7 do Novo Código de Processo Civil)
1. Para que o Tribunal possa apreciar a pretensão jurídica deduzida, não basta que as partes tenham personalidade judiciária, sendo necessário possuir também capacidade judiciária ou que, não a possuindo se encontrem devidamente representadas ou autorizadas, sendo que a respectiva representação far-se-á por quem a lei, os estatutos ou o pacto social designarem, e segundo esta enunciada escala hierárquica de designação.
2. O Conselho Directivo é um órgão da comunidade dos compartes ou comunidade local para a administração dos baldios, cabendo-lhe funções executivas, nas quais se incluem as de recorrer a juízo em defesa dos direitos e interesses daquela e de representar o universo dos compartes. A personalidade judiciária será sempre a da comunidade local estabelecida em Assembleia de Compartes, em cujo nome e interesse actua o respectivo Conselho Directivo, sendo inquestionável que a comunidade de compartes só pode estar em juízo através dos seus órgãos, em particular representada pelo Conselho Directivo, a quem incumbe, declaradamente, essa função.
3. O Réu, inconformado com a decisão que apreciou a reclamação apresentada à Base Instrutória, pode impugná-la no recurso que interpôs da decisão final.
4. Com a introdução de novas regras sobre o regime legal disciplinador da admissão e reapreciação da prova feita em Juízo ditadas pelo Novo Código Processo Civil é inequívoco que na reapreciação da prova, as Relações têm a mesma amplitude de poderes que tem a 1ª instância, enquanto efectiva garantia de um segundo grau de jurisdição, permitindo sublinhar que a reapreciação da prova em segunda Instância configura, efectivamente, um novo julgamento.
5. O baldio é uma figura específica, em que é a própria comunidade, enquanto colectividade de pessoas que é titular da propriedade dos bens, e da unidade produtiva, bem como da respectiva gestão, no quadro do artº. 82º, nº. 4, alínea b) da Constituição da República Portuguesa, sendo que os actos ou negócios jurídicos de apossamento ou apropriação, tendo por objecto terrenos baldios, são nulos nos termos gerais, excepto nos casos expressamente previstos na lei, sendo os baldios insusceptíveis de apropriação e de usucapião.
6. Na acção de reivindicação, entre o pedido primário reclamado pelo proprietário, ou seja, o reconhecimento - "pronunciatio" - do seu direito de propriedade e a consequência lógica que será a restituição – “condemnatio” - do que lhe pertence, poder-se-á verificar uma ruptura, obstando à procedência da reclamada reivindicação, a qual ocorrerá se o demandado ocupar o prédio com titulo que o legitime, sendo que a invocação dos respectivos factos consubstancia uma verdadeira excepção peremptória, nos termos da lei civil adjectiva.
7. O direito de resolução é considerado no sistema legal vigente como uma mera faculdade e uma das alternativas que se oferecem, num contrato bilateral, ao credor adimplente, para reagir contra o incumprimento “lato sensu” da contraparte.
8. O nosso direito adjectivo civil consagra o chamado dever de boa-fé ou de probidade processual, constituindo a litigância de má fé, a mais grave violação desses deveres.
9. O Tribunal de recurso, assumindo a substituição do Tribunal recorrido, procede à reforma, quanto a custas, da proferida demanda, quando esta, como é o caso, omitiu a respectiva condenação por quem decaiu no deduzido pedido reconvencional.

IV. DECISÃO

Pelo exposto e decidindo, os Juízes que constituem este Tribunal, acordam em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelo Réu/B…, mantendo-se a sentença recorrida, procedendo-se, no entanto, à respectiva reforma, quanto a custas, determinando-se que da mesma fique a constar “Custas da Reconvenção, a cargo do Réu/Reconvinte/B…”
Custas da Apelação pelo Recorrente/B….
Notifique.

Porto, 24 de Março de 2014
Oliveira Abreu
António Eleutério
Maria José Simões