Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
86/08.0GBOVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EDUARDA LOBO
Descritores: ESCUTAS TELEFÓNICAS
ADMISSIBILIDADE
ACAREAÇÃO
LENOCÍNIO
PROXENETISMO
RUFIA
CONCURSO EFETIVO DE CRIMES
CRIMINALIDADE ORGANIZADA
Nº do Documento: RP2012032886/08.0GBOVR.P1
Data do Acordão: 03/28/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO E PROVIDO PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O despacho que autoriza a interceção e gravação de conversações telefónicas deve indicar razões que façam crer da sua necessidade e indispensabilidade, mas não tem de ser precedido da demonstração da inadequação à investigação de meios de prova menos invasivos.
II - O desrespeito dos prazos máximos estabelecidos nos nºs 3 e 4 do art. 188º do CPP não determina a proibição de utilização das escutas.
III - A violação das formalidades das operações de interceção e gravação de conversações telefónicas constitui nulidade dependente de arguição, a ser arguida até ao encerramento do debate instrutório ou, não havendo lugar a instrução, até cinco dias após a notificação do despacho que tiver encerrado o inquérito [art. 120º, nº 3, al. c), do CPP].
IV - A mera existência de contradição entre depoimentos não determina, obrigatória e necessariamente, a realização de acareação, cabendo ao julgador avaliar a relevância da sua realização em ordem à descoberta da verdade.
V - Ainda que versem sobre factos do pedido civil, às declarações do assistente não é aplicável o regime processual civil do depoimento de parte, designadamente no que respeita às declarações confessórias, sendo o respetivo valor probatório livremente apreciado pelo juiz, nos termos do art. 127º do CPP.
VI - As escutas telefónicas efetuadas durante o inquérito, uma vez transcritas em auto passam a constituir prova documental que o tribunal de julgamento pode valorar de acordo com as regras da experiência; essa prova documental não carece de ser lida em audiência e, no caso de o tribunal dela se socorrer, não é necessário que tal fique a constar da ata.
VII – A figura do proxeneta é distinta da do rufia ou rufião: o proxeneta é “corretor, negociador, agente, intermediário” ou “profissional intermediário em amores” que fomenta, facilita ou favorece o exercício da prostituição, ao passo que o rufia ou rufião “é aquele que vive à custa de mulheres de má nota”. No rufianismo ou rufianaria há apenas o aproveitamento de atividade alheia “sem que previamente o agente tenha desencadeado a situação que a desencadeou, não sendo sequer necessário que a iniciativa parta do agente, pois pode tratar-se de oferecimento espontâneo da prostituta”.
VIII - O lenocínio constitui prática de proxeneta, na medida em que a sexualidade remunerada da prostituta é incentivada, orientada e condicionada por quem a quer explorar.
IX - O bem jurídico protegido com a incriminação do Lenocínio é a liberdade sexual individual da prostituta e a sua dignidade pessoal; tais bens, como bens eminentemente pessoais que são, levam a que se verifique um concurso efetivo de crimes sempre que existir uma pluralidade de vítimas.
X - O acrescento sobre bens jurídicos pessoalíssimos aposto pela revisão de 2007 ao art. 30º do CP (nº3) introduz um limite negativo à aplicação da figura do crime continuado: não há crime continuado – existe, portanto, um concurso real de infrações – quando o agente tiver atacado bens pessoalíssimos de mais de um portador.
XI - A Lei nº 5/2002, de 11/01 [Lei de combate à criminalidade organizada e económico-financeira], alterada pela Lei nº 19/208 de 11.08, consagra uma verdadeira presunção juris tantum da origem ilícita dos bens de pessoas condenadas por algum dos crimes de catálogo, na medida em que um facto desconhecido e não comprovado – a ilicitude da origem do património – se infere de outros factos conhecidos e comprovados; a presunção dispensa a prova da origem ilícita, que normalmente caberia à acusação, fazendo recair sobre o arguido o ónus da prova da origem lícita de tais bens, ou seja, a prova da “congruência” do seu património [art. 9º, nº 3].
XII - A criminalização do Lenocínio, p. e p. pelo art.º 169º, nº 1, do CP, não se configura como inconstitucional, uma vez que a sua definição, em sede de direito ordinário, se reporta ao quadro de valores constitucionais consagrado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 86/08.0GBOVR.P1
1ª secção

Acordam na 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO
No âmbito do Processo Comum com intervenção do Tribunal Colectivo que corre termos na Comarca do Baixo Vouga - 1º Juízo de Instância Criminal – com o nº 86/08.0GBOVR, foram submetidos a julgamento os arguidos
B…,
C…,
D…,
E…,
F…,
G…,
H…,
I…,
J…,
K…,
L…,
M…,
N…,
O…,
P… e
Q…,
tendo a final sido proferido acórdão, depositado em 07.10.2011, que condenou, entre outros, os arguidos:
1. B…, como co-autor material de:
- oito crimes de lenocínio agravado, previstos e punidos pelo artigo 169º, nºs 1 e 2, alínea a), do Código Penal, nas penas de 3 anos de prisão (ofendida S…); 3 anos e 3 meses de prisão (ofendida T…); 2 anos e 10 meses de prisão (ofendida U…); 3 anos de prisão (ofendida V…); 3 anos de prisão (ofendida W…); 3 anos de prisão (ofendida X…); 3 anos de prisão (ofendida Y…) e 3 anos de prisão (ofendida Z…), respetivamente;
- oito crimes de lenocínio simples, previstos e punidos pelo artigo 169º, nº 1, do Código Penal, nas penas de 1 ano e 6 meses de prisão (ofendida AB…); 1 ano e 6 meses de prisão (ofendida AC…); 1 ano e 6 meses de prisão (ofendida AD…); 1 ano e 6 meses de prisão (ofendida AE…); 1 ano e 6 meses de prisão (ofendida AF…); 1 ano e 6 meses de prisão (ofendida AG…); 1 ano e 3 meses de prisão (ofendida AH…) e 1 ano e 3 meses de prisão (ofendida AI…), respetivamente;
- um crime de extorsão simples, previsto e punido pelo artigo 223º, nº 1, do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão (ofendida AJ…);
- um crime de coação simples, previsto e punido pelo artigo 154º, nº 1, do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão (ofendida T…), e
- um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86º, nº 1, alínea d), da Lei 5/2006, de 23-02, com as alterações introduzidas pela Lei 17/2009, de 06-05, na pena de 1 ano de prisão (munições),
absolvendo-o dos restantes crimes que lhe são imputados.
Efetuado o cúmulo jurídico das referidas penas parcelares, foi o arguido B…, condenado na pena única de 12 (doze) anos de prisão.
2. C…, como co-autor material de:
- quatro crimes de lenocínio agravado, previstos e punidos pelo artigo 169º, nºs 1 e 2, alínea a), do Código Penal, nas penas de 2 anos e 10 meses de prisão (ofendida S…); 2 anos e 8 mees de prisão (ofendida V…); 3 anos de prisão (ofendida AK…) e 2 anos de prisão (ofendida Z…), respetivamente;
- três crimes de lenocínio simples, previstos e punidos pelo artigo 169º, nº 1, do Código Penal, nas penas de 1 ano e 4 meses de prisão (ofendida AB…); 1 ano e 3 meses de prisão (ofendida AH…) e 1 ano de prisão (ofendida AL…), respetivamente;
- um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86º, nº 1, alínea d), da Lei 5/2006, de 23-02, com as alterações introduzidas pela Lei 17/2009, de 06-05, na pena de 3 meses de prisão (munições),
- um crime de detenção de branqueamento, previsto e punido pelo artigo 368º-A, nºs 1, 2 e 3, do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão (veículo),
absolvendo-o dos restantes crimes que lhe são imputados.
Efetuado o cúmulo jurídico das referidas penas parcelares, foi o arguido C… condenado na pena única de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão.
3. D…, como co-autor material de:
- seis crimes de lenocínio agravado, previstos e punidos pelo artigo 169º, nºs 1 e 2, alínea a), do Código Penal, nas penas de 3 anos de prisão (ofendida S…); 3 anos e 3 meses de prisão (ofendida T…); 3 anos de prisão (ofendida V…); 3 anos de prisão (ofendida AK…); 3 anos de prisão (ofendida X…) e 3 anos de prisão (ofendida Z…), respetivamente;
- cinco crimes de lenocínio simples, previstos e punidos pelo artigo 169º, nº 1, do Código Penal, nas penas de 1 ano e 4 meses de prisão (ofendida AB…); 1 ano e 6 meses de prisão (ofendida AM…); 1 ano e 6 meses de prisão (ofendida AG…); 1 ano e 6 meses de prisão (ofendida AH…) e 1 ano e 3 meses de prisão (ofendida AL…), respetivamente;
- um crime de extorsão simples, previsto e punido pelo artigo 223º, nº 1, do Código Penal, na pena de 10 meses de prisão (ofendida AJ…);
- um crime de roubo simples, previsto e punido pelo artigo 210º, nº 1, do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão (ofendida AJ…);
- um crime de coação simples, previsto e punido pelo artigo 154º, nº 1, do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão (ofendida T…), e
- um crime de branqueamento, previsto e punido pelo artigo 368º-A, nºs 1, 2 e 3, do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão (veículo),
absolvendo-o dos restantes crimes que lhe são imputados.
Efetuado o cúmulo jurídico das referidas penas parcelares, foi o arguido D… condenado na pena única de 11 (onze) anos de prisão.
4. E…, como co-autora material de:
- quatro crimes de lenocínio agravado, previstos e punidos pelo artigo 169º, nºs 1 e 2, alínea a), do Código Penal, nas penas de 1 ano e 10 meses de prisão (ofendida U…); 1 ano e 8 meses de prisão (ofendida W…); 1 anos e 6 meses de prisão (ofendida Y…) e 1 ano e 10 meses de prisão (ofendida Z…), respetivamente;
- quatro crimes de lenocínio simples, previstos e punidos pelo artigo 169º, nº 1, do Código Penal, as penas de 1 ano de prisão (ofendida AC…); 1 ano de prisão (ofendida AD…); 1 ano de prisão (ofendida AF…) e 10 meses de prisão (ofendida AG…), respetivamente;
absolvendo-a dos restantes crimes que lhe são imputados.
Efetuado o cúmulo jurídico das referidas penas parcelares foi a arguida E… condenada na pena única de 4 (quatro) anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 4 anos, sendo a suspensão acompanhada de regime de prova.
5. O…, como autor material de:
um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86º, nº 1, alínea e d), da Lei 5/2006, de 23-02, com as alterações introduzidas pela Lei 17/2009, de 06-05, na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão (“arma branca” e munições), suspensa na sua execução pelo período de 1 ano e 3 mses.
Foram ainda condenados os demandados:
a) B… e D… a pagarem, solidariamente, à demandante T… a quantia global de € 23.500,00 (vinte e três mil e quinhentos euros), a título de danos patrimoniais e não patrimoniais causados, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano (ou outra que venha a vigorar), a contar de 25-05-211, até integral pagamento;
b) C… e D… a pagarem, solidariamente, à demandante AK… a quantia global de € 12.500,00 (doze mil e quinhentos euros), a título de danos patrimoniais e não patrimoniais causados, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano (ou outra que venha a vigorar), a contar de 25-05-2011, até integral pagamento.
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Inconformados com o acórdão condenatório, dele vieram os arguidos B…, C…, D…, E… e O… interpor o presente recurso, extraindo das respetivas motivações as conclusões que se seguem.

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Neste Tribunal da Relação o Sr. Procurador-Geral Adjunto apôs o seu visto, em virtude de ter sido requerida a realização de audiência – artº 416º nº 2 do C.P.P.
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Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, procedeu-se a audiência a requerimento dos Arguidos/Recorrentes B… e E…, com observância do legal formalismo.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos: (transcrição)

1 - Os arguidos B… (também conhecido pelas alcunhas de B1… e B2…), C… (também conhecido pelas alcunhas de C1… e C2…) e D… (também conhecido pela alcunha de D1…), à época dos factos que a seguir se descrevem e até 06 de Janeiro de 2010, vinham, de forma regular, a explorar a prática da prostituição por parte de mulheres que praticavam relações sexuais com homens que para tal fim as procuravam, a troco de dinheiro, do qual uma parte era àqueles entregue.
2 - Os arguidos B…, C… e D… já se dedicavam a tal atividade há vários anos, conhecendo-se uns aos outros.
3 – Nesse contexto, os mesmos foram estreitando relações, atuando, relativamente a várias dessas mulheres, de forma concertada, assim exercendo um controlo territorial sobre os locais onde elas se prostituíam e outras que ali se fossem estabelecendo na prostituição, tudo com a finalidade de maximizarem os lucros obtidos com tal atividade de proxenetismo. 4 - Em função disso, pelo menos desde Setembro de 2007 e até 06 de Janeiro de 2010, tais arguidos, que desenvolviam essa atividade predominantemente na zona florestal entre Esmoriz e Ovar, na zona de … (Santa Maria da Feira) e em Estarreja (na estrada que liga tal localidade a …), passaram a atuar, com regularidade, conjugadamente em tal atividade de exploração da prostituição.
5 - De igual modo, os arguidos B…, C… e D… concertavam-se por forma a manterem essas mulheres frequentemente vigiadas (diretamente por eles ou por intermédio de terceiras pessoas que para o efeito com eles colaboravam, a seguir referidas), bem como a proceder regularmente à cobrança dos valores exigidos (diretamente ou por intermédio daquelas terceiras pessoas) a tais mulheres.
6 – Normalmente, tratavam eles próprios de vigiar diariamente os aludidos locais de prostituição, por vezes conjuntamente, reportando frequentemente uns aos outros (quer por contacto pessoal, quer através dos telemóveis que usavam) quais as mulheres que se encontravam a prostituir-se nos locais em questão e as que haviam faltado, o número de clientes que as mesmas haviam atendido e a forma como estavam a “trabalhar”, ou mesmo os valores das mesmas recebidos diária ou semanalmente.
7 – Por vezes, tais arguidos acordavam entre eles os locais que cada um iria vigiar em cada dia, quem iria fazer as cobranças daqueles valores a algumas das mulheres e quem faria o transporte destas, que dele necessitassem, de e para os locais de prostituição.
8 - Para levarem aquelas mulheres a prostituírem-se em seu benefício e sob as suas ordens, os arguidos B…, C… e D… abordavam aquelas que se dirigiam a tais locais para a prática da prostituição, começando por lhes dizer que para ali se dedicarem a tal atividade teriam que lhe pagar uma determinada quantia monetária, diária ou semanalmente, a troco do que eles, designadamente, lhes garantiriam segurança contra possíveis ataques de clientes ou de outras pessoas.
9 - Quando as mesmas recusavam pagar-lhes, os referidos arguidos diziam-lhes que, caso o não fizessem, as impediriam de ali se prostituírem, para o que afugentariam os potenciais clientes, mais lhes dizendo que não podiam garantir a segurança das mesmas, dando-lhes a entender que passariam a ser alvo de atos contra a respetiva integridade física, ou mesmo contra a vida, e contra o seu património.
10 - Relativamente a algumas delas, que se mostravam mais resistentes a aceitar pagar, os arguidos B…, C… e D… chegaram mesmo a colocar-se junto a elas, em atitudes agressivas e desafiadoras, impedindo a aproximação de clientes, intimidando-as com ameaças contra a sua integridade física e vida, exibindo-lhes objetos que elas julgaram serem armas de fogo (verdadeiras) e agredindo-as.
11 - Assim, várias de tais mulheres, que optaram por ali se prostituírem devido a graves dificuldades financeiras, ficavam com medo de que, caso não pagassem, não lograriam desenvolver com sucesso a sua atividade de prostituição em tais locais, mais temendo que os arguidos B…, C… e D…, diretamente ou por interpostas pessoas, atentassem contra a sua vida e integridade física e contra o seu património.
12 - Por causa de tal temor e não vislumbrando alternativa viável, por ser comum que, noutros locais de prostituição de rua, idênticas exigências e ameaças sejam feitas, tais mulheres aceitaram pagar àqueles os valores exigidos.
13 - Uma vez aceite por parte de tais mulheres o pagamento exigido, os arguidos B…, C… e D… prometiam às mesmas manterem vigiados os locais de prostituição para segurança delas e para que outras mulheres não se prostituíssem nos mesmos locais, assim evitando a sua concorrência, prometendo ainda, às que de tal necessitassem, que providenciariam pelo seu transporte de e para tais locais.
14 - Aqueles arguidos vigiavam assim as referidas mulheres, quer para garantir a segurança das mesmas, quer para verificar os proveitos por elas obtidos na prática da prostituição, quer ainda para se assegurarem de que as mesmas lhes pagavam os valores exigidos, acorrendo em auxílio daquelas quando os clientes não queriam pagar ou quando eram alvo de assalto ou de atos de violência física ou verbal.
15 - Os arguidos B…, C… e D… forneciam ainda preservativos a tais mulheres, quando necessário e por elas solicitado.
16 - Os mesmos transportavam de e para os aludidos locais algumas das mulheres que se prostituíam sob as suas ordens e que não dispunham de meio de transporte próprio, para o que usavam os seus próprios veículos automóveis.
17 - Para vigilância dos locais de prostituição referidos e para o transporte das prostitutas nos termos descritos, os arguidos B…, C… e D… usaram os seguintes veículos automóveis:
- o arguido B…, o veículo automóvel de marca “Renault …”, de matrícula ..-HE-.. (apreendido a fls. 4392), e o veículo automóvel de marca “Mercedes …”, de matrícula ..-..-50 (apreendido a fls. 4394);
- o arguido C…, o veículo automóvel de marca “Suzuki …”, de matrícula ..-..-NV (apreendido a fls. 4432), e o veículo automóvel de marca “Hyunday …”, de matrícula ..-IH-.. (apreendido a fls. 4434), e
- o arguido D…, o veículo automóvel de marca “Suzuki …”, de matrícula ..-..-PR (apreendido a fls. 4271), e o veículo automóvel de marca “Audi …”, de matrícula ..-..-ZC (apreendido a fls. 4273).
18 - Nessa sua atividade delituosa, pelo menos também a partir de Setembro de 2007 e até 06 de Janeiro de 2010, os arguidos B…, C… e D… contaram, nalgumas ocasiões, com a colaboração dos arguidos E… (conhecida também por “E1…”), mulher do arguido B… e que igualmente se prostituía nos aludidos locais; G… (conhecido também por “G1…”), F… (também conhecido pela alcunha de “F…”) e H… (conhecido também pela alcunha de “H1…”), que, ao longo do referido período temporal e sob as ordens de algum daqueles primeiros, de forma regular, vigiavam os referidos locais de prostituição, controlando a presença das mulheres e o número de clientes pelas mesmas atendidos, além de alguns deles receberem os valores monetários exigidos e as transportarem, quando necessário, de e para os locais de prostituição, reportando a algum daqueles três as decorrências de tal atividade e entregando os valores monetários recebidos.
19 - A arguida E… (E1…), que igualmente se dedicava à prática da prostituição, ía exercendo tal atividade, de forma alternada, nas referidas zonas de Ovar, Estarreja e Santa Maria da Feira.
20 - Por incumbência do arguido B…, seu marido, a arguida E… vigiava algumas das mulheres que se prostituíam nos locais onde a mesma se encontrava, dando conta àquele de quais aí se encontravam a prostituir-se, do número de clientes que cada uma atendia e dos valores monetários que com tal actividade já teriam realizado, bem como recebia das mesmas o dinheiro a ele destinado.
21 - A arguida E… igualmente contactava com aquele caso alguma mulher não autorizada por ele fosse prostituir-se para aqueles locais, relatando-lhes tais situações.
22 - A arguida E… estava ainda incumbida de transportar de e para os locais de prostituição algumas das mulheres em questão, que de tal necessitavam, por não terem meio de transporte próprio, o que fazia no seu veículo de marca “Mercedes …”, de matrícula ..-EL-.. (apreendido a fls. 4396), que também por si era usado na sua atividade de prostituição, em cujo interior, além do mais, atendida os seus próprios clientes.
23 - O arguido G… (“G1…”), por incumbência do arguido B…, vigiava algumas das mulheres que se prostituíam na referida zona de …. (Santa Maria da Feira), dando-lhe conta das decorrências de tal atividade, designadamente quais as mulheres que aí se encontravam a prostituir-se em cada dia, do número de clientes que cada uma atendia e dos valores monetários que com tal atividade já teriam realizado, bem como recebia delas o dinheiro àquele destinado.
24 - O arguido G… contactava com aquele caso alguma mulher não autorizada por ele fosse prostituir-se para aqueles locais, relatando-lhe tais situações.
25 - O arguido G… igualmente estava incumbido de transportar de e para o referido local de prostituição algumas das mulheres em questão, que de tal necessitavam, por não terem meio de transporte próprio, o que fazia em veículos do arguido B…, nomeadamente no veículo de marca “Renault …”, de matrícula ..-HE-.., acima referido.
26 - Como contrapartida da colaboração assim prestada, além de outros serviços que desempenhava para a respetiva família, o arguido G… recebia do arguido B… valores em dinheiro, de montante não apurado.
27 - O arguido F… (“F1…”) vigiava regularmente algumas as mulheres que se prostituíam na sobredita zona de Estarreja, dando conta ao arguido B… das decorrências de tal atividade, designadamente quais as mulheres que aí se encontravam a prostituir-se em cada dia, o número de clientes que cada uma atendia e quando alguma mulher não autorizada por ele fosse prostituir-se para aquele local, relatando-lhes tais situações.
28 - O arguido F… também acompanhava o arguido B… em algumas das situações em que o mesmo atuava por forma a intimidar as mulheres que se recusavam a pagar os valores exigidos e as mulheres que iam prostituir-se para aqueles locais sem autorização do mesmo.
29 - Como contrapartida da colaboração assim prestada, o arguido F… recebia valores em dinheiro, de montante não apurado.
30 - O arguido H… (“H1…”), por incumbência do arguido D… (com quem mantinha relação de maior proximidade), e por vezes do arguido B…, vigiava algumas das mulheres que se prostituíam na sobredita zona florestal de Ovar, dando conta àqueles das decorrências de tal atividade, designadamente quais as que aí se encontravam a prostituir-se em cada dia e o número de clientes que cada uma atendia, bem como recebia, pontualmente, o dinheiro destinado ao primeiro.
31 - O arguido H… igualmente contactava com aqueles caso alguma mulher não autorizada por eles fosse prostituir-se para esse local, relatando-lhe tais situações.
32 - O arguido H… também acompanhou os arguidos D… e B… em algumas das situações em que os mesmos atuavam por forma a intimidar as mulheres que se recusavam a pagar os valores exigidos ou as mulheres que iam prostituir-se para aqueles locais, sem autorização dos mesmos.
33 - Como contrapartida da colaboração assim prestada, o arguido H… recebia valores em dinheiro, de montante não apurado.
34 - Até 30 de Dezembro de 2008, o arguido I… (conhecido por “I1…”) encontrou-se preso, em cumprimento de pena de prisão, a que fora condenado pela prática de crimes de homicídio tentado, passando naquela data a estar em regime de antecipação da liberdade condicional, mediante obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica, pelo período de 11 meses e 01 dia, cujo termo ocorreu em 01-12-2009.
35 - Durante aquele regime de antecipação da liberdade condicional, ficou o arguido I… autorizado a ausentar-se do seu domicílio para trabalhar, diariamente e durante o período da tarde.
36 - Até à referida data de 30-12-2008, o arguido I… beneficiou de várias medidas de flexibilização da pena que cumpria, nomeadamente licenças por motivo especial, saídas de curta duração e saídas precárias prolongadas, tendo beneficiado destas últimas, com duração de 03 a 04 dias, desde finais de 2007, designadamente com início em 23-12-2007, 21-03-2008, 13-06-2008, 18-09-2008 e 24-12-2008.
37 – Na sua vida quotidiana e para contactarem uns com os outros, designadamente no âmbito da descrita atividade, os arguidos B…, C…, D…, E…, G…, F…, H… e I… usavam os respetivos telemóveis, nomeadamente:
- o B…, os telemóveis nºs ……… e ………, intercetados no âmbito destes autos;
- o C…, o telemóvel nº ……….., intercetado no âmbito destes autos;
- o D…, o telemóvel nº ………, intercetado no âmbito destes autos;
- a E…, os telemóveis nºs ……… e ………., intercetados no âmbito destes autos;
- o G…, o telemóvel nº ………, intercetado no âmbito destes autos;
- o F…, o telemóvel nº ………, intercetado no âmbito destes autos;
- o H…, o telemóvel nº ………, intercetado no âmbito destes autos, e
- o I…, o telemóvel nº ……….
38 – A generalidade das prostitutas em questão, vendo os locais que usavam vigiados pelos referidos arguidos, sentiam-se a salvo de atos de violência e de assaltos por parte de clientes e de outros indivíduos, sentiam estar garantido que os clientes não omitiriam o pagamento dos atos sexuais praticados e sentiam que não teriam concorrência de outras mulheres nas zonas que lhes estavam destinadas, pelo que julgavam facilitado o exercício da prostituição em tais locais, assim continuando a exercer tal atividade por conta daqueles.
39 – Agumas das mulheres, por força das exigências de pagamento feitas pelos arguidos B…, C… e D…, para as poderem satisfazer e ter ainda vantagem patrimonial no exercício da prostituição, viam-se, por outro lado, obrigadas a atender e a praticar atos sexuais remunerados com um número mais elevado de clientes.
40 - Relativamente a algumas mulheres, que pretenderam deixar de se prostituir sob as ordens dos mesmos e deixar de lhes entregar as quantias monetárias exigidas ou se mostraram ocasionalmente relutantes em o fazer ou que lhes desobedeceram, os arguidos B…, C… e D… usaram de ameaças e de violência física e psicológica contra as mesmas, para as forçarem a cumprir as regras por eles impostas, a manterem-se no exercício da prostituição sob as suas ordens e a entregar-lhes dinheiro.
41 – Algumas vezes, os arguidos B… e D… exibiram, perante tais mulheres, objetos que elas julgaram serem armas de fogo verdadeiras (e que isso aparentavam), com o objetivo de as intimidarem e as manterem submissas, sendo igualmente frequente, com o mesmo objetivo, propalarem entre as prostitutas atos de agressão a algumas delas.
42 - Por via de tudo disso, os arguidos B…, C… e D… obtiveram a entrega, por parte das mulheres que exploravam, de quantias monetárias que chegavam a atingir individualmente os € 30,00 e os € 50,00 diários ou, em alternativa, os € 200,00 e os € 250,00 semanais, sendo certo que algumas delas cobravam aos respetivos clientes a quantia de € 15,00, por cada relação sexual mantida.
43 - Os arguidos E… (“E1…”), G… (“G1…”), F… (“F1…”) e H… (“H1…”) conheciam perfeitamente todas as atividades dos arguidos B…, D… e C…, nomeadamente que os mesmos visavam o eficaz desenvolvimento da atividade de exploração sexual das referidas prostitutas, para daí serem obtidos lucros monetários, e a continuidade de tal atividade.
44 - Os arguidos B…, C… e D… quiseram e conseguiram, assim, conjugar, regularmente, esforços na prática reiterada e contínua da descrita atividade de exploração da prostituição, de forma concertada e por acordo entre os três, com o objetivo comum de daí retirarem proveitos económicos, o que mantiveram durante aquele período temporal.
45 - Os arguidos B…, C… e D…, bem como os arguidos E…, G…, F… e H… sabiam que, com as suas descritas atuações, fomentavam ou favoreciam e facilitavam o exercício da prostituição por parte de várias mulheres, nomeadamente as que adiante se referem, de forma reiterada e constante, obtendo lucros monetários resultantes de tal atividade, o que quiseram.
46 - Os arguidos B…, C… e D…, bem como os arguidos E…, G…, F… e H…, igualmente sabiam que cada um dos demais, atuando isolada ou conjugadamente com outros, usariam de ameaças e de violência física e psicológica contra algumas da prostitutas exploradas, aceitando e conformando-se com tais ocorrências.
47 - No âmbito da sua descrita atividade delituosa, os arguidos B…, C… e D…, também com a colaboração, nalguns casos, dos arguidos E…, G…, F… e H…, exploraram assim, isolada ou conjuntamente, a prática da prostituição por parte de várias mulheres, entre as quais se contam as que a seguir se indicam.
48 - A arguida E…, desde, pelo menos, a década de 90 e até 06 de Janeiro de 2010, dedicou-se à atividade da prostituição, fazendo-o especialmente na mata de Ovar e na zona … (Santa Maria da Feira), mantendo relações sexuais com vários homens, a troco de pagamentos em dinheiro.
49 – Pelo menos nos últimos anos, o arguido B…, seu marido, acompanhava algumas vezes a arguida E… nos locais onde a mesma se prostituía, designadamente para olhar pela sua segurança.
50 – Com os valores obtidos na sua atividade de prostituição, a arguida E… sustentava, pelo menos em parte, a economia comum do casal.
A-1
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B
257 - Pelo menos desde Maio de 2009 e até 06 de Janeiro de 2010, o arguido L… explorou o estabelecimento comercial denominado “AN…”, situado na Rua …, nº .., em Santa Maria da Feira.
258 - Tal estabelecimento funcionava como bar de “alterne”, trabalhando ali várias mulheres que, a troco de fazerem companhia a clientes do sexo masculino e os levarem a consumir e a oferecer-lhes bebidas, auferiam uma comissão de valor não concretamente apurado, mas, pelo menos, de 30% do valor dispendido em bebidas consumidas pela respetiva mulher e cliente.
259 - Em Julho de 2009, o arguido D… acordou com o arguido L… passar a explorar tal bar conjuntamente com este, cabendo a cada um uma quota de 50%, para o que acertaram o preço de € 20.000,00 que o primeiro teria que pagar ao segundo, do qual foi pago nessa altura o valor de € 10.000,00.
260 - Para cumprimento dos € 10.000,00 em falta e por conta de tal valor, o arguido D… passou então a trabalhar naquele bar, sem auferir qualquer remuneração, às sextas-feiras, sábados e domingos, entre as 22.00 horas e as 02.00 horas da madrugada, gerindo-o conjuntamente com o arguido L….
261 - Assim, passaram ambos os arguidos a decidir, em conjunto, dos destinos de tal estabelecimento, nomeadamente quais as mulheres contratadas para ali trabalharem.
262 - Entre as mulheres admitidas pelos arguidos D… e L… para trabalharem no “AN…”, contaram-se as testemunhas AO…, AP… e AQ…, todas de nacionalidade brasileira e sem autorização de residência e de trabalho em território nacional, que eles aceitaram para exercerem “alterne” naquele estabelecimento, não obstante saberem que as mesmas não estavam habilitadas com qualquer título que lhes permitisse trabalhar em Portugal, por conta de empregador aqui domiciliado (como era o caso dos dois referidos arguidos).
263 - Estas três mulheres vieram para Portugal em 23 de Setembro de 2009, tendo o arguido D… e a sua namorada AS… ido buscá-las ao aeroporto e levado as mesmas para a casa de habitação desta, familiar e amiga daquelas.
264 – Pelo menos no início de Outubro de 2009, os arguidos D… e L… aceitaram as referidas AO…, AP… e AQ… para trabalharam no “AN…”, sob as suas ordens e direção.
265 - Desde então e até início de Janeiro de 2010, as referidas AO…, AP… e ZQ…, que nessa atividade usavam os pseudónimos respetivamente de “AO1…”, “AP1…” e “AQ1…”, trabalharam naquele estabelecimento como “alternadeiras”, as duas primeiras regularmente em alguns dias da semana e esta última pelo menos numa ocasião, tendo como funções fazer companhia aos clientes, bem como convencê-los a consumir mais bebidas e a pagar-lhes bebidas que elas próprias consumiam.
266 - Como remuneração de tal trabalho, cada uma delas auferia, em cada noite de trabalho, uma comissão correspondente a, pelo menos, 30% do valor pago pelo cliente que cada uma acompanhasse.
267 - Tal remuneração era paga às mesmas no final de cada noite de trabalho, tanto pelo arguido D…, como pelo arguido L….
268 – As referidas AO…, AP… e AQ… eram normalmente transportadas de e para aquele bar pelo arguido D… no seu veículo automóvel, de matrícula ..-..-PR, e quando assim não sucedia tal transporte era realizado de táxi, que aquele pagava.
269 - Os arguidos D… e L… sabiam que não podiam admitir a trabalhar em tal estabelecimento pessoas de nacionalidade estrangeira, sem habilitação para o exercício de uma atividade profissional em Portugal, nomeadamente as acima referidas, o que quiseram e fizeram, com o intuito de assim rentabilizarem os proveitos monetários obtidos naquele estabelecimento.
C
270 - O arguido B… foi, desde pelo menos Setembro de 2001 e até 06 de Janeiro de 2010, possuidor de duas armas caçadeiras, uma delas de marca “Benelli”, modelo “…”, de um só cano, com o nº ……., e a outra de marca “Mundial”, de dois canos paralelos, com o nº ……, ambas de calibre 12/76 (12 Gauge), que guardava na sua residência e para as quais tinha uma autorização permanente de simples detenção no domicílio (emitida em 20-09-2001).
271 - No dia 06 de Janeiro de 2010, o arguido B… tinha guardadas na sua habitação, situada na Rua …, nº …., …, Vila Nova de Gaia:
- as suas referidas espingardas caçadeiras;
- num compartimento dissimulado num roupeiro, 50 (cinquenta) munições de calibre 6,35 mm Browning (também denominado .25 AUTO), com todos os seus componentes e em condições de serem disparadas;
- 130 (cento e trinta) cartuchos de caça (munições) de calibre 12 Gauge, com todos os seus componentes e em condições de serem disparados,
armas e munições estas que lhe foram então apreendidas no âmbito de busca domiciliária de que foi alvo nestes autos.
272 - O arguido B… destinava tais cartuchos para, pelo menos, serem por si usados nas armas que detinha.
273 – O arguido C…, na sua casa de habitação situada na Rua …, nº …, em …, Ovar, detinha, na data de 06 de Janeiro de 2010, 1 (uma) munição de calibre .38 SPECIAL, da marca S&B, tendo ainda 1 (uma) munição de calibre não apurado (por não ser visível a respetiva indicação) guardada no interior do seu referido veículo de marca “Suzuki …”, com a matricula ..-..-NV, que se encontrava no respetivo logradouro, munições essas que então lhe foram apreendidas, no âmbito de busca realizada nestes autos.
274 – O arguido N… tinha guardados na sua casa de habitação, situada na …, Lote .., .º Esquerdo, …, Vila Nova de Gaia, um revólver de marca “TAURUS”, de calibre .22 Magnum, de cor prateada, com coronha em matéria plástica de cor preta, tendo o respetivo número de série rasurado, com o respectivo coldre em cabedal de cor preta, e 22 (vinte e duas) munições do mesmo calibre e destinadas a tal arma, onde vieram a ser apreendidos no dia 06 de Janeiro de 2010, no âmbito da busca de que foi alvo nestes autos.
275 - Na mesma data, naquela habitação, tinha o arguido N… igualmente guardados 5 (cinco) cartuchos de caça, sendo um deles de calibre 12 Gauge, carregado com chumbo de granulagem 7 ½, e os restantes de calibre 36 Gauge, carregados com chumbo miúdo, todos em condições de serem disparados e apresentando todos os seus componentes.
276 - Tinha ainda o arguido N… guardado no interior do seu veículo automóvel da matrícula ..-..-UU (de marca “Opel …”), uma arma branca, construída a partir de uma lâmina de sabre, de características corto-perfurantes e com cerca de 47 cm de comprimento, à qual foi acoplado um cabo fabricado artesanalmente e envolto em fita-cola preta.
277 - O arguido N… trazia tal arma consigo no referido veículo, destinando-a a ser usada, se necessário, como instrumento de intimidação e agressão.
278 - O arguido J… era possuidor de vários instrumentos de agressão, alguns dos quais transportava no seu automóvel, concretamente:
- uma navalha de ponta e mola, com o comprimento total, quando aberta, de cerca de 19.5 cm de comprimento, com cabo metálico cerca de 11 cm, dotada de lâmina metálica corto-perfurante, de um só gume, pontiaguda e com serrilhado oposto ao gume, com cerca de 8,5 cm de comprimento por 2,8 cm de largura na zona mais larga, ficando esta lâmina, quando fechada, ocultada no cabo, e sendo armada e exibida, de modo instantâneo, por meio de accionamento de uma mola sob tensão, através da pressão de um botão (tratando-se de uma navalha de abertura automática ou de ponta e mola);
- uma catana, da marca “Tramontina Brasil”, com o comprimento total de cerca de 50 cm, dotada de lâmina metálica de características corto-contundentes com cerca de 36,5 cm de comprimento;
- um bastão de fabrico artesanal, feito a partir de um pedaço de madeira, com o comprimento total de cerca de 80 cm, sendo a extremidade de impacto com a configuração de uma “moca”, tendo cerca de 7 cm de diâmetro na extremidade da empunhadura e cerca de 16 cm de diâmetro na zona de impacto, tratando-se de instrumento construído exclusivamente com o fim de ser utilizados como arma de agressão.
279 - Tais instrumentos de agressão vieram a ser apreendidos ao arguido J… no âmbito de busca de que foi alvo nestes autos, no dia 06 de Janeiro de 2010, estando então as referidas navalha e catana guardadas na sua casa, situada na Rua …, Lote .., .º Dto., em Vila Nova de Gaia, e o referido bastão guardado no interior do seu veículo automóvel de matrícula ..-..-HT.
280 - O arguido J… detinha tais instrumentos com o fim exclusivo de os usar como instrumentos de agressão e de intimidação de terceiras pessoas, se necessário fosse.
281 – No dia 06 de Janeiro de 2010, foi o arguido M… alvo de busca na sua casa de habitação, situada na Rua …, em …, Vila Nova de Gaia, sendo-lhe então aí encontradas, guardadas no seu quarto de dormir e no sótão, as seguintes munições:
- 46 (quarenta e seis) munições para arma de fogo de percussão central, de calibre .32 S&W;
- 1 (uma) munição para arma de fogo de percussão central, de calibre .32 Wad Cuter;
- 138 (cento e trinta e oito) munições para arma de fogo de percussão central, de calibre .32 S&W Long, e
- 60 (sessenta) munições para arma de fogo de percussão central, de calibre .32 H&R Magnun.
282 - O arguido M…, à época dos factos acima descritos, era titular de livrete para espingarda de caça da marca “Joprol”, nº ……, calibre 12, emitido em 20-04-2004, e de livrete para o revolver “Smith & Wesson”, calibre .32, emitido em 13-11-2007, bem como de autorização de detenção no domicílio, emitida para um revólver de calibre .32, que não foi localizado, autorização essa que não lhe permitia a aquisição e detenção de qualquer tipo de munições, mesmo que para tal arma.
283 - O arguido L…, pelo menos desde Fevereiro de 2009, detinha na sua posse uma pistola da marca "Unique", modelo “..”, de calibre .32 AUTO (7,65x17mm), de funcionamento semi-automático, de percussão central e cano estriado de cerca de 8 cm de comprimento, em normais condições de funcionamento, bem como munições para tal arma, além de uma culatra de arma de fogo (carabina).
284 - No dia 06 de Janeiro de 2010, tal arma encontrava-se na casa de habitação do arguido L…, situada na Rua …, n.º …., ..º Esquerdo, em …, Ovar, sendo apreendida no âmbito de busca de que então foi alvo nestes autos, estando então o respetivo carregador municiado com seis munições daquele mesmo calibre, em bom estado de conservação e em condições de serem disparadas.
285 - O arguido O… (também conhecido pela alcunha de “O1…”), pelo menos a partir de Setembro de 2009, era detentor de várias munições para armas de fogo, não obstante não ser titular de qualquer licença ou autorização que a tal o habilitasse.
286 - O mesmo tinha tais munições guardadas na casa de habitação da sua ex-companheira, AT…, e onde havia residido com a mesma antes de se separarem, o que ocorreu naquela altura, situada na Rua …, em …, Aveiro.
287 - Nessa casa de habitação, tinha o arguido O… guardados, à data de 06 de Janeiro de 2010, os seguintes objectos:
- 39 (trinta e nove) cartuchos para arma de caça, de calibre 12, de diversas marcas, todos por deflagrar;
- 7 (sete) munições para arma de fogo, de calibre .22;
- um bastão de configuração semelhante aos das forças de segurança (PSP e GNR), com cerca de 78 cm de comprimento e 2,5 cm de diâmetro, revestido em material sintético de cor preta, tratando-se de objeto construído com o fim exclusivo de ser usado como instrumento de agressão e intimidação.
288 - Tais objetos foram nessa data apreendidos, no âmbito de busca de que então o arguido O… foi alvo nestes autos.
289 - Na casa de habitação situada na Rua …, em …, Aveiro, alvo de buscas nesse mesmo dia 06 de Janeiro, foi apreendida uma munição de calibre 6,35 mm.
290 - Os arguidos B…, C…, N…, J…, L…, M… e O… sabiam que não podiam deter as referidas armas ou munições nos termos descritos, sem que fossem titulares das correspondentes licenças e autorizações, mas não se abstiveram de agir do modo descrito, o que quiseram e fizeram.
291 - Para os contactos quotidiandos e com os demais arguidos, o O…, o N… e o M… usavam os seguintes telemóveis:
- O…, o seu telemóvel com o nº ………, intercetado no âmbito destes autos;
- o N…, o seu telemóvel com o nº ………, intercetado no âmbito destes autos, e
- o M…, o seu telemóvel com o nº ………, intercetado no âmbito destes autos.
D
292 - Com as sua aludida atividade de exploração da prostituição, cometida nos termos descritos, os arguidos C…, D…, B…, E…, F…, G… e H… obtinham proveitos económicos.
293 - O arguido F…, que à época de tais factos era casado com AU..., durante o referido período temporal não exerceu de modo regular e constante uma atividade profissional lícita, remunerada ou geradora de rendimentos.
294 - Nos cinco anos que antecederam a constituição do mesmo como arguido no âmbito destes autos (ocorrida em 06-01-2010), o arguido F… e sua mulher declararam os seguintes rendimentos, para efeitos de tributação em IRS:
- em 2005: os valores líquidos de € 3.972,42, auferido por ele, e de € 8.205,97, auferido por ela;
- em 2006: os valores líquidos de € 4.050,67, auferido por ele, e de € 8.191,26, auferido por ela;
- em 2007: os valores líquidos de € 1.200,16, auferido por ele, e de € 4.921,80, auferido por ela;
- em 2008: o valor líquido de € 5.882,35, auferido exclusivamente por ele, e
- em 2009: o valor líquido de € 5.834,97, auferido exclusivamente por ele.
295 - Os proveitos económicos obtidos pelo arguido F… com a descrita atividade de exploração da prostituição, cujo valor não se logrou apurar, permitiram-lhe complementar os seus rendimentos e contribuir também para o seu sustento e do respetivo agregado familiar.
296 - O arguido G…, durante o referido período temporal não exerceu qualquer atividade profissional regular e constante, remunerada ou geradora de rendimentos lícitos, sendo beneficiário de uma pensão de reforma.
297 - Nos cinco anos que antecederam a constituição do mesmo como arguido no âmbito destes autos (ocorrida em 06-01-2010), o arguido G… declarou, a título individual, os seguintes rendimentos, para efeitos de tributação em IRS:
- em 2005: o valor líquido de € 2.714,94;
- em 2006: o valor líquido de € 5.369,20;
- em 2007: o valor líquido de € 13.976,80;
- em 2008: o valor líquido de € 14.290,30 e
- em 2009: o valor líquido de € 14.598,06.
298 - Os proveitos económicos obtidos pelo arguido G… com a descrita atividade de exploração da prostituição, cujo valor não se logrou apurar, permitiram-lhe complementar os seus rendimentos e contribuir também para o seu sustento e do respetivo agregado familiar.
299 - O arguido H…, durante o referido período temporal não exerceu qualquer atividade profissional regular e lícita, remunerada ou geradora de rendimentos.
300 - Nos cinco anos que antecederam a constituição do mesmo como arguido no âmbito destes autos (ocorrida em 06-01-2010), ou seja, para os anos fiscais de 2005 a 2009, o arguido H… não declarou qualquer rendimento para efeitos de tributação em IRS, sendo certo que, pelo menos desde finais de 2006, tinha pendentes contra si várias execuções fiscais, no valor global de cerca de € 538.260,00, para as quais já havia sido citado em 13-12-2006.
301 - Os proveitos económicos obtidos pelo arguido H… com a descrita atividade de exploração de prostituição, cujo valor não se logrou apurar, permitiram-lhe, pelo menos em parte, prover ao seu sustento.
302 - O arguido I…, durante a maior parte do referido período temporal não exerceu de modo regular e constante uma atividade profissional lícita, remunerada ou geradora de rendimentos, nomeadamente devido ao facto de ter estado preso conforme acima descrito.
303 - Nos cinco anos que antecederam a constituição do mesmo como arguido no âmbito destes autos (ocorrida em 06-01-2010), ou seja, para os anos fiscais de 2005 a 2009, o arguido I… apenas declarou rendimentos, para efeitos de tributação em IRS, no ano de 2009, sendo os mesmos no valor líquido de € 4.981,78.
304 - O arguido C…, que à época de tais factos era casado com AV…, não exerceu durante o referido período temporal qualquer atividade profissional regular e lícita, remunerada ou geradora de rendimentos, tendo sido beneficiário de subsídio de desemprego a partir de 22-07-2008, por um período de 720 dias, no valor de € 374,10 mensais.
305 - Nos cinco anos que antecederam a constituição do mesmo como arguido no âmbito destes autos (ocorrida em 06-01-2010), o arguido C… e sua mulher declararam os seguintes rendimentos, para efeitos de tributação em IRS:
- em 2005: não apresentaram qualquer declaração de rendimentos; - em 2006: não apresentaram qualquer declaração de rendimentos; - em 2007: rendimentos de categoria A, no valor líquido de € 1.802,25, auferidos exclusivamente pelo arguido C…;
- em 2008: rendimentos de categoria A, no valor líquido de € 1.824,01, auferidos exclusivamente pelo arguido C…;
- em 2009: não apresentaram qualquer declaração de rendimentos, tudo no valor global de € 3.626,26.
306 - Nos anos de 1994 a 2004, o arguido C… e sua mulher igualmente não apresentaram qualquer declaração de rendimentos.
307 - Não obstante, nesse período temporal e provenientes da sua descrita atividade de exploração de prostituição, logrou o arguido C… obter quantias em dinheiro, que lhe permitiram proceder ao depósito em numerário de várias quantias, na sua conta bancária nº …………., da AW…, as quais se indicam por valor global anual:
- em 2005, o valor de € 14.715,00;
- em 2006, o valor de € 46.290,00;
- em 2007, o valor de € 29.402,50;
- em 2008, o valor de € 10.518,38, e
- em 2009 (até 16-12-2009), o valor de € 7.691,55,
tudo no valor global de € 108.617,43.
308 - A conta bancária nº …………., da AW…, titulada pelo arguido C…, encontra-se com o respetivo saldo apreendido à ordem dos presentes autos, desde 06-01-2010, sendo o mesmo, nessa data, no valor de € 3.300,31 (três mil e trezentos euros e trinta e um cêntimos) – (conforme resulta de fls. 5809 e 6240 destes autos).
309 - Os valores assim depositados na referida conta bancária da AW…, de titularidade do arguido C…, são provenientes da descrita atividade ilícita deste, de exploração de prostituição.
310 - Dos valores obtidos com essa mesma atividade, o arguido C… igualmente manteve parte na sua posse, em numerário, que guardava na sua casa de habitação, nomeadamente:
- a quantia de € 30.000,00, em notas do Banco Central Europeu, que usou para pagar o preço do referido veículo de matrícula ..-IH-.., por si adquirido no dia 23-10-2009, e
- a quantia de € 4.860,00, em notas do Banco Central Europeu, apreendida na sua habitação, quando da busca ali realizada em 06-01-2010.
311 - Foi com os rendimentos provenientes dessa mesma atividade de exploração da prostituição que o arguido C… logrou adquirir aquele veículo de matrícula ..-IH-.. (apreendidos à ordem destes autos).
312 - O arguido C… obteve, assim, com a sua descrita atividade de exploração de prostituição, pelo menos, os referidos rendimentos nos cinco anos anteriores à sua constituição como arguido (por desconformes aos seus rendimentos declarados).
313 - O referido veículo de matrícula ..-IH-.. (“Hyunday …”), foi comprado pelo arguido C… em 23 de Outubro de 2009, no estabelecimento de venda de automóveis denominado “AX…”, em …, Aveiro, sendo o preço respetivo de € 38.500,00.
314 - Para o efeito, dias antes, o arguido C… dirigiu-se àquele estabelecimento, acompanhado do arguido B…, onde viu vários veículos ali expostos para venda, escolhendo aquele.
315 - Naquele dia 23, o arguido C… voltou àquele estabelecimento, acompanhado do arguido Q… (seu genro), ali acordando aquele com o vendedor daquele stand a aquisição do referido veículo, pelo mencionado preço, mais acordando dar de retoma o seu veículo de matrícula ..-..-SL (de marca “BMW …”), então avaliado em € 8.500,00, e pagar o remanescente valor de € 30.000,00 em dinheiro.
316 - Porém, conforme previamente havia sido combinado entre ambos, os arguidos C… e Q… disseram àquele vendedor que o veículo assim adquirido iria ser registado em nome deste último, razão pela qual tal vendedor elaborou a respetiva proposta de compra em nome do arguido Q…, preenchendo também em nome deste a declaração-requerimento para inscrição no registo automóvel e a favor do mesmo do direito de propriedade sobre tal veículo, documentos nos quais o Q… então apôs a sua assinatura nos locais destinados à assinatura do comprador.
317 - Em função disso e tendo a “AX…” tratado da inscrição no registo automóvel da transmissão de propriedade sobre tal veículo, para o que usou tal declaração-requerimento, veio o referido veículo de matrícula ..-IH-.. (“Hyunday …”) a ficar registado em nome do arguido Q….
318 - Porém, foi o arguido C… quem suportou o custo da aquisição de tal veículo automóvel de matrícula ..-IH-.., para o que fez entrega à “AX…, SA”, do seu referido “BMW …” e daquele valor de € 30.000,00 em numerário, o que ocorreu nesse mesmo dia, logo levando consigo o “Hyunday …”.
319 - O arguido C… adquiriu tal veículo para si e dele passou a fazer uso exclusivo, pois não obstante o arguido Q… ter ficado a figurar como comprador do mesmo, com o descrito negócio aquele primeiro pretendia ter, como teve até à data da sua apreensão, o absoluto e exclusivo domínio, uso e fruição do veículo automóvel em questão.
320 - Os arguidos C… e Q… acordaram entre si proceder à aquisição do veículo automóvel de matrícula ..-IH-.. pela forma descrita, sendo o primeiro com o intuito de que ficasse a constar ser o segundo o titular do direito de propriedade sobre o mesmo e ocultar ser ele próprio o seu verdadeiro proprietário.
321 - Ao proceder, pela forma descrita, o arguido C… logrou converter dinheiro obtido com a atividade de exploração da prostituição num bem patrimonial de diferente natureza e registado em nome de pessoa diversa da que obteve tal rendimento.
322 - O arguido C… fê-lo com o intuito de dissimular a proveniência ilícita dos valores monetários utilizados no seu pagamento e ocultar a verdadeira titularidade do direito de propriedade sobre tal veículo, com vista a afastar de si eventuais suspeitas de que, pela acumulação de bens de valor elevado, se dedicasse a tal atividade ilícita e, caso viesse a ter que responder pelas mesmas, evitar a declaração de perda de tal veículo a favor do Estado.
323 - Os arguidos B… e E…, que então eram e são casados um com o outro sob o regime de comunhão de adquiridos, durante o referido período temporal não exerceram de modo regular e constante qualquer atividade profissional lícita, remunerada ou geradora de rendimentos, sendo que o primeiro apresentou o último desconto para a segurança social em Outubro de 2008, como trabalhador independente, tendo a segunda apresentado o último desconto para a segurança social em Junho de 2000, como trabalhadora dependente.
324 - Nos cinco anos que antecederam a constituição dos mesmos como arguidos no âmbito destes autos (ocorrida em 06-01-2010), os arguidos B… e E… apresentaram declarações de rendimentos conjuntas, para efeitos de tributação em IRS, declarando os seguintes rendimentos:
- em 2005: rendimentos de categoria B, sem qualquer retenção na fonte ou pagamento por conta, no valor de € 6.272,00, auferidos exclusivamente pelo arguido B…, não tendo a arguida E… declarado qualquer rendimento;
- em 2006: rendimentos de categoria B, sem qualquer retenção na fonte ou pagamento por conta, no valor de € 9.761,85, auferidos exclusivamente pelo arguido B…, não tendo a arguida E… declarado qualquer rendimento;
- em 2007: rendimentos de categoria B, sem qualquer retenção na fonte ou pagamento por conta, no valor de € 6.700,00, auferidos exclusivamente pelo arguido B…, não tendo a arguida E… declarado qualquer rendimento;
- em 2008: rendimentos de categoria B, sem qualquer retenção na fonte ou pagamento por conta, no valor de € 9.200,00, auferidos exclusivamente pelo arguido B…, não tendo a arguida E… declarado qualquer rendimento, e
- em 2009: rendimentos de categoria B, sem qualquer retenção na fonte ou pagamento por conta, no valor de € 5.750,00, auferidos exclusivamente pelo arguido B…, não tendo a arguida E… declarado qualquer rendimento,
tudo no valor global de € 37.683,85.
325 - Não obstante, nesse período temporal e proveniente das suas descritas atividades de exploração da prostituição, lograram os arguidos B… e E… obter quantias em dinheiro, que lhes permitiram proceder ao depósito em numerário e outros valores de vários montantes, nas contas bancárias de que eram e são titulares, adiante referidas, quantias essas que a seguir se indicam por valor global anual:
a) Na conta bancária nº ………, do Banco AY…, de que ambos os arguidos são titulares:
- em 2005, o valor de € 21.272,56;
- em 2006, o valor de € 10.000,87;
- em 2007, o valor de € 12.512,11;
- em 2008, o valor de € 26.439,41, e
- em 2009 (até 29-06-2009), o valor de € 4.580,00;
tudo no valor global de € 74.804,95.
b) Na conta bancária nº …………., da AW…, de que ambos os arguidos são titulares:
- em 2005, o valor de € 7.959,85;
- em 2006, o valor de € 15.524,73;
- em 2007, o valor de € 24.904,97;
- em 2008, o valor de € 14.396,30, e
- em 2009 (até 20-12-2009), o valor de € 11.920,42,
tudo no valor global de € 74.706,27.
c) Na conta bancária nº ………......, da AW…, de que ambos os arguidos são titulares:
- em 2005, o valor de € 7.000,00;
- em 2006, o valor de € 12.500,00;
- em 2007, o valor de € 27.000,00, e
- em 2008 (até 11-08-2008), o valor de € 25.000,00,
tudo no valor global de € 71.500,00.
d) Na conta bancária nº ………......, da AW… (aberta com a liquidação da conta referida em c) supra, de onde foi transferido o valor de € 20.220,86), de que ambos os arguidos são titulares:
- em 2008, o valor de € 12.500,00 e
- em 2009 (até 05-11-2009), o valor de € 22.520,00,
tudo no valor global de € 35.020,00.
e) Na conta bancária nº …………., da AW…, de que é única titular a arguida E…:
- em 2005, o valor de € 1.431,29;
- em 2006, o valor de € 1.570,00;
- em 2007, o valor de € 2.407,86;
- em 2008, o valor de € 4.255,00 e
- em 2009 (até 11-12-2009), o valor de € 1.350,00,
tudo no valor global de € 11.014,15.
f) Na conta bancária nº ………….., da AW…, de que é titular a arguida E…, juntamente com AZ… (mãe do arguido B…), em 2009 (até 07-12-2009), o valor global de € 20.456,19.
326 - Das referidas contas bancárias tituladas pelos arguidos B… e E…, encontram-se apreendidos à ordem dos presentes autos, desde 06-01-2010, as seguintes, cujos saldos a essa data se indicam:
- a conta bancária nº ………….., da AW…, com o saldo de € 5,77 (conforme resulta de fls. 6240 destes autos);
- a conta bancária nº …………., da AW…, com o saldo de € 10.000,96 (conforme resulta de fls. 5809 e 6240 destes autos);
- a conta bancária nº …………., da AW…, com o saldo de € 1,23 (conforme resulta de fls. 6240 destes autos), e
- a conta bancária nº ………….100, da AW…, com o saldo de € 1,24 (conforme resulta de fls. 6240 destes autos).
327 - Os valores assim depositados nas referidas contas bancárias de titularidade dos arguidos B… e E…, nomeadamente naquelas cujo saldo se encontra apreendido à ordem dos presentes autos, são provenientes das descritas atividades de exploração da prostituição por estes arguidos.
328 - Dos valores obtidos com essas atividades, os arguidos B… e E… igualmente mantinham parte na sua posse, em numerário, que guardavam na sua casa de habitação, nomeadamente a quantia de € 2.565,00, em notas do Banco Central Europeu, apreendida quando da busca ali realizada em 06-01-2010, no âmbito destes autos.
329 - Foi também com os rendimentos provenientes das suas descritas atividades delituosas que os arguidos B… e E… lograram adquirir os seguintes veículos, já referidos acima e apreendidos à ordem destes autos:
- o sobredito veículo automóvel de matrícula ..-HE-.., de marca “Renault …”, que o arguido B… comprou em Fevereiro de 2009, cujo direito de propriedade se encontra registado a seu favor. Para tal aquisição, o arguido B… contraiu empréstimo junto do BA…, cujas prestações pagou com aqueles rendimentos, encontrando-se registada a favor do referido banco uma garantia hipotecária sobre tal veículo;
- o sobredito veículo automóvel de matrícula ..-GU-.., de marca “Mercedes-Benz …”, que os arguidos B… e E… compraram em Dezembro de 2008, pelo preço de € 60.400,00 (cfr. fls. 10141). Para financiar tal aquisição, os arguidos B… e E… celebraram com a sociedade “BB…, SA”, contrato de locação financeira, em função do que tal entidade figura como adquirente daquele veículo e locadora do mesmo, figurando a arguida como sua locatária, factos estes levados ao registo automóvel em 17-02-2009. Os pagamentos das rendas decorrentes de tal contrato, de onde resultou uma expetativa de aquisição do direito de propriedade sobre tal veículo em benefício da arguida E…, foram sendo pagas pelos arguidos com aqueles rendimentos, deixando de as cumprir após a apreensão de tal veículo à ordem destes autos, sem que até à data aquela financeira tenha tratado da resolução do contrato, nem do cancelamento do registo da locação, ou sem que se tenha socorrido dos demais mecanismos previstos contratualmente para o incumprimento;
- o sobredito veículo automóvel de matrícula ..-EL-.., de marca “Mercedes …”, que os arguidos B… e E… compraram em Outubro de 2007, ficando o direito de propriedade respectivo registado em nome dela.
330 - Os arguidos B… e E… obtiveram, assim, com as suas descritas atividades de exploração de prostituição, que empreenderam em estreita colaboração, os referidos rendimentos nos cinco anos anteriores à sua constituição como arguidos, para o casal, que foram detendo, gerindo e usando no comum interesse de ambos e no âmbito da sua economia comum.
331 - O arguido D…, durante o período temporal referido, na parte que lhe respeita, não exerceu de modo regular e constante qualquer atividade profissional lícita, remunerada ou geradora de rendimentos, apresentando o seu último desconto para efeitos de segurança social em Dezembro de 2004.
332 - Nos cinco anos que antecederam a constituição do mesmo como arguido no âmbito destes autos, ou seja, nos anos fiscais de 2005 a 2009, o arguido D… não declarou quaisquer rendimentos. 333 - Não obstante, nesse período temporal e proveniente das sua descrita atividade de exploração de prostituição, logrou o arguido D… obter pagamentos de quantias monetárias, que lhe permitiram proceder ao depósito de vários montantes, em numerário e outros valores, nas contas bancárias de que foi titular, adiante referidas, quantias essas que a seguir se indicam por valor global anual:
a) Na conta bancária nº ……….., do Banco AY…:
- em 2005, o valor de € 5.180,75, proveniente de depósitos em numerário;
- em 2006, o valor de € 3.073,68, e
- em 2007, o valor de € 7.552,00,
tudo no valor global de € 15.806,43.
b) Na conta bancária nº …………., do Banco BC…:
- em 2005, o valor de € 17.807,05, e
- em 2006, o valor de € 51.429,74,
tudo no valor global de € 69.236,79.
c) Na conta bancária nº ………….., do Banco BC…:
- em 2005, o valor de € 21.943,52, e
- em 2006 (até 09-10-2006), o valor de € 3.939,70;
tudo no valor global de € 25.883,22.
334 - Os valores assim depositados nas referidas contas bancárias de titularidade do D… são provenientes da sua descrita atividade de exploração de prostituição.
335 - Após o final de 2007, o arguido D… deixou de ter qualquer valor monetário em contas bancárias por si tituladas.
336 - O arguido D… obteve, assim, com tal atividade de exploração de prostituição, os referidos rendimentos nos cinco anos anteriores à sua constituição como arguido (06-01-2010).
337 - O veículo de matrícula ..-..-ZC foi adquirido pelo arguido D… em Setembro de 2005, encontrando-se o direito de propriedade relativo ao mesmo registado a seu favor.
338 - Para aquisição de tal veículo de matrícula 39-23-ZC, o arguido D… contraiu empréstimo junto do Banco BD…, encontrando-se registada a favor desta entidade financeira reserva de propriedade sobre tal veículo, para garantia do pagamento do crédito assim concedido.
339 - Foi também com os rendimentos provenientes da sua descrita atividade que o arguido D… logrou adquirir, pelo menos, o já referido veículo de matrícula ..-..-PR (de marca “Suzuki …”), apreendido à ordem destes autos.
340 - O referido veículo de matrícula ..-..-PR (“Suzuki …”), foi comprado pelo arguido D… em Junho de 2008, à sociedade “BE…, Lda”, pelo preço de € 10.500,00.
341 - Para o efeito, o próprio arguido D… escolheu tal veículo para compra, negociou a mesma com o vendedor, tomou a decisão de o comprar, pagou o valor de entrada do mesmo (no montante de € 1.000,00) e tratou de obter financiamento para o restante valor de tal aquisição, bem como foi aquele que recebeu o veículo do vendedor, o tomou na sua posse e o vinha usando.
342 – Pretendia, porém, o arguido D… que tal veículo de matrícula ..-..-PR não ficasse registado em seu nome, pelo que, quando da compra referida, acordou com o vendedor que o negócio e o financiamento do mesmo seriam feitos em nome de terceira pessoa.
343 - Depois, o arguido D… contactou a testemunha BF…, pondo-a ao corrente da sua intenção de comprar aquele veículo, pedindo-lhe que figurasse como compradora do mesmo e contraente no pedido de financiamento.
344 - Assim, foi a referida BF… que assinou, na qualidade de compradora, o pedido de concessão de crédito e demais documentos exigidos pela financeira, forneceu-lhe os elementos relativos à sua conta bancária e, quando aprovado o crédito, todos os documentos para registo de propriedade do dito veículo a seu favor (nomeadamente o requerimento de registo de propriedade, apresentado ao registo em 09-07-2008).
345 - Em função disso, veio o referido veículo de matrícula ..-..-PR a ficar registado em nome da BF…, com reserva de propriedade a favor da sociedade “BG…, SA” que financiou parte do valor da sua aquisição, para garantia do pagamento do empréstimo concedido.
346 - O arguido D… adquiriu tal veículo para si e dele passou a fazer uso exclusivo, pois não obstante a BF… tenha ficado a figurar como compradora do mesmo, com o descrito negócio aquele primeiro pretendia ter, como teve até à data da sua apreensão, o absoluto e exclusivo domínio, uso e fruição do veículo automóvel em questão.
347 - O arguido BF… decidiu proceder à aquisição do veículo automóvel de matrícula ..-..-PR pela forma descrita, com o intuito de que ficasse a constar ser aquela a titular do direito de propriedade sobre o mesmo e ocultar ser ele o seu verdadeiro proprietário.
348 - Ao proceder pela forma descrita, para aquisição daquele veículo, o arguido D… logrou converter disponibilidades financeiras obtidas com a sua atividade de exploração da prostituição num bem patrimonial de diferente natureza e registado em nome de pessoa diversa da que obteve tal rendimento.
349 - O arguido D… fê-lo com o intuito de dissimular a proveniência ilícita dos meios financeiros utilizados no seu pagamento e ocultar a verdadeira titularidade do direito de propriedade sobre tal veículo, com vista a afastar de si eventuais suspeitas de que, pela acumulação de bens de valor elevado, o mesmo se dedicasse a tais atividades ilícitas e, caso viesse a ter que responder pelas mesmas, evitar a declaração de perda de tal veículo a favor do Estado.
E
350 - No dia 06 de Janeiro de 2010, no âmbito da investigação levada a efeito nos presentes autos, foram os arguidos alvo de buscas (como já referido).
351 - Quando da realização da busca ao apartamento situado na …, nº …., .º EF, em São João da Madeira, visando o arguido D…, foi este sujeito a revista, sendo encontrado na sua posse e apreendido o telemóvel de marca “Nokia”, modelo “…”, com o IMEI ……………, tendo inserido o cartão SIM da operadora BH… com o nº …………., correspondente ao contacto nº ……….
352 - Tal telemóvel era aquele que o arguido D… usava nos contactos por si mantidos no âmbito das suas referidas actividades ilícitas, nos termos acima descritos.
353 - Na mesma ocasião, foram apreendidos ao arguido D… os referidos veículos automóveis de marca “Suzuki …”, de matrícula ..-..-PR, e de marca “Audi …”, de matrícula ..-..-ZC, por ele usados e adquiridos nos termos acima descritos.
354 - Na casa de habitação dos arguidos B… e E…, situada na Rua …, nº …., …, Vila Nova de Gaia, foram encontrados e apreendidos, além do mais, os seguintes objetos:
- as duas armas caçadeiras de marca “Benelli”, modelo “…”, e de marca “Mundial” (já acima referidas);
- a autorização permanente de simples detenção no domicílio (emitida em 20-09-2001), em nome do arguido B…, com o nº ….., relativa àquelas caçadeiras;
- as 50 (cinquenta) munições de calibre 6,35 mm Browning (já acima referidas);
- os 130 (cento e trinta) cartuchos de caça (munições) de calibre 12 Gauge (já acima referidos);
- os telemóveis da marca “Samsung”, com o IMEl …………../., tendo inserido o cartão correspondente ao nº ………, e de marca “Nokia”, com o IMEI ………….., tendo inserido o cartão correspondente ao n° ………, ambos de propriedade da arguida E…;
- o telemóvel da marca “Nokia …”, com o IMEl ……………, tendo inserido o cartão correspondente ao n° ………, de propriedade do arguido B…, e
- a quantia de € 2.565,00 (dois mil e quinhentos e sessenta e cinco euros), em notas do Banco Central Europeu.
355 - As armas caçadeiras e as munições referidas foram detidas pelo arguido B… nos termos acima descritos.
356 - Os telemóveis referidos eram aqueles que os arguidos B… e E… usavam no âmbito das suas descritas atividades ilícitas, nos termos já acima referidos.
357 - O valor monetário referido foi obtido pelos arguidos B… e E… com as suas descritas atividades de exploração da prostituição.
358 - Na mesma ocasião, foram apreendidos aos arguidos B… e E… os referidos veículos automóveis de marca “Renault …”, de matrícula ..-HE-.., de marca “Mercedes …”, de matrícula ..-GU-.., e de marca “Mercedes …”, de matrícula ..-EL-.., por eles usados e adquiridos nos termos acima descritos.
359 - Na casa de habitação do arguido C…, situada na Rua …, nº …, em …, Ovar, foram encontrados e apreendidos os seguintes objetos:
- Os telemóveis de marca “NOKIA”, modelo “….”, com o IMEI …………..; de marca “SHARP”, com o IMEI ……………, tendo este inserido o cartão SIM da operadora BH… com o n° …………; de marca “SHARP”, com o IMEI ……………; de marca “NOKIA”, modelo “….”, com o IMEI …………..; de marca “NOKIA”, com o IMEI ……………, tendo este inserido o cartão SIM da operadora BH…/BI… com o n° …………; e de marca “NOKIA”, com o IMEI ……………, tendo este inserido o cartão SIM da operadora BJ… com o n° …………;
- as munições de calibre .38 SPECIAL, da marca S&B, e de calibre desconhecido (já referidas acima), e
- a quantia de € 4.860,00 (quatro mil e oitocentos e sessenta euros) em notas do Banco Central Europeu, estando separada em dois lotes, um deles de € 510,00 e o outro de € 4.350,00, este acondicionado numa bolsa em pano de tipo camuflado.
360 – Pelo menos um dos telemóveis referidos era aquele que o arguido C… foi usando no âmbito das suas descritas atividades ilícitas, nos termos já acima referidos.
361 - O valor monetário referido foi obtido pelo arguido C… com as suas descritas atividades.
361 - Na mesma ocasião, foram apreendidos ao arguido C… os referidos veículos automóveis de marca “Suzuki …”, de matrícula ..-..-NV, e de marca “Hyunday …”, de matrícula ..-IH-.., por ele usados e adquiridos nos termos acima descritos.
362 - Quando da realização da busca domiciliária na morada do arguido G…, situada na Rua …, …, Santa Maria da Feira, foi o mesmo sujeito a revista pessoal, sendo encontrado na sua posse, além do mais, o telemóvel de marca “Nokia”, com o IMEI ……………, tendo inserido o cartão SIM da operadora BH… a que corresponde o nº ………, o qual lhe foi então apreendido.
363 - Tal telemóvel era aquele que o arguido G… foi usando no âmbito das suas descritas atividades ilícitas, nos termos já acima referidos.
364 - Quando da realização da busca domiciliária na habitação do arguido F…, situada na Rua …, …, Oliveira de Azeméis, foi o mesmo sujeito a revista pessoal, sendo encontrado na sua posse, o telemóvel da marca “Nokia”, modelo “….”, com o IMEI ……/../……/., no qual se encontrava inserido o cartão SIM da operadora BH… correspondente ao nº ……….
365 - Tal telemóvel era aquele que o arguido F… foi usando no âmbito das suas descritas atividades ilícitas, nos termos já acima referidos.
366 - Realizada busca na casa de habitação do arguido L…, situada na Rua …, nº …., .º Esquerdo, …, Ovar, foi encontrado na posse do mesmo e apreendido o seguinte:
- a pistola da marca “Unique”, com o respetivo carregador e as suas munições, acima já descritos, bem como o coldre em couro, da marca “Veja”, no interior do qual estavam tais objetos acondicionados, e
- uma culatra própria para carabina.
367 - A referida pistola era detida pelo arguido L… nos termos acima descritos, sem que estivesse manifestada e registada em seu nome e sem que ele fosse titular de licença ou autorização para a deter, o mesmo sucedendo com a referida culatra, que constitui parte essencial de arma de fogo.
368 - Na casa de habitação do arguido J…, situada na Rua …, Lote .., .º Direito, em Vila Nova de Gaia, foram encontrados e apreendidos, além do mais, os seguintes objetos:
- a navalha de ponta e mola, a catana e o bastão de fabrico artesanal (já acima referidos e descritos) e
- um telemóvel de marca “NOKIA”, modelo “….”, com o IMEI ……………, tendo inserido o cartão SIM da operadora BH… com o nº …………, correspondente ao contacto nº ……….
369 - As armas referidas foram detidas pelo arguido J… nos termos acima descritos.
370 - Foi também visado pelas buscas referidas o arguido K…, nomeadamente na sua casa de habitação situada na Rua …, nº …, .° Esquerdo-Traseiras, Vila Nova de Gaia, sendo então encontrado na sua posse e apreendido, além do mais, o seguinte:
- o telemóvel de marca “Nokia”, modelo “….”, com o IMEI ……………, contendo no seu interior um cartão SIM da operadora BH… com o nº …………, correspondente ao contacto nº ………;
- o telemóvel de marca “Nokia”, modelo “….”, com o IMEI ……………, contendo no seu interior um cartão SIM da operadora BH… com o nº …………, correspondente ao contacto nº ………;
- os telemóveis de marca “Nokia”, modelo “….”, com o IMEI ……………; de marca “Nokia”, modelo ….”, com o IMEI ……………, contendo no seu interior um cartão SIM com o nº …………; de marca “LG”, modelo “….”, com o IMEI ……………., contendo no seu interior um cartão SIM da operadora BH… com o nº …………, correspondente ao contacto n° ………, da sua companheira BK…;
- dois aparelhos de telemóvel: um deles de marca “BH…/Blackberry”, com o IMEI ……………, e o outro de marca “Nokia”, modelo “….”, com o IMEI ……………, tendo inserido um cartão da operadora BH… com o nº …………, os quais se encontravam no interior do referido veículo de marca “Mercedes-Benz …”, de matricula nº ..-..-XB, de propriedade do K….
371 - Na mesma ocasião e junto àquela habitação, foi encontrado o referido veículo automóvel de marca “Mercedes-Benz …”, de matrícula nº ..-..-XB, o qual então lhe foi igualmente apreendido.
372 - Na casa de habitação do arguido N…, situada na …, Lote .., .° Esquerdo, …, Vila Nova de Gaia, foi encontrado na posse do mesmo e apreendido, além do mais, o seguinte:
- o já referido revólver de marca “TAURUS”, de calibre .22 Magnum, com o respectivo coldre em cabedal de cor preta, e uma caixa contendo vinte e duas munições do mesmo calibre, que se encontravam no quarto de dormir daquele, no interior do guarda-vestidos, acondicionados numa bolsa de cinta;
- os já referidos cartuchos de caça;
- a já referida arma branca, que se encontrava no interior do veículo daquele, estacionado junto daquela habitação, e
- os telemóveis de marca “Nokia”, modelo “….”, com o IMEI ……/………/.; de marca “Nokia”, com o IMEI ……………; de marca “Sony Ericson”, com o IMEI ……………; de marca “Alcatel”, com o IMEI ……………; de marca “Nokia” com o IMEI ……………, todos contendo os respectivos cartões SIM.
373 - As referidas armas e munições foram detidas pelo arguido N… nos termos acima descritos, sem que o mesmo fosse titular de qualquer licença ou autorização que lhe permitisse detê-las.
374 - Quando da busca realizada na casa de habitação do arguido M…, situada na Rua …, nº …, …, Vila Nova de Gaia, foram encontradas na sua posse e apreendidas as já referidas e acima descritas munições dos calibres .32 S&W, .32 Wad Cuter, .32 S&W Long e .32 H&R Magnum.
375 - O arguido M… detinha tais munições, sendo que nessa data o mesmo era titular apenas dos referidos livretes e de autorização de detenção no domicílio, esta emitida para um revólver de calibre .32, ali não encontrado.
376 - Na busca realizada na morada do arguido I…, situada na Rua …, nº …, …, Ovar, foi encontrado na sua posse e apreendido o telemóvel de marca “MOTOROLA”, com o IMEI ……………, tendo inserido o cartão SIM nº ………… da operadora BH…, correspondente ao contacto nº ……….
377 - Foi igualmente realizada busca na casa de habitação do arguido H…, localizada na Rua …, nº .., …, Santa Maria da Feira, sendo então encontrado na sua posse e apreendido o telemóvel de marca “NOKIA”, modelo “….”, com o IMEI ……………, contendo o cartão SIM da operadora Bl…, correspondente ao nº ……….
378 - Tal telemóvel era o que o arguido H… usava nos contactos mantidos no âmbito das suas descritas atividades ilícitas, nos termos acima referidos.
379 - Foi também alvo de busca o arguido O…, sendo-lhe encontrados e apreendidos, na casa de habitação da sua ex-companheira, situada na Rua …, nº .., Rés-do-chão, …, …, Aveiro, os cartuchos para arma de caça, munições para arma de fogo de calibre .22 e bastão de configuração semelhante aos das forças de segurança, já acima referidos e descritos.
380 - As referidas munições eram detidas sem que fosse titular de licença ou autorização que lho permitisse, sendo o referido bastão detido com o fim de poder ser usado como instrumento de agressão e intimidação.
F
381 - Os referidos arguidos agiram sempre de modo livre, consciente e voluntário, bem sabendo da censurabilidade e punibilidade das respetivas condutas.
G
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III – O DIREITO
Como se sabe, é pelas conclusões que os recorrentes extraem das motivações que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem, sem prejuízo da apreciação de questões de oficioso conhecimento e de que ainda se possa conhecer[1].
«São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respetiva motivação que o tribunal ad quem tem de apreciar»[2].
Considerando, porém, que a eventual procedência dos recursos interlocutórios poderá prejudicar o conhecimento das restantes questões suscitadas nos recursos interpostos do acórdão condenatório, começaremos por apreciar os recursos interlocutórios interpostos pelos arguidos B… e E… [fls. 10704 a 10716 e fls. 10894 a 10909].
Da nulidade de interceção e gravação das comunicações telefónicas:
Pretendem os recorrentes que se declarem nulas as escutas telefónicas constantes doa autos, como meio proibido de prova, bem como se declare a nulidade de todos os actos subsequentes que delas dependem, pelas seguintes razões, em suma:
i. os despachos judiciais que autorizaram as interceções das comunicações telefónicas foram proferidos sem que se esgotassem as possibilidades de utilização de outros meios de obtenção de prova menos invasivos na esfera dos arguidos;
ii. os aludidos despachos não se encontram devidamente fundamentados;
iii. à data da prolação de tais despachos não havia arguidos constituídos, tendo a autorização de escuta sido efetuada por referência ao aparelho e sucessivos cartões, sendo transcritas conversas informais via telemóvel de um arguido com a Inspetora da Polícia Judiciária;
iv. não foram cumpridos os prazos peremptórios estipulados no artº 188º nº 3 e 4 do C.P.P. por parte do OPC e do Mº Pº;
v. não está documentado nos autos controlo judicial sobre a indispensabilidade da continuação/renovação das escutas;
vi. os arguidos não foram chamados a exercer o contraditório quanto à destruição das conversações não relevantes para os autos.

Antes de mais importa referir que a decisão recorrida proferida a fls. 10232 a 10235 não se pronunciou sobre os fundamentos ora alegados em sede de recurso e supra transcritos nos pontos iii., v. e vi.
Como assim, visando os recursos modificar as decisões impugnadas e não criar decisões sobre matéria nova, não tomaremos conhecimento das questões agora suscitadas pelos recorrentes e transcritas nos pontos iii., v. e vi., por não ser lícito nas motivações invocar questões que não tenham sido objeto da decisão recorrida, isto é, questões novas, sendo ainda certo que este recurso não tem por objeto o acórdão final, mas antes um despacho proferido na fase de julgamento e, oportunamente, impugnado. Isto, naturalmente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso por este tribunal de recurso.
Importa, por isso, tomar posição sobre as questões i., ii. e iv., acima sumariadas: autorização de escutas sem se esgotarem possibilidades de utilização de outros meios de obtenção de prova, falta de fundamentação do despacho judicial que autorizou a interceção das comunicações telefónicas e falta de cumprimento dos prazos peremptórios previstos nos nºs. 3 e 4 do artº 188º do C.P.P., por parte do OPC e do MºP.
Alegam os recorrentes que todos os vícios invocados tornam nulas as escutas telefónicas realizadas, que constituem meio proibido de prova, provocando a nulidade de todos os atos subsequentes que delas dependerem e aqueles que puderem afetar.
Vejamos:
Ensina Costa Andrade[3] que as escutas telefónicas (sendo um dos «métodos ocultos de intervenção e de investigação» para fazer face «a uma fenomenologia criminal» cada vez mais sofisticada, que vai gozando «de uma imunidade privilegiada à devassa das instâncias formais de controlo»), enquanto meio de obtenção de prova, sobressaem por serem eficazes «do ponto de vista da perseguição penal» (visando garantir o ius puniendi do Estado), embora impliquem uma manifesta e drástica danosidade social» (destacando-se a «lesão irreparável do direito à palavra falada»), razão pela qual a lei impõe determinados pressupostos materiais e formais, exigindo do juiz uma “ponderação vinculada” dos interesses em jogo («por um lado, os sacrifícios ou perigos que a escuta telefónica traz consigo; e, por outro lado, os interesses mais relevantes da perseguição penal»).
Daí que este meio de obtenção de prova assuma um carácter excecional, devendo reger-se pelos critérios da proporcionalidade, da adequação e da necessidade (art. 18 nº 2 da CRP).
É que a verdade que se visa alcançar no processo penal, não sendo um valor absoluto, só pode ser procurada através de meios justos, não podendo ser investigada a qualquer preço, mormente quando esse preço é o sacrifício dos direitos das pessoas.
E, «a protecção e garantia dos direitos fundamentais não tutelam apenas o seu titular mas a própria credibilidade, reputação e imagem do Estado de Direito»[4]. Por isso, “a proibição de prova é uma barreira colocada à determinação dos factos que constituem objeto do processo”, isto é, trata-se de um limite à descoberta da verdade[5].
Precisamente para assegurar “a menor compressão possível dos direitos fundamentais afetados pela escuta telefónica” a lei exige, na fase do inquérito, a intervenção de um juiz (entidade imparcial e independente, que não tem funções investigatórias, mas antes intervém para garantir direitos e liberdades das pessoas, portanto, tem uma função de conteúdo meramente garantística), o qual irá garantir que as restrições dos direito fundamentais se limitarão “ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, sem jamais diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais (artigo 18º nºs 2 e 3 da CRP)”.
Para garantir aquele desiderato da restrição mínima dos direitos fundamentais em jogo, a intervenção jurisdicional é dupla: na primeira fase, o juiz verifica se estão preenchidos os requisitos do artº. 187º do CPP e, em caso afirmativo, autoriza a interceção telefónica; na segunda fase, o juiz acompanha (de forma próxima e continuada) a execução da operação (artº. 188º do CPP) e controla as provas adquiridas por esse meio de obtenção de prova.
As escutas telefónicas têm de ser ordenadas por despacho do Juiz (artºs. 187º nº 1 e 269º nº 1 al. e) do CPP).
Costa Andrade[6] aponta quatro pressupostos materiais essenciais para a admissibilidade das escutas telefónicas, pressupostos esses que aqui indicaremos de forma resumida:
1º “As escutas telefónicas hão-de estar preordenadas à perseguição dos chamados crimes do catálogo” (“enumeração taxativa e fechada” expressa no artº. 187º nº 1 do CPP, onde se procura positivar o «juízo de proporcionalidade» também contido no artº. 18º da CRP);
2º Exige-se “uma forma relativamente qualificada de suspeita da prática do crime” (ver a referência a «razões» do artº. 187º nº 1 CPP), suspeita que terá “de atingir um determinado nível de concretização a partir de dados do acontecer exterior ou da vida psíquica”;
3º “Estão subordinadas ao princípio de subsidiariedade, no sentido de, em princípio não haver outro meio eficaz, menos gravoso, para alcançar o resultado probatório em vista, devendo ficar demonstrado que a escuta «reveste grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova», ou seja, a escuta telefónica há-de revelar-se “como um meio em concreto adequado a mediatizar aquele resultado” (portanto, há que demonstrar que a escuta telefónica a autorizar é essencial e idónea para a descoberta da factualidade em investigação, criando-se a convicção de que através dela serão alcançados resultados fecundos e substanciais); sendo que atualmente se exige que “a diligência seja indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter” – redação vigente, decorrente da Lei nº 48/2007 de 29.8.
4º As escutas telefónicas deverão ser limitadas “a um universo determinado de pessoas ou ligações telefónicas”.
Assim, a decisão judicial que se pronunciar sobre o pedido de interceção telefónica, terá que verificar se estão preenchidos os referidos pressupostos materiais de admissibilidade.
Esses pressupostos, estabelecidos no nº1 do referido artº 187º do CPP, constituem «uma espécie de duplo fundamento, (descoberta da Verdade/obtenção da prova), existe uma clara intenção de afirmar, e acentuar, “a excecionalidade” quando não o carácter de ultima ratio) do recurso às escutas telefónicas”[7].
Dispõe o artº 187º nº1 do CPP (na sua atual redacção, decorrente da Lei nº 48/2007 de 29.08) que “A interceção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas só podem ser autorizadas durante o inquérito, se houver razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter, por despacho fundamentado do Juiz de instrução e mediante requerimento do Ministério Público, quanto a crimes …” – referindo-se de seguida um catálogo fechado de crimes em relação aos quais é admissível este meio de obtenção de prova.
Importa assinalar que o legislador de 2007 substituiu a referência a “grande interesse” pela natureza “indispensável da diligência para a descoberta da verdade”, passando a exigir no que respeita à prova, que de outra forma esta fosse impossível ou muito difícil de obter.
Como refere Maria de Fátima Mata Mouros[8] “A primeira alteração expressa com maior veemência a sujeição da medida ao princípio da proporcionalidade. A segunda, o princípio da subsidiariedade.”
O legislador penal consagrou agora uma redação muito mais exigente para o preenchimento e verificação dos pressupostos materiais, um crivo muito mais apertado para o deferimento do meio de obtenção de prova em causa, onde reinam os princípios da necessidade, da proporcionalidade, da adequação ou idoneidade do meio.
O que não significa, porém, que se exija que aquele seja, em absoluto, o único meio de obtenção de prova possível ou que se tenham de esgotar todos os restantes meios de obtenção de prova para demonstrar que aquele se mostra, afinal, indispensável. Basta que a prova se revele impossível ou muito difícil de obter através de outros meios, para que as escutas possam vir a ser deferidas. Como salienta Carlos Adérito Teixeira[9] “não se trata de ser o último meio a lançar-se mão, num sentido cronológico, mas sim o último no plano lógico ou lógico-funcional. De outro modo, se o critério fosse cronológico, só no fim do inquérito é que haveria lugar a escutas; nessa altura já não se justificaria porque a prova estaria coligida ou já não se poderia obter porque a oportunidade efetiva ter-se-ia gorado”. “Não é preciso que tenha havido necessariamente outras diligências, ou o recurso a outros meios de prova, para que se afirme a indispensabilidade das escutas telefónicas[10].
No caso dos autos, e reportando-nos ao momento processual em que foi proferido o despacho que autorizou a interceção e gravação das chamadas, é inequívoco que a investigação não dispunha de outros meios que lhe permitissem alcançar os autores dos ilícitos denunciados – crimes de lenocínio, roubo, sequestro e auxílio à imigração ilegal – que não através das escutas aos números de telefone utilizados pelos suspeitos, crimes cujas características tornam aquele meio de obtenção de prova particularmente apto à investigação, partindo precisamente dos elementos de prova já colhidos nos autos, designadamente das declarações da queixosa X….
O que se exige no artº 187º nº1 do CPP é que a decisão sobre a realização das escutas assente em razões que façam crer a sua necessidade e indispensabilidade, já não como parecem pretender os recorrentes que tal decisão seja precedida da demonstração da inadequação à investigação de meios de prova menos invasivos.
Não se mostram pois violados, os princípios da adequação, proporcionalidade e subsidiariedade, invocados pelos recorrentes, tendo ainda sido observado o princípio da legalidade, sendo as escutas ordenadas após a prática de um crime e no âmbito de um processo instaurado em que se investigavam crimes compreendidos nos elencados no artº 187º nº1 do CPP, concluindo-se pela não verificação da invocada nulidade das escutas.
Quanto à alegada falta de fundamentação da decisão judicial que ordenou as escutas, como diz André Lamas Leite[11], “a sua maior ou menor densidade depende da fase das diligências investigatórias em que a escuta for ordenada, devendo o magistrado indicar, do modo mais completo possível, os dados que se visa recolher e a medida da sua relevância para a notitia criminis, ilustrando sempre de forma concreta o raciocínio que desenvolveu no sentido de considerar cumpridos os requisitos legais”.
E isso mesmo decorre do artº. 97º nº 4 do CPP que dispõe que "os atos decisórios são sempre fundamentados devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão".
Contudo, o vício da falta ou insuficiência de fundamentação do despacho decisório distinto da sentença não está incluído no regime das nulidades em processo criminal, ao contrário do que alegam os recorrentes.
Com efeito, “vigorando em processo penal, nesta matéria, o princípio da tipicidade ou da legalidade, desde logo afirmado no artigo 118º nº 1 do CPP ("a violação ou infração das leis de processo penal só determina a nulidade do ato quando esta for expressamente cominada na lei"), não consta daquele regime que a falta ou deficiência de fundamentação constitua vício gerador de nulidade insanável (artigo 119º) ou de nulidade dependente de arguição (artigo 120º), ficando elas, deste modo, relegadas para o plano das irregularidades nos termos dos artºs 118º nº 2 e 123º do CPP”[12].
A falta absoluta ou insuficiência de fundamentação do despacho decisório aqui em questão, constitui apenas mera irregularidade, sanável se não for impugnada atempadamente nos termos do artigo 123º nº 1 do CPP.
É que a Constituição não impõe que à falta ou insuficiência da fundamentação corresponda a nulidade do acto decisório, razão pela qual a norma do artigo 123º nº 1 do CPP “não viola o artigo 205º nº 1 da CRP, nem qualquer outra que assegure os direitos de defesa do arguido”.
Por isso, não se pode confundir, como o fazem os recorrentes, o vício da falta ou insuficiente fundamentação de despacho decisório que admite as escutas telefónicas, com o vício da nulidade previsto no artº. 190º do CPP (os requisitos e condições referidos nos artigos 187º, 188º e 189º são estabelecidos sob pena de nulidade”).
Daí que, o invocado vício da irregularidade da falta ou insuficiente fundamentação do despacho decisório que admitiu aquelas escutas telefónicas estava sanado por não ter sido arguido no prazo estabelecido no artº. 123º nº 1 do CPP.
Ainda que se considerasse que esse vício (da falta ou insuficiente fundamentação do despacho decisório que admitiu aquelas escutas telefónicas) constituía nulidade processual, como era respeitante a diligência praticada em fase de inquérito, mostrava-se também sanada por não ter sido arguida no prazo de 5 dias aludido no artº. 120º nº 3 al. c) do CPP.
De qualquer modo, cremos que o despacho judicial que autorizou aquelas escutas telefónicas não padece de falta ou insuficiente fundamentação.
Esse despacho judicial constante de fls. 272 e 273 (2º volume), datado de 21.11.2008, na parte que interessa à decisão do presente recurso, é do seguinte teor:
«Encontram-se igualmente em investigação, entre outros, os crimes de sequestro, roubo, auxílio à imigração ilegal.
Tal como fundamenta o Ministério Público, revela-se indispensável para a descoberta da verdade e para a recolha de prova da atividade delituosa dos suspeitos proceder à escuta das comunicações telefónicas (orais e escritas) estabelecidas pelos denunciados, permitindo identificar todos os indivíduos relacionados com a atividade delituosa em investigação e perceber a extensão da mesma.
No que respeita ao telemóvel subtraído à ofendida X…, visto que não existem pistas quanto à identidade do seu agressor, revela-se de grande utilidade apurar o “percurso” daquele aparelho desde que saiu da posse da sua proprietária, por dessa forma se conseguir, eventualmente, recolher pistas quanto à identidade do agressor.
Por outro lado, afigura-se ainda necessária a obtenção dos dados de base, tráfico e localização elencados pelo Ministério Público, como forma de determinar as relações entre os denunciados, bem como a identidade de outros eventualmente associados.
Desta forma, tendo em conta a essencialidade da obtenção destes elementos de prova para a investigação criminal em curso, bem como os crimes em causa – lenocínio, roubo, sequestro e auxílio à imigração ilegal -, entende-se que se verificam os pressupostos legais previstos nos artºs. 187º a 190º do CPP de que depende a autorização destes meios de obtenção de prova, ou seja, as escutas telefónicas e o levantamento do sigilo das informações protegidas pelas comunicações.
Assim, de acordo com o disposto no artº 187º nº 1, al. a), e 269º nº 1 al. e), do mesmo diploma:
Autorizo a interceção e gravação telefónica, de fax e mail, por um período de 60 dias, das comunicações estabelecidas (chamadas e SMS efetuadas e recebidas) através dos números e imeis associados:
- ……… (do denunciado D…);
- ……… (correspondendo ao denunciado B…);
- ……… (correspondente a E…);
- ……… (do denunciado C…);
- ……… e ……… (do suspeito BM…);
- ……… (do denunciado BN…);
bem como a localização e faturação detalhada, solicitando-se a informação respeitante aos imeis correspondentes aos cartões atrás discriminados, com informação da eventual alteração dos cartões associados a esses imeis.
D.N.
Advirta a autoridade policial para o cumprimento das formalidades exigidas no artº 188º do CPP.»
Ora, ao contrário do que alegam os recorrentes, o despacho judicial em causa, ainda que de forma resumida, autoriza as escutas aos nºs de telemóvel …., por ter apreciado e ponderado a necessidade das interceções telefónicas, v.g. quando analisou a promoção que provocou a sua (do Juiz de Instrução) intervenção, o que exigiu que também tivesse de verificar o conteúdo dos elementos de prova que já constavam dos autos.
Perante os elementos de prova existentes nos autos, o Sr. Juiz de Instrução não teve dúvidas em afirmar, no seu despacho de fls. 271 e ss. que estavam indiciados os crimes de lenocínio, roubo, sequestro e auxílio à imigração ilegal e que era indispensável para a descoberta da verdade e para a recolha de prova da atividade delituosa dos suspeitos proceder às escutas telefónicas aos nºs de telemóvel em questão.
Atenta a natureza dos crimes em análise já em investigação, a diligência de autorização de escutas telefónicas, nos termos em que foi promovida, tornava-se decisiva e imprescindível para a investigação, havendo, assim, razões objetivas para a autorizar (o interesse da eficácia da investigação dos crimes já em investigação era bem superior ao direito à privacidade e intimidade dos suspeitos, face aos factos que se averiguavam, havendo absoluta necessidade de obter informações sobre a forma como desenvolviam a atividade, bem como a extensão da mesma).
Havendo necessidade de averiguar quais as pessoas envolvidas e o “modus operandi” dos mesmos, era manifesto que se revelava de grande interesse para a descoberta dos factos em investigação e para a obtenção da prova a realização de escutas telefónicas e demais diligências promovidas pelo Ministério Público e deferidas pelo Sr. Juiz de Instrução.
Pode-se, por isso, concluir que no despacho judicial em crise foi ponderada a necessidade das interceções telefónicas, sendo certo que a lei não exige que o despacho decisório em questão contenha a indicação dos factos indiciados e dos meios de prova que fundamentam a qualidade ou grau de indiciação, mostrando-se o mesmo devidamente fundamentado.
Relativamente à falta de cumprimento das formalidades previstas nos nºs 3 e 4 do artº 188º do C.P.P.: sem especificarem minimamente as gravações das escutas que, no seu entender, terão ultrapassado os prazos de controle judicial a que alude o preceito em causa, os recorrentes limitam-se a invocar que não foram cumpridos tais prazos peremptórios, “o que determina a nulidade das respetivas transcrições que não poderão servir como meio de prova, devendo ser desentranhadas dos autos”.
Dispõe o artº 188º do C.P.P., na parte que aqui interessa: “3. O órgão de polícia criminal referido no nº 1 leva ao conhecimento do Ministério Público, de 15 em 15 dias a partir do início da primeira interceção efetuada no processo, os correspondentes suportes técnicos, bem como os respetivos autos e relatórios; 4. O Ministério Público leva ao conhecimento do juiz os elementos referidos no número anterior no prazo máximo de quarenta e oito horas”.
Sem prejuízo do prazo da escuta, o legislador previu prazos intermédios de 15 em 15 dias em que o OPC leva ao conhecimento do MP os suportes técnicos com as gravações realizadas entretanto e respetivos autos e relatórios do que se passou nesse período, a que acresce o prazo de 48 horas de que o MP dispõe para apresentar os mesmos ao juiz de instrução.
Tais prazos visam que, no decurso da interceção, haja um acompanhamento ou controle judicial próximo e não apenas que a intervenção judicial se cinja à autorização para a intrusão telefónica, enquanto manifestações da “reserva do juiz” (artº 32º nº 4 da CRP), tanto mais que, se no decurso da investigação, o Ministério Público é o “dominus do inquérito”, no momento da autorização da interceção e no do acompanhamento da mesma, o JIC é o “dominus da escuta”[13].
No caso em apreço, compulsados todos os autos de gravação e relatórios de interceção de comunicações efetuados pela Polícia Judiciária na sequência do despacho judicial de autorização e subsequentes prorrogações, verifica-se que o OPC competente apresentou-os nos serviços do Mº Público do Tribunal Judicial de Ovar, tendo posteriormente este Magistrado submetido à apreciação do JIC, o qual ordenou a transcrição parcial das gravações que reputou de interesse para a prova e determinou a destruição das restantes, ordenando simultaneamente novas interceções ou prorrogando o prazo das anteriores.
Acresce que, ainda que se tivessem excedido os prazos previstos no nºs. 3 e 4 do artº 188º do C.P.P., a consequência para tal vício nunca seria determinante da proibição de utilização das escutas como meio de obtenção de prova, como pretendem os recorrentes.
Vejamos:
A imperfeição do ato processual penal poderá apresentar cambiantes diversas consoante a gravidade do vício que lhe está na génese e que se poderá situar entre a mera irregularidade e a inexistência. Entre os dois extremos encontram-se os vícios que dão lugar à nulidade que, por sua vez, se subdivide em nulidade insanável e nulidade dependente de arguição.
Seguindo de perto o entendimento proposto por João Conde Correia[14] dir-se-á que o nosso Código de Processo Penal veio consagrar um sistema de nulidades taxativas. O princípio está denunciado de forma inequívoca no artº 118º e é complementado por uma rigorosa delimitação geral e especial das causas de nulidade, sejam elas insanáveis ou dependentes de arguição. Mesmo a existência de uma cláusula geral que, sob a epígrafe irregularidades abarca todas as imperfeições que não constituem nulidade, não é óbice à sua afirmação.
Efetivamente, seguindo uma tendência enraizada na legislação e doutrina portuguesas, o C.P.P. trata as irregularidades como uma subespécie das nulidades submetendo-as, no entanto, a um regime de arguição muito limitado. Mais do que a figura dogmática das irregularidades, que não afetam a validade nem a eficácia dos atos processuais praticados, este regime revela uma figura distinta do género das nulidades das quais se distingue do ponto de vista penal e, principalmente, processual. No plano substancial correspondem-lhe vícios de menor gravidade.
Em muitas situações, apesar do termo utilizado pelo legislador, estamos perante outra forma de funcionamento da invalidade que não se confunde com as nulidades insanáveis, nem com as nulidades dependentes de arguição nem, ainda, com a figura dogmática da irregularidade.
Questão distinta da nulidade processual é a da utilização de meio proibido de prova. Os recorrentes, aliás como vem sendo frequente em situações idênticas, invocam simultaneamente a nulidade por incumprimento dos prazos peremptórios dos nºs. 3 e 4 do artº 188º do C.P.P. e a (na sua opinião) consequente proibição de utilização do referido meio de prova ferido de nulidade.
Pensamos que existe uma incorreta compreensão de conceitos que radica na sobreposição concetual da prova obtida através de intromissão nas telecomunicações, sem autorização de qualquer tipo, em relação à prova obtida através da interceção telefónica que não obedeceu aos requisitos legais. Na verdade não têm sido objeto de uma destrinça concisa as situações que caem na alçada do artº 126º nº3 em relação ao definido no artº 190º do Cód. Proc. Penal.
Existe uma diferença qualitativa entre a interceção efetuada à revelia de qualquer autorização legal e a que, autorizada nos termos legais, não obedeceu aos requisitos a que alude o artigo 188º do Cód. Proc. Penal. Nesta hipótese o meio de prova foi autorizado, e está concretamente delimitado em termos de alvo, prazo e forma de concretização, e se os pressupostos de autorização judicial forem violados estamos em face de uma patologia relativa a uma regra de produção de prova.
Reportando-nos ao ensinamento de Costa Andrade[15] entende-se que «a necessária delimitação temática e precisão conceitual obriga a referenciar e tentar clarificar a fronteira que separa as proibições de prova das meras regras de produção da prova (Beweisregelungen ou Beweisverfahrensregeln). Invocando Gossel, acentua o mesmo Autor, que as proibições de prova são «barreiras colocadas à determinação dos factos que constituem objeto do processo». Mais do que a modalidade do seu enunciado, o que define proibição de prova é a prescrição de um limite à descoberta da verdade.
Normalmente formulada como proibição, a proibição de prova pode igualmente ser ditada através de uma imposição e, mesmo, de uma permissão. É que, como assinala, toda a regra relativa à averiguação dos factos proíbe ao mesmo tempo as vias não permitidas de averiguação. Diferentemente, as regras de produção da prova - cfr. v. g. o artigo 341.° do CPP - visam apenas disciplinar o procedimento exterior da realização da prova na diversidade dos seus meios e métodos, não determinando a sua violação a reafirmação contrafáctica através da proibição de valoração. As regras de produção da prova configuram, na caracterização de FIGUEIREDO DIAS, «meras prescrições ordenativas de produção da prova, cuja violação não poderia acarretar a proibição de valorar como prova (...) mas unicamente a eventual responsabilidade (disciplinar, interna) do seu autor». Umas vezes preordenadas à maximização da verdade material (como forma de assegurar a solvabilidade técnico-científica do meio de prova em causa), as regras de produção da prova podem igualmente ser ditadas para obviar ao sacrifício desnecessário e desproporcionado de determinados bens jurídicos. […] Resumidamente, e dito com Peters, as regras de produção prova são «ordenações do processo que devem possibilitar e assegurar a realização da prova. Elas visam dirigir o curso da obtenção da prova sem excluir a prova. As regras de produção da prova têm assim a tendência oposta à das proibições de prova. Do que aqui se trata não é de estabelecer limites à prova como sucede com as proibições de prova, mas apenas de disciplinar os processos e modos como a prova deve ser regularmente levada a cabo». Na caracterização convergente de Amelung: «muitas normas de conduta que os órgãos da perseguição penal têm de observar nos atos de intromissão na informação, não tutelam, porém, o domínio sobre a informação do portador do direito atingido, mas outros interesses. Daí que a inobservância de tais normas de conduta não determine, só por si, uma distribuição ilícita da informação».
É essa compreensão que terá de estar subjacente a qualquer análise do regime legal das escutas telefónicas não confundindo as patologias que colidem com étimos e princípios inultrapassáveis, pois que integram o cerne dos direitos individuais com inscrição constitucional, e aquelas que se traduzem em mera irregularidade produzida no contexto amplo de um meio de prova que foi autorizado[16].
Quando o que está em causa é a forma como foram efetuadas as interceções telefónicas produzidas no âmbito de meio de prova autorizado e perfeitamente definido carece de qualquer fundamento, sendo despropositada, a referência a uma prova proibida[17].
Em caso de preterição de formalidades legais, designadamente as previstas nos nºs. 3 e 4 do artº 188º do C.P.P., tendo a escuta sido devidamente autorizada por um juiz, como acontece na situação sub judice, o vício não é tão grave que haja de impor o recuo do interesse pelo conhecimento do facto, que determinou a autorização da escuta; do que se trata é de disciplinar, tão somente, os procedimentos e modos como a prova deve ser legalmente adquirida, são normas instrumentais, procedimentais.
Como se acentua no Ac. do STJ de 07.03.2007[18] “Em nosso ver não se justifica o regime draconiano da nulidade absoluta, insanável, mais adequado à inobservância dos vícios de mais gravidade, na total acepção da palavra, havendo que distinguir, na cominação estabelecida no art.º 189.º (atual 190º) do CPP, que fala genericamente em nulidade para a infracção às regras prescritas nos art.ºs 187.º e 188.º do CPP, entre pressupostos substanciais de admissão das escutas, com previsão no art.º 187º do CPP e condições processuais de sua aquisição, enunciadas no predito art.º 188.º do CPP, para o efeito de assinalar ao vício que atinja os primeiros nulidade absoluta; à infração às segundas o de nulidade relativa, sanável, sujeita à invocação até ao momento temporal previsto no art.º 120.º n.º 3 , c) , do CPP, dependente de arguição do interessado na sua observância. A jurisprudência deste STJ, não descortinando a preterição das regras do art.º 188.º do CPP, no âmbito das nulidades insupríveis, confina-as às nulidades relativas, sanáveis, como se pode ver dos Acs. de 21.10.92, BMJ 420, 230, de 17.1.2001 in CJ., STJ, Ano IX, I, 215, de 15.3.2000, P.º n.º 14/2000, de 9.10.2002, P. º n.º 1386/2002, in Sumários de Acórdãos, do STJ, GA, Março 2000, 56 e 2002, 278, respetivamente, e de 29.10.98, BMJ 480, 292.
Mais recentemente este STJ continua reafirmando a tese da anulabilidade decorrente de tais infrações (…) neste sentido cfr. os seus Acs. proferidos nos Recs. n.ºs 4412/05, 2954/05, 2942/05, 1941/05, 1556/05 e 4189/02, de 15.2.06, 14.1.06, 7.12.05, 19.10.05, 15.6.05 e 18.5.05, respetivamente, acessíveis no site da Internet stj.pt. ou pgd.lisboa.pt.”.
Aplicando-se-lhe o regime das nulidades sanáveis, deriva dele que a sua arguição apenas pode ter lugar "Tratando-se de nulidade respeitante ao inquérito ou à instrução, até ao encerramento do debate instrutório ou, não havendo lugar a instrução, até cinco dias após notificação do despacho que tiver encerrado o inquérito", nos termos do art.º 120.º n.º 3 al. c) do CPP., estando vedado ao julgador decretar, oficiosamente, sem arguição, a consequência da nulidade desse meio de prova assim obtido, pois que só quando se trate de meios proibidos de prova o conhecimento oficioso de tal meio se impõe, com a nulidade insanável, como efeito, nos termos do art.º 126.º n.º3 do CPP.
Ou seja, se entendiam que o OPC e o Mº Pº não haviam cumprido, no decurso das interceções telefónicas, os prazos procedimentais previstos nos nºs. 3 e 4 do artº 188º do C.P.P., os recorrentes deveriam ter suscitado tal vício no prazo de cinco dias subsequentes à notificação do despacho que procedeu ao encerramento do inquérito. Os arguidos tiveram acesso ao material transcrito, dispuseram de tempo para invocar as anomalias eventualmente ocorridas, tendo deixado transcorrer o tempo para virem apenas na contestação suscitar o apontado vício.
Não o tendo feito, aquela nulidade, ainda que tivesse ocorrido, tem de se considerar definitivamente sanada.
*
Da acareação entre a assistente T… e o recorrente B…:
Na sessão da audiência de julgamento que decorreu no dia 12 de Julho de 2011 [cfr. fls. 10533 a 10540], a ilustre mandatária do arguido B… requereu a realização de acareação entre este e a assistente/demandante T…, ao abrigo do disposto no artigo 146.º, n.º1, do C.P.Penal.
O Sr. Juiz Presidente do Tribunal Coletivo indeferiu a realização da requerida acareação, por entender que, não obstante a efetiva contradição entre as declarações de um e de outro, ambas terão se ser analisadas e valoradas em conjugação com as demais provas produzidas, à luz das regras da experiência e do princípio da livre apreciação da prova, pelo que não se vê qualquer utilidade para a descoberta da verdade na realização da diligência de prova requerida.
O Título II do Livro III do C.P.P., que tem como epígrafe «Dos meios de prova», nos seus sete capítulos, trata sucessivamente: da prova testemunhal; das declarações do arguido, do assistente e das partes civis; da prova por acareação; da prova por reconhecimento; da reconstituição do facto; da prova pericial e da prova documental.
Dispõe o n.º 1 do artigo 146.º do C.P. Penal: «É admissível acareação entre co-arguidos, entre o arguido e o assistente, entre testemunhas ou entre estas, o arguido e o assistente, sempre que houver contradição entre as suas declarações e a diligência se afigurar útil à descoberta da verdade.»
Em face de tal normativo, conclui-se que a acareação é um meio de prova admissível que depende de duas condições:
1- Haver contradição entre as declarações;
2- A diligência afigurar-se útil à descoberta da verdade.
Este meio de prova é subsidiário dos meios de prova declaratórios e o seu valor probatório é de apreciação livre pelo tribunal.
Como refere Marques Ferreira[19], «Raramente se extraem resultados diretos da acareação quanto à indagação da verdade relevando esta mais pelas indicações que pode fornecer no âmbito da razão de ciência dos acareados e da forma mais ou menos desapaixonada com que depõem e pela importância que, futuramente, poderá revestir na fundamentação da convicção do tribunal».
Germano Marques da Silva[20] realça que a acareação tem por finalidade o esclarecimento de depoimentos divergentes sobre o mesmo facto. “Com efeito, a divergência de depoimentos sobre o mesmo facto pode não resultar, e muito frequentemente não resulta, da existência de depoimentos mentirosos, mas de naturais divergências na apreensão das sensações, retenção na memória e sua transmissão pelo depoimento. Sucede muitas vezes que a divergência é só aparente e resulta de omissões involuntárias ou de deficiências de expressão nos depoimentos. A acareação pode permitir esclarecer as divergências por permitir refrescar a memória sobre as circunstâncias dos factos e frequentemente porque permite compreender a causa das próprias divergências, facilitando, por isso, a sua melhor valoração”.
Não bastando, para que se lance mão a este meio de prova subsidiário, a mera verificação da existência de contradições entre declarações ou depoimentos, o juízo sobre a utilidade desta diligência probatória compete ao julgador.
No caso concreto, o requerimento indeferido limitava-se a alegar a existência de contradições entre os dois depoimentos, invocando que só essa diligência permitiria descobrir a verdade, sem nada mais especificar.
O despacho recorrido, assinala a existência de depoimentos contraditórios, mas não reconhece utilidade na realização da diligência probatória requerida, quer considerando o teor das próprias declarações, quer o princípio da livre apreciação da prova.
Como se disse, a acareação, como meio de prova, tem uma função subsidiária e não é imposta por lei, já que o tribunal pode não realizar essa diligência se não se lhe afigurar útil à descoberta da verdade.
Em situações como a dos autos, em que se contrapõem versões totalmente opostas e inconciliáveis, não se visando, por conseguinte, esclarecer possíveis divergências aparentes, normalmente os acareados mantêm a sua versão dos factos, revestindo-se a acareação de muito escassa utilidade.
Acresce que o requerimento em causa também nada tinha especificado quanto à concreta utilidade que se pretendia alcançar através da pretendida acareação entre o arguido e a assistente T….
Afigura-se-nos, pois, que ao tribunal de 1.ª instância, a quem incumbe apreciar e valorar a prova no quadro do princípio da livre apreciação, cabia ajuizar sobre a relevância da realização da acareação em causa, em ordem à descoberta da verdade, de acordo com um juízo de utilidade, o que não envolve qualquer preterição dos direitos de defesa, ao contrário do que é invocado pelo recorrente.
Aliás, das motivações de recurso quanto a esta concreta questão resulta que o recorrente parece partir do pressuposto, equivocado, de que a existência de contradição entre depoimentos determina, obrigatória e necessariamente, a realização de acareação, olvidando a necessidade da mediação de um juízo sobre a utilidade dessa diligência probatória.
E não se diga que a decisão recorrida é nula por falta de fundamentação, como sustenta o recorrente. Basta fazer uma breve leitura da mesma, para se perceber qual o fundamento da respetiva rejeição. O requerimento para a “acareação” esse, sim, é que carece de fundamento bastante.
Refira-se, além do mais, que ainda que se admita a sindicabilidade do juízo sobre a utilidade da diligência, entendemos que, no caso vertente, não existem razões que impusessem a realização da pretendida acareação, não decorrendo do despacho recorrido, como consequência, qualquer preterição dos direitos de defesa do recorrente.
Termos em que, nesta parte, improcede o recurso.
*
Do âmbito do depoimento da demandante T…:
Sustentam os recorrentes que às declarações da demandante no que tange ao pedido de indemnização civil, devem aplicar-se os artºs 552º e 553º, do C.P.C., “ex-vi” artº 4, do C.P.P., limitando-se tais declarações ao depoimento de parte, que visa conseguir que o depoente reconheça/confesse factos que lhe são desfavoráveis. Não existindo no pedido civil factos que admitissem a confissão, ao não ter obedecido àquelas limitações, o depoimento da Assistente é nulo/irregular, devendo ser anulado todo o depoimento, no que concerne a todos os factos constantes do seu pedido de indemnização civil.
Vejamos:
O Código de Processo Penal estabelece, como regra, que “são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei” (art.125.º).
O art.145.º do Código de Processo Penal consagra, expressamente, entre os meios de prova, as “Declarações do assistente e das partes civis”, estabelecendo no seu n.º 1 que «Ao assistente e às partes civis podem ser tomadas declarações a requerimento seu ou do arguido ou sempre que a autoridade judiciária o entender conveniente». E, acrescenta no seu n.º 2, que «O assistente e as partes civis ficam sujeitos ao dever de verdade e a responsabilidade penal pela sua violação.».
Pese embora não prestem juramento aquando das suas declarações (art.145.º, n.º 4 do C.P.P.), quer o assistente, quer as partes civis, estão sujeitos ao dever de verdade e de responsabilidade penal pela sua violação.
O valor probatório das declarações do assistente e das partes civis é livremente apreciado pelo juiz, nos termos do já citado art.127.º do Código de Processo Penal.
Deste modo, não há obstáculo legal à valoração em audiência de julgamento das declarações da assistente e demandante cível e a que, no âmbito da imediação e da oralidade, o Tribunal a quo possa racionalmente fundamentar os factos dados como provados com base nas suas declarações, em especial quando confirmadas por outros elementos probatórios, derivados de provas diretas e indiretas, devidamente conjugadas entre si e com as regras da experiência comum.
Não esquecemos que o artº 129º do Código Penal prescreve que a “indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil”. Contudo, esta norma apenas tem em vista a direta aplicação das normas materiais de direito civil à determinação da indemnização devida em consequência da prática de um crime. Daqui não se segue, no entanto, a aplicabilidade das normas de direito adjetivo civil ao processo crime, pelo menos no que tange à vertente indemnizatória. O art. 4º do CPP limita o recurso ao Código de Processo Civil para efeitos de integração de lacunas às normas que se harmonizem com o processo penal; e ainda assim, apenas o admite quando se revelar inviável a aplicação analógica de outras disposições processuais penais.
São distintos, aliás, os modos de exercício do direito à indemnização em processo penal e em processo civil, desde logo, por força dos princípios que regem a marcha de cada um deles, sendo o processo penal dominado pelo princípio da investigação, por contraposição ao princípio da auto-responsabilidade probatória das partes. Daí que o Código de Processo Penal inclua normas específicas relativas à tramitação do pedido cível - as previstas nos arts. 71º a 84º - gizadas numa perspetiva de celeridade, com vista à sua compatibilização com a tramitação da acção penal, estabelecendo um regime com pontos de contacto com o processo civil (como por exemplo, a necessidade de observância do contraditório - art. 78º, nº 1, do CPP), mas consagrando também soluções distintas em muitos aspetos (como por exemplo a ausência de efeito cominatório da falta de contestação - nº 3 do citado art. 78º).
Um dos princípios do processo civil acolhidos na tramitação do pedido cível em processo penal é o da necessidade do pedido, consagrado no nº 1 do art. 74º. Fora dos casos expressamente previstos (como o do art. 82º-A do CPP), “o tribunal penal nunca poderá arbitrar qualquer indemnização que lhe não tenha sido pedida. Deduzido pedido cível, porém, deve o juiz investigar oficiosamente os danos resultantes da infração, bem como todas as circunstâncias relevantes para a decisão sobre aquele pedido”.
Para que tivesse lugar a pretendida aplicação dos artºs. 552º e 553º do C.P.Civil às declarações da parte civil, seria necessário, antes de mais, que estivéssemos perante uma lacuna da lei, sendo certo que só existirá verdadeira lacuna relativamente às situações de todo não previstas. Já não traduzirá lacuna ou vazio legal a adopção de critérios diversos para a apreciação de questões semelhantes em distintos ramos do direito.
Ora, o CPP prevê expressamente nos nºs 2 a 4 do artº 145º o regime de prestação de declarações por parte do assistente e das parte civis, o qual, não obstante não ser precedido de juramento, está sujeito ao dever de verdade e a responsabilidade penal pela sua violação, ficando ainda sujeito ao regime da prova testemunhal “salvo no que lhe for manifestamente inaplicável e no que a lei dispuser diferentemente, entendendo-se aqui por “lei” o conjunto de normas adjetivas penais. Não estamos, por isso, perante qualquer lacuna da lei, sendo assim inaplicável às referidas declarações o regime processual civil do depoimento de parte, designadamente no que respeita às declarações confessórias.
Improcede, por isso, mais este fundamento do recurso.
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Recurso do acórdão final interposto pelos arguidos B… e E…:
a) Da nulidade por falta de fundamentação:
Alegam os recorrentes que o acórdão recorrido não contém a exposição dos motivos que fundamentaram a decisão do Tribunal bem como o exame crítico das provas que serviram para formar a convicção.
O artigo 374º do Código de Processo Penal que dispõe sobre os “requisitos da sentença” (relatório – nº1; fundamentação – nº 2; e dispositivo ou decisão stricto sensu), indica no nº 2 os elementos que têm de integrar a fundamentação, da qual deve constar uma «exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com a indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal».
A fundamentação da sentença consiste, pois, na exposição dos motivos de facto (motivação sobre as provas e sobre a decisão em matéria de facto) e de direito (enunciação das normas legais que foram consideradas e aplicadas) que determinaram o sentido («fundamentaram») da decisão.
Como salienta Germano Marques da Silva[21] “As decisões judiciais, com efeito, não podem impor-se apenas em razão da autoridade de quem as profere, mas antes pela razão que lhes subjaz”.
A garantia de fundamentação é indispensável para que se assegure o real respeito pelo princípio da legalidade da decisão judicial; o dever de o juiz respeitar e aplicar corretamente a lei seria afetado se fosse deixado à consciência individual e insindicável do próprio juiz. A sua observância concorre para a garantia da imparcialidade da decisão; o juiz independente e imparcial só o é se a decisão resultar fundada num apuramento objetivo dos factos da causa e numa interpretação válida e imparcial da norma de direito[22].
A fundamentação adequada e suficiente da decisão constitui uma exigência do moderno processo penal e realiza uma dupla finalidade: em projeção exterior (extraprocessual), como condição de legitimação externa da decisão pela possibilidade que permite de verificação dos pressupostos, critérios, juízos de racionalidade e de valor e motivos que determinaram a decisão; em outra perspetiva (intraprocessual), a exigência de fundamentação está ordenada à realização da finalidade de reapreciação das decisões dentro do sistema de recursos - para reapreciar uma decisão o tribunal superior tem de conhecer o modo e o processo de formulação do juízo lógico nela contido e que determinou o sentido da decisão (os fundamentos) para, sobre tais fundamentos, formular o seu próprio juízo.
Em matéria de facto, a fundamentação remete, como refere o segmento final do nº 2 do artigo 374º do CPP (acrescentado pela Reforma do processo penal com a Lei nº 58/98, de 25 de Agosto), para a indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
A lei impõe, pois, como critério e base essencial da fundamentação da decisão em matéria de facto, o «exame crítico das provas», mas não define, nem expressa elementos sobre algum modelo de integração da noção.
O “exame crítico” das provas constitui uma noção com dimensão normativa, com saliente projeção no campo que pretende regular - a fundamentação em matéria de facto -, mas cuja densificação e integração faz apelo a uma complexidade de elementos que se retiram, não da interpretação de princípios jurídicos ou de normas legais, mas da realidade das coisas, da mundividência dos homens e das regras da experiência; a noção de “exame crítico” apresenta-se, nesta perspetiva fundamental, como categoria complexa, em que são salientes espaços prudenciais fora do âmbito de apreciação próprio das questões de direito.
Só assim não será quando se trate de decidir questões que têm a ver com a legalidade das provas ou de decisão sobre a nulidade, e consequente exclusão, de algum meio de prova.
O exame crítico consiste na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção[23].
O rigor e a suficiência do exame crítico têm de ser aferidos por critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita exteriorizar as razões da decisão e o processo lógico, racional e inteletual que lhe serviu de suporte[24].
No que respeita à fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, a que se refere especificamente a exigência da parte final do artigo 374º, nº 2 do CPP, o exame crítico das provas permite (é a sua função processual) que o tribunal superior, fazendo intervir as indicações extraídas das regras da experiência e perante os critérios lógicos que constituem o fundo de racionalidade da decisão (o processo de decisão), reexamine a decisão para verificar da (in)existência dos vícios da matéria de facto a que se refere o artigo 410º, nº 2 do CPP; o n° 2 do artigo 374° impõe uma obrigação de fundamentação completa, permitindo a transparência do processo de decisão, sendo que a fundamentação da decisão do tribunal coletivo, no quadro integral das exigências que lhe são impostas por lei, há-de permitir ao tribunal superior uma avaliação segura e cabal do porquê da decisão e do processo lógico que serviu de suporte ao respetivo conteúdo decisório[25].
A obrigatoriedade de indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal e do seu exame crítico, destina-se, pois, a garantir que na sentença se seguiu um procedimento de convicção lógico e racional na apreciação das provas, e que a decisão sobre a matéria de facto não é arbitrária, dominada pelas impressões, ou afastada do sentido determinado pelas regras da experiência.
Para cumprimento daquele requisito não se satisfaz a lei com a mera enumeração dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento e dos que serviram para fundamentar a sentença[26].
É ainda necessário um exame crítico desses meios, que servirá, além do mais, para convencer os interessados e a comunidade em geral, da correta aplicação da justiça no caso concreto.
A este respeito, refere Marques Ferreira[27] “Estes motivos de facto que fundamentam a decisão, não são nem os factos provados (thema decidendum) nem os meios de prova (thema probandum) mas os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados.
(…) A fundamentação ou motivação deve ser tal que, intraprocessualmente permita aos sujeitos processuais e ao tribunal superior o exame do processo lógico ou racional que lhe subjaz, pela via do recurso, conforme impõe inequivocamente o artigo 410º nº 2. E extraprocessualmente a fundamentação deve assegurar, pelo conteúdo, um respeito efetivo pelo princípio da legalidade na sentença e a própria independência e imparcialidade dos juízes, uma vez que os destinatários da decisão não são apenas os sujeitos processuais mas a própria sociedade …”.
A razão de ser da exigência da exposição, ainda que concisa, dos meios de prova, é não só permitir aos sujeitos processuais e ao tribunal de recurso o exame do processo lógico ou racional que subjaz à formação da convicção do julgador, como assegurar a inexistência de violação do princípio da inadmissibilidade das proibições de prova; é necessário revelar o processo racional que conduziu à expressão da convicção. E a indicação das provas que serviram para formar a convicção apenas é obrigatória na medida do que é necessário[28].
A lei não exige que em relação a cada facto se autonomize e substancie a razão de decidir, como também não exige que em relação a cada fonte de prova se descreva como a sua dinamização se desenvolveu em audiência, sob pena de se transformar o ato de decidir numa tarefa impossível[29].
Exige-se, porém, que – em caso de condenação - o tribunal explicite as razões que o levaram a convencer-se de que o arguido praticou os factos que deu como provados ou – em caso de absolvição –, os motivos pelos quais, não obstante a produção de prova, não conseguiu apurar factos suficientes para imputar ao arguido o ilícito de que vinha acusado.
Voltando ao caso concreto e analisando a motivação de facto da decisão recorrida (que se estende ao longo de dezoito páginas do acórdão), verifica-se que o tribunal coletivo teve o cuidado de descrever com pormenor a razão de ciência das testemunhas inquiridas, de confrontar os respetivos depoimentos com as declarações dos arguidos que o pretenderam fazer, através de uma análise crítica de uns e outros, demonstrando porque razão uns mereceram acolhimento na decisão de facto e outros não, confrontando ainda as declarações prestadas por alguns arguidos em audiência com aquelas que haviam prestado perante o JIC, tendo tido o cuidado de proceder à leitura destas últimas em audiência, e realçando finalmente as transcrições das interceções telefónicas juntas aos autos, devidamente conjugadas com os restantes meios de prova produzidos em audiência e com os autos de busca, revista e apreensão realizadas no decurso do inquérito.
E mesmo no que respeita aos valores e bens apreendidos que, a final, foram declarados perdidos, o tribunal teve o cuidado de explicitar as razões por que entendeu terem os mesmos sido adquiridos com os proventos que advieram da referida atividade desenvolvida pelos arguidos.
Saber se toda a atividade argumentativa desenvolvida é ou não coincidente com a prova produzida, é algo que só poderá ser objeto de impugnação por parte do interessado com respeito pelo formalismo processual previsto, já não relevando no âmbito da exigência de fundamentação de facto e do exame crítico da prova.
Conclui-se assim que o acórdão recorrido se mostra devidamente fundamentado, com o necessário exame crítico da prova, improcedendo por isso a nulidade arguida.
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b) Quanto à omissão de pronúncia:
Alegam ainda os recorrentes B… e C… que o acórdão recorrido padece de nulidade por omissão de pronúncia, na medida em que não considerou provados ou não provados factos alegados na contestação e constantes da pronúncia, ocorrendo assim o vício do artº 410º nº 2 al. a) do C.P.P.
Contudo, quer nas conclusões, quer nas antecedentes motivações, os recorrentes não especificam quais os factos que haviam alegado na contestação ou que constavam da pronúncia e que o tribunal recorrido menosprezou.
É certo que o tribunal está obrigado a desenvolver todas as diligências necessárias ou úteis com vista ao apuramento dos factos que, alegados pela acusação e pela defesa ou resultantes da discussão da causa, sejam relevantes para as questões de saber, nomeadamente, se se verificaram os elementos constitutivos do tipo de crime, se o arguido praticou o crime ou nele participou, se o arguido atuou com culpa, se se verificou causa excludente da ilicitude ou da culpa (artº 368º nº 2 do C.P.P.).
Também é certo que ocorre o vício de insuficiência da matéria de facto quando a matéria de facto provada é insuficiente para a decisão de direito, o que se verifica quando o tribunal recorrido deixou de apurar matéria de facto que lhe cabia apurar dentro do objeto do processo, tal como este está circunscrito pela acusação e pela defesa, sem prejuízo do mais que a prova produzida em audiência justifique[30].
Daí que se tenha vindo a considerar que a falta de elementos relacionados. v.g., com a personalidade e inserção familiar do arguido, deve ser considerada como integrando o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
Contudo, os recorrentes não alegam quais os factos constantes da pronúncia ou da contestação que não foram considerados na decisão recorrida e que, por assumirem relevo para a decisão, deveriam ter sido objeto de prova, sendo certo que, tratando-se de um vício de conhecimento oficioso por este tribunal de recurso, entendemos que a decisão recorrida não padece do apontado vício.
Por outro lado, compulsados os factos provados e não provados e devidamente confrontados com a pronúncia e com a contestação dos recorrentes, não vislumbramos sobre que factos ou questões o tribunal recorrido se deixou de pronunciar.
Improcede, por isso, mais este fundamento do recurso.
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c) Quanto à valoração das transcrições telefónicas:
Alegam os recorrentes que as escutas/transcrições telefónicas que serviram para formar a convicção do tribunal estão descontextualizadas e não foram ouvidas em audiência, violando-se assim o princípio da imediação, pelo que constituem prova proibida, devendo ser inutilizadas, não servindo para formar a convicção.
Suscitam os recorrentes a questão já muito debatida na doutrina e na jurisprudência sobre a necessidade de leitura em audiência das transcrições das conversações telefónicas, para nelas se fundar a convicção decisória.
Dispõe o artº 355º do C.P.P. que “não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência, ressalvando-se aquelas, contidas em atos processuais, cuja leitura seja permitida”.
A interpretação deste preceito tem gerado grande confusão na exigência absurda de que todas as provas, incluindo as provas documentais constantes do processo, têm de ser reproduzidas na respetiva audiência de julgamento, se se pretende fazê-las valer e entrar com elas para a formação da convicção do tribunal. A exigência do art. 355.º prende-se apenas com a necessidade de evitar que concorram para a formação daquela convicção provas que não tenham sido apresentadas e feitas juntar ao processo pelos intervenientes, com respeito pelo princípio do contraditório, e não que tenham de ser reproduzidas na audiência, isto é, lidas ou apresentadas formalmente aos sujeitos processuais todas as provas documentais dele constantes. Basta que existam no processo com pleno conhecimento dos sujeitos processuais, que puderam inteirar-se da sua natureza, da sua importância e do seu conteúdo, bem como do seu valor probatório, para que qualquer desses sujeitos possa, em audiência, requerer o que se lhe afigurar sobre elas, examiná-las, contraditá-las e realçar o que, do seu ponto de vista, valem em termos probatórios. Neste sentido, tais provas são examinadas em audiência, sob a presidência dos princípios da imediação e do contraditório, podendo concorrer sem reservas para a convicção do tribunal.
Aliás, de acordo com o preceituado no art. 340.º, n.ºs 1 e 2 do CPP, o tribunal ordena, oficiosamente ou sob requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigurar necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa, e se considerar necessária a produção de meios de prova não constantes da acusação, da pronúncia ou da contestação, dá disso conhecimento, com a antecedência possível, aos sujeitos processuais e fá-lo constar da ata. Isto, exatamente porque, nos termos do referido art. 355.º, só podem valer para a formação da convicção do tribunal as provas produzidas ou examinadas em audiência.
Ora, se as provas, nomeadamente as provas documentais, já constam do processo, tendo sido juntas ou indicadas por qualquer dos sujeitos processuais e tendo os outros sujeitos delas tomado conhecimento, podendo examiná-las e exercer o direito do contraditório em relação a elas, não se vê razão para que elas tenham de ser obrigatoriamente lidas ou os sujeitos processuais obrigatoriamente confrontados com elas em julgamento para poderem concorrer para a formação da convicção do tribunal. O sujeito processual que assim o requeira pode sempre fazer examinar esta ou aquela prova, chamando a atenção para este ou aquele aspeto, ou pôr em causa de qualquer forma o seu valor e mesmo a sua validade. Daí que o princípio da produção da prova na audiência de julgamento, tal como decorre do art. 355.º do CPP, se manifeste nestes casos, mesmo independentemente da sua concreta (re)produção ou da leitura do seu conteúdo em audiência, sendo essa leitura permitida (isto é, não proibida)[31].
Em matéria de escutas telefónicas, tem acentuado o STJ que “as escutas telefónicas, regularmente efetuadas durante o inquérito, uma vez transcritas em auto, passam a constituir prova documental, que o tribunal de julgamento pode valorar de acordo com as regras da experiência; essa prova documental não carece de ser lida em audiência e, no caso de o tribunal dela se socorrer, não é necessário que tal fique a constar da ata”[32].
No caso em apreço encontram-se juntas aos autos as transcrições das escutas telefónicas, pelo que os recorrentes tiveram a possibilidade de as contraditar a partir do encerramento do inquérito – artº 188º nº 8 do C.P.P. – designadamente em sede de audiência.
Aliás, o Tribunal Constitucional no Acórdão nº 87/99 de 10 de Fevereiro[33] decidiu não considerar inconstitucional a norma do artº 355º do CPP, interpretada no sentido de que os documentos juntos aos autos não são de leitura obrigatória na audiência, considerando-se nesta produzidos e examinados, desde que se trate de caso em que a leitura não seja proibida.
Assim, desde que efetuadas de acordo com as exigências legais (conformidade que já apreciámos supra), as escutas telefónicas são meio legítimo de obtenção de prova. Pelo que a transcrição das escutas assim realizadas constitui prova documental sujeita a livre apreciação pelo tribunal, nos termos do artº 127º do CPP, mesmo que não lida nem examinada em audiência, porquanto se trata de prova contida em ato processual cuja leitura em audiência é permitida - artº 355º do CPP.
Aliás, a interpretação conjugada deste preceito legal, com o artigo 356º, do mesmo Código, “ … não impõe que toda a prova documental indicada como tendo servido para formar a convicção do tribunal sobre os factos dados como provados tenha de ser lida em audiência de julgamento. Dos citados artigos resulta que as únicas provas documentais cuja leitura é permitida em audiência são autos, não se encontrando porém o tribunal vinculado a fazer tal leitura, porquanto é uma faculdade que lhe assiste. O disposto no artigo 355º nº 1 do CPP visa tão só evitar que o tribunal possa formar a sua convicção alicerçando-se em material probatório não apresentado e junto ao processo pelos diversos intervenientes e relativamente ao qual não tenha sido exercido o princípio do contraditório”[34].
Diga-se ainda que, estando nos autos a transcrição das escutas efetuadas, os recorrentes sempre poderiam ter contraditado, no decurso da audiência, o seu conteúdo e conformidade com os respetivos suportes, ou impugnado a autoria das vozes que lhes são atribuídas, solicitado, na própria audiência de julgamento, a sua reapreciação individualizada, tendente ao esclarecimento de qualquer ponto relevante para a sua defesa, pedindo, inclusive, a leitura dos referidos documentos.
Se não o fizeram, sibi imputat. Não podem é vir invocar, agora, a violação do princípio da imediação para tentar “inutilizar” aquele meio de obtenção de prova.
Improcede, assim, mais este fundamento do recurso.
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d) Da impugnação da matéria de facto:
Sustentam os recorrentes que a apreciação das provas documentais constantes dos autos e declarações das testemunhas que identificam impunham decisão diversa quanto aos pontos dos factos provados 58 a 65; 66 a 87; 88 a 96; 97 a 109; 127 a 134; 135 a 148; 208 a 218; 156 a 162, na parte em que o tribunal a quo deu como provado que os recorrentes tiveram intervenção nos factos em discussão nos autos.
É sabido que a matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: no âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º2, do C.P.P., no que se convencionou chamar de “revista alargada”; ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412.º, n.ºs 3, 4 e 6, do mesmo diploma.
No primeiro caso, estamos perante a arguição dos vícios decisórios previstos nas diversas alíneas do n.º 2 do referido artigo 410.º, cuja indagação, como resulta do preceito, tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para a fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento[35].
No segundo caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.º 3 e 4 do art. 412.º do C.P.Penal.
Nos casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorreções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspetiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente. O recurso que impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «concretos pontos de facto» que o recorrente especifique como incorretamente julgados. Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa[36].
Precisamente porque o recurso em que se impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não constitui um novo julgamento do objeto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando ou in procedendo, que o recorrente deverá expressamente indicar, impõe-se a este o ónus de proceder a uma tríplice especificação, estabelecendo o artigo 412.º, n.º3, do C.P.Penal: «3. Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.»
A especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorretamente julgados.
A especificação das «concretas provas» só se satisfaz com a indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida.
Finalmente, a especificação das provas que devem ser renovadas implica a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1.ª instância cuja renovação se pretenda, dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º2, do C.P.P. e das razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo (cfr. artigo 430.º do C.P.P.).
Relativamente às duas últimas especificações recai ainda sobre o recorrente uma outra exigência: havendo gravação das provas, essas especificações devem ser feitas com referência ao consignado na ata, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação, pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (n.º 4 e 6 do artigo 412.º do C.P.P.). É nesta exigência que se justifica, materialmente, o alargamento do prazo de recurso de 20 para 30 dias, nos termos do artigo 411.º, n.º4.
Como realçou o S.T.J., em acórdão de 12 de Junho de 2008[37], a sindicância da matéria de facto, na impugnação ampla, ainda que debruçando-se sobre a prova produzida em audiência de julgamento, sofre quatro tipos de limitações:
- a que decorre da necessidade de observância pelo recorrente do mencionado ónus de especificação, pelo que a reapreciação é restrita aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorretamente julgados e às concretas razões de discordância, sendo necessário que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam;
- a que decorre da natural falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o “contacto” com as provas ao que consta das gravações;
- a que resulta da circunstância de a reponderação de facto pela Relação não constituir um segundo/novo julgamento, cingindo-se a uma intervenção cirúrgica, no sentido de restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correção se for caso disso;
- a que tem a ver com o facto de ao tribunal de 2.ª instância, no recurso da matéria de facto, só ser possível alterar o decidido pela 1.ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida [al. b) do n.º3 do citado artigo 412.º][38].
Ora, é manifestamente errado pensar que basta aos recorrentes formular discordância quanto ao julgamento da matéria de facto para o tribunal de recurso fazer «um segundo julgamento», com base na gravação da prova. O poder de cognição do Tribunal da Relação, em matéria de facto, não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento e faça tábua rasa da livre apreciação da prova, da oralidade e da imediação, apenas constitui remédio para os vícios do julgamento em 1.ª instância[39].
No mesmo sentido se pronuncia Damião Cunha[40], ao afirmar que os recursos são entendidos como juízos de censura crítica – e não como “novos julgamentos”.
Com efeito, “o recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1ª instância, como se o julgamento ali realizado não existisse; antes se deve afirmar que os recursos, mesmo em matéria de facto, são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros”[41].
O nosso poder de cognição está confinado aos pontos de facto que os recorrentes consideram incorretamente julgados, com as especificações estatuídas no art. 412º n.º 3 e 4 do Código Processo Penal. No caso em apreço, se os recorrentes especificaram os pontos de facto que consideravam incorretamente julgados, não cumpriram minimamente o ónus de indicação das provas que impõem decisão diversa, quer no corpo da alegação, quer nas conclusões, limitando-se a remeter a granel para a totalidade das declarações por eles próprios prestados em audiência e para o depoimento de onze testemunhas de acusação que identificam, apenas transcrevendo parcialmente passagens das suas declarações e dos depoimentos de apenas três daquelas testemunhas[42] - não se entendendo, então, a razão por que remetem para os registos de gravação das restantes oito testemunhas.
Ora, dispõe o n.º 4 do artº 412º do C.P.P. que “quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação”.
Temos assim que a decisão do tribunal recorrido sobre a matéria de facto é suscetível de modificação se tiver sido impugnada nos termos do art.º 412.º n° 3 e 4 do C.P.P.. Como se diz no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Julho de 2006[43], com este normativo “visou-se, manifestamente, evitar que o recorrente se limitasse a indicar vagamente a sua discordância no plano factual e a estribar-se probatoriamente em referências não situadas, porquanto, de outro modo, os recursos sobre a matéria de facto constituiriam um encargo tremendo sobre o tribunal de recurso, que teria praticamente em todos os casos de proceder a novo julgamento na sua totalidade. Impõe-se, por isso uma exigência rigorosa na aplicação destes preceitos”. O facto de a alínea b) do art.º 431.º remeter para o n.º 3 do art.º 412.º não exclui o n.º 4 uma vez que este se limita a regular o modo de, em sede de recurso, apresentar as provas especificadas nas als. b) e c) do n.º 3 daquele preceito, que hajam sido gravadas, ou seja, o n.º 4 nada mais é do que uma extensão do n.º 3.
Como se constata da leitura quer da motivação, quer das conclusões do recurso, os recorrentes não observaram minimamente o regime prescrito nos n°s 3 e 4 do citado preceito legal.
Com efeito, limitaram-se a manifestar a sua discordância sobre a matéria de facto dada como provada, sem apresentar razões válidas de tal discordância e sem indicarem as provas que não só demonstram a possível incorreção decisória, mas que permitam configurar uma alternativa decisória.
Acresce que a motivação é omissa quanto ao estabelecido no n° 4 do citado artigo 412°.
Ora, tendo a audiência de julgamento sido objeto de gravação áudio, impunha-se que os recorrentes, para além de especificarem os pontos que têm como incorretamente julgados, indicassem as provas que justificam a decisão que preconizam, diversa da recorrida, fazendo para tanto referência às concretas passagens dos respetivos suportes técnicos em que fundam a impugnação. Neste aspeto, aliás, como atrás já frisámos, verifica-se que os recorrentes se limitaram a identificar as testemunhas inquiridas em audiência, sem especificar a parte concreta do respetivo depoimento que impunha decisão diversa da recorrida. Fazem-no apenas parcialmente relativamente a três testemunhas, sem que se perceba em que medida as partes transcritas impõem decisão diversa da recorrida, sendo certo que a convicção do tribunal recorrido não se baseou apenas na prova testemunhal, designadamente no depoimento das vítimas, mas também nos depoimentos dos inspetores da polícia judiciária que efetuaram a investigação e na prova documental junta aos autos, nomeadamente nas transcrições das interceções telefónicas.
Como anotava Maia Gonçalves[44], no art° 412° na versão anterior à introduzida pela Lei n° 48/07, estabelecem-se os requisitos da motivação, sendo patente que a lei é aqui particularmente exigente quanto a estruturação das alegações. E esta tomada de posição da lei através deste artigo é secundada por outras disposições, determinando a não admissão ou a rejeição do recurso, não só quando falte a motivação mas ainda quando esta for manifestamente improcedente ou quando, versando o recurso matéria de facto não contenha as indicações das als. a), b) e c) do n° 3. É, portanto, matéria a que haverá que prestar particular cuidado, pois o Código denota o intuito de não deixar prosseguir recursos inviáveis ou em que os recorrentes não exponham com clareza o sentido das suas pretensões. O sentido da exigência da lei, esse, é manifesto, pois sanciona o seu incumprimento com a rejeição do recurso, como claramente resulta da sua letra e como uniformemente tem entendido a jurisprudência[45].
Como se afirmava no Acórdão do Tribunal Constitucional n° 259/2002, de 18.06.2002, publicado no D.R., II Série, de 13-12-2002, referindo-se à versão anterior à introduzida pela Lei n° 48/07, quando a deficiência de não se ter concretizado as especificações previstas nas alíneas a), b) e c), do n° 3 do art° 412°, reside tanto na motivação como nas conclusões - como é o caso dos autos -, não assiste ao recorrente o direito de apresentar uma segunda motivação, quando na primeira não indicou os fundamentos do recurso, ou a completar a primeira, caso neste não tivesse indicado todos os seus possíveis fundamentos.
A existência de um despacho de aperfeiçoamento quando o vício seja da própria motivação equivaleria, no fundo, à concessão de novo prazo para recorrer, que não pode considerar-se compreendido no próprio direito ao recurso.
Mais recentemente, o Tribunal Constitucional, referindo-se ainda e também à versão anterior à introduzida pela Lei n° 48/07, voltou a decidir, no acórdão n° 140/2004, de 10-03-2004, publicado no D.R., II Série, n° 91, de 17-04-2004, que não era inconstitucional a norma do art° 412°, n° 3 al.a b) e 4 (na versão anterior à introduzida pela Lei n° 48/07), quando interpretada no sentido de que a falta, na motivação e nas conclusões de recurso em que se impugne matéria de facto, da especificação nele exigida, tem como efeito o não conhecimento desta matéria e a improcedência do recurso, sem que ao recorrente tenha sido dada oportunidade de suprir tais deficiências.
Acontece que agora, na versão posterior à introduzida pela Lei n° 48/07, o art° 417°, n° 3 estipula que se a motivação do recurso não contiver conclusões ou destas não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos n° 2 a 5 do art° 412°, o relator convida o recorrente a apresentar, completar ou esclarecer as conclusões formuladas.
Ou seja, a convidar o recorrente a corrigir alguma coisa, só se pode fazê-lo quanto às conclusões. A motivação permanecerá inalterada porque essa não é susceptível de convite à correcção. Assim, se se convidasse os recorrentes a apresentarem novas conclusões nas quais especificassem agora as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida (art° 412°, n° 3 al. b)), as provas que devem ser renovadas (art° 412°, n° 3 al. c)) e a indicação concreta das passagens da prova gravada em que se funda a impugnação (art° 412°, n° 4) - tudo elementos que não constam da motivação e permanecendo esta inalterada porque essa não é passível de convite para correção, ficaríamos, perante uma plena alteração das diferentes peças que compõem o recurso, passando as conclusões formuladas a servir como verdadeira motivação.
No domínio da anterior versão do Código de Processo Penal, o Tribunal Constitucional vinha repetidamente afirmando que a deficiência na formulação das conclusões (por prolixidade, por omissão das indicações mencionadas no art° 412°, n° 2 ou por outro motivo) não podia ter o efeito de levar à rejeição liminar do recurso, sem que ao recorrente fosse facultada a oportunidade de suprir as deficiências. Se o recorrente na motivação expôs corretamente as suas razões, uma imperfeição das conclusões não podia ter um efeito cominatório irremediavelmente preclusivo do recurso, sob pena de violação do direito ao recurso consagrado no art° 32°, n° 1, da Constituição da República Portuguesa.
Era apenas esse o alcance do acórdão n° 320/02 do Tribunal Constitucional de 9-7-02, DR – 1ª-A Série de 07-10-2002. Nele foi declarada "com força obrigatória geral a inconstitucionalidade, por violação do art.° 32°, n° 1, da Constituição da República Portuguesa, da norma constante do art° 412°, n° 2, do Código de Processo Penal (e não, também, dos n°s 3 e 4), interpretada no sentido de que a falta de indicação, nas conclusões da motivação, de qualquer das menções contidas nas suas als. a), b), e c) tem como efeito a rejeição liminar do recurso do arguido, sem que ao mesmo seja facultada a oportunidade de suprir tal deficiência".
Volvendo à situação em apreço, lida a decisão recorrida, a factualidade assente, a não provada e a respectiva motivação, não se vislumbra o apontado vício de insuficiência da matéria de facto provada para a decisão, não sendo evidente, mesmo para um jurista experimentado, uma conclusão contrária à exposta pelo tribunal, nisto se concretizando a limitação ao princípio da livre apreciação da prova estipulada no art.º 127º do Código Processo Penal, quando afirma que «a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.
Assim, na apreciação da prova, o tribunal é livre de formar a sua convicção desde que essa apreciação não contrarie as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos. De facto, a livre apreciação da prova “não se confunde de modo algum com apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova; a prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica”[46]. Sendo “a liberdade de apreciação da prova (…), no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada «verdade material”[47] que tem de ser compatibilizado com as garantias de defesa com consagração constitucional -, impõe a lei (cfr. nº 2 do art. 374º do C.P.P.) um especial dever de fundamentação, exigindo que o julgador desvende o percurso lógico que trilhou na formação da sua convicção[48] (indicando os meios de prova em que a fez assentar e esclarecendo as razões pelas quais lhes conferiu relevância), não só para que a decisão se possa impor aos outros, mas também para permitir o controlo da sua correção pelas instâncias de recurso.
Dentro dos limites apontados, o juiz que em primeira instância julga goza de ampla liberdade de movimentos ao eleger, dentro da globalidade da prova produzida, os meios de que se serve para fixar os factos provados, de harmonia com o princípio da livre convicção[49] e apreciação da prova. Nada obsta, pois, que, ao fazê-lo, se apoie num certo conjunto de provas e, do mesmo passo, pretira outras às quais não reconheça suporte de credibilidade[50].
É na audiência de julgamento que este princípio assume especial relevância, encontrando afloramento, nomeadamente, no art. 355º do C.P.P., pois é aí o local de eleição onde existe a desejável oralidade e imediação na produção de prova, na recepção directa de prova. Só os princípios da oralidade e da imediação “permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais corretamente possível a credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais”[51].
No respeito destes princípios, o tribunal de recurso só poderá censurar a decisão do julgador, fundamentada na sua livre convicção e assente na imediação e na oralidade, se se evidenciar que decidiu contra o arguido não obstante terem subsistido (ou deverem ter subsistido) dúvidas razoáveis e insanáveis no seu espírito ou se a solução por que optou, de entre as várias possíveis, é ilógica e inadmissível face às regras da experiência comum[52]. Assim, para impugnar eficientemente a decisão sobre a matéria de facto, "a censura quanto à forma de formação da convicção do tribunal não pode (…) assentar de forma simplista, no ataque da fase final da formação de tal convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objetivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objetivos ou porque não houve liberdade de formação da convicção. Doutra forma seria uma inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão"[53]. É que “o Tribunal de segunda jurisdição não vai à procura de uma nova convicção, mas à procura de saber se a convicção expressa pelo Tribunal “a quo” tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova pode exibir perante si”. Dito de outra forma: “o recurso da matéria de facto não visa a prolação de uma segunda decisão de facto, antes e tão só a sindicação da já proferida, e o tribunal de recurso em matéria de exame crítico das provas apenas está obrigado a verificar se o tribunal recorrido valorou e apreciou corretamente as provas”[54].
No caso em apreço, confrontada a motivação fáctica da decisão recorrida com as parciais transcrições das declarações constantes das motivações de recurso dos recorrentes B… e E…, não vislumbramos qualquer contradição susceptível de configurar uma eventual situação de erro de julgamento.
No fundo, os recorrentes limitam-se a fazer a sua interpretação e valoração pessoal dos depoimentos prestados, exercício que no entanto é irrelevante para a sindicância da forma como o tribunal recorrido valorou a prova, sendo certo que o texto da decisão não evidencia qualquer violação das regras da experiência comum.
Das motivações apresentadas pelos recorrentes B… e E… neste aspeto, o que se depreende, na realidade, é que os mesmos fazem a sua própria análise crítica da prova para concluir que o essencial dos fac­tos que lhes dizem respeito deveriam ter sido considerados não provados. Mas o momento processualmente previsto para o efeito são as alegações finais orais a que alude o artigo 360º do CPP. A impugnação da decisão da matéria de facto não se destina à repetição, agora por escrito, do que então terá sido dito. Fica-se a saber qual teria sido a decisão se os arguidos/recorrentes tivessem sido o juiz do seu próprio caso, mas isso nenhumas consequências pode ter, pois é ao juiz e não a outros sujeitos processuais, naturalmente condicionados pelas específicas posições que ocupam, que compete o ofício de julgar.
A tese expendida pelos recorrentes na impugnação da matéria de facto, levada às últimas consequências, equivaleria a negar ao julgador a possibilidade de se afirmar como ser inteligente; equivaleria a aceitar como limite da atividade jurisdicional a estrita vinculação do julgador às afirmações e negações das testemunhas, prescindindo em absoluto de qualquer juízo crítico, da consideração das regras da experiência ou mesmo do mero aflorar da inteligência relacional, cingindo a gnose judiciária ao sim e ao não ditos em audiência, sem qualquer espaço para a chamada valoração crítica.
Felizmente, não é esse o caminho apontado pela lei adjetiva penal. Bem pelo contrário, a valoração crítica da prova constitui o núcleo essencial da fase decisória, sendo através dela que o julgador, apreciando o facto em correlação com a prova produzida, se distancia do jurista para se afirmar como juiz. Daí que a parte final do nº 2 do art. 374º imponha o “…exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”.
A conjugação desta última norma com o disposto no art. 127º desenha o modo de fixação da matéria de facto, levando a que o provado se ofereça como o resultado depurado dos meios de prova produzidos em audiência ou levados aos autos nos termos legais (documentos, depoimentos para memória futura, relatórios, etc.).
No caso em apreço, procedendo à leitura da matéria de facto provada e não provada, bem como a fundamentação em que o tribunal colectivo explanou as razões da sua opção quanto àquela matéria, conclui-se que o tribunal fez uma correta leitura dos elementos de prova disponíveis e deles retirou as pertinentes ilações, explicitando detalhadamente o modo como formou a sua convicção. Na verdade, não se vê que tenha errado nas conclusões que retirou da prova, ou que tais conclusões sejam abusivas ou desajustadas, não se justificando, por isso, a sua alteração.
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e) Enquadramento jurídico-penal dos factos provados:
1. Sustentam os recorrentes que todas as mulheres ouvidas já eram prostitutas antes de conhecerem o recorrente B… e que apesar de lhe entregarem dinheiro, não foi este que as determinou, as iniciou ou que as obrigava a prostituir-se, pelo que é apenas rufião. Por outro lado, não havendo prova de violência concreta ou ameaça grave, a ameaça simples para o exercício da prostituição não é punida como lenocínio.
São elementos constitutivos do tipo do crime de lenocínio p. e p. no art. 169º nº 1 do Cód. Penal:
1. tipo objetivo:
- Que o agente fomente, favoreça ou facilite o exercício por outra pessoa de prostituição;
- Que o agente pratique tais condutas profissionalmente ou com intenção lucrativa;
2. tipo subjectivo:
- O dolo, o conhecimento e vontade de praticar o facto, abarcando, naturalmente, todos os elementos do tipo objetivo.
A atividade profissional a que alude o tipo objetivo relaciona-se diretamente com uma perspetiva de habitualidade da conduta, com uma atividade permanente, enquanto a intenção lucrativa igualmente prevista no tipo, pode já verificar-se através de uma atividade pontual ou esporádica[55].
O recorrente B… defende que a sua atuação apenas se enquadra na figura do rufião. É comum a distinção entre proxenetismo e rufianaria: o proxeneta é “corretor, negociador, agente, intermediário” ou “profissional intermediário em amores”, que assim fomenta, facilita ou favorece o exercício da prostituição e o rufia ou rufião “é aquele que vive à custa de mulheres de má nota”. No rufianismo ou rufianaria há apenas o aproveitamento de atividade alheia “sem que previamente o agente tenha desencadeado a situação que a desencadeou, não sendo sequer necessário que a iniciativa parta do agente, pois pode tratar-se de oferecimento espontâneo da prostituta”[56]. Assim, não restam dúvidas de que o lenocínio constitui prática de proxeneta, não atingindo o rufia ou rufião. A sexualidade remunerada da prostituta é incentivada, orientada e condicionada pelo “proxeneta” que a quer explorar. Para lhe incentivar, orientar e condicionar e explorar a liberdade sexual, o “proxeneta” pratica atos concretos de fomento, favorecimento ou facilitação da prostituição, para que a esta atividade se dedique, continue a exercê-la, se possível, a aumente, ou pelo menos não a abandone.
No capítulo referente ao enquadramento jurídico-penal dos factos provados, escreveu-se eloquentemente no acórdão recorrido: «[…] a norma atual impõe, para a criminalização, que o agente leve a cabo a sua conduta “profissionalmente ou com intenção lucrativa”, sendo, por isso, um “intermediário” ou “medianeiro” que fomenta, favorece ou facilita o exercício da prostituição.» […] Por outro lado, tem-se feito doutrinalmente a distinção entre lenocínio principal, quando está em causa “fomentar” o exercício da prática da prostituição, e lenocínio acessório, quando se trata de “favorecer” ou “facilitar” essa atividade. Como referem Leal-Henriques e Simas Santos, “fomentar significa promover, tomar a iniciativa da prática dos atos referidos”. O próprio agente “chama a sai a responsabilidade da conduta que leva ao exercício da prostituição (…)”.Trata-se de “incentivar a corrupção ou, melhor dizendo, determiná-la (quando ainda não exista), agravá-la (se já existe) ou evitar que enfraqueça ou termine (quando já está em curso). Nas palavras dos mesmos autores, “favorecer quer dizer auxiliar, proteger, apoiar”. Por fim, “facilitar é por à disposição meios, é coadjuvar, proporcionar instrumentos de propagação”. Efetivamente, “fomentar” implica uma colaboração no processo de decisão de ir exercer a prostituição, já “favorecer” ou “facilitar” tem subjacente uma colaboração no processo de execução dessa atividade.»
De acordo com a matéria de facto provada e definitivamente assente, pode efetivamente afirmar-se que o recorrente B…, de forma concertada com alguns dos outros arguidos, exercia um controle sobre as mulheres que se prostituíam, quer quanto aos locais onde trabalhavam, quer relativamente ao número de clientes que atendiam, vigiava-as com frequência, designadamente para lhes proporcionar segurança, como lhes prometia quando as abordava, proporcionando-lhes ainda transporte de e para os locais de prostituição, fornecendo-lhes preservativos e exigindo-lhes, em contrapartida, o pagamento de quantias monetárias, parte do que recebiam dos respetivos clientes, ameaçando ou mesmo agredindo aquelas que recusavam ou se mostravam mais renitentes em aceitar as suas condições.
Se é certo que a matéria de facto assente não permite afirmar que o recorrente B… determinou as mulheres à prática da prostituição, ou que as iniciou nessa atividade, por todas elas já anteriormente exercerem tal atividade, o certo é que houve situações em que algumas mulheres deixaram de comparecer ou mudaram-se para outros locais e foram forçadas pelo arguido/recorrente e por outros arguidos a regressarem aos locais das matas e a pagar-lhes as quantias exigidas, assim evitando que elas terminassem a atividade. E noutras situações, dúvidas não existem que o recorrente, concertado com outros arguidos, praticava atos de favorecimento ou facilitação da prostituição, uma vez que, com intenção lucrativa, zelava pela segurança das prostitutas nas matas, além de lhes proporcionar transporte de e para esses locais e de lhes entregar preservativos.
Perante tal factualidade, é seguro afirmar que o recorrente fomentou, favoreceu e facilitou a prática da prostituição por diversas mulheres, usando de violência ou ameaça relativamente a algumas delas (S…, T…, U…, V…, W…, X…, Y… e Z…), fazendo-o de forma habitual o que vale por dizer, profissionalmente, e com intenção lucrativa.
Mostram-se assim preenchidos todos os elementos objetivos dos crimes de lenocínio simples e agravado, por que foi condenado o recorrente.
E quanto ao tipo subjetivo, dúvidas não restam também da sua verificação, provado que está que o recorrente agiu de forma livre, voluntária e consciente, praticando todos aqueles atos ciente de que fomentava e facilitava a prostituição e com o propósito de obter proventos económicos, “agindo por amor ao lucro” na sugestiva expressão de Beleza dos Santos[57].
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2. Sustentam os recorrentes B… e E… que, mesmo a dar-se como definitivamente assente a matéria de facto, estamos perante a figura do crime continuado e não perante um concurso real de crimes de lenocínio.
Vejamos:
Para determinarmos se estamos perante uma unidade ou pluralidade de infrações, quando são várias as pessoas cujo exercício da prostituição seja fomentado, favorecido ou facilitado, profissionalmente ou com intenção lucrativa, pelo agente da infração, importa antes de mais averiguar qual o bem jurídico tutelado com a incriminação do ilícito penal em causa – crime de lenocínio p. e p. no artº 169º do Cód. Penal.
Se relativamente ao tipo qualificado de lenocínio p. e p. pelo n.º 2 do mesmo art.º 169º do C.P., há consenso generalizado quanto ao facto de o bem jurídico protegido pelo respectivo tipo incriminador ser a liberdade sexual[58], relativamente ao tipo previsto no n.º 1 do mesmo artigo não há consenso na doutrina, nem na jurisprudência, quanto à natureza do bem jurídico tutelado pela norma.
Preliminarmente terá algum interesse referir que não se percebe facilmente como pode, na interpretação de alguns, o tipo fundamental de ilícito proteger um bem jurídico e o mesmo tipo qualificado, albergar bem jurídico diverso, já que a qualificação no caso, como é normal acontecer na técnica de elaboração dos tipos legais qualificados, deriva apenas de um diferente grau de ilicitude e/ou culpa ligados a um mais gravoso meio de execução.
Uma breve resenha da evolução legislativa parece-nos essencial para melhor perspetivar a problemática:
Eduardo Correia defendia[59] que em matéria de prostituição e respetiva punição «a rede penal deve sobretudo estender-se aos atos que vise facilitar, explorar e comercializar a entrega de mulheres». A filosofia subjacente ao Anteprojeto era a seguinte: «a reação criminal contra a prostituição deve dirigir-se menos à prostituta do que à engrenagem de que ela tantas vezes é vítima. Assim se pune quem promove tais atividades».
O art.º 263º do Anteprojecto punia «quem fomentar, favorecer ou facilitar a prática de atos contrários ao pudor ou à moralidade sexual entre terceiros, servindo de intermediário, criando, assegurando ou proporcionando oportunidade para essa prática, sempre que com isso vise fim lucrativo, será punido com prisão até dois anos».
A incriminação do lenocínio no Código Penal de 1982 constava do art.º 215º, estabelecendo o artigo seguinte uma forma de lenocínio agravado.
Na revisão operada pelo DL n.º 48/95, de 15 de Março, a incriminação do lenocínio foi profundamente remodelada, passando a corresponder ao artº 170º, que estabeleceu como elemento do crime a exploração de situações de abandono ou de necessidade económica.
Com a alteração introduzida pela Lei n.º 65/98, de 2 de Setembro, mantendo embora a mesma inserção sistemática, o elemento típico anteriormente referido foi eliminado.
Através da Lei n.º 99/2001, de 25 de Agosto, foram introduzidas alterações ao n.º 2 do art.º 170º, mantendo-se, porém, inalterado o seu n.º 1.
Com a alteração introduzida pela Lei nº 59/2007 de 04.09, manteve-se a redação do preceito que passou a integrar o artº 169º, suprimindo-se a referência ao favorecimento de atos sexuais de relevo e alargando-se o âmbito de lenocínio qualificado, ao consagrar o abuso de autoridade resultante de uma relação familiar, de tutela ou curatela.
Ora, se na versão originária do Código Penal, a inserção do crime de lenocínio no título dos crimes contra os valores e interesses da vida em sociedade não podia deixar de significar que, mais do que os interesses pessoais das vítimas de tais crimes, ou para além dos mesmos, a tutela visada por tais ilícitos era a proteção de bens comuns a toda a sociedade, ou seja, era a tutela de uma ideia de moralidade geral e de moralidade sexual em particular[60], com a revisão introduzida pelo Dec-Lei n.º 48/95 foi introduzido um novo paradigma ao nível dos crimes sexuais, que foram deslocados (crime de lenocínio incluído) do capítulo dos crimes contra valores e interesses da vida em sociedade para o título dos crimes contra as pessoas, onde passaram a constituir um capítulo autónomo, sob a epígrafe "Dos crimes contra a liberdade e a autodeterminação sexual", abandonando-se, como expressamente refere o legislador, a anterior conceção moralista, («sentimentos gerais de moralidade»), em favor da liberdade e autodeterminação sexuais, bens eminentemente pessoais [cfr. ponto 7 do preâmbulo do DL n.º 48/95].
O Prof. Figueiredo Dias enunciou na altura, no seio da Comissão Revisora, a mudança de paradigma: as atividades sexuais entre adultos, em privado, agindo de livre vontade são lícitas[61] “mostrando-se favorável a uma ação descriminalizadora neste domínio” pois que “no fundo trata-se de um problema social e de polícia”[62].
Perante esta nova realidade legislativa podemos identificar duas correntes de entendimento. Aproveitando a síntese que é efectuada por Jorge Dias Duarte[63], dir-se-á que:
Para Anabela Rodrigues [Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, 1999, pág. 519], "o bem jurídico tutelado não é, como devia, a liberdade de expressão sexual da pessoa, mas persiste aqui uma certa ideia de «defesa do sentimento geral de pudor e de moralidade» que não é encarada hoje como função do direito penal".
Também José Mouraz Lopes ["Os crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual no Código Penal", Coimbra Editora, 2002, pág. 71] em comentário ao artigo 170º do Código Penal, afirma que “no n.º 1 não se tutela, agora, a liberdade sexual de alguém – único fundamento para a punição dos crimes contra a liberdade sexual, onde, sublinhe-se, apenas deve estar em causa a liberdade e a autodeterminação de uma pessoa concreta e não qualquer opção moral sobre a vida sexual que cada um quer ter – nomeadamente de quem pratica a prostituição"; Mais refere o mesmo autor que "o que é tutelado, agora, no n.º 1, como bem jurídico, é uma determinada conceção de vida que não se compadece com a aceitação do exercício profissional ou com intenção lucrativa do fomento, favorecimento ou facilitação da prostituição".
De forma mais peremptória, Sénio Reis Alves ["Crimes Sexuais - Notas e comentários aos artigos 163º a 179º do Código Penal", Livraria Almedina, Coimbra, 1995, página 67 e seguintes] afirma que o bem jurídico tutelado no crime de lenocínio, não é, nem deve ser, a liberdade e a autodeterminação sexual da pessoa, mas sim "o interesse geral da sociedade na preservação da moralidade sexual e do ganho honesto", propondo mesmo a deslocação sistemática do crime em apreço no Título IV, "Dos crimes contra a vida em sociedade".
Também Vera Lúcia Raposo [No estudo "Da moralidade à liberdade: o bem jurídico tutelado na criminalidade sexual", inserto em Liber Discipulorum, Coimbra Editora, pág. 950], defende que o bem jurídico tutelado pelo art.º 170º n.º 1 do Código Penal não se trata da liberdade sexual, mas de valorações morais sobre a condução da vida, sem dignidade penal. Propondo, por isso, a sua descriminalização.
Já para Pedro Vaz Pato ["Direito Penal e Ética Sexual", in Direito e Justiça, Revista da FDUCP, vol. XV, 2001, tomo 2, pág. 138] a justificação para “a punição de quem explora o, ou se serve do, exercício da prostituição por outrem" radica "no princípio da proteção da dignidade da pessoa humana", assim afirmando que "o bem jurídico protegido não é o da moralidade sexual, nem estamos perante um «crime sem vítima». O bem jurídico protegido é o da dignidade da pessoa que se prostitui (ou se vê forçada a prostituir-se) e é esta a vítima do crime em questão (a vítima, e não o seu agente)”.
Finalmente, no sentido de que “o crime de lenocínio tutela a liberdade e a autodeterminação sexual da pessoa, bem eminentemente pessoal” o estudo de Jorge Dias Duarte, atrás citado.
A mesma dissidência que se verifica na doutrina reflete-se na jurisprudência, podendo encontrar-se, assim, decisões distintas, quer quanto ao bem jurídico tutelado pelo crime de lenocínio, quer quanto à questão da unidade/pluralidade de infrações quando são várias as pessoas cujo exercício da prostituição seja fomentado, favorecido ou facilitado pelo agente da infração.
Assim temos que:
O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26.02.86, in BMJ, 354º/350: “o valor jurídico defendido na incriminação de lenocínio é o da liberdade individual no aspeto sexual, donde que, se o agente, em sucessivos momentos, recrutar diferentes mulheres, aliciando-as ao exercício da prostituição para viver do rendimento dos atos sexuais delas, torna-se autor de múltiplas infrações (concurso real)”.
Em sentido idêntico se pronunciaram o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07.06.89, [CJ XIV Tomo III, pág. 232] e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.04.83 [BMJ 326º 322].
O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28 de Março de 1990, BMJ 395º/312, decidiu que: “Quem explorar, profissionalmente e lucrativamente, o ganho imoral de prostitutas, vivendo, total ou parcialmente, dessa atividade, constitui-se autor do crime de lenocínio”, assumindo o entendimento de que “o bem jurídico objeto de proteção no crime de lenocínio (...) identifica-se com a liberdade individual na esfera sexual do indivíduo instrumentalizado na prossecução de ação criminosa”, afirmando-se consequentemente no mesmo acórdão que “o aliciamento, nas sobreditas condições e em momentos sucessivos, de diferentes mulheres para o exercício da prostituição, tendo em vista viver à custa do rendimento dos atos sexuais por elas praticados, faz incorrer o agente na autoria de um número plural de infracções (concurso real)”.
No Acórdão de 23 de Outubro de 1985, do Tribunal da Relação de Coimbra, BMJ 350º/396 quanto à questão do concurso decidiu-se, também, que: “há tantos crimes de lenocínio, em acumulação real, quantas as mulheres cuja prostituição o agente explora (e não é configurável a continuação criminosa, por estarem em jogo interesses pessoais das ofendidas).
Mais recentemente, o acórdão de 29 de Maio de 2002, deste Tribunal de Relação do Porto[64], pronunciou-se no sentido de que: Na previsão normativa do n.º 1 do artigo 170º do Código Penal, epigrafado de lenocínio, o que está em causa, mais do que tudo, é a exploração de uma pessoa por outra, "uma espécie de usura ou extorsão em que a ameaça ou tráfico de protecção se pode confundir com exploração afetiva".
Por sua vez o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.1.2004 [Referido no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 196/04 de 23 de Março de 2004, disponível no sítio do respetivo tribunal] entendeu que na previsão normativa do n.º 1 do art.º 170º do Código Penal o que está em causa é a exploração de uma pessoa por outra, uma espécie de usura ou enriquecimento ilegítimo fundado no comércio do corpo de outrem por parte do agente (...) uma clara violação da dignidade humana, da integridade moral e física da pessoa humana, e, por isso obstáculo à livre realização da respetiva personalidade, valores constitucionalmente protegidos, artºs 25º e 26º da Constituição.
No Acórdão do STJ de 21.10.2009 (proferido pelo Cons. Souto Moura, no Proc. nº 47/07.6PAAMD-S.S1 e disponível em www.dgsi.pt) considerou-se que “O crime de lenocínio do art. 169.º, n.º 1, do CP (…) não pode deixar de ser considerado um crime contra a liberdade; com a expressão liberdade e autodeterminação sexual o legislador quis contemplar à mesma os atentados à liberdade, mas desta feita centrados na área da sexualidade”.
No Ac. do STJ de 13.04.2009 (proferido pelo Cons. Rodrigues da Costa, no Proc. nº 47/07.6PAAMD-P.S1 e disponível em www.dgsi.pt) refere-se que “o crime de lenocínio é um crime que tem como objeto da tutela um bem jurídico eminentemente pessoal – “a liberdade sexual da pessoa que se dedica à prostituição ou, por outras palavras, a liberdade e autodeterminação sexual da pessoa”, arredados que foram bens jurídicos de natureza supra-individual da comunidade ou do Estado “relacionados com conceções de ordem moral enquanto fundamentadoras da incriminação de condutas”.
No Acórdão desta Relação do Porto de 13.07.2005 (proferido pelo Des. António Gama, no Próc. nº 0540595 e disponível em www.dgsi.pt) concluiu-se que “no caso p. e p. pelo art.º 170º, n.º 1, do Código Penal, não estamos perante um «crime sem vítima», mas ao invés, que o bem jurídico tutelado pela norma é, ainda, a liberdade individual e a dignidade da pessoa humana, mesmo daquela que se prostitui e que, assim, é a vítima do crime. Tais bens, como bens eminentemente pessoais que são, tem como consequência que estaremos perante um concurso efetivo de crimes sempre que exista uma pluralidade de vítimas cujo exercício da prostituição (ou de atos sexuais de relevo) seja fomentado, favorecido ou facilitado pelo agente do crime de lenocínio, existindo, assim tantos crimes quanto as pessoas vítimas de tais condutas do mesmo agente (art.º 30º, n.º 1, do Código Penal)”.
Em sentido contrário decidiram v.g. os Acórdãos:
Do Tribunal da Relação de Coimbra 12.06.85 (CJ, Ano X, Tomo III, pág. 118), que decidiu que o crime do art.º 216º do Código Penal de 1982 é um crime qualificado ou agravado em relação ao do art.º 215º, estando numa relação de especialidade; a plúrima violação de ambos traduz-se numa unidade de conduta.
Da Relação de Coimbra, de 18 de Junho de 1991 (CJ, Ano XVI, tomo 3, p. 189), segundo o qual "[...] o bem jurídico no crime de lenocínio, não é eminentemente pessoal. Não é a prostituta que a lei quer proteger com tal incriminação mas apenas o interesse geral da sociedade em que haja pudor e moralidade sexual e ganho honesto".
Da Relação de Lisboa, de 18 de Junho de 1991 (CJ, Ano XVI, tomo 3), para quem: "[...] o interesse protegido pelos artºs 215º e 216º do Código Penal de 1982 não é de natureza eminentemente pessoal, mas social, no sentido da proteção dos valores ético-sociais da sexualidade, na comunidade".
Da Relação de Guimarães, de 14 de Outubro de 2002 (CJ, Ano XXVII, tomo 4, p. 267), em que, depois de se afirmar que o crime de lenocínio "visa proteger a liberdade e a autodeterminação sexual da pessoa, homem ou mulher”, se diz, algo contraditoriamente, que “se trata de um crime de execução continuada em que não estão em causa bens eminentemente pessoais. Por isso, comete um só crime aquele que, em execução de uma única resolução criminosa, fomenta ou facilita a prostituição de várias mulheres, durante determinado período de tempo.
Do Supremo Tribunal de Justiça, Acórdão de 29.10.2003, proc. 2301/03, 3ª secção:”protege-se o interesse geral da sociedade na preservação da moralidade sexual e do ganho honesto”.
Assim também o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.11.90 BMJ 401º/205.
Neste Tribunal da Relação do Porto, os Acs. de 14.12.2005 e de 13.02.2008 (da mesma Relatora, Des. Élia São Pedro, nos Procs. nºs. 0514345 e 0715332, ambos disponíveis em www.dgsi.pt) onde se entendeu que “no crime de lenocínio simples pune-se uma atividade, uma profissão, e não a corrupção da vontade livre, pelo que comete um só crime quem, na execução da mesma resolução, favorece a prostituição de várias mulheres”.
Chegada a hora de tomar uma posição, não podemos deixar de subscrever os fundamentos do Acórdão desta Relação de 13.07.2005, proferido pelo Des. António Gama e acima citado, que tomamos a liberdade de transcrever, tomando embora como referência o atual artº 169º nº 1 do Cód. Penal:
«São para nós argumentos determinantes no sentido de que no art.º 170 n.º 1 do Código Penal estão em causa e são protegidos bens jurídicos de natureza pessoal os seguintes: De ordem sistemática - o crime de lenocínio p. e p. no art.º 170º n.º 1 do Código Penal, está sistematicamente inserido na secção dos "crimes contra a liberdade sexual", que é uma das três secções do capítulo "Dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual". Por sua vez este Capítulo é um daqueles em que se desdobra o título I (Dos crimes contra as pessoas) do Livro II do Código Penal.
A definição do bem jurídico protegido com a incriminação do lenocínio simples foi objeto de controvérsia logo na Comissão Revisora do Projecto de Código Penal, igualmente, na Comissão de Revisão do próprio Código Penal. Figueiredo Dias defendeu, sem êxito, como vimos, na Comissão de Revisão, que o bem jurídico protegido é a moralidade sexual. Dessa circunstância – apesar de direta, expressa e frontalmente alertado pelo Prof. Figueiredo Dias, o legislador manteve, não só a criminalização do lenocínio simples, como e mais decisivamente, a respetiva inserção sistemática, - parece poder concluir-se que o legislador considera que o bem jurídico protegido é de ordem pessoal, tanto mais que, foi de caso pensado que o legislador inseriu o lenocínio na secção dos crimes contra a liberdade sexual. De outro modo corria o risco sério de ser acusado de criminalizar moralidades. Os recursos de constitucionalidade adiante referidos são disso prova.
Realçando este pilar interpretativo, mas note-se movendo-se apenas em sede de regras de interpretação e não cuidando do caso em apreço, Faria Costa [Construção e interpretação do tipo legal de crime à luz do princípio da legalidade: duas questões ou um só problema? RLJ, 134º, pág. 362.] insiste em que é absolutamente necessário contextualizar o tipo legal de crime a interpretar. Tal contextualização – elemento essencial da espiral hermenêutica – adquire uma especialíssima importância no mundo do direito penal. A norma incriminadora, se é certo que vale por si e em si, não é menos verdadeiro que ela só adquire significado, significado cabal, no âmbito das relações intra-sistemáticas em que ela própria se insere.
Depois, (…) se se atentar cuidadosamente na evolução [histórica] do tipo incriminador do lenocínio, logo se verá que o que dele foi sendo expurgado, nas sucessivas alterações que já mereceu, foi, precisamente, as referência ao «pudor», à «moralidade sexual» e ao «ganho imoral».
A interpretação que defende, atualmente, que o bem protegido com a incriminação do lenocínio simples é a "moralidade sexual" labora e enreda-se, inexplicavelmente, num incompreensível logro. Por um lado diz que está em causa a proteção do sentimento geral de "moralidade sexual". No entanto não define o que seja a "moralidade sexual" nem onde possa colher-se tal definição. Por outro lado não justifica porque que é que estando em causa unicamente a "moralidade sexual", não é incriminada a própria prostituição, porque não se punem todos aqueles que a praticam.
A "moralidade sexual" deixou, desde 1995, de ser um bem com dignidade jurídico-criminal e que, por isso, já não há atos de desmoralização da sexualidade que possam ser punidos.
No lenocínio há uma só vítima: a prostituta (não qualquer "moralidade sexual" socialmente dominante). A prostituta tem dignidade sexual como qualquer outra pessoa sendo igualmente merecedora de proteção penal.
Reforçando a afirmação preliminar, o bem jurídico protegido no lenocínio simples é exatamente o mesmo que se protege com o lenocínio agravado. A única diferença entre o tipo base e o tipo agravado, ressalvando as situações de pessoas psiquicamente incapazes, reside unicamente no processo executivo como muito lucidamente apontam Leal Henriques e Simas Santos [Código Penal, vol. II, pág. 276]. (…)
Portanto, a diferença (nos lenocínios) não reside no bem jurídico protegido (que é o mesmo), mas sim na forma como a liberdade sexual da/o prostituta/o é orientada para a exploração através da prostituição.
Numa primeira conclusão, razões históricas de evolução legislativa, de sistemática e literais, e ainda a resposta do legislador quando diretamente instado a descriminalizar o tipo do n.º 1 do art.º 170º do Código Penal, levam-nos a defender que o bem jurídico protegido é a liberdade sexual, precisamente na vertente da proteção contra a exploração da liberdade sexual, por terceiro, profissionalmente ou lucrativamente.
A proteção de determinado bem jurídico impõe que na defesa do seu núcleo se tenham em conta as peculiaridades das suas manifestações. A liberdade sexual é um vasto poliedro, com várias facetas ou manifestações. Para a completa proteção desse bem jurídico, tem o legislador de criar mais que um tipo incriminador.
Cabe então perguntar: a mulher que vê a sua sexualidade pecuniariamente explorada pelo proxeneta, não vê a sua liberdade sexual afetada? Parece-nos que sim. Uma das faces que reclama um tipo incriminador autónomo é a inteireza da vontade e a plenitude da consciência que presidem à sexualidade, mesmo quando dirigida para a prostituição. No lenocínio (mesmo no simples), a prostituta não tem e não conserva a plenitude da sua liberdade sexual. A vontade de exercer a sua sexualidade remunerada foi facilitada e é aproveitada pelo proxeneta, está em maior ou menor grau condicionada pela ação do proxeneta, agindo este por amor ao lucro na sugestiva expressão de Beleza dos Santos [O Crime de lenocínio, RLJ, Ano 60º, pág. 164]. Depois a mesma não deixa de ser explorada sexualmente.
(…) A sexualidade remunerada da prostituta é incentivada, orientada e condicionada pelo terceiro que a quer explorar. Para lhe incentivar, orientar e condicionar e explorar a liberdade sexual o terceiro pratica atos concretos de fomento, favorecimento ou facilitação da prostituição, para que a esta atividade se dedique, continue a exercê-la, se possível, a aumente, ou pelo menos não a abandone.
O proxeneta, profissionalmente ou com intenção lucrativa, interfere com a liberdade sexual da prostituta, precisamente porque explora os ganhos da atividade desta. Foi para proteger a inteireza da liberdade sexual da prostituta contra esta exploração que o legislador manteve a incriminação do lenocínio.
O que vimos de dizer permite-nos concluir que sendo o bem protegido com a incriminação do lenocínio (simples), igualmente a liberdade sexual, sendo a prostituta a única vítima, então o bem jurídico protegido é um bem eminentemente pessoal (…) não estamos perante um «crime sem vítima», mas ao invés, que o bem jurídico tutelado pela norma é, ainda, a liberdade individual e a dignidade da pessoa humana, mesmo daquela que se prostitui e que, assim, é a vítima do crime.
Tais bens, como bens eminentemente pessoais que são, tem como consequência que estaremos perante um concurso efetivo de crimes sempre que exista uma pluralidade de vítimas cujo exercício da prostituição (ou de atos sexuais de relevo) seja fomentado, favorecido ou facilitado pelo agente do crime de lenocínio, existindo, assim tantos crimes quanto as pessoas vítimas de tais condutas do mesmo agente (art.º 30º, n.º 1, do Código Penal).
Como é líquido, tanto na doutrina como na jurisprudência, sempre que são violados bens jurídicos eminentemente pessoais, a pluralidade de ofendidos determinará logo a pluralidade de crimes [Fig. Dias, Direito Penal - sumários e notas das lições ao 1º ano do curso complementar de ciências jurídicas da Faculdade de Direito da UC, 1976, p. 120; e Ed. Correia, Direito Criminal, vol. II, 1971, p. 203, Günther JaKobs, Derecho Penal, parte general, 2ª ed. 1997, pág. 1082].
Como realça Cristina Líbano Monteiro[65] “podem adicionar-se agravos à mesma pessoa: isso aumenta a intensidade do desrespeito pela sua dignidade; mas agravos a pessoas diversas nunca constituem parcelas de um mesmo desrespeito: é cada uma a ser ferida na sua singular dignidade”.
Por outro lado, é inadmissível a figura do crime continuado em relação a condutas em que se verifique a violação de bens jurídicos eminentemente pessoais, como o direito à vida, à integridade física, à honra, à liberdade sexual, etc. .
Aliás, se bem se atentar, o acrescento sobre bens jurídicos pessoalíssimos aposto pela revisão de 2007 ao artº 30º do C.Penal (nº3), introduz uma restrição à aplicação da figura do crime continuado, um limite negativo. Não há crime continuado – existe, portanto, um concurso verdadeiro de infrações, a punir como tal – quando o agente tiver atacado bens pessoalíssimos de mais de um portador.
Aqui chegados conclui-se que, com a apurada conduta dos arguidos consubstanciou-se a prática, pelos mesmos, de tantos crimes de lenocínio simples (para além dos crimes agravados que não cabe aqui analisar) quantas as mulheres cuja atividade sexual foi por aqueles explorada.
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3. Entende a recorrente E… que tendo, na qualidade de mulher do recorrente B…, recebido por vezes dinheiro para entregar a este e tendo chegado a “dar boleia” às colegas para irem almoçar, deverá ser condenada como cúmplice a não como co-autora, por a sua atuação se ter limitado a uma mera prestação de auxílio material ou moral à prática por outrem do facto doloso.
A questão da qualificação jurídica da participação da arguida E… foi abordada no acórdão recorrido como integrando a figura da co-autoria.
A recorrente suscita agora a questão, defendendo que o seu comportamento se enquadra na figura jurídica de cúmplice e não de co-autora.
Estabelece o artigo 26º do Código Penal: «É punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte direta na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução».
Dispõe o artigo 27º, n.º 1, do mesmo Código: É punível como cúmplice quem, dolosamente e por qualquer forma, prestar auxílio material ou moral à prática por outrem de um facto doloso.
Os casos de comparticipação só são configuráveis mediante acordo prévio dos comparticipantes, que traçando um plano criminoso, visam pô-lo em prática.
O co-autor executa o facto, toma parte direta na sua realização, por acordo ou juntamente com outro ou outros, ou determina outrem à prática do mesmo.
A co-autoria é a execução coletiva do facto, comunitária, em que cada comparticipante quer causar o resultado como próprio, mas com base numa decisão conjunta e com forças conjugadas. Na comparticipação criminosa sob a forma de co-autoria são essenciais dois requisitos: uma decisão conjunta, tendo em vista a obtenção de um determinado resultado, e uma execução igualmente conjunta.
Exige-se, assim, um elemento subjetivo e um outro objetivo.
O primeiro exige uma decisão conjunta, podendo consistir num acordo, expresso ou tácito, ou, pelo menos, uma consciência de colaboração com carácter bilateral.
O elemento objetivo consiste na participação na execução do facto criminoso, conjuntamente com outro ou outros, num exercício conjunto do domínio do facto, ou numa contribuição objetiva para a consumação do tipo legal visado.
O acórdão do STJ de 11.03.1998,[66] versando embora um caso de tráfico de estupefacientes, decidiu que “a componente subjetiva basta-se com o simples acordo tácito, com a simples consciência bilateral, reputado ao facto global, com o conhecimento pelos agentes da recíproca cooperação”, não se exigindo que os co-autores se conheçam entre si, na medida em que cada um esteja consciente de que junto a ele vai estar outro (ou outros) e estes se achem imbuídos da mesma ideia.
No que respeita à execução propriamente dita, não é indispensável nem necessário que cada um dos agentes cometa integralmente o facto punível, que execute todos os factos correspondentes ao preceito incriminador, que intervenha em todos os atos a praticar para obtenção do resultado pretendido, bastando que a atuação de cada um, embora parcial, seja elemento componente do todo e indispensável à produção do resultado – cfr. Acs. do STJ de 02.05.2007, CJSTJ 2007, tomo 2, pág. 174 (haverá co-autoria sempre que haja uma decisão conjunta e uma execução igualmente conjunta, ainda que cada um dos agentes desempenhe tarefas distintas); de 03.10.2007, processo n.º 2576/07-3ª, CJSTJ 2007, tomo 3, pág. 198; de 10.01.2008, processo n.º 4277/07-5ª, in CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 183 (verifica-se a co-autoria quando cada comparticipante quer o resultado como próprio com base numa decisão conjunta e com forças conjugadas, bastando um acordo tácito assente na existência da consciência e vontade de colaboração, aferidas aquelas à luz das regras de experiência comum); de 18-06-2008, processo n.º 1971/08-3ª (essencial à co-autoria é um acordo respeitante à execução do plano, que tanto pode ser de extrema simplicidade, como altamente complexo, abrangendo sempre uma divisão de trabalho, uma repartição de tarefas entre co-autores, que se atribuem e aceitam prestar, destinadas ao plano comum).
Para Hans-Heinrich Jesheck[67] “a cumplicidade é a cooperação dolosa com outro na realização de um seu (dele) facto antijurídico dolosamente cometido. O cúmplice limita-se a favorecer um facto alheio, não toma parte no domínio do facto; o autor não necessita sequer conhecer a cooperação que lhe presta (a chamada cumplicidade oculta)”. Neste ponto se distingue a cumplicidade da co-autoria, posto que esta requer o domínio funcional do facto sobre a base de um acordo comum. A cumplicidade requer uma vinculação entre o facto principal e a acção do cúmplice.
Germano Marques da Silva[68] explicita que “a linha divisória entre autores e cúmplices está em que a lei considera como autores os que realizam a ação típica, direta ou indiretamente, isto é, pessoalmente ou através de terceiros (dão-lhe causa) e como cúmplices aqueles que não realizando a ação típica nem lhe dando causa ajudam os autores a praticá-la”. E a fls. 280, refere que na comparticipação criminosa, de que a cumplicidade é um dos modos, “cada comparticipante responde pelo mesmo facto típico, porque todos os comparticipantes concorrem para a prática do mesmo facto. O modo de cooperação é que é diverso; o objeto a que se dirige a cooperação de todos é o mesmo: o facto, o crime”. A fls. 291/2 afirma que a cumplicidade é uma forma de participação secundária na comparticipação criminosa, secundária num duplo sentido: de dependência da execução do crime ou começo de execução e de menor gravidade objetiva, na medida em que não é determinante da prática do crime que seria sempre realizado, embora eventualmente em modo, tempo, lugar ou circunstâncias diversas. Traduz-se “num mero auxílio, não sendo determinante da vontade dos autores nem participa da execução do crime, mas é sempre auxílio à prática do crime e nessa medida contribui para a prática do crime, é uma concausa do crime”.
Cavaleiro Ferreira[69] distingue entre uma participação mais grave, a participação principal (autoria) e uma participação secundária que o Código Penal designa por cumplicidade. E a fls. 352, expende: “A gravidade das formas de participação não assenta exclusivamente em elementos subjetivos baseados na intenção dos participantes (animus auctoris e animus socii), porque a distinção entre autoria e cumplicidade deriva fundamentalmente da gravidade do facto cometido por cada comparticipante no contexto da comparticipação. E é essa diferente gravidade que origina a diferenciação entre participes que são autores (participação principal) e participantes que são cúmplices (participação secundária).
Esclarece que denomina-se a cumplicidade participação secundária para acentuar a sua menor gravidade objetiva.
Faria Costa[70] salienta que a primeira ideia que ressalta do preceito (artigo 27º do C. Penal) é a de que a cumplicidade experimenta uma subalternização relativamente à autoria, estando-se face a atividade que se fica pelo auxílio, perante uma causalidade não essencial. A infração sempre seria praticada, só que o seria em outro tempo, lugar ou circunstância.
O cúmplice somente favorece ou presta auxílio à execução, ficando fora do ato típico. Só quando ultrapassa o mero auxílio, e assim pratica uma parte necessária da execução do plano criminoso, ele se torna co-autor do facto.
No caso em apreço, quanto à comparticipação da recorrente E…, refere-se nos pontos 18, 20 a 22 da matéria de facto provada que:
- “nessa sua atividade delituosa, pelo menos também a partir de Setembro de 2007 e até 06 de Janeiro de 2010, os arguidos B…, C… e D… contaram, nalgumas ocasiões, com a colaboração dos arguidos E…, mulher do arguido B…, … que, ao longo do referido período temporal e sob as ordens de algum daqueles primeiros, de forma regular, vigiavam os referidos locais de prostituição, controlando a presença das mulheres e o número de clientes pelas mesmas atendidos, além de alguns deles receberem os valores monetários exigidos e as transportarem, quando necessário, de e para os locais de prostituição, reportando a alguns daqueles três as decorrências de tal atividade e entregando os valores monetários recebidos;
- por incumbência do arguido B…, seu marido, a arguida E… vigiava algumas das mulheres que se prostituíam nos locais onde a mesma se encontrava, dando conta àquele de quais aí se encontravam a prostituir-se, do número de clientes que cada uma atendia e dos valores monetários que com tal atividade já teriam realizado, bem como recebia das mesmas o dinheiro a ele destinado.
- A arguida E… igualmente contactava com aquele caso alguma mulher não autorizada por ele fosse prostituir-se para aqueles locais, relatando-lhes tais situações.
- A arguida E… estava ainda incumbida de transportar de e para os locais de prostituição algumas das mulheres em questão, que de tal necessitavam, por não terem meio de transporte próprio, o que fazia no seu veículo de marca “Mercedes …”, de matrícula ..-EL-.. (apreendido a fls. 4396), que também por si era usado na sua atividade de prostituição, em cujo interior, além do mais, atendida os seus próprios clientes.
Por outro lado, nos pontos 43 a 47 da matéria de facto provada descreve-se o conhecimento de que a arguida E… (e outros 2 arguidos) tinha da atuação dos arguidos B…, C… e D… no que respeita à exploração das mulheres que se dedicavam à prostituição e aos meios utilizados para conseguirem “extorquir-lhes” dinheiro; por sua vez, nos pontos 90, 96, 115, 133, 160, 166, 184, 191, 211 e 212 descreve-se a atuação da arguida E…, junto de algumas das prostitutas: quanto à U…, a E… colocou-se junto à mesma impedindo que os clientes a abordassem e, na sequência das ameaças do B…, a U… foi-se prostituindo, entregando àquele ou à E… os valores exigidos; quanto à AC…, a E… recebeu desta, numa ocasião, o valor monetário cobrado; no que respeita à W…, esta foi entregando os valores exigidos tanto ao B… como à arguida E… ou a outro arguido; a E… transportou a Y… para os locais de prostituição quando esta não podia fazê-lo pelos seus próprios meios, e recebeu dela parte dos valores monetários exigidos; a AD… pagava diária e regularmente o valor exigido tanto ao B…, como à E…, sendo estes quem a transportavam de e para o referido lugar; a AF… entregava as quantias monetárias quer ao B…, quer à E…, quer a outro arguido; a AG… pagava diária e regularmente quer aos arguidos B… e E…, quer a outro arguido; a Z… era transportada pelos arguidos B…, E… ou outros dois arguidos, entregando àqueles, diária e regularmente o referido valor.
Da descrição fáctica da conduta da recorrente E… no decurso de todo o período em que prestou “colaboração” ao co-arguido B… (cfr. ponto 18 dos factos provados), conclui-se que a sua atuação não passou disso mesmo – mera colaboradora.
Se não, vejamos: esta arguida, por incumbência do arguido B… (sob as suas ordens) vigiava os locais de prostituição, controlando a presença das mulheres e o número de clientes pelas mesmas atendidos, além de receber os valores monetários exigidos e as transportar, quando necessário, de e para os locais de prostituição, reportando àquele arguido as decorrências de tal atividade e entregando-lhe os valores monetários recebidos. Foi precisamente este o desempenho desta arguida junto das prostitutas U…, AC…, W…, Y…, AD…, AF…, AG… e Z….
Saliente-se ainda que, para além de praticar tais factos sob as ordens do co-arguido B…, todas as quantias monetárias que esta arguida recebia das prostitutas eram entregues àquele arguido. E a circunstância de os mesmos se encontrarem ligados pelos laços do matrimónio e, consequentemente, a arguida E… vir a beneficiar indiretamente com as quantias pagas por aquelas mulheres, é manifestamente insuficiente para se concluir pela autoria, por parte da mesma, dos apontados crimes de lenocínio. Com efeito, o aproveitamento, ainda que indireto da atividade da prostituição sem que lhe estejam associados atos de fomento, favorecimento ou facilitação dessa atividade, não integra os elementos objetivos do referido ilícito, sendo certo que os transportes que a arguida E… fazia de algumas mulheres de e para os referidos locais, foram esporádicos e, por isso mesmo, não revestem o carácter de essencialidade necessária à figura da autoria.
Não é possível, por isso, concluir que a recorrente E… se dedicasse com carácter de habitualidade à exploração lucrativa da prostituição das referidas mulheres, alimentando assim, direta ou indiretamente, com maior ou menor valor, o seu próprio rendimento.
A arguida não tinha o domínio do facto, ou seja, se a determinada altura a arguida deixasse de prestar colaboração ao co-arguido B…, nem assim o crime de lenocínio por parte daquele deixaria de se concretizar, assim se revelando o carácter acessório da atuação daquela.
A atuação da recorrente integra, assim, a figura da cumplicidade e não da co-autoria, impondo-se consequentemente proceder à reformulação da pena concreta que lhe foi aplicada.
*
f) Medida concreta das penas:
Alegam os recorrentes que as penas aplicadas pecam por excessivas e ultrapassam a medida da culpa, devendo ser reduzidas para 8 anos de prisão para o arguido para o arguido B… e 2 anos de prisão suspensa por igual período para a arguida E….
Vejamos:
A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – artº 40º nº 1 do C.Penal.
Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa – artº 40º nº 2.
O artigo 71° do Código Penal estabelece o critério da determinação da medida concreta da pena, dispondo que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
O n ° 2 do artigo 71º do Código Penal, estabelece, que: Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou, contra ele, considerando nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência:
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa. 3) dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.
Deve-se a Günther Jakobs, na sequência do pensamento de Luhmann, a expressão de que a finalidade fundamental ou primordial da pena encontra-se na estabilização contrafáctica das expetativas comunitárias na validade da norma violada. E esta função primária da pena faz concluir pela existência de uma medida óptima de tutela dos bens jurídicos “e das expetativas comunitárias que a pena se deve propor alcançar”, medida óptima essa, porém que não fornece ao julgador o quantum exato da pena.
A moldura de prevenção, comporta ainda abaixo do ponto óptimo ideal outros em que a pressuposta tutela dos bens jurídicos “é ainda efetiva e consistente e onde portanto a pena pode ainda situar-se sem que perca a sua função primordial de tutela de bens jurídicos. Até se alcançar um limiar mínimo – chamado de defesa do ordenamento jurídico – abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar de bens jurídicos[71].” É este entendimento funcionalista que enforma o nosso sistema legal penal.
Na decisão recorrida considerou-se, no que aos recorrentes concerne:
“O grau de ilicitude dos factos é elevado, concretamente no que respeita aos crimes de lenocínio, sendo, na generalidade das situações, bastantes longos os períodos por que se manteve a exploração das mulheres, com união de esforços por parte dos arguidos B… …, com a colaboração dos restantes referidos, o que facilitou a execução e a manutenção do êxito da atividade delituosa, sendo aqueles três, no entanto, que controlavam todo esse “negócio”, além de que os proventos foram elevados, com cobrança diária de valores de várias mulheres. Já quanto aos restantes ilícitos, o grau de ilicitude é médio ou moderado; o dolo é intenso, porque direto, uma vez que os arguidos quiseram agir desse modo e obter os resultados desejados, o que conseguiram; - Os sentimentos manifestados na execução dos crimes de lenocínio, particularmente nos agravados, são próprios de uma grande baixeza de carácter, pois não houve pejo em extorquir avultadas quantias de dinheiro diariamente de mulheres necessitadas de recorrer à prostituição para (sobre)viver, levando os arguidos B…, (…) com a colaboração dos demais referidos (E…, (…), muitas vezes a maior parte; a modesta condição sócio-cultural de generalidade dos arguidos, com baixo nível escolar, bem como a sua integração familiar e social, além de também a sua condição económica ser modesta, se atentar-mos apenas nos rendimentos auferidos licitamente (no que toca concretamente aos sete primeiros); a conduta correta anterior aos factos por parte dos arguidos E… (…), a quem não são conhecidas quaisquer condenações criminais, sendo que os arguidos B… (…) já foram condenados anteriormente (o B… duas vezes, por condução sem habilitação legal, em multa, e por furto qualificado tentado e roubo, em pena de prisão suspensa (…), o que denota que não tem havido da sua parte um esforço bastante para pautarem a sua vida pelos cânones do direito e manterem uma postura confome aos ditames de uma vivência sã em sociedade.
Importa ainda ter em conta a postura que a generalidade dos referidos arguidos assumiram em audiência, sem colaboração com a descoberta da verdade (a não ser praticamente o assumir do que era evidente, como seja a detenção das armas ou munições por parte dos que falaram), pelo que não pode extrair-se daí qualquer benefício a seu favor, não havendo quaisquer sinais da interiorização do mal praticado, sendo que alguns optaram por não prestar declarações sobre os factos, não colhendo também benefício dessa atitude (ainda que ela também não os prejudique, já que é um direito legítimo).
Ponderando todos estes elementos e tendo em consideração as elevadas necessidades de prevenção, não só de ordem especial, mas também de ordem geral, que nos crimes contra a liberdade sexual e de detenção de armas se fazem sentir, atenta a sua frequência e o alarme social que provocam, mitigando todas aquelas circunstâncias, considera-se que a pena a aplicar aos arguidos B… (…) concretamente no que respeita ao lenocínio, deve ser mais elevada, ainda que com diferenciação em função da concreta intervenção de cada um nos factos respetivos, incluindo a amplitude da violência usada sobre as mulheres, temperado com o passado de cada um (designadamente ao nível criminal, relacionado com a idade), estando num patamar de mais reduzida censurabilidade os arguidos E… (…), no que respeita ainda a tal tipo de ilícito, já que tinham um papel mais secundário e uma intervenção menos relevante (tendo-se em conta que a primeira colhia diretamente dos benefícios económicos do marido, as também estava envolvida, ela própria, no mundo da prostituição), além de que quanto às armas haverá que ter em conta, além do comportamento anterior de cada um, o tipo e volume de armamento ou munições detidas, tudo ponderado num juízo de razoabilidade e necessidade social da intervenção do direito penal, ao nível da prevenção, reprovação e ressocialização”.
Ponderando todas as referidas circunstâncias, (para as quais não assume particular relevância o “provado” comportamento prisional isento de reparos em termos disciplinares[72]), entende este Tribunal que não se impõe qualquer alteração das penas parcelares e única aplicadas ao recorrente B…, que se mostram corretamente ponderadas, de acordo com critérios de justiça e bom senso, não sendo merecedoras de censura, tanto mais que há sempre uma certa margem de discricionariedade na determinação concreta da pena pelo julgador, dificilmente sindicável em sede de recurso.
Já o mesmo não se pode dizer relativamente à recorrente E…. Com efeito, tendo esta arguida sido condenada como co-autora e tendo este tribunal considerado que a sua intervenção nos factos se ficou pela cumplicidade, de acordo com as disposições conjugadas dos artºs. 27º nº 2 e 73º do Cód. Penal, impõe-se reavaliar as penas parcelares e única a aplicar a esta arguida, já que é aplicável ao cúmplice a pena fixada para o autor, especialmente atenuada.
A arguida E… prestou auxílio material à prática de quatro crimes de lenocínio agravado e quatro crimes de lenocínio simples. Assim, a moldura penal para o crime de lenocínio agravado especialmente atenuado corresponde a prisão de um mês a cinco anos e quatro meses e a moldura abstrata para o crime de lenocínio simples corresponde a prisão de um mês a três anos e quatro meses.
Assim, ponderando as circunstâncias supra aludidas, sem esquecer a primariedade penal desta arguida e que o tribunal recorrido já usara de bastante benevolência na determinação das penas concretas por ter considerado o carácter secundário da sua intervenção, entende-se adequado punir a arguida/recorrente com as seguintes penas:
- quatro crimes de lenocínio agravado: 10 meses de prisão (no caso da ofendida U…); 10 meses de prisão (ofendida Z…); 8 meses de prisão (ofendida W…) e 7 meses de prisão (ofendida Y…);
- quatro crimes de lenocínio simples: 4 meses de prisão por cada um de quatro crimes de lenocínio simples.
Operando o cúmulo jurídico, em conformidade com o disposto no artº 77º do Cód. Penal, tendo em consideração o conjunto dos factos e a personalidade da arguida neles manifestada, entende-se adequada a pena única de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão.
Na decisão recorrida entendeu-se que se mostravam reunidas condições para a que a arguida E… pudesse beneficiar da pena de substituição de suspensão de execução da pena de prisão, embora acompanhada de regime de prova.
É certo que a sujeição da suspensão a regime de prova constitui uma obrigatoriedade decorrente da Lei nº 59/2007 para os casos em que a pena aplicada na sentença condenatória seja superior a três anos de prisão – artº 53º nº 3 do Cód. Penal, daí que a decisão recorrida tenha feito acompanhar a suspensão da pena de regime de prova.
Tendo este tribunal entendido reduzir as penas parcelares e única impostas à arguida E… para a pena única, resultante do cúmulo, de dois anos e quatro meses de prisão, e não havendo motivos para não suspender a execução desta pena, entende-se, porém, manter também a sua sujeição a regime de prova, o qual, não sendo já obrigatório, se justifica atentas as necessidades de prevenção especial de socialização da arguida.
Assim sendo, procedendo nesta parte o recurso da arguida E…, reduz-se para dois anos e quatro meses de prisão a pena única aplicada a esta arguida, mantendo-se por igual período de tempo a suspensão da respetiva execução, acompanhada de regime de prova, tal como já determinado na 1ª instância.
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g) Do pedido de indemnização cível:
O recorrente B… reputa de excessiva a quantia global de € 23.500,00 que foi arbitrada como indemnização a pagar, solidariamente, à demandante T… por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais causados, defendendo que a mesma deverá ser reduzida a valor não superior a € 12.000,00.
Antes de mais importa sublinhar que foi fixada a favor da demandante T… a quantia de € 20.000,00 a título de indemnização por danos patrimoniais e a quantia de € 3.500,00 pelos danos morais sofridos com a atuação dos arguidos.
Por outro lado, o tribunal recorrido fixou a indemnização por danos patrimoniais por recurso à equidade, perante a impossibilidade de determinar, com um mínimo de rigor, os valores totais de que os demandados se apropriaram ilicitamente mas ponderando as circunstâncias de a demandante se ter visto compelida a entregar àqueles a quantia de € 50,00 por cada dia em que se dedicava à prática da prostituição e de essa imposição por parte dos demandados ter perdurado desde o ano de 2005 até Dezembro de 2009. No que respeita à indemnização por danos morais, teve em consideração o receio da demandante pela sua vida e integridade física, o facto de ter sido agredida pelos demandados, com as inerentes dores físicas, ter vivido em pânico sob ameaça de os demandados se deslocarem a casa de seus pais, chegando a tomar calmantes regularmente para tentar aguentar a situação.
Ora, tendo em consideração as referidas circunstâncias, bem como os critérios decorrentes dos artº. 483º, 496º, 494 e 566º, todos do Cód. Civil, as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e uma criteriosa ponderação das realidades da vida, não esquecendo ainda que a indemnização por danos morais não visa propriamente ressarcir o lesado, mas oferecer-lhe uma compensação que contrabalance o mal sofrido, sendo por isso necessário que tal compensação seja significativa e não meramente simbólica, entendemos que as quantias arbitradas se mostram adequadas para compensar todos os danos sofridos pela demandante T… e, se em algo pecam é, naturalmente por defeito, no que concerne à indemnização por danos morais.
Não podemos esquecer, por outro lado, que a fixação da indemnização, a par da compensação pelos prejuízos, dores e males sofridos, exerce também uma função punitiva do lesante.
Acresce que o recorrente se limita a reputar de excessiva a indemnização fixada, mas não questiona sequer os critérios seguidos pelo tribunal recorrido, nem a própria factualidade em que se fundamenta.
Assim sendo, improcede mais este fundamento do recurso.
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h) Da liquidação do património:
Alegam os recorrentes que o Tribunal recorrido não valorou a prova que produziram, não tendo por isso considerada ilidida a presunção a que alude o artº 7º nº 1 da Lei nº 5/2002 de 11.1, sendo certo que os valores apurados na perícia já estavam na sua titularidade há mais de cinco anos com referência à data em que foram constituídos arguidos e que, contabilisticamente, se consideraram todos os valores, mesmo os que circulavam de conta em conta, que acabaram por ser contabilizados várias vezes. Pretendem ainda que os veículos automóveis adquiridos com recurso ao crédito sejam devolvidos aos seus legítimos proprietários.
Como é sabido, a Lei nº 5/2002 de 11.01, alterada pela Lei nº 19/208 de 11.08, estabelece um regime especial de recolha de prova, quebra de segredo profissional e perda de bens a favor do Estado relativamente a um catálogo de crimes que indica no artº 1º nº 1, que o legislador expressamente previu como “suscetíveis” de gerarem grandes proveitos, entre os quais se encontra precisamente o crime de lenocínio (al. m).
Como refere J.M. Damião da Cunha[73] “trata-se de uma medida de carácter não penal (no sentido de que nada tem a ver com um crime), de carácter análogo a uma medida de segurança (uma sanção de suspeita, condicionada à prova de um crime), no fundo, uma sanção administrativa prejudicada por uma anterior condenação penal”.
A novidade deste regime sancionatório especial assenta em dois pontos essenciais[74]: “a) por um lado, e do ponto de vista substantivo, o facto de ser uma sanção que visa reprimir vantagens presumidas de uma atividade criminosa, baseada num juízo de (in)congruência entre o património do arguido e o rendimento lícito do mesmo (art. 7º); b) por outro lado, e agora de um ponto de vista processual, o reconhecimento de uma regra de inversão de ónus da prova (art. 9º), impondo-se ao arguido a prova da licitude dos seus rendimentos.”
Os artºs. 7º e 9º consagram, efetivamente, uma verdadeira presunção júris tantum da origem ilícita dos bens de pessoas condenadas por algum dos crimes de catálogo, na medida em que um facto desconhecido e não comprovado – a ilicitude da origem do património – se infere de outros factos conhecidos e comprovados. A presunção dispensa a prova da origem ilícita que, normalmente caberia à acusação, fazendo recair sobre o arguido o ónus da prova da origem lícita de tais bens, nos termos do artº 9º nº 3 da citada lei, ou seja, a prova da “congruência” do seu património,
A presunção contida no artº. 7º nº 1 da Lei nº 5/2002 apenas exonera o MP de demonstrar que os bens (ou certos bens) têm uma fonte criminosa, ainda que meramente provável, mas não o dispensa de alegar os factos concretos pertinentes que integram a dita presunção.
Por isso, Damião da Cunha chama à atenção que «o que o MP liquida na acusação é todo o património do arguido (condenado), porque, tanto nas regras da prova, mas sobretudo na Exposição de motivos, o que se presume é que, de facto, todo o património tem origem criminosa – e é com base nesta presunção que o MP tem que operar para efeitos de liquidação. O que verdadeiramente cabe ao arguido (condenado) é obstar, resistir, a uma execução “excessiva”[75].
Ou seja, basta que o MP, na liquidação, apresente todo o património do arguido. O excesso depende da contraprova do arguido.
No caso em apreço, alegam os recorrentes que o tribunal não valorou a prova que produziram e que na sua opinião seria “suficiente para ilidir a presunção”, sendo que os valores apurados já se encontravam na sua titularidade há mais de cinco anos quando foram constituídos arguidos.
Contudo, refere-se no acórdão recorrido que nenhuma prova foi feita de que os bens e valores apreendidos não proviessem da atividade criminosa a que os arguidos se dedicavam. Por outro lado, na motivação de facto do acórdão recorrido, descreve-se o raciocínio lógico elaborado pelo tribunal para afastar os meios de prova produzidos pelos arguidos quanto a esta concreta questão – v. fls. 131 e ss. onde se escreve: “foi considerado o relatório de perícia financeira e contabilística relativamente aos movimentos bancários e rendimentos declarados pelos arguidos B… e mulher E… … igualmente valoradas foram as declarações de IRS relativas aos rendimentos auferidos em 2009. (…) Da conjugação de todos esses elementos, especialmente do aludido relatório pericial, resulta demonstrada essa desconformidade entre os rendimentos auferidos e declarados para efeitos de IRS e os valores que deram entrada em contas bancárias daqueles quatro primeiros arguidos (…). A ponderação de todos esses elementos levou o Tribunal Coletivo a considerar os valores apreendidos e os montantes usados para pagamentos desses veículos, no acto de compra ou fracionadamente, como provenientes da atividade de lenocínio, já que eles não auferiam outros valores, lícitos, que lho permitissem, sendo mais uma vez considerado o já antes dito sobre a natural finalidade das quantias auferidas na sua vida de prostituta pela E…, que tinha “uma casa a governar”. Diga-se, por fim, que não teve credibilidade o referido pelos arguidos B… e E… em audiência, quanto à venda de dois cavalos por € 10.000,00, já que tal não teve sustentação noutras provas minimamente consistentes, uma vez que ninguém veio referir ter tido intervenção ou assistido a esse negócio e não foram apresentados quaisquer meios de pagamento (como cheque ou transferência bancária), além de que a testemunha BO… apenas fez alusão à venda de duas éguas, mas pelo que ouviu dizer à arguida E…, não tendo assistido a qualquer negócio, nem conferiu o valor alegadamente recebido. Aliás, nenhuma outra das restantes testemunhas de defesa aludiu a essa venda, sendo certo que a testemunha BP… referiu que o B… tinha, ainda por volta de Novembro de 2009, dois cavalos, o que deixou também dúvidas quanto à venda referida que, alegadamente, teria sido feita anteriormente (segundo os arguidos)”.
Não tendo os recorrentes impugnado a matéria de facto provada quanto à liquidação de património operada e mostrando-se coerente e lógico o raciocínio explanado na motivação, na parte em que se transcreveu, não existe fundamento para considerar que os recorrentes ilidiram a presunção da proveniência ilícita do seu património incongruente.
Improcede, assim, este fundamento do recurso.
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Recurso interposto pelo arguido C…:
a) Alega o recorrente que praticou um único crime de lenocínio na pessoa da ofendida AL…, não existindo quanto aos restantes os elementos típicos do crime, já que exigir e receber dinheiro de várias prostitutas que não recrutou nem aliciou para a prostituição, não significa o mesmo que fomentar, favorecer ou facilitar.
Quanto aos elementos típicos do crime de lenocínio p. e p. no artº 169º do Cód. Penal dão-se aqui por reproduzidas as considerações tecidas no ponto e)1. (fls. 189 a 191) a propósito do recurso dos arguidos B… e E….
Atendendo ao que supra se referiu bem como a descrição fáctica contida nos pontos da matéria de facto provada – 58 a 65 quanto à ofendida S…, 97 a 109 quanto à ofendida V…, 117 a 126 quanto à ofendida AK…, 208 a 218 quanto à ofendida Z…, 51 a 57 quanto á ofendida AB…, 195 a 201 quanto à ofendida AH… e 219 a 226 quanto à ofendida AL…, matéria de facto essa que não foi validamente impugnada pelo recorrente, pelo que se tem por definitivamente assente, forçoso é concluir-se que o recorrente incorreu na prática dos crimes pelos quais foi condenado.
De realçar que, para o preenchimento do elemento objetivo do crime de lenocínio simples, na determinação do sentido da atuação do agente, tanto se inclui a situação em que o agente determina ou toma a iniciativa da perversão, da desmoralização ou do encaminhamento à prostituição, como aquele em que o agente, não contribui diretamente para a formação da vontade, pelo que a sua posição é de um atuante que se limita a anuir, a ligar-se, a aderir a um estado de espírito pré-existente para a prática de atos tipificados na lei[76]. Como se acentuou no âmbito da Comissão Revisora do Código Penal[77], fomentando a prática da prostituição, o agente “colabora no processo de decisão” e, favorecendo ou facilitando a prática de tal atividade, o agente “colabora no processo de execução”. O que quer dizer que, em qualquer dos casos, apenas colabora no encaminhamento da vítima para a prostituição, mas não determina a sua vontade para a prática de tal atividade (não a leva à respetiva prática), o que traduz a irrelevância de a vítima já se dedicar à prostituição aquando do início da execução do ilícito por parte do agente. O importante é que agente atue profissionalmente ou com intenção lucrativa.
No que concerne ao crime de lenocínio agravado p. e p. no artº 169º nº 2 al. a) do Cód. Penal é necessário que o agente utilize violência ou ameaça grave. Contudo, no conceito de violência, tanto se inclui a violência física como a violência psicológica. Como se acentua no Ac. do STJ de 21.10.2009[78]«Violência vem de “vis”, que tinha, como é sabido, o sentido de força física. Porém, como também é por demais evidente, não só o conceito passou a abarcar a violência psicológica, como é esta que, nas nossas sociedades, mais malefícios causa. Hoje, o emprego da força física mostra-se cada vez menos necessário, até para cometer crimes. Ainda por aí se justificaria uma equiparação de violência física a violência psicológica, para efeitos de proteção pelo sistema penal».
No caso em apreço, como resulta da matéria de facto provada a atuação do ora recorrente C…a está longe de poder ser integrada na categoria vulgarmente conhecida como “rufianismo”, mostrando-se preenchidos todos os elementos típicos dos crimes de lenocínio simples e agravado, em concurso real, pelas razões que acima já explicitámos.
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b) Sustenta o recorrente que existe um só crime de lenocínio na forma continuada, uma vez que o bem jurídico tutelado pela norma não é eminentemente pessoal, visando proteger-se valores ético-sociais da sexualidade na comunidade.
A este respeito já explanámos o nosso entendimento no sentido de a atuação dos arguidos (entre os quais o aqui recorrente) configurar uma situação de concurso efetivo de crimes e não um único crime na forma continuada.
Por valerem aqui as considerações supra tecidas, damos como reproduzido o que explanámos a fls. 191 a 201 (v. ponto e) 2. do recurso dos arguidos B… e E…), improcedendo mais este fundamento do recurso.
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c) Quanto à co-autoria:
Sustenta o recorrente que, ainda que agisse concertadamente com os restantes arguidos, seria necessário, para haver co-autoria, que os atos de violência ou ameaça tivessem merecido o seu acordo prévio ou coubessem na divisão de tarefas.
De acordo com a disposição normativa do art. 26.º do Código Penal «é punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrém, ou tomar parte direta na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução».
Seguindo de perto as posições da doutrina e da jurisprudência, são elementos da comparticipação criminosa sob a forma de co-autoria os seguintes:
- a intervenção direta na fase de execução do crime («execução conjunta do facto»);
- o acordo para a realização conjunta do facto; acordo que não pressupõe a participação de todos na elaboração do plano comum de execução do facto; que não tem de ser expresso, podendo manifestar-se através de qualquer comportamento concludente; e que não tem de ser prévio ao início da prestação do contributo do respetivo co-autor;
- o domínio funcional do facto, no sentido de o agente «deter e exercer o domínio positivo do facto típico» ou seja o domínio da sua função, do seu contributo, na realização do tipo, de tal forma que, numa perspetiva ex ante, a omissão desse contributo impediria a realização do facto típico na forma planeada.
No que respeita à execução propriamente dita, não é indispensável nem necessário que cada um dos agentes cometa integralmente o facto punível, que execute todos os factos correspondentes ao preceito incriminador, que intervenha em todos os atos a praticar para obtenção do resultado pretendido, bastando que a atuação de cada um, embora parcial, seja elemento componente do todo e indispensável à produção do resultado.
A este propósito, escreve Johannes Wessels[79]: «A co-autoria baseia-se no princípio do atuar em divisão de trabalho e na distribuição funcional dos papéis. Todo o colaborador é aqui, como parceiro dos mesmos direitos, co-titular da resolução comum para o facto e da realização comunitária do tipo, de forma que as contribuições individuais completam-se em um todo unitário e o resultado total deve ser imputado a todos os participantes. O acordo necessário pode (expressa ou tacitamente) também ser ainda firmado entre o início e o término do facto».
Também Francisco Munõz Conde e Mercedes Garcia Arán[80]: «Lo decisivo en la coautoría es que lo dominio del hecho lo tienen varias personas que, en virtud del principio del reparto funcional de roles, asumen por igual la responsabilidad de su realización. Las distintas contribuciones deben considerarse, por tanto, como un todo y el resultado total debe atribuirse a cada coautor, independientemente de la entidad material de su intervención.... El simple acuerdo de voluntades no basta. Es necesario, además, que se contribuya de algún modo em la realización del delito (no necessariamente com actos ejecutivos), de tal modo que dicha contribución pueda estimarse como un eslabón importante de todo el acontecer delictivo».
Faria Costa[81] escreve: «Desde que se verifique uma decisão conjunta (“por acordo ou juntamente com outro ou outros”) e uma execução também conjunta estaremos caídos» na figura jurídica da co-autoria (“toma parte direta na sua execução”). «Todavia, para definir uma decisão conjunta parece bastar a existência da consciência e vontade de colaboração de várias pessoas na realização de um tipo legal de crime (“juntamente com outro ou outros”). É evidente que na sua forma mais nítida tem de existir um verdadeiro acordo prévio – podendo mesmo ser tácito – que tem igualmente que se traduzir numa contribuição objetiva conjunta para a realização típica. Do mesmo modo que, em princípio, cada co-autor é responsável como se fosse autor singular da respectiva realização típica.
No caso em apreço, o acervo fáctico constante dos pontos 1 a 10 da matéria de facto provada, e o circunstancialismo descrito pormenorizadamente nos pontos 51 a 57, 58 a 65, 97 a 109, 117 a 126, 195 a 201, 208 a 218 e 219 a 226, configuram inequivocamente uma situação de comparticipação direta do recorrente na execução dos crimes de lenocínio simples e agravados, conjuntamente com os outros dois arguidos (B… e D…), na medida em que aderiu ao projeto global e dele participou através de contributo essencial à sua concretização, nos termos já suficientemente explanados. Sucede que o recorrente, tal como aqueles co-arguidos, sabiam que o plano congeminado e executado implicaria necessariamente a efetivação de ameaças ou atos de violência física ou psíquica sobre as vítimas, a fim de as determinarem a entregarem as quantias que lhes exigiam.
Refira-se finalmente que a condenação do recorrente como co-autor só abrangeu as situações em que tomou parte direta ou indireta na execução dos factos, e relativamente a cada uma das vítimas em particular.
Não restam por isso dúvidas quanto à comparticipação do recorrente nos factos descritos, justificativa da sua condenação como co-autor dos referidos ilícitos, pelo que improcede mais este fundamento do recurso.
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d) Quanto ao pedido cível:
Alega o recorrente que é manifesto o exagero das quantias arbitradas, tendo o tribunal à quo recorrido à equidade, sem que se perceba o raciocínio lógico que levou ao montante fixado.
Importa antes de mais realçar que, sem pugnar pela respetiva absolvição, o recorrente não aponta qual o valor que julga adequado para compensar a ofendida pelos danos morais e patrimoniais que lhe causou. Limita-se a alegar que a mesma já se prostituía na década de 90 e que só em 2007 começou a pagar uma contribuição “modesta” de € 10,00, sendo que nunca foi vítima de qualquer ameaça por parte do recorrente.
Não é essa, porém, a realidade descrita nos pontos 117 a 126, 395 a 401, factualidade em que o tribunal recorrido se baseou para determinar o valor global da indemnização a atribuir à demandante AK… por todos os danos morais e patrimonais sofridos, factualidade essa que, por não impugnada, se tem por definitivamente assente.
Com base em tal factualidade e atendendo às considerações supra tecidas a propósito do recurso do arguido B… (v. fls. 210 e 211), que aqui se dão por integralmente reproduzidas, nenhuma censura merece a decisão recorrida quanto à indemnização arbitrada à ofendida AK…, da responsabilidade solidária dos arguidos C… e D….
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Recurso interposto pelo arguido D…:
a) Impugnação da matéria de facto
Sustenta o recorrente que as declarações prestadas em audiência pela testemunha S… impõem decisão diversa quanto aos factos provados nºs 61 e 63 que considera incorretamente julgados e que o ponto 65 da matéria de facto provada (na parte em que alude também ao recorrente) se encontra em contradição com o facto não provado u1).
Antes de procedermos à análise da prova produzida e especificada pelo recorrente nas respetivas motivações, importa averiguar se a decisão recorrida padece, neste segmento, de algum dos vícios a que alude o artº 410º nº 2 do C.P.P. e se, em caso afirmativo, se impõe ou não o reenvio do processo.
Relativamente à ofendida S…, o tribunal coletivo considerou provados os seguintes factos:
58 - A ofendida S…, por volta do ano de 2005, começou a prostituir-se na zona …, estabelecendo então contacto com o arguido C…, o qual lhe exigiu, para ali lhe permitir o exercício da prostituição, o pagamento de € 200,00 por semana, o que a mesma aceitou, passando a pagar a este tal quantia semanalmente.
59 - Em data não apurada de 2007, a S… foi abordada pelo arguido D…, que a impediu de ali se prostituir, colocando outra prostituta no mesmo lugar, razão pela qual, com medo de ser agredida, aquela deixou de se prostituir naquele local.
60 - A S… foi, então, exercer a atividade de prostituição para a zona de …, sendo aqui abordada pelo arguido B…, o qual lhe exigiu o pagamento dos mesmos € 200,00 por semana, sem o que a impediria de ali exercer tal atividade, tendo a mesma aceitado pagar-lhe o valor exigido, o que passou a fazer.
61 - A partir dessa altura, a S…, que permanecia na sua atividade de prostituição na zona de …, passou a ser frequentemente abordada pelo arguido B…, o qual insistentemente lhe relembrava ter que continuar a pagar aquele valor semanal, para não ser impedida de exercer aquela atividade e para não ser alvo de agressões.
62 - No dia 14 de Julho de 2008, o arguido D…, que se fazia acompanhar, na viatura, pelo arguido C… e por um indivíduo não identificado, abordou a S…, no momento em que a mesma estava na companhia de um cliente.
63 - Então, o arguido D… desferido murros na face da S…, pretendendo intimidá-la e mantê-la submissa às suas ordens, enquanto os outros dois assistiam e nada faziam para impedir tais agressões.
64 - Em Abril de 2009, a S… pediu autorização ao arguido B… para passar a pagar a quantia de apenas € 150,00 semanais, aceitando o mesmo tal redução na condição de ela passar a exercer a prostituição no referido local de Estarreja, o que a mesma fez, continuando a pagar, mas desta feita neste novo valor.
65 - A S… prostituiu-se por conta dos referidos arguidos até ao início de Janeiro de 2010, sendo então utilizadora do telemóvel nº ………, através do qual com eles contactava.
Por outro lado, como resulta das alíneas r1, t1 e u1 dos factos não provados, foram como tal considerados os seguintes factos:
r1) Que a partir de 2007, a S… passou a ser frequentemente abordada, na zona …, pelos arguidos C… e D…, os quais insistentemente lhe relembravam ter que continuar a pagar aquele valor semanal para não ser impedida de exercer aquela atividade e para não ser alvo de agressões;
t1) Que com a descrita atuação, pretendeu o arguido D…, com a colaboração do arguido I…, levar a S… a não deixar de entregar o valor monetário exigido como contrapartida de lhe ser permitido prostituir-se naquele lugar …;
u1) Que a S… prostituiu-se por conta do arguido D… até ao início de Janeiro de 2010.
Da conjugação de tal materialidade, concluiu o tribunal coletivo ter o arguido/recorrente D… cometido um crime de lenocínio agravado na pessoa da ofendida S…, “uma vez que, concertadamente com outros, exigiu a esta quantias pecuniárias diárias resultantes da prática da prostituição, que ela lhe entregou, tendo-a violentado fisicamente para a manter submissa às suas ordens e dos outros dois referidos arguidos” – cfr. fls. 153 do acórdão recorrido.
Ora, a matéria de facto provada a este respeito e acima descrita, é manifestamente insuficiente para se poder concluir que o recorrente se constituiu autor (ou mesmo co-autor) do crime de lenocínio agravado na pessoa da ofendida S…, padecendo a decisão recorrida, neste concreto aspeto, de manifesta insuficiência da matéria de facto para fundamentar a solução de direito encontrada.
Não integrando o vício da decisão a que alude o artº 410º nº 2 al. a) do C.P.P., uma vez que o tribunal recorrido não deixou de investigar toda a matéria de facto com interesse para a decisão final (alegada pela acusação, pela defesa ou resultante da discussão da causa)[82], o certo é que a matéria de facto, tal como foi considerada provada pelo tribunal recorrido, não comporta a solução de direito encontrada.
Com efeito, atentos os elementos objetivos e subjetivo que integram o tipo de crime de lenocínio simples ou agravado p. e p. no artº 169º do C.P.P., não se tendo provado que o arguido D… tivesse alguma vez recebido da ofendida S… (diretamente ou através de algum dos restantes arguidos) qualquer quantia por esta obtida com a prática da prostituição [na medida em que se consideraram não provados os factos supra descritos nas alienas r1), t1) e u1)], nem resultando da matéria de facto provada sob os nºs. 62 e 63 que, ao desferir murros na face da ofendida no dia 14 de Julho de 2008, o arguido D… pretendesse intimidá-la de forma a que a mesma continuasse a entregar aos restantes co-arguidos quaisquer quantias provenientes de tal atividade – na sequência do acordo prévio entre todos celebrado – não podia o tribunal recorrido ter concluído, como concluiu a fls. 153 do acórdão que o arguido D… “concertadamente com outros, exigiu a esta quantias pecuniárias diárias resultantes da prática da prostituição, que ela lhe entregou, tendo-a violentado fisicamente para a manter submissa às suas ordens e dos outros dois referidos arguidos” e, dessa forma, subsumir a conduta do recorrente, no que à ofendida S… concerne, na previsão do artº 169º nº 2 do Cód. Penal.
Antes se impondo a absolvição do recorrente D… do crime de lenocínio agravado na pessoa da ofendida S…, assim se revogando parcialmente a decisão recorrida.
*
b) Inexistência de comparticipação do recorrente no crime de lenocínio relativamente à ofendida Z… ou, pelo menos, inexistência da agravação do referido ilícito:
Alega o recorrente que não se poderia ter chegado à conclusão de que interveio, a nível decisório e executório na ameaça proferida pelo arguido B… à ofendida Z…, pelo que devem ser dados como não provados os factos descritos sob os pontos 215 e 216 e, consequentemente, a imputação conclusiva constante do ponto 218 dos factos provados.
O acórdão recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto, no que respeita à ofendida Z…:
«208 - A ofendida Z…, também conhecida por “Z1…”, dedicou-se à atividade de prostituição desde meados da década de 90, devido a dificuldades financeiras por que passava.
209 - Depois de ter-se prostituído em vários locais, em Outubro de 2009 a Z… decidiu ir fazê-lo para a zona …, pelo que, sabendo, através de uma sua amiga, que o arguido B… era uma das pessoas que controlavam a prostituição em tal local, foi falar com o mesmo.
210 - A Z… e o arguido B… acordaram então que a mesma exerceria a sua atividade de prostituição na zona florestal de …, mais concretamente na mata de …, tendo ela que pagar a quantia de € 50,00 por dia, prometendo-lhe aquele ser garantida a sua segurança no local e o seu transporte de e para o mesmo.
211 - Assim, a Z… passou a prostituir-se em tal local, sendo transportada entre o mesmo e a estação da … quer pelo arguido B…, quer pelos arguidos C…, E… e G… (“G1…”).
212 - A Z… pagava então diária e regularmente o referido valor, que entregava aos arguidos B…, E… e G… (“G1…”).
213 - Já nos finais de 2009, por determinação do arguido B.., a Z… passou a prostituir-se na referida zona …, sendo que, por acordo com este, passou desde então a pagar-lhes o valor de apenas € 40,00 por dia.
214 - Por essa altura, em data não concretamente apurada do início de Dezembro de 2009, pretendo ficar para si com a totalidade do dinheiro que lograsse obter da prática da prostituição, a Z… decidiu regressar a um seu antigo local de exercício de tal atividade, em … (…), telefonando ao arguido B…, a quem disse que nesse dia ia ficar em casa.
215 - Não acreditando nela, o arguido B… relatou o sucedido ao arguido D… e ambos decidiram ir procurá-la no referido lugar …, para a intimidarem, aí a encontrando e abordando, perguntando-lhe o B… o que estava ali a fazer e dizendo-lhe que tal sítio não era seguro, pois algo lhe poderia acontecer.
216 - Pretenderam assim os arguidos B… e D… dar a entender à Z… que, caso deixasse de trabalhar nos anteriores local e condições, seriam capazes de atentar contra a sua integridade física e mesmo contra a sua vida.
217 - A Z… ficou com medo de ser alvo de agressões, razão pela qual no dia seguinte voltou a prostituir-se em Pigeiros, entregando o valor diário antes exigido.
218 - A Z… prostituiu-se por conta dos referidos arguidos, nos termos descritos, até ao início de Janeiro de 2010, contactando com os mesmos através do seu telemóvel nº ……….»
Por outro lado, considerou-se não provado o seguinte facto:
- alínea l4) - «que foi também por determinação dos arguidos D… e C… que a Z… passou a prostituir-se na referida zona …».
Na parte respeitante ao enquadramento jurídico-penal dos factos provados, quanto à conduta do arguido/recorrente D…, escreveu-se no acórdão recorrido (cfr. fls. 155) - «relativamente à arguida Z…, um crime de lenocínio agravado, uma vez que, concertadamente com outros, que lhe exigiram e obitveram quantias pecuniárias diárias resultantes da prática da prostituição, colaborou na intimidação daquela, com violência psíquica, para voltar a prostituir-se por conta dos mesmos».
Ou seja, conclui-se que a atuação do arguido D… no que concerne à ofendida Z… integra a figura da co-autoria por ter “colaborado na intimidação daquela, com violência psíquica, para voltar a prostituir-se por conta dos mesmos”.
Vejamos, porém, se a atuação do recorrente é passível de o fazer incorrer na prática do referido ilícito, enquanto co-autor.
O artº 26º do Cód. Penal define como co-autor de um crime quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros.
Para a noção de autoria é assim essencial o acordo prévio para o facto e a participação direta, mediata ou imediata, na execução do facto. Como acima referimos, não tendo de ser expresso, o acordo tem de ser, se for tácito, concludente no sentido da vontade de executar o facto e de traduzir uma contribuição objetiva conjunta para a realização da acção típica.
O acordo para a realização do facto tem, porém, de ter como base a consciência de colaboração: a participação direta na execução, juntamente com outro ou outros, supõe um exercício conjunto e com intervenção ordenada no domínio do facto, que constitua uma contribuição objetiva para a realização da acção típica.
A co-autoria pressupõe, pois, um elemento subjetivo - o acordo, com o sentido de decisão, expressa ou tácita, para a realização de determinada acção típica, e um elemento objetivo, que constitui a realização conjunta do facto, ou seja, tomar parte direta na execução.
A execução conjunta, neste sentido, não exige, todavia, que todos os agentes intervenham em todos os atos, mais ou menos complexos, organizados ou planeados, que se destinem a produzir o resultado típico pretendido, bastando que a atuação de cada um dos agentes seja elemento componente do conjunto da ação, mas indispensável à produção da finalidade e do resultado a que o acordo se destina.
O autor deve ter o domínio funcional do facto; o co-autor tem também, do mesmo modo, que deter o domínio funcional da atividade que realiza, integrante do conjunto da ação para a qual deu o seu acordo, e na execução de tal acordo se dispôs a levar a cabo. O domínio funcional do facto próprio da autoria significa que a atividade, mesmo parcelar, do co-autor na realização do objetivo acordado se tem de revelar indispensável à realização da finalidade pretendida.
A teoria do domínio funcional do facto, fundada por Lobe e desenvolvida por Roxin, permite fundamentar a essência da autoria e delimitar a autoria de outras formas de comparticipação. A atuação que constitui autoria deve compreender-se em unidade de sentido objetivo-subjetivo, como obra de uma vontade diretora do facto; para a autoria é decisiva não apenas a vontade diretiva, mas também a importância material da intervenção no facto que um co-agente assume.
Por isso só pode ser autor quem, de acordo com o significado da sua contribuição objetiva, governa e dirige o curso do facto[83]. A co-autoria fundamenta-se também no domínio do facto; o domínio do facto deve ser, então, conjunto, devendo cada co-autor dominar o facto global em colaboração com outro ou outros. A co-autoria supõe sempre uma "divisão de trabalho" que torne possível o crime, o facilite ou diminua essencialmente o risco da ação.
Exige uma vinculação recíproca por meio de uma resolução conjunta, devendo cada co-autor assumir uma função parcial de carácter essencial que o faça aparecer como co-portador da responsabilidade para a execução em conjunto do facto. Por outro lado, a contribuição de cada co-autor deve revelar uma determinada medida e significado funcional, de modo que a realização por cada um do papel que lhe corresponde se apresente como uma peça essencial da realização do facto[84].
De todo o modo, a colaboração e a importância que reveste deve poder determinar suficientemente o "se" e o "como" da execução do facto.
Vejamos então se os factos provados relativamente ao recorrente permitem integrar a forma de comparticipação (co-autoria) quanto ao crime por que vem condenado, relativamente à ofendida Z….
Ressalvada a descrição genérica de atuação dos arguidos B…, C… e D…, constante dos artºs. 1 a 18 dos factos provados, os factos provados quanto à concreta ofendida Z…, estão referidos nos pontos 215 a 218 da matéria de facto provada.
O primeiro facto (de comum acordo) respeitante à expressão “ambos decidiram ir procurá-la no referido Lugar …, para a intimidarem”, mais não traduz que uma mera intenção e um projeto, nada referindo quanto a uma eventual individualização, desenvolvimento e concretização de ações.
Quanto à atuação, propriamente dita, concretizadora do referido projeto, apenas se refere nos citados pontos de facto que encontrando a abordando a ofendida, o B… pergungou-lhe o que estava ali a fazer, dizendo-lhe que tal sítio não era seguro, pois algo lhe poderia acontecer – artº 215º dos factos provados.
Nada se dizendo quanto à atuação concreta do recorrente, aquando da abordagem da ofendida, o que a seguir se refere no ponto 216 – «Pretenderam assim os arguidos B… e D… dar a entender à Z… que, caso deixasse de trabalhar nos anteriores local e condições, seriam capazes de atentar contra a sua integridade física e mesmo contra a sua vida» – constitui mero juízo conclusivo no que se refere ao arguido D… que poderia, eventualmente, ser extraído de outros factos, mais ou menos individualizados, que revelassem uma ligação, mais ou menos parcelar, mediata ou imediata, com a ação que estava em causa – intimidação da ofendida - designadamente, através da demonstração de que o arguido, embora nada tenha dito à ofendida, evidenciasse uma atitude intimidatória com a sua presença ao lado do co-arguido B… ou que o mesmo, conhecendo a ofendida, soubesse que a sua simples presença, provocasse o referido efeito intimidatório.
Na verdade, como se refere no Ac. do STJ de 06.10.2004[85], citado pelo recorrente, “A comunhão de esforços e intenções com base num plano só pode ser externamente demonstrada se for possível, através de factos de ligação, estabelecer a pertinência de uma ação ao âmbito de um plano. Com efeito, a autoria (e a co-autoria) supõem o domínio do facto e a essencialidade da atuação, com a consciência e sentido da natureza determinante e necessária da atuação na cooperação para o resultado pretendido. Se, processualmente, não existem factos que traduzam e revelem a ação concreta (uma qualquer ação concreta), a modalidade de intervenção, a concretização e a materialização executiva (mediata, através de outrem ou imediata e pessoalmente), faltam elementos essenciais para estabelecer a necessária relação própria da co-autoria; sem ação provada e sem a determinação da medida da contribuição não há possibilidade de estabelecer a relação e a base do domínio do facto, pressuposto da noção de autoria ou co-autoria.
Sem factos que revelem e integrem os elementos materiais mínimos da relação entre autor (e co-autor) e acção (os comportamentos concretos, mesmo parcelares, mais ou menos intensos, mas essenciais porque codeterminantes), não pode ser estabelecida a pertinência de um comportamento a um indivíduo, isto é, a direta ligação de um facto ao seu autor. A inexistência, rectius, a ausência de prova dos factos relevantes de uma tal relação significa que não possa ser referido ao recorrente qualquer segmento executivo da complexidade da ação típica.
Na verdade, o simples conhecimento da ação concreta, sem atos de participação real e efetiva ou de auxílio, mais ou menos determinantes, não é relevante em termos de comparticipação, que tem de se traduzir em comportamentos, imediatos ou mediatos, que liguem o agente à execução do facto e à produção do resultado”.
Os factos provados, que relativamente ao recorrente são apenas aqueles que estão descritos no referidos pontos da matéria de facto, não são, assim, bastantes para revelar alguma forma externa de comparticipação do recorrente, quer como co-autor, quer mesmo como fonte de auxílio no quadro da cumplicidade. Com base em tais factos não pode, por isso, ser considerado comparticipante no crime por que está condenado, devendo, em consequência, ser absolvido, razão por que procede este fundamento do recurso.
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c) Inconstitucionalidade do artº 169º nº 1 do Cód.Penal:
Sustenta o recorrente que a norma do artº 169º nº 1 do C.Penal é materialmente inconstitucional por violação do artº 18º nº 2 da CRP., pois, com a eliminação pela Lei nº 65/98 da exigência de que o fomento, favorecimento ou facilitação da prostituição se ligassem à exploração de situações de abandono ou de necessidade económica desapareceu qualquer tipo de possibilidade de aquelas condutas se poderem referir ao bem jurídico “liberdade sexual”, passando a tutelar-se “o interesse geral da sociedade em que haja pudor e moralidade sexual e ganho honesto”, que não integram o conjunto de bens carecidos de tutela jurídico-penal.
A questão da inconstitucionalidade do artº 169º nº 1 do Código Penal já foi diversas vezes equacionada e decidida pelo Tribunal Constitucional.
Assim, o Acórdão nº 144/2004, de 10 de Março de 2004[86], daquele Tribunal debruçando-se sobre a eventual inconstitucionalidade da norma contida no artº 170º nº 1 do Cód. Penal, por violação dos artºs 41º e 47º nº 1 conjugados com o artº 18º nº 2 da Constituição, considerou como questão prévia à problemática entre o Direito e Moral, a de saber se a norma do artº 170º nº 1 do Código Penal apenas protege valores que nada tenham a ver com direitos e bens consagrados constitucionalmente, não susceptíveis de proteção pelo Direito, segundo a Constituição portuguesa.
E, fundamentou da seguinte forma:
“Ora, a resposta a esta última questão é negativa, na medida em que subjacente à norma do artigo 170º, nº 1, está inevitavelmente uma perspetiva fundamentada na História, na Cultura e nas análises sobre a Sociedade segundo a qual as situações de prostituição relativamente às quais existe um aproveitamento económico por terceiros são situações cujo significado é o da exploração da pessoa prostituída (cfr. sobre a prostituição, nas suas várias dimensões, mas caracterizando-o como “fenómeno social total” e, depreende-se, um fenómeno de exclusão, JOSÉ MARTINS BRAVO DA COSTA, “O crime de lenocínio. Harmonizar o Direito, compatibilizar a Constituição”, em Revista de Ciência Criminal, ano 12, nº 3, 2002, p. 211 e ss.; do mesmo autor e LURDES BARATA ALVES, Prostituição 2001 – O Masculino e o Feminino de Rua, 2001). Tal perspetiva não resulta de preconceitos morais mas do reconhecimento de que uma Ordem Jurídica orientada por valores de Justiça e assente na dignidade da pessoa humana não deve ser mobilizada para garantir, enquanto expressão de liberdade de ação, situações e atividades cujo “princípio” seja o de que uma pessoa, numa qualquer dimensão (seja a inteletual, seja a física, seja a sexual), possa ser utilizada como puro instrumento ou meio ao serviço de outrem. A isto nos impele, desde logo, o artigo 1º da Constituição, ao fundamentar o Estado Português na igual dignidade da pessoa humana. E é nesta linha de orientação que Portugal ratificou a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (Lei nº 23/80, em D.R., I Série, de 26 de Julho de 1980), bem como, em 1991 a Convenção para a Supressão do Tráfico de Pessoas e de Exploração da Prostituição de Outrem (D.R., I Série, de 10 de Outubro de 1991).
É claro que a esta perspetiva preside uma certa ideia cultural e histórica da pessoa e uma certa ideia do valor da sexualidade, bem como o reconhecimento do valor científico das análises empíricas que retratam o “mundo da prostituição” (e note-se que neste terreno tem sido longo o percurso que conduziu o pensamento sociológico desde a caracterização da prostituição como anormalidade ou doença – assim, C. LOMBROSO e G. FERRO, La femme criminelle et la prostituée, 1896, e, no caso português, os estudos de TOVAR DE LEMOS, A prostituição. Estudo anthropologico da prostituta portuguesa, 1908, e, sobre as concepções da ciência acerca da prostituição no início do século, cf. MARIA RITA LINO GARNEL, “A loucura da prostituição”, em Themis, ano III, nº 5, 2002, p. 295 e ss. – até ao reconhecimento de que as prostitutas são vítimas de exploração e produto de uma certa exclusão social). Mas tal horizonte de compreensão dos bens relevantes é sempre associado a ideias de autonomia e liberdade, valores da pessoa que estão diretamente em causa nas condutas que favorecem, organizam ou meramente se aproveitam da prostituição.
Não se concebe, assim, uma mera proteção de sentimentalismos ou de uma ordem moral convencional particular ou mesmo dominante, que não esteja relacionada, intrinsecamente, com os valores da liberdade e da integridade moral das pessoas que se prostituem, valores esses protegidos pelo Direito enquanto aspetos de uma convivência social orientada por deveres de proteção para com pessoas em estado de carência social. A intervenção do Direito Penal neste domínio tem, portanto, um significado diferente de uma mera tutela jurídica de uma perspetiva moral, sem correspondência necessária com valores essenciais do Direito e com as suas finalidades específicas num Estado de Direito. O significado que é assumido pelo legislador penal é, antes, o da proteção da liberdade e de uma “autonomia para a dignidade” das pessoas que se prostituem. Não está, consequentemente, em causa qualquer aspeto de liberdade de consciência que seja tutelado pelo artigo 41º, nº 1, da Constituição, pois a liberdade de consciência não integra uma dimensão de liberdade de se aproveitar das carências alheias ou de lucrar com a utilização da sexualidade alheia. Por outro lado, nesta perspetiva, é irrelevante que a prostituição não seja proibida. Na realidade, ainda que se entenda que a prostituição possa ser, num certo sentido, uma expressão da livre disponibilidade da sexualidade individual, o certo é que o aproveitamento económico por terceiros não deixa de poder exprimir já uma interferência, que comporta riscos intoleráveis, dados os contextos sociais da prostituição, na autonomia e liberdade do agente que se prostitui (colocando-o em perigo), na medida em que corresponda à utilização de uma dimensão especificamente íntima do outro não para os fins dele próprio, mas para fins de terceiros. Aliás, existem outros casos, na Ordem Jurídica portuguesa, em que o autor de uma conduta não é incriminado e são incriminados os terceiros comparticipantes, como acontece, por exemplo, com o auxílio ao suicídio (artigo 135º do Código Penal) ou com a incriminação da divulgação de pornografia infantil [artigo 172º, nº 3, alínea e), do Código Penal], sempre com fundamento na perspetiva de que a autonomia de uma pessoa ou o seu consentimento em determinados atos não justifica, sem mais, o comportamento do que auxilie, instigue ou facilite esse comportamento. É que relativamente ao relacionamento com os outros há deveres de respeito que ultrapassam o mero não interferir com a sua autonomia, há deveres de respeito e de solidariedade que derivam do princípio da dignidade da pessoa humana.
7. Por outro lado, que uma certa “atividade profissional” que tenha por objeto a específica negação deste tipo de valores seja proibida (neste caso, incriminada) não ofende, de modo algum, a Constituição. A liberdade de exercício de profissão ou de atividade económica tem obviamente, como limites e enquadramento, valores e direitos diretamente associados à proteção da autonomia e da dignidade de outro ser humano (artigos 471º, nº 1 e 61º, nº 1, da Constituição). Por isso estão particularmente condicionadas, como objeto de trabalho ou de empresa, atividades que possam afetar a vida, a saúde e a integridade moral dos cidadãos [artigo 59º, nº 1, alíneas b) e c) ou nº 2, alínea c), da Constituição]. Não está assim, de todo em causa a violação do artigo 47º, nº 1, da Constituição. Nem também tem relevância impeditiva desta conclusão a aceitação de perspetivas como a que aflora no pronunciamento do Tribunal de Justiça das Comunidades (Sentença de 20 de Novembro de 2001, Processo nº 268/99), segundo a qual a prostituição pode ser encarada como atividade económica na qualidade de trabalho autónomo (cf., em sentido crítico, aliás, MASSIMO LUCIANI, “Il lavoro autonomo de la prostituta”, em Quaderni Costituzionali, anno XXII, nº 2, Giugno 2002, p. 398 e ss.). Com efeito, aí apenas se considerou que a permissão de atividade das pessoas que se prostituem nos Estados membros da Comunidade impede uma discriminação quanto à autorização de permanência num Estado da União Europeia, daí não decorrendo qualquer consequência para a licitude das atividades de favorecimento à prostituição.
8. As considerações antecedentes não implicam, obviamente, que haja um dever constitucional de incriminar as condutas previstas no artigo 170º, nº 1, do Código Penal. Corresponde, porém, a citada incriminação a uma opção de política criminal (note-se que tal opção, quanto às suas fronteiras, é passível de discussão no plano de opções de política criminal – veja-se ANABELA RODRIGUES, Comentário Conimbricense, I, 1999, p. 518 e ss.), justificada, sobretudo, pela normal associação entre as condutas que são designadas como lenocínio e a exploração da necessidade económica e social, das pessoas que se dedicam à prostituição, fazendo desta um modo de subsistência. O facto de a disposição legal não exigir, expressamente, como elemento do tipo uma concreta relação de exploração não significa que a prevenção desta não seja a motivação fundamental da incriminação a partir do qual o aproveitamento económico da prostituição de quem fomente, favoreça ou facilite a mesma exprima, tipicamente, um modo social de exploração de uma situação de carência e desprotecção social.
Tal opção tem o sentido de evitar já o risco de tais situações de exploração, risco considerado elevado e não aceitável, e é justificada pela prevenção dessas situações, concluindo-se pelos estudos empíricos que tal risco é elevado e existe, efetivamente, no nosso país, na medida em que as situações de prostituição estão associadas a carências sociais elevadas (sobre a realidade sociológica da prostituição cf., por exemplo, ALMIRO SIMÕES RODRIGUES, “Prostituição: – Que conceito? – Que realidade?”, em Infância e Juventude, Revista da Direcção-geral dos Serviços Tutelares de Menores, nº 2, 1984, p. 7 e ss., e JOSÉ MARTINS BARRA DA COSTA e LURDES BARATA ALVES, Prostituição 2001 ..., ob.cit., supra) não é tal opção inadequada ou desproporcional ao fim de proteger bens jurídicos pessoais relacionados com a autonomia e a liberdade. Ancora-se esta solução legal num ponto de vista que tem ainda amparo num princípio de ofensividade, à luz de um entendimento compatível com o Estado de Direito democrático, nos termos do qual se verificaria uma opção de política criminal baseada numa certa perceção do dano ou do perigo de certo dano associada à violação de deveres para com outrem – deveres de não aproveitamento e exploração económica de pessoas em estado de carência social [cfr., com interesse para a questão da construção do conceito de dano nesta área e independentemente da posição sobre a pornografia aí defendida, matéria que não tem relevância no contexto do presente acórdão, CATHERINE MACKINNEN, Pornography: On Morality in and Politics, em Toward a Feminist Theory of State, 1989, que defende a incriminação da pornografia em face da sua ofensividade contra a imagem da mulher e a construção da respetiva identidade como pessoa. Também sobre tal lógica de construção do dano, cf. SANDRA E. MARSHALL, “Feminism, Pornography and the Civil Law”, em Recht und Moral (org. HEIKE JUNG e outros), 1991, p. 383 e ss., defendendo a autora que, na pornografia, o dano consistiria na negação da humanidade da mulher, sendo relevante para o tema do presente Acórdão a perspetiva de que “a perda da autonomia não é um assunto meramente subjetivo ... a autonomia é negada mesmo que não se reconheça. Aqui pode ser traçado um paralelo com a escravatura ... A própria condição da escravatura requer que o escravo não se veja a si próprio como alguém que possui ou a quem falta autonomia ... Isto pode ser formulado dizendo que uma tal pessoa não se pode ver a si própria completamente. Como item da propriedade não possui um em si mesma”]. O entendimento subjacente à lei penal radica, em suma, na protecção por meios penais contra a necessidade de utilizar a sexualidade como modo de subsistência, proteção diretamente fundada no princípio da dignidade da pessoa humana. Questão diversa que não está suscitada nos presentes autos é a que se relaciona com a possibilidade processual de contraprova do perigo que serve de fundamento à incriminação em casos como o presente ou ainda, naturalmente, com a prova associada à aplicação dos critérios de censura de culpa do agente e da atenuação ou eventual exclusão de culpabilidade, em face das circunstâncias concretas do caso.
9. Em face do exposto, não se pode considerar que estejam violados pela norma em crise quaisquer normas ou princípios constitucionais.”
E, ante o exposto, o Tribunal Constitucional decidiu não julgar inconstitucional, por violação dos artigos 41º, nº 1, 47º, nº 1 e 18º, nº 2, da Constituição, a norma constante do artigo 170º, nº 1, do Código Penal.
Também o Acórdão nº 196/2004, de 23 de Março de 2004, do mesmo Tribunal[87], foi chamado a debruçar-se sobre a alegada inconstitucionalidade material do artigo 170º nº 1 do C.Penal, fundamentada em que: - Ao incriminar o fomento, favorecimento ou facilitação da prostituição de pessoa livre e autodeterminada, o n.º 1 do artigo 170º CP ofende o princípio da fragmentariedade ou subsidiariedade do direito penal, consagrado no n.º 2 do artigo 18º da CRP (e vazado para o n.º 1 do artigo 40º do CP), os direitos à livre expressão da sexualidade, à vida privada, à identidade pessoal e à liberdade, consagrados nos artigos 26º, n.º 1, e 27º, n.º 1, da CRP, e ainda o direito ao trabalho, defendido pelos artigos 47º e 58º da CRP; Direitos estes últimos que nada impede sejam exercidos, na prática, com o auxílio e participação de terceiros. Alegava-se ainda que essa inconstitucionalidade apenas poderá colmatar-se através duma interpretação restritiva do preceito que repristine a exigência de que os atos descritivos no tipo legal só constituem crime quando referidos a pessoa “em situação de abandono ou de extrema necessidade económica”.
A posição do Tribunal Constitucional foi a mesma do acórdão anterior, como fundamentou:
“3. A questão de constitucionalidade cuja apreciação é objeto do presente recurso de constitucionalidade – isto é, a da conformidade com a Constituição da República Portuguesa do artigo 170º, n.º 1, do Código Penal, que pune o crime de lenocínio – foi recentemente apreciada por este Tribunal, por esta mesma Secção, tendo concluído, no acórdão n.º 144/04, por unanimidade, pela inexistência de inconstitucionalidade.
Neste acórdão foram tratadas alegadas violações, pela norma em causa, do princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 18º, n.º 2, e dos artigos 41º (liberdade de consciência) e 47º, n.º 1 (liberdade de profissão), da Constituição da República, distinguindo-se as questões de constitucionalidade de quaisquer apreciações, no plano político-criminal, sobre a mesma norma, e concluindo-se, depois de identificar o bem jurídico protegido por esta, que o legislador não está constitucionalmente proibido de adoptar um tipo criminal como o que ela prevê – e isto, tomando-se já em conta, nesse aresto, a redacção do artigo 170º, n.º 1, do Código Penal, na versão resultante das alterações introduzidas pela Lei n.º 65/98, de 2 de Setembro.
Ora, pode desde logo observar-se – embora tal não seja decisivo – que, se o Tribunal Constitucional entendesse que existia desconformidade da norma em causa com outros parâmetros constitucionais, para além dos então analisados – como por exemplo os artigos 26º, n.º 1, e 27º, n.º 1, conjugados com o artigo 18º, n.º 2, da Constituição –, lhe teria sido possível pronunciar-se pela inconstitucionalidade, nos termos do artigo 79º-C, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo no Tribunal Constitucional.
Verifica-se, porém, além disso, que a fundamentação expendida nesse acórdão n.º 144/04 é inteiramente transponível para o presente processo, e, designadamente, para o confronto da norma em causa com os outros parâmetros invocados pelo agora recorrente: os artigos 58º (direito ao trabalho), 26º, n.º 1 (direitos à livre expressão da sexualidade, à vida privada e à identidade pessoal) e 27º, n.º 1 (direito à liberdade) da Constituição da República.
Não se vê que, pelo confronto com estes direitos constitucionalmente consagrados, haja de chegar-se a solução diversa daquela por que se concluiu nesse aresto, no qual se confrontou já a norma em questão, designadamente, com o artigo 18º da Constituição (confronto no qual se centra também o parecer jurídico junto aos autos), concluindo pela inexistência de inconstitucionalidade.
Assim, no presente caso há apenas que, remetendo para os fundamentos desse acórdão n.º 144/04 (de que se junta cópia), reiterar o juízo de não inconstitucionalidade do artigo 170º, n.º 1, do Código Penal, na redação resultante da Lei n.º 65/98, de 2 de Setembro, e, consequentemente negar provimento ao recurso.
Acresce que, tendo sido requeria a nulidade e pedida aclaração desse Acórdão nº 196/2004, com o fundamento de que não tomou posição sobre a questão da conformidade constitucional do preceito quando reportado a actos de fomento, favorecimento ou facilitação de atos de prostituição de pessoas livres e autodeterminadas, ou seja, de pessoas que, além do mais, não agem num quadro de abandono, necessidade económica ou carência social de qualquer tipo, veio o Tribunal Constitucional expressamente afirmar que: “no recurso de constitucionalidade apreciado pelo aresto reclamado não estava em causa apenas determinada dimensão normativa do artigo 170º, n.º 1, do Código Penal – designadamente, a interpretação deste no sentido de se aplicar ao fomento, favorecimento ou facilitação da prostituição de pessoa livre e autodeterminada –, a qual não foi identificada como tal pelo recorrente, enquanto objeto do recurso. Mas é certo também, por outro lado, que resulta da decisão reclamada, ao não restringir a pronúncia no sentido da inconstitucionalidade e ao remeter para a fundamentação do Acórdão n.º 144/2004, que ela se pronunciou sobre a constitucionalidade do artigo 170º, n.º 1, do Código Penal sem distinções, incluindo, pois, também, o fomento, favorecimento ou facilitação do exercício da prostituição de pessoa livre e auto determinada”.
O Acórdão nº 303/04 de 5 de Maio de 2004[88], também não julgou inconstitucional tal norma e, reiterou, uma vez mais que a norma do artigo 170º, n.º 1, do Código Penal, na versão resultante da Lei n.º 65/98, de 2 de Setembro, não viola a Constituição da República Portuguesa, e, designadamente, não ofende os princípios enunciados no artigo 1º. Remetendo, pois, para os fundamentos dos supra referidos acórdãos, cuja argumentação é transponível para os presentes autos, e que versou sobre a problemática trazida pelo recorrente no presente recurso, conclui-se que não se verifica a inconstitucionalidade alegada.
Posteriormente, o TC já se pronunciou no mesmo sentido em diversos outros arestos, de que dão conta os seguintes: acórdão nº 170/06 de 06.03, acórdão nº 396/07 de 10.07, acórdão nº 522/07 de 18.10, acórdão nº 591/07 de 05.12 e, mais recentemente, o acórdão nº 654/2011 de 21.12.
No mesmo sentido, mas já sobre a nova redacção do artº 169º do Cód. Penal, introduzida pela Lei nº 59/2007 de 04.09, pronunciaram-se os acórdãos do Trib. Constitucional nºs 141/2010 de 14.04, nº 559/2011 de 16.11 e 605/2011 de 05.12[89].
E em idêntico sentido têm decidido os tribunais judiciais, de que se dá nota nos seguintes arestos dos tribunais superiores:
● Supremo Tribunal de Justiça: acórdãos de 15.01.2004, de 28.09.2005 e de 05.09.2007;
● Tribunal da Relação do Porto: acórdãos de 15.02.2006 e de 19.11.2008
● Tribunal da Relação de Coimbra: acórdão de 15.03.2006
● Tribunal da Relação de Guimarães: acórdão de 29.01.2007
● Tribunal da Relação de Lisboa: acórdão de 11.02.2009
● Tribunal da Relação de Évora: acórdão de 20.01.2011
Este unanimidade da jurisprudência, com os públicos fundamentos que aqui se perfilham, determinará o entendimento da constitucionalidade daquela norma e, como tal, a sua aplicação sem qualquer constrangimento.
A criminalização do lenocínio p. e p. pelo art.º 169.º, n.º 1, do CP configura-se como constitucional, uma vez que a sua definição, em sede de direito ordinário, reporta-se ao quadro de valores constitucionais consagrados, ou seja é crime o comportamento que viola ou ameaça violar o quadro daqueles valores, o que é manifestamente o caso dos autos, conforme resulta da matéria factual apurada. Com efeito a conduta dos arguidos/recorrentes traduziu-se numa clara violação da dignidade humana, da integridade moral e física da pessoa humana e, por isso, obstáculo à livre realização da respetiva personalidade, valores constitucionalmente protegidos.
Subscrevendo o que, de forma eloquente, se diz no Ac. R. Coimbra de 15.03.2006[90] «entendemos que o crime de lenocínio tal como a lei penal o configura se justifica axiológico-normativamente, dado que a função ético-social que desempenha não atina com a liberdade sexual ou o poder de dispor do corpo, no sentido em que essa disponibilidade não ofende os valores que moralmente estão estabelecidos na mundividência das sociedades ocidentais. Mas já assim não será, queremos crer, quando se tem do crime uma perspetiva, ou uma caracterização, ético-jurídico-normativa em que a função social que se pretende salvaguardar é não a liberdade sexual mas o proveito e a exploração, quiçá, forçada, ou pelo menos economicamente dependente, do corpo e da liberdade de poder opcionar de um ser humano.
Sem querermos entrar em áreas tangentes com a moralidade […] não podemos deixar de considerar que a exploração de um qualquer ser humano por outro (assuma essa exploração uma feição material, psicológica, económica, física ou “qualsìasi”), é condenável e comporta uma danosidade social ominosa e ignóbil que o direito penal deve sancionar. A exploração, locupletamento, aproveitamento ou renda económico–pessoal, seja qual seja a forma que assuma e possa revestir é, ontologicamente contrária à dignidade humana e derruidora do sentido ético-humano do indivíduo.
Na análise que fazemos do fenómeno da exploração da prostituição, a que não deixamos de associar o tráfico de seres humanos, as falsificações de documentos, a imigração ilegal, o branqueamento de capitais, a corrupção, a evasão fiscal e outro tipo de criminalidade, como a coação física e intelectual, sobre os sujeitos passivos e sobre os seus familiares, a extorsão, etc., não se pode deixar, pensamos, de reverberar uma danosidade social e, sobretudo, um aviltamento da dignidade do indivíduo, enquanto ser historicamente válido para uma vida despojada de outras inflições, para além daquelas que decorrem dos constrangimentos económicos vigentes.[...] O direito penal, seja ele de que cariz e matriz for, não pode deixar de considerar como um valor ou bem jurídico a proteger e a tutelar, a dignidade da pessoa humana, e o correlato dever de não ver apropriado o resultado de um trabalho que, a maior parte das vezes, é desenvolvido em condições não livres ou pelo menos com total liberdade de exercício. O direito penal, a ordem jurídica no seu conjunto, consideram, sócio-historicamente, que a exploração do trabalho de alguém que se prostitui é passível de ser ético-penalmente censurável e reprovável e, como tal, penalmente sancionável. A Constituição enfatiza o valor da dignidade da pessoa humana, deixando para o direito penal geral, o sancionamento das condutas que o legislador ordinário reputa como ofensivas desse valor ou bem jurídico. Não deixando de conceder que o tema é controverso, quando se fala em constituição de sindicatos para as trabalhadoras do sexo e se têm presentes as situações vivenciais para este tipo de realidade nas sociedades nórdicas, em que o criminalmente responsável é aquele que procura a relação sexual remunerada (caso da Suécia), pensamos que a apropriação do produto do trabalho por alguém cujo único vinculo que possui para com a explorada é a ascendência económica, pessoal ou física, não pode deixar de ser objeto de criminalização. Em nosso juízo, o crime de lenocínio, não viola os preceitos constitucionais, e enquanto se mantiver o ambiente histórico-social vigente, nomeadamente a carga criminógena que lhe está associada deverá, em nosso juízo, continuar a ser um ilícito tipificado na lei penal.»
Pelo exposto, improcede este fundamento do recurso.
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d) Um único crime de lenocínio ou concurso real de crimes:
Sustenta o recorrente que a matéria de facto provada espelha que obedeceu a um único desígnio criminoso de obter vantagens patrimoniais com a atividade da prostituição sem a utilização dos meios do nº 2 do artº 169º do C.P. e, por o bem jurídico protegido pelo crime de lenocínio simples do nº 1 do artº 169º não ter natureza eminentemente pessoal, deve ser condenado apenas por um desses crimes.
Ora, como resulta da questão analisada sob a alínea a) supra, a atividade desenvolvida pelo recorrente não se subsume apenas ao nº 1 do artº 169º do Cód. Penal.
Por outro lado, ainda que assim não fosse, como atrás explanámos é nosso entendimento que a atuação dos arguidos (entre os quais o aqui recorrente) configura uma situação de concurso efetivo de crimes e não a prática de um único crime de lenocínio, independentemente da verificação de um único desígnio criminoso.
Por valerem aqui as considerações supra tecidas, damos como reproduzido o que explanámos a fls. 191 a 201 (v. ponto e) 2. do recurso dos arguidos B… e E…), improcedendo mais este fundamento do recurso.
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e) Da medida da pena
Alega o recorrente que as penas parcelares e única que lhe foram aplicadas são excessivas e desrpoporcionadas, tendo o tribunal recorrido conferido um peso muito agravativo ao seu passado criminal, valorado pouco a inserção familiar, profissional e social, bem como a circunstância de as ofendidas Z… e AL… só se terem prostituído durante pouco tempo, sendo por isso reduzida a intervenção exploratória do recorrente.
O recorrente foi condenado por um crime de lenocínio agravado p. e p. no artº 169º nº 2 do C.P.P., na pena de 3 anos e 3 meses de prisão e por cada um de cinco crimes de lenocínio agravado na pena de 3 anos de prisão; por cinco crimes de lenocínio simples p. e p. no artº 169º nº 1 do Cód. Penal, nas penas de 1 ano e 4 meses de prisão, 1 ano e 6 meses de prisão, 1 ano e 6 meses de prisão, 1 ano e 6 meses de prisão e 1 ano e 3 meses de prisão; um crime de extorsão simples p. e p. no artº 223º nº 1 do C.Penal, na pena de 10 meses de prisão; um crime de roubo simples p. e p. no artº 210º nº 1 do C.Penal, na pena 2 anos de prisão; um crime de coação simples p. e p. no artº 154º nº 1 do C.Penal, na 1 ano de prisão; um crime de branqueamento p. e p. no artº 368º-A nºs. 1, 2 e 3 do C.Penal, na pena de 3 anos de prisão. Em cúmulo jurídico das referidas penas parcelares, foi o recorrente condenado na pena única de 11 anos de prisão.
Na determinação da medida concreta das penas parcelares e única, ponderou o tribunal recorrido: “o grau de ilicitude dos factos é elevado, concretamente no que respeita aos crimes de lenocínio, sendo, na generalidade das situações, bastante longos os períodos por que se manteve a exploração das mulheres, com união de esforços por parte dos arguidos B…, C… e D…, com a colaboração dos restantes referidos, o que facilitou a execução e a manutenção do êxito da atividade delituosa, sendo aqueles três, no entanto, que controlavam todo esse “negócio”, além de que os proventos foram elevados, com cobrança diárias de valores de várias mulheres. Já quanto aos restantes ilícitos, o grau de ilicitude é médio ou moderado; o dolo é intenso, porque direto, uma vez que os arguidos quiseram agir desse modo e obter os resultados desejados, o que conseguiram; os sentimentos manifestados na execução dos crimes de lenocínio, particularmente nos agravados, são próprios de uma grande baixeza de carácter, pois não houve pejo em extorquir avultadas quantias de dinheiro diariamente de mulheres necessitadas de recorrer à prostituição para (sobre)viver, levando os arguidos B…, C… e D…, com a colaboração dos demais referidos, muitas vezes a maior parte; a modesta condição sócio-cultural de generalidade dos arguidos, com baixo nível escolar, bem como a sua integração familiar e social, além de também a sua condição económica ser modesta, se atentarmos apenas nos rendimentos auferidos licitamente; (…) os arguidos … D… já foram condenados anteriormente (o D… cinco vezes, três delas por ofensa à integridade física, uma por desobediência e outra por detenção de arma proibida, sempre em penas de multa), o que denota que não tem havido da sua parte um esforço bastante para pautarem a sua vida pelso cânones do direito e manterem uma postura conforme aos ditames de uma vivência sã em sociedade. Importa ainda ter em conta que a postura que a generalidade dos referidos arguidos assumiram em audiência, sem colaboração com a descoberta da verdade (a não ser praticamente o assumir do que era evidente, como seja a detenção das armas ou munições por parte dos que falaram), pelo que não pode extrair-se daí qualquer benefício a seu favor, não havendo quaisquer sinais da interiorização do mal praticado, sendo que alguns optaram por não prestar declarações sobre os factos, não colhendo também benefício dessa atitude (ainda que ela também não os prejudique, já que é um direito legítimo).
Não tem qualquer razão o recorrente ao alegar que o tribunal recorrido conferiu um peso muito agravativo ao seu passado criminal e que valorou pouco a circunstância de beneficiar de inserção familiar, profissional e social.
Com efeito, atenta a moldura abstrata prevista para cada um dos ilícitos cometidos, o tribunal recorrido fez uma correta ponderação de todas as circunstâncias agravantes e atenuantes a que alude o artº 71º do Cód. Penal e que no caso se verificam, fixando as respetivas penas parcelares muito próximo do seu limite mínimo, pelo que não existe fundamento para a sua reformulação.
Considerando, porém, que se entendeu absolver o recorrente de dois crimes de lenocínio agravado p. e p. no artº 169º nº 2 do Cód. Penal, por cada um dos quais o arguido havia sido condenado na pena unitária de três anos de prisão, passando a respetiva conduta a integrar um número inferior de ilícitos penais relativamente àqueles que foram objecto de condenação no acórdão recorrido, importa proceder à reformulação da correspondente pena única, ser esquecer que este tribunal está limitado pelas penas aplicadas pela 1ª instância, sob pena de violação da proibição da “reformatio in pejus”, uma vez que o recurso foi interposto apenas pelo arguido.
Com efeito, como dispõe o artº 409º do CPP “interposto recurso de decisão final somente pelo arguido, pelo Ministério Público, no exclusivo interesse daquele, ou pelo arguido e pelo Ministério Público no exclusivo interesse do primeiro, o tribunal superior não pode modificar, na sua espécie ou medida, as sanções constantes da decisão recorrida, em prejuízo de qualquer dos arguidos, ainda que não recorrentes” (n.º 1).
Porém, da reformatio in pejus deve distinguir-se, no seu tratamento, a reformatio in melius, ou seja a alteração da decisão para melhor.
Considerando que este princípio se aplica não só à pena única resultante do cúmulo jurídico, mas também às penas parcelares, está este tribunal vinculado às penas parcelares fixadas na 1ª instância, competindo apenas proceder à reformulação do cúmulo jurídico, depois de descontadas as penas aplicadas aos crimes supra referidos – de lenocínio agravado - 3 anos de prisão por cada um de dois deles, relativamente aos quais foi o arguido agora absolvido.
Assim sendo, as penas parcelares aplicadas e que importa “cumular” são as seguintes:
- quatro crimes de lenocínio agravado, previstos e punidos pelo artigo 169º, nºs 1 e 2, alínea a), do Código Penal, nas penas de 3 anos e 3 meses de prisão (ofendida T…); 3 anos de prisão (ofendida V…); 3 anos de prisão (ofendida AK…) e 3 anos de prisão (ofendida X…), respetivamente;
- cinco crimes de lenocínio simples, previstos e punidos pelo artigo 169º, nº 1, do Código Penal, nas penas de 1 ano e 4 meses de prisão (ofendida AB…); 1 ano e 6 meses de prisão (ofendida AM…); 1 ano e 6 meses de prisão (ofendida AG…); 1 ano e 6 meses de prisão (ofendida AH…) e 1 ano e 3 meses de prisão (ofendida AL…), respetivamente;
- um crime de extorsão simples, previsto e punido pelo artigo 223º, nº 1, do Código Penal, na pena de 10 meses de prisão (ofendida AJ…);
- um crime de roubo simples, previsto e punido pelo artigo 210º, nº 1, do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão (ofendida AJ…);
- um crime de coação simples, previsto e punido pelo artigo 154º, nº 1, do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão (ofendida T…), e
- um crime de branqueamento, previsto e punido pelo artigo 368º-A, nºs 1, 2 e 3, do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão.
Nos termos do artigo 77º, nº 1, do Código Penal, o agente do concurso de crimes («quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles») é condenado numa única pena, em cuja medida «são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente».
A pena conjunta através da qual se pune o concurso de crimes, tem a sua moldura abstrata definida entre a pena mais elevada das penas parcelares e a soma de todas as penas em concurso, não podendo ultrapassar 25 anos, o que equivale por dizer que, no caso vertente, a respetiva moldura varia entre o mínimo de 3 anos e 3 meses de prisão e o máximo de 25 anos de prisão (já que o cúmulo material das penas em concurso atinge os 26 anos e 2 meses de prisão) – n.º 2 do artigo 77º do Código Penal.
A pena única do concurso, formada no sistema de pena conjunta e que parte das várias penas parcelares aplicadas pelos vários crimes (princípio da acumulação), deve ser, pois, fixada, dentro da moldura do cúmulo, tendo em conta os factos e a personalidade do agente.
Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso.
Na consideração da personalidade (da personalidade, dir-se-ia estrutural, que se manifesta e tal como se manifesta na totalidade dos factos) devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projeta nos factos e é por estes revelada, ou seja, aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, ou antes se se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem raízes na personalidade do agente.
Mas tendo na devida consideração as exigências de prevenção geral e, especialmente na pena do concurso, os efeitos previsíveis da pena única sobre o comportamento futuro do agente.
No caso sob apreciação, a sucessão de episódios, o período de tempo superior a três anos em que o arguido manteve a sua atividade ilícita de exploração de várias mulheres, a motivação subjacente aos factos (unicamente a intenção lucrativa) e a natureza dos bens jurídicos em causa, sendo os mais relevantes de carácter eminentemente pessoal, são factores reveladores de que o arguido é dotado de uma personalidade egoísta, egocêntrica e materialista, a qual se afere ainda pelo desprezo dos meios empregues em prol da satisfação do seu próprio interesse. Por outro lado, o modo da respectiva execução, revela uma conjunção marcada pela proximidade de desígnio, não podendo o conjunto dos factos ser, por isso, avaliado fora de tal relação de proximidade de intenção, de plano e de execução. O conjunto dos factos se não indicia, apenas por si, uma personalidade estrutural de tendência, também se não reconduz a uma situação desconexa de pluriocasionalidade.
Por fim, não são de desprezar as razões de prevenção a nível geral, dado o crescendo de situações de exploração económica, decorrente de graves carências a nível nacional.
A gravidade global condiciona, pois, decisivamente a medida da pena única.
Partindo dos factos que no conjunto se revelam estruturais – os crimes de lenocínio agravado - e das penas aplicadas, julga-se adequada a pena única de dez anos de prisão.
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f) Quanto à perda a favor do Estado do veículo de matrícula ..-..-ZC
Sustenta o recorrente D… que, não sendo o veículo automóvel um objeto perigoso para a segurança das pessoas, para a moral ou para a ordem pública, nem oferecendo sério risco de ser utilizado para o cometimento de novos factos ilícitos, ao decretar a sua perda a favor do Estado, o tribunal a quo violou o disposto no artº 109ºnº 1 do Cód. Penal.
A este respeito escreve-se no acórdão recorrido «(…) porque foram utilizados na prática dos crimes de lenocínio, quer para os mesmos se deslocarem para os locais onde se prostituíam as mulheres, vigiando-as e controlando-as, quer para as transportar em muitas das situações de e para o local de “trabalho”, havendo, por outro lado, o sério risco de voltarem a ser usados para a prática de novos factos ilícitos, tanto mais que os respetivos arguidos não evidenciaram sinais de arrependimento e de auto-censura dos atos praticados, declaram-se perdidos a favor do Estado os veículo seguintes: (…) os veículos automóveis de matrícula … ..-..-ZC, apreendidos ao arguido D…».
Dispõe o artº 109º do Cód. Penal:
«1. São declarados perdidos a favor do Estado os objetos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de um facto ilícito típico, ou que por este tiverem sido produzidos, quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos; 2. O disposto no número anterior tem lugar ainda que nenhuma pessoa determinada possa ser punida pelo facto; 3. Se a lei não fixar destino especial aos objectos perdidos nos termos dos números anteriores pode o juiz ordenar que sejam total ou parcialmente destruídos ou postos fora do comércio».
Como se refere no Ac. da Relação de Coimbra de 16.06.2010[91] “Os objetos que tenham servido ou estivessem destinados a servir a prática de um facto típico ilícito – instrumenta sceleris – são os materiais ou coisas cujo uso não importe destruição imediata da própria substância de que se serviu ou se preparava para servir o agente na prática do crime. Ou seja: os objetos que surgem de tal modo estreitados e conexos com a própria ação, de modo que se possa dizer que, sem eles não seria a ação possível, poderia ser até impossível ou, pelo menos, seria extremamente difícil (aqueles que importam destruição imediata na própria substância, pense-se em explosivos, observam um regime próprio). […] A declaração de perda de bens, se pode prescindir do princípio “estrito” da culpa, não deixa, contudo, de se dever pautar por um critério de proporcionalidade que, atenta a produção de jurisprudência que vem sendo conhecida sobre o assunto, se pode bem assimilar à figura de “algum bom senso”.
Note-se que uma parte do preceito resulta de observação direta e subsunção fáctica. A parte difícil da decisão/declaração é o crivo do perigo. No fundo, é arvorar uma probabilidade, recorrendo a juízos que nos façam concluir sobre a previsão razoável de que os objetos podem ser perigosos, pelo seu inelutável perigo imanente à sua própria característica ou pela ilícita renovação do uso.
Tarefa que, como é óbvio, exige cautela e ponderação, e já agora alguma dose razoável de fundamentação decisória (não sendo o despacho recorrido um bom exemplo de fundamentação de uma decisão judicial, por se mostrar tão conclusivo e enunciativo).
Desta forma, tem sido opinado e decidido pela nossa jurisprudência que em primeira linha, deve ser a perigosidade do objeto em si mesmo considerado, independentemente da pessoa que o detém, que justifica, na perspetiva político-criminal, a sua perda. Contudo, a referida perigosidade do objeto não deve ser avaliada em abstrato, mas em concreto, isto é, nas concretas condições em que ele possa ser utilizado (às «circunstâncias do caso» se refere expressamente o art. 109. °-1).”
Ensina o Prof. Figueiredo Dias[92] que «A finalidade atribuída pela lei vigente à perda dos instrumentos e do produto do crime é exclusivamente preventiva. Isso se revela pela circunstância de, nos termos do art. 107. °-1, nem todos os objetos que constituam instrumentos ou produto do facto deverem ser declarados perdidos, mas apenas aqueles que, «pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou oferecerem sério risco de serem utilizados para o cometimento de novos crimes»: numa fórmula mais simples (mas de certo não menos rigorosa, uma vez que a «segurança das pessoas» e a «moral ou a ordem pública» não podem deixar de relevar apenas enquanto valores jurídico-penalmente protegidos, nessa veste e medida) aqueles instrumentos ou produto que, atenta a sua natureza intrínseca, isto é, a sua específica e co-natural utilidade social, se mostrem especialmente vocacionados para a prática criminosa e devam por isso considerar-se, nesta acepção, objetos perigosos.
Com base no critério apontado parece de afastar - porque desprovida de fundamento legal -, por exemplo, a perda da caneta com que foi falsificado um documento, ou do automóvel (ou da residência!) onde foi praticada uma violação. Mas já deverá ser declarada perdida a arma com que foi praticado o homicídio, os cunhos com que foi contrafeita moeda ou a própria moeda contrafeita.
Questão é saber sob que ponto de vista deve ser avaliada a perigosidade referida: se sob o ponto de vista objetivo da coisa em si mesma considerada, ou antes sob o ponto de vista subjetivo, mais rigorosamente, sob o ponto de vista do relacionamento entre a coisa e um determinado sujeito.
O ponto de vista objetivo parece dever impor-se como ponto de partida. Não é fácil, com efeito, determinar com a indispensável clareza os critérios em função dos quais um objeto, em si insignificativo do ponto de vista da sua perigosidade, se torna em «objeto perigoso» em função da pessoa que o detém. O objeto mais anódino (um lençol, uma meia de seda, um lápis ou uma caneta; pode tornar-se em objeto hoc sensu «perigoso» quando detido por um indivíduo perigoso. Declarar a perda nestes casos, porém, significaria procurar atalhar a perigosidade do agente, não - como é finalidade do instituto - a perigosidade do objeto: para atalhar a perigosidade do agente dispõe a lei de outros recursos e de outros institutos que nada têm a ver com a perda dos instrumentos e dos producta sceleris. Em primeira linha, por conseguinte, deve ser a perigosidade do objeto em si mesmo considerado, independentemente da pessoa que o detém - o tratar-se de uma arma, de um explosivo, de moeda contrafeita ou de cunhos para a fabricar, etc. – que justificam a perspetiva político-criminal, a perda.
Sem prejuízo do que fica dito, a referida perigosidade do objeto não deve ser avaliada em abstrato, mas em concreto, isto é, nas concretas condições em que ele possa ser utilizado (às «circunstâncias do caso» se refere expressamente o art. 107. °-1). Um revólver, p. ex., é um objecto «em si» perigoso; mas que terá deixado de o ser se, após o tiro que constituiu meio de cometimento do ilícito-típico, a engrenagem tiver ficado danificada por forma irreparável. Esta conexão entre a perigosidade do objeto e as concretas circunstâncias do caso pode acabar por «implicar uma referência ao próprio agente» (ponto de vista subjetivo). Por exemplo, uma liga de um metal corrente, que qualquer pessoa possa deter, pode tornar-se em coisa perigosa se for detida por alguém conhecedor de uma fórmula que a transforme em substância explosiva. Esta «referência ao agente» não deixa, de resto, de apoiar a interpretação restritiva, feita no § 987, do disposto no art. 107.°-2».
Está, pois, hoje clarificado que a perda é uma espécie de medida de segurança, operando somente naqueles casos em que existe o perigo de repetição de cometimento de novos factos ilícitos através do mesmo instrumento, sendo, por conseguinte, fundamental a existência de um perigo típico, de repetição da prática de novos factos ilícitos, o qual não pode ser aferido em abstrato, sob pena de se colocar mesmo em causa o princípio constitucional da presunção de inocência.
Em suma: A perigosidade do objeto afere-se de um ponto de vista objetivo, em concreto, ou seja, sob o ponto de vista objetivo da coisa em si mesma considerada, mas atendendo às concretas condições em que pode ser utilizado para o cometimento de novos factos ilícitos típicos.
Um veículo automóvel, considerado em si mesmo, atenta a sua utilidade social, não pode ser classificado como «instrumento perigoso», ressalvada a decorrente da sua condução em moldes indevidos, que aqui não releva.
Mesmo olhando para a sua natureza não se pode retirar objetivamente qualquer perigosidade (sendo certo que esta é avaliada em relação ao objeto e não em relação ao arguido - enquanto seu proprietário - no sentido de perigosidade de o vir a utilizar para a prática de crimes).
No entanto, importa também apurar se a sua utilização facilitou ou se foi ou não essencial na prática do crime, tal como este foi executado.
Há, assim, que atender às circunstâncias do caso concreto e ponderar igualmente as exigências de proporcionalidade (ou adequação) entre valor do bem, gravidade do facto ilícito típico cometido e perigosidade do objeto.
Por isso, se tem dito que “a jurisprudência tem definido a necessidade de se verificarem determinados pressupostos para o decretamento da perda, desde a essencialidade da utilização do instrumento para o cometimento da infração, passando pelo estabelecimento de uma relação de causalidade entre o uso do instrumento do crime e a prática deste e a atenção devida nessa apreciação ao princípio da proporcionalidade”[93].
No acórdão do STJ de 21.10.2004[94], dando conta das posições do STJ nesta matéria, aponta-se para a exigência de que a relação do objeto com a prática do crime se revista de um carácter significativo, com recurso à causalidade adequada para aferição do nexo de instrumentalidade entre a utilização do objeto e a prática do crime, com convocação do princípio da proporcionalidade, no sentido de que a perda do instrumentum sceleris terá de ser equacionada com esse princípio relativamente à importância do facto, de forma a não se ultrapassar a justa medida.
No caso em apreço, resulta da matéria de facto provada que o arguido D…, no decurso do período compreendido entre o ano de 2005 e 06.01.2010, na sua atividade de exploração da prática da prostituição, utilizava o seu veículo automóvel de marca Audi …, de matrícula ..-..-ZC, quer para se deslocar para os locais onde se prostituíam as mulheres, vigilando-as e controlando-as, quer para trasnportar algumas dessas mulheres de e para os locais de trabalho (v. pontos 13 a 17 dos factos provados). Mais se provou que nesse período temporal, o arguido não exerceu qualquer atividade laboral lícita, remunerada ou geradora de rendimentos, e que com a atividade de exploração da prostituição, obteve rendimentos no valor de, pelo menos, € 110.926,44 (v. pontos 331 a 336 dos factos provados).
Ou seja, é possível estabelecer uma relação de causalidade adequada entre a utilização da viatura e a atividade ilícita a que o arguido se dedicava. Sem a mesma, não poderia o arguido efetuar a vigilância e controle das mulheres “que para ele (e outros) trabalhavam”, nem fazer o transporte daquelas de e para os locais onde se prostituíam. Aliás, da matéria de facto provada resulta que, se algumas dessas mulheres dispunham de viatura própria, outras havia que tinham necessidade de se deslocarem da estação da CP para locais distantes nas zonas florestais de Esmoriz, Ovar e Estarreja. Caso os arguidos não lhes facultassem o respetivo meio de transporte, veriam necessariamente reduzido o lucro da sua aludida atividade.
Conclui-se assim que a forma como o arguido D… utilizou aquele veículo automóvel era essencial e indispensável para a concretização dos referidos crimes cometidos, nos moldes em que os mesmos foram executados.
Trata-se de orientação que tem por fundamento a necessidade de existência ou preexistência de uma ligação funcional e instrumental entre objeto e a infração, de sorte que a prática desta tenha sido especificadamente conformada pela utilização do objeto, jurisprudência que conforma o texto legal com os princípios constitucionais da necessidade e da adequação, orientação que sufragamos, por isso, sem esquecer que há ainda que ter em atenção o princípio constitucional da proporcionalidade - artigo 18º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa -, princípio que preside a toda a providência sancionatória - a significar que a perda só deve ser declarada, em regra, quando se mostre minimamente justificada pela gravidade do crime e não se verifique uma significativa desproporção entre o valor do objeto e a gravidade do ilícito”[95].
Alias, a propósito da necessária proporcionalidade entre o valor do objeto e as vantagens obtidas com a prática do facto ilícito típico, v. o ensinamento de Hans-Heinrich Jescheck quando enumera os pressupostos da confiscação dos objectos e produtos resultantes de uma actividade ilícita e refere que “o autor ou o partícipe deve, para além disso (además), ter conseguido com o delito ou como consequência do delito um proveito patrimonial”[96].
Ora, no caso em apreço, face ao lucro global que o recorrente obteve com a exploração da referida atividade - não inferior a € 110.926,44 - é manifesta a proporcionalidade da medida do perdimento do referido veículo a favor do Estado com a gravidade dos factos cometidos, tendo em atenção o valor das vantagens ilícitas obtidas.
Inexiste, assim, fundamento para revogação da declaração da perda a favor do Estado do veículo de matrícula ..-..-ZC.
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Recurso interposto pelo arguido O…:
a) Violação do artº 316º do C.P.P.:
Sustenta o recorrente que a testemunha AT… não deveria ter sido ouvida nessa qualidade na audiência de julgamento, por ter sido chamada a depor já numa das sessões finais, quando o Mº Público já sabia, aquando da dedução da acusação, que o respetivo depoimento poderia ser importante.
O momento processual próprio para a indicação e requerimento da prova a produzir na audiência é, por parte do acusador, na própria acusação (artº 283º nº 3 al. d) do C.P.P.), muito embora, posteriormente, o rol de testemunhas possa ser alterado e requeridas novas provas. Assim como é no prazo da contestação que o arguido deve apresentar, querendo, o seu rol de testemunhas, sem prejuízo de o mesmo poder ser alterado ou acrescentado em momento processual posterior – artº 316º do C.P.P.
Não obstante a fixação de momentos processuais próprios para apresentação da prova, designadamente, a prova testemunhal, ainda durante a audiência de julgamento em 1ª instância, os sujeitos processuais podem excecionalmente requerer a produção de novos meios de prova, alegando e provando a sua superveniência ou cuja junção em momento próprio não foi possível – artº 340º do C.P.P.
Contudo, ainda que não seja alegada e provada a superveniência de um meio de prova, o tribunal pode ordenar a produção da prova requerida pelo MP, pelo arguido ou pelo assistente, quando o seu conhecimento se lhe afigurar necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.
Aliás, a este respeito, o Tribunal Constitucional tem posto a tónica no carácter oficioso da investigação probatória. Como se referiu no Ac. do TC nº 137/2002 “o Código de Processo não admite – com ressalva dos direitos de defesa do arguido e dos preceitos legais imperativos sobre a admissibilidade de certas provas – qualquer restrição do poder-dever do juiz de ordenar ou autorizar a produção de prova que considere indispensável para a boa decisão da causa –, isto é, para a instrução de facto ou para a descoberta da verdade material acerca dele – como se vê quando prevê expressamente o seu exercício já depois de passado o período normal de produção de prova em audiência, durante as alegações orais, que terão de ser suspensas para o efeito (artº 360º nº 4)”.
Diga-se, contudo, que a decisão que admitir ou ordenar um meio de prova nos termos do artº 340º do C.P.P. é sindicável por meio de recurso, uma vez que se trata do exercício de um poder vinculado e não discricionário do juiz.
Ora, como resulta dos autos, na sessão do dia 06.09.2011, após a prestação de depoimento por parte da testemunha AT…, o ilustre defensor do arguido requereu que tal depoimento não fosse considerado pelo Tribunal na decisão final.
E apenas isto.
Não consta que se tivesse oposto à audição da pessoa em causa, necessariamente em momento anterior à prestação do respetivo depoimento. Se entendia que tal meio de prova “superveniente” não deveria ter sido admitido ou ordenado, o arguido deveria ter manifestado expressamente a sua oposição e, em caso de admissão, ter impugnado tempestivamente essa decisão.
Não o tendo feito oportunamente, não pode agora pretender “invalidar” a prova testemunhal produzida com fundamento na sua inoportunidade ou por ter sido extemporaneamente requerida.
Neste momento, após a prolação do acórdão final, o recorrente apenas poderá questionar a “validade” do referido depoimento através do meio processual adequado, ou seja, mediante impugnação da matéria de facto com observância do formalismo processual previsto no artº 412º nºs 3 e 4 do C.P.P.
Improcede, assim, este fundamento do recurso.
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b) Violação do princípio in dubio pro reo
Alega o recorrente que perante a ausência de prova, já que o depoimento da testemunha AT… nunca poderia ter tido lugar, deveria o tribunal recorrido ter absolvido o arguido, accionando o princípio norteador do processo penal in dubio pro reo. Isto, ainda que aquele testemunho pudesse ser válido, pois o tribunal deveria ter colocado a hipótese de as munições apreendidas pertencerem à própria testemunha.
Vejamos:
O Tribunal recorrido apreciou a questão da possibilidade de valoração do depoimento em causa em sede de questão prévia, no próprio acórdão – cfr. fls. 17 a 19 – concluindo que o depoimento prestado pela testemunha AT… é suscetível de valoração pelo Tribunal.
O recorrente não põe agora em causa esta parte da decisão, pretendendo antes questionar a valoração intrínseca do respetivo depoimento tal como foi feita na motivação de facto da decisão recorrida.
Fá-lo, porém, sem obediência ao formalismo processual legalmente previsto no artº 412º nºs 3 e 4 do C.P.P., limitando-se a invocar circunstâncias suscetíveis de pôr em causa a credibilidade da testemunha.
Ora, como se refere nos acórdãos do S.T.J de 15/12/2005 e de 9/3/2006[97], e é jurisprudência uniforme, «o recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2.ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1ª instância, como se o julgamento ali realizado não existisse: antes se deve afirmar que os recursos, mesmo em matéria de facto são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros».
A gravação das provas funciona como uma “válvula de escape” para o tribunal superior poder sindicar situações insustentáveis, situações-limite de erros de julgamento sobre matéria de facto[98].
E, como se refere no acórdão desta Relação do Porto de 26.11.2008[99], «não podemos esquecer a percepção e convicção criada pelo julgador na 1.ª instância, decorrente da oralidade da audiência e da imediação das provas. O juízo feito pelo Tribunal da Relação é sempre um juízo distanciado, que não é “colhido directamente e ao vivo”, como sucede com o juízo formado pelo julgador da 1ª. Instância». A credibilidade das provas e a convicção criada pelo julgador da primeira instância «têm de assentar por vezes num enorme conjunto de situações circunstanciais, de tal maneira que essa convicção criada assenta não tanto na quantidade dos depoimentos prestados, mas muito mais em outros factores», fornecidos pela imediação e oralidade do julgamento. Neste, «para além dos testemunhos pessoais, há reacções, pausas, dúvidas, enfim, um sem número de atitudes que podem valorizar ou desvalorizar a prova que eles transportam».
Deste modo, o recurso da decisão em matéria de facto da primeira instância não serve para suprir ou substituir o juízo que o tribunal da primeira instância formula, apoiado na imediação, sobre a maior ou menor credibilidade ou fiabilidade das testemunhas. O que a imediação dá, nunca poderá ser suprido pelo tribunal da segunda instância. Este não é chamado a fazer um novo julgamento, mas a remediar erros que não têm a ver com o juízo de maior ou menor credibilidade ou fiabilidade das testemunhas. Esses erros ocorrerão quando, por exemplo, o tribunal pura e simplesmente ignora determinado meio de prova (não apenas quando não o valoriza por falta de credibilidade), ou considera provados factos com base em depoimentos de testemunhas que nem sequer aludem aos mesmos, ou afirmam o contrário.
Quando, no artigo 412º, nº 3, b), do C.P.P., se alude às «concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida», deve distinguir-se essa situação daquelas em que as provas em causa, sem imporem decisão diversa, admitiriam decisão diversa da recorrida na base de um outro juízo sobre a sua fidedignidade.
Ora, das motivações do recurso resulta com nitidez que o recorrente pretende pôr em causa o juízo formulado pelo Tribunal a quo quanto à credibilidade do depoimento da testemunha AT…, em que parcialmente assentou a decisão quanto à prova dos factos que lhe são imputados. Para tal, alega que o depoimento daquela testemunha deveria ter sido valorado de forma diferente por ser “uma ex-companheira, quem sabe, com um certo rancor pelo fim de uma relação amorosa, a quem foram encontradas – na sua residência – munições cuja posse era ilegal”.
Ora, tais afirmações não contrariam de forma alguma o que se refere na decisão recorrida quanto à prova que serviu para formar a convicção do tribunal recorrido.
É certo que o arguido optou por se remeter ao silêncio, no uso aliás de um direito que a lei lhe confere (artº 343º nº 1 do C.P.P.). Contudo, podendo prestar declarações em qualquer momento da audiência, designadamente para contrariar a prova testemunhal entretanto produzida, não pode impedir que o tribunal valorize livremente a prova e dessa apreciação retire as consequências que entender pertinentes.
Pelas razões acima indicadas, não nos cabe nesta sede pôr em causa o juízo de credibilidade que o Tribunal a quo formulou, apoiado na imediação, a respeito da prova testemunhal. Se o Tribunal a quo não considerou relevantes, para formular tal juízo de credibilidade, as hipóteses agora aventadas, não nos cabe agora analisá-las formularmos um juízo de credibilidade alternativo a esse, já não apoiado na imediação.
Está, assim, em causa, tão só, o juízo de credibilidade das testemunhas em que o Tribunal a quo alicerçou a sua decisão. Esse juízo baseia-se em características que escapam a um juízo não assente na imediação.
Em suma, parece que o recorrente pretende um novo julgamento da matéria de facto pela Relação, o que não é possível, pelas razões atrás indicadas.
Assim, impõe-se a improcedência do recurso também quanto a este aspecto.
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IV – DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação do Porto em:
a) negar provimento aos recursos interlocutórios interpostos pelos arguidos B… e E…;
b) negar provimento aos recursos interpostos do acórdão final pelos arguidos B…, C… e O…;
c) conceder parcial provimento ao recurso interposto do acórdão final pela arguida E… e, em consequência, reduzir a pena aplicada a esta arguida para 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, acompanhada de regime de prova nos termos determinados na decisão recorrida;
d) conceder parcial provimento ao recurso interposto do acórdão final pelo arguido D… e, em consequência, absolvendo-o da prática de dois crimes de lenocínio agravado p. e p. no artº 169º nº 2 do Cód. Penal e procedendo à reformulação do cúmulo jurídico das restantes penas, condenam o arguido na pena de 10 (dez) anos de prisão.
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Custas pelos recorrentes, fixando-se as seguintes taxas de justiça individuais – artº 87º do C.C.Jud.:
- 10 UC’s pelo recorrente B…;
- 4 UC’s pela recorrente E…;
- 5 UC’s pelo recorrente C…;
- 6 UC’s pelo recorrente D…;
- 3 UC’s pelo recorrente O….
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Porto, 28 de Março de 2012
(Elaborado e revisto pela 1ª signatária)
Eduarda Maria de Pinto e Lobo
Lígia Ferreira Sarmento Figueiredo
José Manuel Baião Papão
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[1] Cfr., neste sentido, o Ac do STJ de 3/2/99 (in BMJ nº 484, pág. 271); o Ac do STJ de 25/6/98 (in BMJ nº 478, pág. 242); o Ac do STJ de 13/5/98 (in BMJ nº 477, pág. 263); Simas Santos/Leal Henriques (in “Recursos em Processo Penal”, p. 48); Germano Marques da Silva (in “Curso de Processo Penal”, vol. III, 3ª ed., 2009, p. 347); José Narciso da Cunha Rodrigues (in “Recursos”, “Jornadas de Direito Processual Penal/O Novo Código de Processo Penal”, 1988, p. 387); e Alberto dos Reis (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, pp. 362-363).
[2] Germano Marques da Silva, ibidem.
[3] In «Sobre o regime processual penal das escutas telefónicas», in RPCC ano I, fasc. 3, Julho-Setembro 1991, pp. 370, 378, 381 e 382.
[4] Cfr. Susana Aires de Sousa, «Agent provocateur e meios enganosos de prova. Algumas reflexões», in Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, org. por Manuel da Costa Andrade, José de Faria Costa, Anabela Miranda Rodrigues, Maria João Antunes, Coimbra Editora, 2003, p. 1212.
[5] Cfr. Manuel da Costa Andrade, «Sobre as proibições de prova em processo penal», Coimbra Editora, 1992, pp. 83 e 84.
[6] In «Sobre o regime processual penal das escutas telefónicas», pp. 386 a 390
[7] Como refere o Prof. Damião da Cunha, in «O Regime Legal das Escutas Telefónicas, algumas breves reflexões», Revista do CEJ, Jornadas sobre a revisão do Código de Processo Penal, 1º semestre 2008, número 9 (especial), pág. 205 e ss.
[8] In «Escutas Telefónicas – O que não muda com a reforma», Revista do CEJ, Jornadas sobre a revisão do Código de Processo Penal, 1º semestre 2008, número 9 (especial), pág. 240.
[9] In «Escutas Telefónicas – A mudança de paradigma e os velhos e os novos probelmas», Revista do CEJ, supra citada, pág. 245.
[10] Cfr., neste sentido, Ac. do STJ de 02.04.2008, rel. Cons. Santos Cabral.
[11] In “As escutas telefónicas – algumas reflexões em redor do seu regime e das consequências processuais derivadas da respetiva violação”, RFDUP, Ano I, 2004, pág. 24.
[12] V., neste sentido, Ac. do TC nº 281/2005, DR II Série de 06.07.2005.
[13] Utilizando as expressivas palavras de Carlos Adérito Teixeira, in ob. cit, pág. 257.
[14] In “Contributo para a análise da inexistência e das nulidades processuais”, BFD, Stvdia Ivridiva 44, 1999, págs. 142 a 144.
[15] In “Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal”, pág. 83.
[16] Como refere Carlos Adérito Teixeira, in ob. cit., pág. 293/294 “existem vícios meramente formais, v. g., sobre ultrapassagem de prazos do OPC-MP-JIC. Neste tipo de situações, os vícios tenderão a não integrar o conceito de «proibições de prova» referido, porquanto nem todas as circunstâncias que muitas vezes se invocam são lesões de direitos fundamentais nem compressões inadmissíveis da defesa, no quadro de uma fase processual em que ainda não se afirmou em pleno o contraditório, por razões que se prendem com a eficácia da investigação e tutela de outros direitos”.
[17] V., neste sentido, Ac. do STJ de 21.02.2007, rel. Cons. Santos Cabral, disponível em www.dgsi.pt
[18] Proferido no Proc. nº 06P4797, rel. Cons. Armindo Monteiro e disponível em www.dgsi.pt.
[19] In “Meios de Prova”, Jornadas de Direito Processual Penal – O Novo Código de Processo Penal, Almedina, 1988, p. 251.
[20] In Curso de Processo Penal, 4ª edª., II, pág. 210.
[21] In Curso de Processo Penal, III Vol, pág. 289.
[22] Cfr. Michele Taruffo, “Note sulla garanzia costituzionale della motivazione”, in BFDUC, ano 1979, Vol. LV, págs. 31-32).
[23] V., neste sentido, Ac. do S.T.J. de 30.01.2002, proferido no Proc. nº 3063/01.
[24] Cfr. Acs. do STJ de 17.03.2004, Proc. nº 4026/03; de 07.02.2002, Proc. nº 3998/00 e de 12.04.2000, Proc. nº 141/00.
[25] Cfr., nesta perspectiva o Ac. do Tribunal Constitucional de 02 de Dezembro de 1998.
[26] Como já se pronunciaram os Acs. do Tribunal Constitucional nºs 680/98 e 636/99: “é inconstitucional a norma do n.º 2 do art. 374.º do CPP, na interpretação segundo a qual a fundamentação das decisões em matéria de facto se basta com a simples enumeração dos meios de prova utilizados em 1ª instância, não exigindo a explicitação do processo de formação da convicção do tribunal”.
[27] In Jornadas de Direito Processual Penal, pág. 229-230.
[28] V., neste sentido, Ac. do STJ de 29.06.1995, CJ Acs. STJ, III, Tomo 2, pág. 254.
[29] Como decidiu o Ac. do Tribunal Constitucional nº - nº 258/2001: “não é inconstitucional a norma do n.º 2 do art. 374.º do CPP, quando interpretada em termos de não determinar a indicação individualizada dos meios de prova relativamente a cada elemento de facto dado por assente”.
[30] V., neste sentido, entre outros Ac. STJ de 07.01.1999, Porc. nº 1055/98.
[31] Cfr., neste sentido, Ac. do STJ de 23.02.2005, Proc. nº 37/2005 da 3ª secção, in Sumários do STJ nº 88, p. 105.
[32] Acórdãos de 20.11.2002, Proc. n.º 3173/02, da 3.ª Secção, in Sumários de Acórdãos das Secções Criminais, Edição anual de 2002, p. 340 e de 18.05.2005, Proc. n.º 4189/02, da 3.ª Secção, Sumários… n.º 91, p. 130, de 31.05.2006, proferido pelo Cons. Sousa Fonte no Proc. nº 06P1412, de 29.11.2006, de 15.02.2007 proferido pelo Cons. Rodrigues da Costa, no Proc. nº 06P4092, estes últimos disponíveis em www.dgsi.pt. V., no mesmo sentido, Acs. desta Relação do Porto de 23.02.2011, rel. Des. Melo Lima e de 07.07.2010, rel. Des. Lígia Figueiredo, disponíveis em www.dgsi.pt.
[33] Publicado no DR., II Série, de 01.07.99.
[34] Neste sentido, cfr. Acs. do STJ de 04.06.2003, Proc. 519/03 – 3ª, SASTJ nº 72, 56; de 02.07.2003, Proc. 1802/03 – 3ª, SASTJ nº 13, 119 e de 29.11.2006, CJ Acs. STJ, Ano XIV, tomo 3, 235.
[35] Cfr. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10. ª ed., 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 3ª ed., 334 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 7.ª ed., 72 e ss.
[36] Sobre estas questões, v. os Acórdãos do S.T.J., de 14 de Março de 2007, Processo 07P21, e de 23 de Maio de 2007, Processo 07P1498, disponíveis em www.dgsi.pt.
[37] Proferido no Proc. nº 07P4375, disponível em www.dgsi.pt
[38] Também neste sentido, v. Ac. da Relação de Lisboa, de 10.10.2007, proc. 8428/2007-3, disponível em www.dgsi.pt.
[39] V. Germano Marques da Silva, in Forum Iustitiae, Ano I n.º 0 Maio de 1999, pág.
[40] In “O caso Julgado Parcial…”, 2002, pág. 37.
[41] Cfr, neste sentido, Ac. do STJ de 15/12/2005, proferido no proc. nº 2951/05 e Ac. STJ de 9/3/2006, proferido no proc. nº 461/06, relatados por Simas Santos (consultado no site do ITIJ – Bases Jurídicas Documentais). Aliás, como se diz no Ac. do STJ de 21/1/2003, proferido no proc. nº 02A4324, relatado por Afonso Correia (consultado no mesmo site), a admissibilidade da alteração da matéria de facto por parte do Tribunal da Relação “mesmo quando exista prova gravada, funcionará assim, apenas, nos casos para os quais não exista qualquer sustentabilidade face à compatibilidade da resposta com a respectiva fundamentação.
Assim, por exemplo:
a) apoiar-se a prova em depoimentos de testemunhas, quando a prova só pudesse ocorrer através de outro sistema de prova vinculada;
b) apoiar-se exclusivamente em depoimento(s) de testemunha(s) que não depôs(useram) à matéria em causa ou que teve(tiveram) expressão de sinal contrário daquele que foi considerado como provado;
c) apoiar-se a prova exclusivamente em depoimentos que não sejam minimamente consistentes, ou em elementos ou documentos referidos na fundamentação, que nada tenham a ver com o conteúdo das respostas dadas.”
[42] Ónus justificado e razoável como repetidamente vem referindo o Tribunal Constitucional (Acórdão n.º 140/2004, de 10.3.2004).
[43] Disponível no site www.dgsi.pt.
[44] Cfr. Código de Processo Penal Anotado, 9ª edª., pág. 729.
[45] Neste sentido, v., por todos, Ac. R. de Évora de 05-06-2001, in C.J., 2001, III-292; e Ac. R.C. de 07-12-1999, in C.J., 1999, V-55.
[46] Cfr. CPP de Maia Gonçalves, 12ª ed., pág. 339.
[47] Cfr. Fig. Dias, Direito Processual Penal, 1º vol., pág. 202.
[48] Com interesse neste particular, veja-se este trecho retirado do Ac. T.C. 198/2004 de 24/3/04, DR, II S., de 2/6/04: “O acto de julgar é do tribunal, e tal acto tem a sua essência na operação intelectual da formação da convicção. Tal operação não é pura e simplesmente lógico-dedutiva, mas, nos próprios termos da lei, parte de dados objectivos para uma formação lógico-intuitiva.
[49] A livre convicção “é um meio de descoberta da verdade, não uma afirmação infundamentada da verdade. É uma conclusão livre, porque subordinada à razão e à lógica, e não limitada por prescrições formais exteriores.” – cfr. Idem, Ibidem, pág.298.
[50] “(…) há casos em que, face à prova produzida, as regras da experiência permitem ou não colidem com mais do que uma solução, pelo que se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, ela será inatacável, já que foi proferida em obediência à lei que impõe que ele julgue de acordo com a sua livre convicção.” Ac. RG 20/3/06, proc. nº 245/06-1.
[51] V. Fig. Dias, Direito Processual Penal, 1º Vol., págs. 233-234.
[52] Neste sentido, v. Ac. RC de 6/3/02, CJ, ano XXVII, t. II, pág. 44.
[53] Cfr. Ac. T.C. 198/2004 de 24/3/04, acima citado.
[54] V. Ac do STJ de 07/6/06, proferido no Proc. 06P763, disponível no site www.dgsi.pt
[55] Cfr. Leal-Henriques e Simas Santos, in Código Penal Anotado, II Vol. 1996, 281.
[56] Cfr. Anabela Miranda Rodrigues, citando Leal-Henriques/Simas Santos e Nélson Hungria, Comentário Conimbricense, I, 521.
[57] In O Crime de Lenocínio, RLJ, Ano 60º, pág. 164.
[58] V. Prof. Figueiredo Dias, in Comentário Conimbricense do Código Penal, I, pág. 441.
[59] V., Actas da Comissão Revisora do Código Penal, parte especial, 1979, pág. 209.
[60] Neste sentido se pronuncia Jorge Dias Duarte na sua comunicação sobre "Tráfico e exploração de mulheres", Revista do MP, Ano 22, n.º 85, pág. 51 e ss.
[61] Cfr. Teresa Beleza, “Sem sombra de Pecado, o repensar dos crimes sexuais na revisão do Código Penal”, CEJ, Jornadas de direito Criminal, I vol., 1996, pág.165.
[62] Atas e Projeto da Comissão de Revisão, Ministério da Justiça, Rei dos Livros, pág. 259.
[63] In "Crime de lenocínio: unidade ou pluralidade de infracções", na Revista Sub Judice - Justiça e Sociedade, 2003, Outubro/Dezembro, n.º 26, págs. 31/35.
[64] Proferido pelo Des. Clemente Lima, no Proc. nº 0210337, disponível em www.dgsi.pt
[65] In Crime Continuado e Bens Pessoalíssimos, A Concepção de Eduardo Correia e a Revisão de 2007 do Código Penal, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias, pág. 747.
[66] Proferido no Proc. nº 1133/97-3ª, in CJ Acs. STJ, 1998, Tomo I, pág. 220.
[67] Tratado de Derecho Penal, Parte General, tradução de S. Mir Puig e F. Muñoz Conde, edição Bosch 1981, volume II, pág. 962.
[68] In Direito Penal Português, Verbo, 1998, volume II, pág. 279.
[69] In Lições de Direito Penal, Verbo, 1987, Volume I, pág. 335.
[70] In Formas do Crime, Jornadas de Direito Criminal, Fase I, CEJ 1983, pág 174.
[71] Figueiredo Dias in Direito Penal – Questões fundamentais – A doutrina geral do crime- Faculdade de Direito, Coimbra, 1996.
[72] Sem prejuízo da sua eventual futura ponderação em sede de medidas de flexibilização da pena a cumprir.
[73] In “Perda de bens a favor do Estado - artigos 7-12 da Lei nº 5/2002, de 11 de Janeiro, in Medidas de Combate à Criminalidade Organizada e Económico-Financeira, Coimbra Editora, 2004, pág. 134.
[74] Como diz Damião da Cunha, ob. cit., pág. 123.
[75] In ob. cit. pág. 143.
[76] V. Anabela Miranda Rodrigues, Comentário Conimbricense do Código Penal, I, pág. 525.
[77] V. Atas 266.
[78] Proferido pelo Cons. Souto de Moura no Proc. nº 47/07.6PAAMD-S.S1, disponível em www.dgsi.pt
[79] In Direito Penal, Parte Geral (Aspectos Fundamentais), Porto Alegre, 1976, págs. 121 e 129
[80] In Derecho Penal, Parte Geral, 4.ª Edição, tirant lo blanch, Valência, 2000, págs. 501/502
[81] In Formas do Crime, Jornadas de Direito Criminal, O Novo Código Penal Português e Legislação Complementar, pág. 170.
[82] Uma vez que a insuficiência da matéria de facto para a decisão, como vício previsto pela al. a) do nº 2 do artº 410º do CPP, só se verifica quando a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a decisão de direito, se o tribunal deixar de investigar o que devia e podia, tornando a matéria de facto insuscetível de adequada subsunção jurídico-criminal, pressupondo a existência de factos constantes dos autos ou derivados da causa, que ainda seja possível apurar, sendo este apuramento necessário para a decisão a proferir – v. neste sentido, Ac. do STJ de 18.11.98, Proc. nº 855/98, citado por Simas Santos/Leal-Henriques, in Recursos em Processo Penal, 7ª edª., pág. 74.
[83] Cfr., Hans-Heinrich Jescheck e Thomas Weigend, "Tratado de Derecho Penal - Parte General", trad. da 5ª edição de 1996, p. 701-702.
[84] Cfr. autor e ob. cit., pág. 726.
[85] Proferido no Proc. nº 04P1875, relatado pelo Cons. Henriques Gaspar e disponível em www.dgsi.pt.
[86] Proferido pela Cons. Maria Fernanda Palma, no Proc. nº 566/2003-2ª secção
[87] Proferido pelo Cons. Paulo Mota Pinto, no Proc. 130/04 – 2ª secção
[88] Proferido pela Cons. Maria Helena Brito, no Proc. nº 922/03 – 1ª secção
[89] Todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[90] Proferido pelo Des. Gabriel Catarino, no Proc. nº 2421/05 e disponível em www.dgsi.pt
[91] Proferido pelo Des. Paulo Guerra, no Proc. nº 6/07.9GTCBR-A.C1, disponível em www.dgsi.pt
[92] In “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, Lisboa: Aequitas/Editorial Notícas, pág. 620 e ss.
[93] V. Ac. do STJ de 28.05.2008, proferido no processo nº 583/08, relatado pelo Cons. Raul Borges, disponível em www.dgsi.pt
[94] In CJSTJ, 2004, tomo 3, pág. 205.
[95] Cfr. Ac. STJ de 13.12.2006, disponível in www.dgsi.pt
[96] Hans-Heinrich Jescheck, Tratado de Derecho Penal, vol.II, pag.1099 e segs.
[97] Ambos relatados pelo Cons. Simas Santos e disponíveis em www.dgsi.pt
[98] V., neste sentido, Ac. do S.T.J. de 21.01.2003, relatado pelo Cons. Afonso Correia, também acessível em www.dgsi.pt
[99] Relatado pela Des. Maria do Carmo Silva Dias e publicado na RLJ ano 139º, nº 3960, pág. 176 e ss.