Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3320/01.3JAPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DO CARMO SILVA DIAS
Descritores: SUBSTÂNCIA CAPAZ DE PRODUZIR EXPLOSÃO NUCLEAR
CRIME DE PERIGO ABSTRATO
Nº do Documento: RP201201113320/01.3JAPRT.P1
Data do Acordão: 01/11/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE.
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Quando a lei, na versão vigente à data dos factos [art. 275°, n° 2, do CP, na redação dada pela Lei n.º 65/98, de 2/9], refere "substância capaz de produzir explosão nuclear" o que interessa é a capacidade de determinada substância ser susceptível de, por si ou manipulada de forma adequada, produzir explosão nuclear.
II - Como crime de perigo abstracto, não se pode confundir a capacidade ou susceptibilidade de determinada substância produzir explosão nuclear, com a necessidade da existência de um perigo concreto ou de um dano directo para o bem jurídico protegido pela norma.
III - Sendo o Urânio 235 uma substância radioativa e sabendo o arguido que a mesma era capaz de produzir explosão nuclear (exigindo, para o efeito, uma manipulação adequada), a sua posse integra a prática de um crime de Substâncias explosivas ou análogas e armas, do art. 275.º, n.º 2, do CP, na redação dada pela Lei n.º 65/98, de 2/9, vigente à data da prática dos factos [junho de 2001].
Reclamações:
Decisão Texto Integral: (proc. n º 3320/01.3JAPRT.P1)
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Acordam, em audiência, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto:
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I- RELATÓRIO
1. Na 1ª Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, nos autos de processo comum (Tribunal Colectivo) nº 3320/01.3JAPRT, foi proferido acórdão, em 8.4.2011 (fls. 9163 a 9265 do 37º volume), depositado no mesmo dia (fls. 9267) constando do dispositivo o seguinte:
Pelo exposto, o Tribunal colectivo da 1ª Vara de Competência Mista de Vila Nova de Gaia julga a pronuncia parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência:
1. absolve o arguido da pratica do crime de peculato.
2. condena o arguido pela prática de um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo artigo 86º, nº1, al. a), da Lei 5/2006 na pena de 4 (quatro) anos de prisão
3. condena o arguido B… pela prática de um crime de participação económica em negócio, p. e p. pelo artigo 377º, nº 1, do Código Penal na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão.
4. em cumulo jurídico, aqui se englobando as penas parcelares fixadas em 2. e 3., na pena única de 4 (quatro) anos e 10 (dez) meses de prisão.
5. a pena única fixada em 4. (quatro anos e dez meses de prisão) será suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova –artigo 53º, do Código Penal.
6. custas a cargo do arguido, que se fixam em 4 UCS.
(…)
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2. Não se conformando com esse acórdão, recorreu o arguido B… (que também requereu audiência sobre os “pontos da motivação assinalados em II e III”, concretamente sobre a revogação da matéria de facto que considera erradamente dada como provada e, sua consequente absolvição dos crimes pelos quais foi condenado), apresentando as seguintes conclusões (fls. 9270 a 9381 do 37º volume)[1]:
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Recurso do Acórdão
Importa, para já transcrever o que consta da decisão proferida sobre a matéria de facto, incluindo respectiva motivação e fundamentação de direito.
Foram dados como provados os seguintes factos:
A1.
1. No final do ano de 2001 as autoridades judiciais Francesas solicitaram ao congénere nacional a realização de uma Carta Rogatória Internacional, visando a inquirição e realização de diligências junto de B…, aqui arguido, residente em Vila Nova de Gaia.
2. Deste pedido de cooperação, constata-se que em meados daquele ano foram detidos em Paris - França, três indivíduos, dois de nacionalidade camaronesa – C…, e D…, e um de nacionalidade francesa – E… na posse de Urânio 235.
3. Das investigações subsequentes resultou inequivocamente o envolvimento do arguido na aquisição daquela substância capaz de produzir explosão nuclear, em investigação naquele país.
4. Os primeiros contactos do arguido para aquisição de substâncias nucleares e ou análogas remontaram ao ano de 1997, tendo como palco de actuação a Roménia.
Assim.
5. No dia 09 de Setembro de 1997, o arguido B…, acompanhado de F… e de G… deslocou-se a Bucareste, na Roménia.
6. Os três alojaram-se no H…, em quartos distintos, e o arguido B…, juntamente com o F… estabeleceram diversos contactos e reuniões com um cidadão, de nacionalidade romena, de nome I…, para aquisição de uma substância designada por mercúrio vermelho, identificada pela fórmula química HG/20/20.
7. De acordo com o previamente acordado, competia à G… proceder ao transporte dessa substância da Roménia para Portugal, depois de a receber das mãos do arguido B….
8 Recebendo, como contrapartida, a quantia de 10.000.000$00 (dez milhões de escudos), quantia que não compreendia as despesas efectuadas, nomeadamente as passagens aéreas e alojamento no H…, estas a serem integralmente suportadas pelo arguido.
9. Permaneceram na Roménia do dia 09 para 10 de Setembro, tendo, nesta data, por ordem do arguido B…, empreendido a viagem de regresso a Portugal.
10.Neste encontro com o I…, o arguido B… não conseguiu obter o produto em questão e consequentemente a G… não recebeu qualquer quantia da acordada, pois não executou qualquer tarefa.
11.Em 10 de Setembro de 1997, o arguido enviou a carta junta a fls. 301 e seguintes dos autos onde alude ao valor de 500 mil dólares para 30 gr do produto
A2
12. Em finais de 2000, o C…, veio a Vila Nova de Gaia para falar com o arguido de possíveis negócios.
13. Na sequência, arguido e C… decidiram deslocar-se à Roménia para voltarem a falar com o I… sobre o negócio de mercúrio.
14. No decurso das reuniões havidas com o I… ficou acordado a aquisição de urânio pelo arguido e C….
15. Entre Dezembro de 2000 e Março de 2001 o arguido efectuou cinco viagens à Roménia para contactar com o I…, três das quais com C….
16. O arguido em 24 de Maio de 2001 foi sozinho à Roménia para contactar, mais uma vez, com o I….
17. Entre Dezembro de 2000 e Agosto de 2001, o arguido B… recebeu e enviou dos J… para o C… e I… faxes que foram traduzidos da língua russa para a língua portuguesa com as fórmulas químicas do Piroantimonato de Mercúrio e URÂNIO 235, tendo em vista à obtenção e comercialização do produto apreendido.
18. Efectua centenas de contactos telefónicos, escreve e envia fax’s ao I… nos quais faz referências aos milhares ou milhões de dólares que poderão ganhar, referência a fornecedores desta substância, nomeadamente contactos russos e possíveis compradores, bem como comissões a pagar aos vários intervenientes.
19. A amostra de urânio entregue em Paris ao C… foi apreendida no mês de Junho, pelas autoridades Francesas, quando dois colaboradores do primeiro são detidos naquela cidade no momento em que aqueles desenvolviam diligências junto de eventuais interessados na compra daquela substância.
20. Os intervenientes bem sabiam do perigo e características que este tipo de produto representa, por isso entre eles foi estabelecido a utilização de um código, a utilizar em manuscritos e conversas telefónicas, relacionado com as substâncias em causa. 21. O urânio era referido por K…, que por isso surge na diversa documentação apreendida ao arguido B….
22. O mercúrio era designado por L….
23. Além dos contactos pessoais, o arguido estabeleceu entre Dezembro de 2000 e Outubro de 2001 - 221 contactos telefónicos com o C… e 188 com o I….
24. E estabeleceu os seguintes contactos telefónicos em 2000:
-19 contactos para França e 49 para a Roménia.
Em 2001:
em Janeiro -62 contactos para Roménia,
em Fevereiro -36 contactos para França e 18 contactos para a Roménia,
em Março -69 contactos para França e 54 contactos para Roménia,
em, Abril -10 contactos para França e 1 contacto para Roménia,
em Maio -16 contactos para França e 2 contactos para Roménia
em Julho -17 contactos para França
em Agosto -17 contactos para França
de Agosto a Outubro -37 contactos para França e 2 contactos para a Roménia.
25. Acresce que vários (17 +17+ 37) destes contactos telefónicos ocorreram depois da prisão do C….
26. Ao longo do período em que se desenrolam os contactos entre os vários participantes, o arguido B… assumiu na íntegra as suas despesas com passagens aéreas e estadas em hotéis, bem como as do C….
27. O arguido B… enviou ao C… PTE 7.038.000$00, no período de Janeiro a Agosto 2001, em notas do Banco de Portugal, destinada a suportar os custos inerentes com a operação acordada.
SEGUNDO QUADRO ANEXO:

28. Bem como enviou as quantias abaixo indicadas para os destinatários ali identificados através da M…:

29. Já com o C… detido o arguido B… continua a enviar dinheiro para a família e em 2002 encontra-se, pelo menos, duas vezes em Portugal com o Advogado daquele, de nome U….
30. Durante o primeiro encontro, em Janeiro, o B… procedeu ao levantamento de € 30.000 €, em numerário, da sua conta na dependência do V…, sita no …, em Vila Nova de Gaia e logo de seguida foi encontrar-se com o referido Advogado.
31. A permanência daquele advogado no W…, do dia 27 a 29 de Janeiro de Janeiro de 2002, no montante de €378, 75 foi suportada na sua totalidade pelo arguido B….
32. Perante toda esta situação ganha especial relevância a anotação junta a fis. 1701, verso dos autos, na qual o arguido B… escreve: “caso U…: Acontece que C… diz exactamente como eu falei para ele dizer o que vai acontecer. Aceita todas as minhas condições!!!”
33. O Comissariado para a Energia Atómica - em França procedeu à análise do URÂNIO 235 apreendido identificando o produto apreendido como URÂNIO 235, muito enriquecido, particularmente puro.
34. A quantidade de URÂNIO apreendida - 467,69mg - deve ser considerada como amostra.
35. A amostra pode ter sido obtida numa fábrica de processamento ou laboratório de pesquisas na Rússia, que trabalham com quantidades significativas de combustível nuclear, não podendo ser excluída a possibilidade de um desvio de maiores quantidades de urânio de tipo igual ao da amostra.
36. Para o potencial comprador deste tipo de Urânio, podem prever-se duas utilizações: o fabrico de uma arma nuclear e o fabrico de um engenho de dispersão da matéria de tipo terrorista.
37. O recipiente e a embalagem analisados destinam-se ao transporte de substâncias radioactivas, adaptado à manipulação e ao transporte de quantidades limitadas de substâncias radioactivas, que emitam todos os tipos de radiações ionizantes, incluindo a radiação neutrônica.
38. A sua concepção torna muito difícil, em particular, a detecção da matéria transportada, disfarçando, ao máximo, as radiações produzidas pelo Urânio.
39. Na continuidade deste juízo também se pronunciou o Perito do Instituto Tecnológico Nuclear quando refere que: “.. o relatório do comissariado para a energia atómica, fls. 1626-1653, identifica uma matéria nuclear, urânio altamente enriquecido, que, pelos detalhes revelados nas análises efectuadas, só pode ser proveniente de laboratórios altamente especializados, existentes em muito poucos países do mundo.
40. A elevadíssima percentagem de Urânio 235, no material analisado, é muitíssimo superior ao que se encontraria em material de combustão para centrais de produção de electricidade.
41. Um material físsil com esta composição, sendo de difícil preparação, seria o elemento mais difícil de obter para quem tencionasse proceder a uma utilização ilícita.
42. A posse deste material só é permitida a entidades devidamente licenciadas e identificadas que são sujeitas a um regime de verificação e controle exercido pela Agência Internacional de Energia Atómica.
43. O mercado oficial não tem cotação para este tipo de produtos, podendo atingir no mercado negro valores elevadíssimos.
44. O mercúrio também designado por L1…, corresponde a uma substância que atendendo às suas características “...porque se trata de uma substância, exclusivamente, militar, não era possível a sua comercialização em mercado aberto.
45. O L1… não revela especial perigosidade quando usado isoladamente, mas com produtos nucleares ou químicos potencia não só os seus efeitos como os dos outros produtos, dando origem à chamada “bomba suja”.
46. A sua produção implica o uso de tecnologia avançada apenas disponível para um reduzido número de países dos quais se destacam a Rússia, Roménia, China, USA, Irão e Iraque.
47. A ausência de comercialização, em mercado aberto, permite admitir que o seu valor será muitíssimo elevado.
48. As informações relacionadas com este tipo de substâncias não estão disponíveis para a sociedade civil e mesmo no âmbito militar estão confinadas a um grupo restrito.
49. Esta substância surge referenciada na documentação relacionada com o Piroantimonato de Mercúrio...” como declara o perito do exército Português para a área de Nuclear, Biológica e Química, X….
50. Conhecedores do tipo de substância em causa e dos perigos que a sua nomeação poderia acarretar aos diversos intervenientes, nomeadamente o arguido, foram desenvolvidos códigos de palavras que permitiam aos mesmos comunicarem sem levantarem suspeitas.
51. Este produto é designado por L… e a referência é … associado à fórmula química Sb2 07 Hg2.
52. Os factos acima descritos, quer no decurso do ano de 1997 quer durante os anos de 2000 e 2001, demonstram que durante este período o arguido B… procurou obter substâncias nucleares ou análogas junto do cidadão Romeno I…, com a colaboração do C….
53. Para o efeito, com especial incidência no segundo período dos anos de 2000 a 2001, deslocou-se à Roménia por seis ocasiões, três das quais acompanhado do C….
54. O julgamento em França dos três detidos, C…, D… e E… determinou a condenação do C… em 3 anos de prisão, 10 meses de prisão para D… e dezoito meses de prisão para E…i.
55. O arguido com a conduta descrita nos factos precedentes adquiriu e deteve Urânio 235, enriquecido, fora das condições legais e em contrário às normas legais, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei e que tal substância era capaz de produzir explosão nuclear.
B.
56. Em 2001[2], o arguido B… e a sua mulher, Y…, constituíram uma sociedade, sob a designação de Z…, com sede em Vila Nova de Gaia, na Rua … — …, que tinha por objecto a prestação de serviços diversos a pessoas particulares ou colectivas.
57. Além desta sociedade, o arguido, a mulher com os quatro filhos, constituíram no ano de 1997 a sociedade com a designação de AB…, que tinha por objecto a prestação de serviços na área da publicidade.
58. Durante os anos de 2000 a 2002, a Z… estabeleceu relações comerciais com os J… para prestação de diversos serviços, nomeadamente: venda de géneros alimentares, transporte de pessoas e mercadorias, serviço de empacotamento de mercadorias e limpezas.
59. No mesmo período a sociedade AB… prestou diversos serviços de publicidade aos J…, nomeadamente, produção da revista J… e realização do cartão de doador.
60. Como resulta da analise da percentagem do volume de negócios, a dependência destas duas sociedades em relação aos J… foi quase total.
61. A Z…: no Ano 2000 apresentou uma facturação para os J… correspondente a 85,06% do seu volume global de facturação; no ano 2001 a facturação para os J… correspondeu a 97,27%, do volume global da sua facturação e no ano de 2002 correspondeu a 56,87%.
62. A facturação da AB… para os J… no ano 2000 representou 37,80%, da sua facturação global; no ano de 2001 a facturação para os J… representou 97,99%, da facturação global e no ano de 2002, representou 92,53%.
63. A Z… facturou aos J… o montante global de PTE 167.479.105$00 e a AB… facturou aos J… o montante global de pte 66.763.277$00
64. Durante o período de compreendido entre os anos de 2000 a 2002, o arguido B… facturou e recebeu dos J… para pagamento de serviços prestados pelas empresas Z… e AB… das quais era sócio gerente a quantia global de pte 234.242.382$00, o equivalente a € 1.168.396,08 em euros.
65. Da facturação da Z… aos J… evidencia-se a venda de alimentos, actividade comercial que não integrava o objecto social daquela sociedade.
66. No decurso dos anos de 2000 e 2001, a Z… vendeu alimentos aos J… no valor global de pte 96.099.590$00, o equivalente a € 479.342,73, em euros.
67. O relatório pericial junto a fls. 5834 e seguintes dos autos, que analisa as vendas de alimentos da Z… aos J… no decurso dos anos de 2000 e 2001, conclui inequivocamente que “se os J… ...tivessem comprado aos fornecedores, nas mesmas condições comerciais, os produtos alimentares que adquiriram à Z…, e no pressuposto de que todos os produtos alimentares adquiridos pela Z… foram vendidos aos J…, teria poupado o valor global de pte 24.938.968$00, o equivalente a € 124.395,50, em euros...“
68. Incluído na facturação total (pte 167.479.105$00, equivalente a € 835.382,25) da Z… aos J… está um valor que não foi possível de determinar relacionado com o custo do transporte de mercadorias, incluindo quilómetros e aluguer de veículo automóvel e horas de trabalho dos funcionários desta empresa, praticado durante os anos de 2000, 2001 e 2002.
69. A fórmula utilizada no pagamento dos serviços prestados pela Z… aos J… resulta em claro prejuízo para a segunda, porquanto era perfeitamente possível obter valores muito mais baixos para este tipo de serviços, com uma consulta no mercado.
70. A tudo isto acresce o facto de não existirem Guias de Remessa e de Transporte, emitidas para suportar tais serviços, que poderão ter sido ou não prestados, face à inexistência de documentos comprovativos.
71. Os valores praticados pela Z… aos J… não estão em concordância com os exercidos durante os anos de 2000 e 2001 no mercado, sendo que com a prática de tais valores a Z… não teria qualquer possibilidade de sobrevivência no mercado de transportes, face á concorrência existente.
72. A partir de 2001, parte substancial dos géneros alimentares adquiridos pelos J… estavam destinados à realização de cabazes alimentares fornecidos a juntas de freguesia que celebrassem com a instituição protocolos de cooperação, que continham um Anexo 1.
73. Este documento previa a entrega de um cabaz alimentar no valor de 5.000$00, pelos J… à junta de freguesia, cabendo a cada uma das partes a responsabilidade pelo pagamento de 50% daquele valor, ou seja 2.500$00, suportados pela autarquia e igual valor suportado pelos J….
74. No ano de 2002 este valor foi aumentado para 6.000$00 porque os J… entenderam que o adicional de 1.000$00, correspondente a uma Taxa Simples de Distribuição.
75. Estes protocolos representaram no período compreendido entre os anos de 2001 e 2002, um aumento de receitas que não foi possível de quantificar de forma precisa uma vez que foram contabilizadas com as doações em géneros, no montante total de PTE 42.921.867$00, o equivalente a € 214.093,37, em euros.
76. No balancete geral do ano de 2002, junto a fls. 5983 dos autos, regista a quantia de €158.190,89 (31.714.426$00), correspondente ao valor pago pelas juntas de freguesia no âmbito dos protocolos de cooperação, ou seja, pelo fornecimento de cabazes alimentares.
77. Várias instituições de referência, como o AC… — e a AD… — prestaram ajuda alimentar aos J… a pedido desta instituição, ajuda esta que veio a ser cancelada pelas dúvidas suscitadas quanto à idoneidade e destino dado aos produtos alimentares.
78. Porém, e apesar de atrás referido, os J… continuaram a receber ajudas alimentares quer de empresas como o AE…, que no decurso dos anos de 2000 a 2002 atingiram o valor comercial global de €67.562,23. 79.
79. Na prossecução destes negócios celebrados entre a Z…, AB… e J…, o arguido B… participou na qualidade de sócio gerente das empresas e presidente da direcção dos J….
80. Relativamente a contratos celebrados entre os J… e Z…/AB…, para a prestação de serviços efectuadas por estas duas sociedades, não foi possível de verificar nas actas das reuniões dos órgãos sociais qualquer referência sobre as mesmas durante os anos de 2000-2002.
81. Somente em 15 de Março de 2003, é referido em reunião de direcção a “...necessidade de solicitarem orçamentas para execução dos serviços levados a cabo pelas empresas Z… e AB… apesar da Direcção estar consciente de que seria difícil obter melhores preços do que os praticados por estas empresas...”.
82. O arguido B… ao realizar os negócios atrás referidos, tinha intenção de obter, como obteve, participação económica ilícita, bem sabendo que com a sua conduta estava a lesar, como lesou, em tais negócios os interesses patrimoniais que lhe cumpria administrar, em razão das funções que desempenhava, bem como sabia que a sua conduta era proibida por lei.
C.1
83. Durante os anos de 2000 e 2001, o arguido B… arrendou aos J… o armazém de que é proprietário, sito na Rua … - … - …, em Vila Nova de Gaia, tendo o valor da renda a pagar sido no montante mensal de 650.000$00.
84. Em Junho de 2000, o arguido arrendou o referido armazém mensalmente pelo mesmo valor à Z… e esta passou a facturar uma ocupação diária aos J…, no montante de 30.000$00.
85. Durante o período em que se manteve em vigor o arrendamento, o arguido B… recebeu dos J… a quantia global de 15.684.500$00.
C. 2.
86. Este mesmo armazém, em 22 de Abril de 2002, foi objecto de Contrato Promessa de Compra e Venda celebrado entre o arguido B… e Y…, na qualidade de promitentes vendedores, e os J… representados pelo arguido B… e S…, na qualidade de promitentes compradores.
87. O valor acordado pela venda deste armazém, com logradouro e terreno de cultura e mato, foi no montante de € 850.000,00 devendo a escritura de compra e venda ser celebrada até 31 de Dezembro de 2002 (fls. 6404).
88. Esta escritura não foi celebrada na data prevista.
89. Durante o ano de 2002 o B… recebeu pagamentos parciais pelo armazém no valor de € 500 mil euros dos quais € 400.000 no mês da celebração do contrato promessa – Abril.
90. Este montante no valor de €400.000 foi pago em notas do Banco Central Europeu, ao arguido B… como se constata do recibo de quitação o mesmo sucedendo com o recibo de quitação no valor de €100.000,
91. Os pagamentos efectuados pelos J… processaram-se em numerário, prática de pagamento que era corrente na instituição.
92. De acordo com acta de direcção, n.° 30, de 31 de Janeiro de 2002, na reunião efectuada é feita referência à necessidade da instituição em continuar a ocupar o armazém da Rua …, … — …, em Vila Nova de Gaia, segundo afirmou a vice-presidente Y….,
93. Para logo de seguida referir que ...“ os proprietários têm necessidade de alienar o prédio em causa ....“ considerando a tesoureira S… ‘... ser vantajoso para ambas as partes ser a associação a adquirir o armazém... e a associação possuir condições para o fazer...”.
94. Por unanimidade foi decidida a compra do armazém e também por unanimidade foi acordado o preço de € 850.000, sendo neste acto entregue ao vendedor o valor de € 400.000 e o restante de acordo com as condições que foram definidas.
95. Nesta reunião estiveram presentes todos os membros da direcção, o arguido B… (presidente), Y… (vice presidente) AF… (secretário), AG… (tesoureira) e AH… (vogal),
96. Do relatório pericial de fls. 4518 consta que a renda mensal a dispender pelo armazém era seria no valor de €2.438,70 e o valor de transacção final do armazém seria no montante de €419.121,30.
C.3
97. Em 13 de Março de 2002, o arguido B… e mulher adquiriram à sociedade de construções – AI… - pelo montante de € 180.514,96, duas fracções (Z e AA), para escritórios, no prédio sito na … …., .º, em Vila Nova de Gaia.
98. Para o efeito, o arguido e mulher contraíram um empréstimo bancário no montante de € 144.963,13, dos quais € 39.267,86, para aplicação em obras de beneficiação das fracções.
99. Em 08 de Setembro de 2002, os J…, representados por AF… e S…, prometeram comprar ao arguido B… e mulher, Y…, as duas fracções - Z e AA - destinadas a escritório, no .° andar e garagem, ambas no prédio sito na …, …., .º andar, em Vila Nova de Gaia, pelo valor de € 225.000 € (fls. 6430).
100. Nos termos deste contrato promessa de compra e venda, os J… entregaram ao vendedor, como sinal e principio de pagamento, a quantia de € 50.000, acordando no pagamento do restante valor em vinte e cinco prestações mensais e sucessivas, cada uma no montante de 7 mil euros, de Setembro de 2002 a Setembro de 2004.
101 Em 25 de Setembro de 2002, os J… e a AI… acordaram na substituição dos primeiros ao arguido B… no pagamento da dívida de € 74.819,69, referente à compra das fracções AA e Z, que aqueles tinham para com a sociedade.
102. De acordo com a avaliação imobiliária solicitada nos autos (de fls. 4516) o valor das fracções seria de € 80.968,00 e de € 73.522,67, num total de € 154.490,67.
103. Em 06 de Setembro de 2002, em reunião de direcção, acta 37, a tesoureira S… expôs à Direcção a necessidade de regularização da compra dos escritórios destinados à Associação, localizados no .° andar do prédio onde se situa a sua sede.
104. Nessa altura informa-se que aquela compra foi efectuada “... em nome do anterior presidente com vista a beneficiar a Associação com a obtenção de um crédito bancário e dos vendedores do imóvel que não reconheciam a associação...”.
105. Por unanimidade foi acordada a compra, dos escritórios, pelo valor de € 225.000, estando representada toda a Direcção, AF…a (presidente), Y… (vice presidente) S… (tesoureira) AJ… (secretária) e AH… (vogal).
D.
106. O arguido B… agiu de forma voluntária e consciente bem sabendo que a sua conduta para além de reprovável era proibida por lei.
107. A associação J… é uma associação de solidariedade social reconhecida como IPSS, sem fins lucrativos, com registo definitivo dos estatutos em 6.4.99, declaração registada em, no DR III serie de 5.1.2000
108. Adquiriu automaticamente a natureza de pessoa colectiva de utilidade pública, gozando das isenções previstas nos artigos 1 e 2, do DL 9/85, de 9 de Janeiro.
109. As IPSS estão regulamentadas pelo DL 119/83 e os estatutos dos J… estão em consonância com os princípios definidos neste diploma legal
110. O arguido exerceu funções de presidente dos J… de 20 de Dezembro de 1999 até 27 de Julho de 2002, data em que renunciou ao seu cargo.
111. Das condições de vida do arguido:
Os pais do arguido exploravam uma mercearia, passando a dado passo, o pai a dedicar-se em exclusividade ao ensino e prática musicais.
O arguido é o mais velho de dois irmãos dum agregado familiar estável e equilibrado, em termos económicos, educativos e sociais.
Frequentou a escola até concluir o 12º ano de escolaridade, concluindo em simultâneo, o curso de música clássica no K….
Com 19 anos, foi estudar para Espanha, na AL…, tendo trabalhado como professor assistente para financiar os seus estudos.
Um ano depois, obteve uma bolsa de estudos da AM… para formação superior numa escola de música na Suíça, onde se manteve cerca de quatro anos. Aos 24 anos foi convidado para leccionar na Alemanha, o que fez durante cerca de dois anos.
Em 1981, então com 25 anos de idade, contraiu matrimónio em Portugal com Y… (de nacionalidade alemã e colega de trabalho) tendo ainda regressado à Alemanha, onde se mantiveram a leccionar.
No final do ano de 1983, o casal veio viver para Portugal, já com o filho mais velho (AN…, actualmente com 28 anos de idade); tiveram mais três filhos.
O agregado familiar ficou a residir durante vários anos na casa dos pais do arguido, em …, tendo entretanto, adquirido, com recurso ao crédito bancário, a habitação onde residem desde há quase vinte anos.
Em termos religiosos, o arguido foi educado pelos pais de acordo com a religião católica.
Aos 23 anos, na Suíça, teve doença degenerativa (esclerose múltipla).
O receio de ficar incapacitado terá influenciado um maior interesse pela religião, tendo durante uma viagem à América Latina tomado um contacto mais profundo com uma organização evangélica que procedia a “curas” ditas milagrosas.
Depois de melhorar da doença, passou a dedicar o seu tempo ao estudo religioso.
Já em Portugal, associou-se a um grupo evangélico americano - “AO…” - no âmbito do qual participou em várias conferências nos EUA.
Deixou definitivamente o ensino e a prática da música em 1983, quando regressou a Portugal, passando a dedicar-se à Igreja Evangélica (vinculado à Igreja de …, onde se iniciou), tendo como objectivo implementá-la em Portugal.
Começou por criar a “AP…” (actualmente designada por “AQ…”).
No início dos anos 90, decidiu alargar o campo de intervenção à problemática da toxicodependência, o que deu origem à abertura de um centro de acolhimento em … (“AS…”).
Em 1994, criou a IPSS “J…”, com delegação em Vila Nova de Gaia.
No âmbito dessa entidade, da qual era Presidente da Direcção, terá realizado e participado em diversas conferências nacionais e internacionais.
A cônjuge fez também parte da mesma.
Os filhos desde cedo, sobretudo os três mais velhos, terão participado nas actividades desenvolvidas pelos “J…”.
Em 1996, o arguido constituiu, em sociedade, a empresa “AB…”, a qual teria por missão a divulgação e publicidade dos “J…”, através da rádio, de uma revista própria e da organização de eventos, com objectivo de expandir a intervenção da IPSS e angariar uma maior quantidade de donativos.
No ano de 2000, o arguido constituiu, em sociedade com a cônjuge, a empresa “Z…”, de prestação de serviços, com o objectivo de facilitar a reinserção social dos utentes do Centro de Recuperação, na sua maioria toxicodependentes, que trabalhariam naquela empresa.
À data da sua detenção, no âmbito do presente processo, em 2001, o arguido vivia com a cônjuge e os filhos, exercendo as funções de Presidente da Direcção dos J…, cumulativamente com a actividade de pastor evangélico e gerente das duas empresas acima referidas.
Após a sua prisão preventiva e a divulgação dos factos pelos meios de comunicação social, deixou de exercer as referidas funções, que foram assumidas sobretudo pela cônjuge.
Mesmo após a alteração da medida de coacção e consequente libertação, embora tenha mantido uma participação activa, abandonou, formalmente, a Direcção dos “J…”. Continuou a gerir a “AB…” e a “Z…”, mas, por apresentarem prejuízos foram encerradas, respectivamente entre 2004 e 2005. Actualmente, em termos formais, faz assessoria e integra a Assembleia dos “J…”.
O filho mais velho (AN…), exerce funções de psicólogo no Centro de Recuperação, sendo a cônjuge Directora Pedagógica e formadora.
A principal actividade exercida pelo arguido, presentemente, é a de Pastor (ou “Ministro de Culto”) na AQ…, com sede em Vila Nova de Gaia, actividade igualmente exercida pela cônjuge, que é Presidente da Igreja.
O actual agregado familiar é composto pelo arguido, cônjuge e os três filhos mais novos, presentemente com 26, 24 e 20 anos de idade, estando um licenciado e os outros dois ainda a estudar no ensino superior.
Apresenta uma situação económica razoável, assentando sobretudo nos salários auferidos pelo casal - como pastores – cerca de 2200€ cada um, a que acrescem os rendimentos auferidos pela cônjuge enquanto formadora (variáveis).
A principal despesa fixa mensal será o valor da prestação do empréstimo-habitação (cerca de 1000€).
A família é vista como reservada, assumindo o arguido e os seus familiares próximos um estilo de vida aparentemente normativo.
O arguido apresenta um discurso crítico face a factos de idêntica natureza mas não faz um reconhecimento da eventual existência de potenciais vítimas ou lesados, em situações análogas, focalizando-se, sobretudo, em sentimentos persecutórios e nas implicações negativas que o presente processo na sua vida e na actividade dos “J…”. Mostra-se apreensivo por ter sido constituído arguido nos presentes autos, mas acredita num desfecho positivo deste processo. Não obstante, em sede de condenação, está disponível para uma medida de execução na comunidade.
Dispõe do apoio dos familiares próximos e não há sinais de uma rejeição activa no meio sócio-residencial.
112. Do certificado de registo criminal referente ao arguido junto aos autos não constam antecedentes criminais.
Da contestação, com interesse para a decisão da causa, provaram-se os seguintes factos:
113. A AI1… a pedido do arguido, datada de 21 de Abril de 2000, apresentou “avaliação do armazém” para o terreno sito na Rua …, nº …, na freguesia de …, concelho de Vila Nova de Gaia e avaliou o artigo 278 correspondente ao prédio misto com 750 m2 de área no valor de 82.500 mil contos, o logradouro de 200 m2 no valor de 8 mil contos e o artigo 278º, prédio rustico, com área de 3550 m2 no valor de 97.625 mil contos, num total de 188.125.000 PTE.
114. AT…, em 18 de Dezembro de 2001 avaliou, a pedido do arguido, o terreno sito na Rua …, nº …, na freguesia de …, concelho de Vila Nova de Gaia, inscrito na matriz urbana sob o artigo 2886, composto por armazém, com área de 750 m2, logradouro com área de 200 m2 e restante terreno, com área de 3550 m2, no valor 190 mil contos.
115. A área do prédio sito na rua … nº … foi rectificada para 750 m2 de área coberta e terreno com área descoberta de 2408 m2.
116.O preço inicialmente acordado no contrato promessa de compra e venda foi reduzido para € 720.244,00 (6413 a e 6429)
117. Por escritura de compra e venda outorgada em 21 de Abril de 2008, no cartório Notarial de Espinho, os J… declararam comprar e o arguido juntamente com sua mulher, Y… declarou vender pelo preço de € 945.244,00, já recebido, o prédio urbano composto de armazém térreo, logradouro e casa com cave, r/c e logradouro, sito na freguesia de …, concelho de Vila Nova de Gaia descrito da 1ª conservatória de registo predial de Vila Nova de Gaia sob o nº 1793, registado pela ap. 37 a favor dos vendedores em 23.11.1984 e inscrito na matriz sob os artigos 2485 e 2886. (fls. 6976 a 6992)
118. O arguido com a aquisição e venda aos J… das fracções A Z suportou os seguintes encargos:
-€ 18.051,49 a titulo de SISA
- € 800,42 com registos da aquisição
- € 21.600 – com a amortização de 30 prestações do mutuo no valor de 105.000
- € 3.150,00 a titulo de penalização pela antecipação do pagamento do empréstimo calculado do montante de € 105.000,00
119. Por escritura de compra e venda outorgada no cartório de notarial de Santa Maria da Feira, em 30 de Novembro de 2004 o arguido e mulher, Y… declararam vender e os J… declararam comprar as fracções Z e AA, do prédio urbano sita à …, nº …., …. e …., em Vila Nova de Gaia, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 5546, descrito na 2ª conservatória do registo predial de Vila Nova de Gaia sob o nº 1412, registada a favor dos vendedores pela inscrição G3, pelo preço de 225 mil euros, já recebido (fls. 6436)

Quanto aos factos não provados consignou-se o seguinte:
Para além dos factos supra elencados, com interesse para a decisão da causa nada mais se provou, designadamente que:
a. que o arguido tenha , assumindo um papel fulcral no processo de tráfico de engenho ou substância nuclear
b. que a viagem à Roménia no dia 9 de Setembro de 1997, tenha sido precedida de reuniões em Portugal.
c. Que a contrapartida da G… pelo transporte do mercúrio vermelho fosse de 15 milhões de escudos.
d. que o arguido tenha responsabilizado a G… pela não realização daquele negócio, não inviabilizando, porém, outras futuras oportunidades com a carta de fls. 301
e. que tenha sido o arguido B… a convidar o C… para vir a Portugal em finais de 2000
f. que o arguido e C… se tenham reunido duas ou três vezes em Vila Nova de Gaia e em paris e tenham decidido ir à Roménia.
g. Que arguido e C… tenham ido á Roménia entre Dezembro de 2000 e Março de 2001 juntos á Roménia cinco vezes.
h. que o I… tenha informado arguido e C… que não arranjava mercúrio, propondo como alternativa o urânio.
i. que tenha sido acordado ser o transporte do urânio da responsabilidade do I… a fim do mesmo ser analisado e verificada a qualidade do produto.
j. que o arguido tenha ficado encarregue de pagar a amostra de urânio e encontrar comprador.
k. que o C… tenha em Março de 2001, recebido do arguido B…, no AU… — Paris uma amostra de URÂNIO 235 com incumbência de proceder à sua análise e angariar potenciais interessados na aquisição daquela substância nuclear.
l. que a detenção dos três indivíduos, C…, E… e D… se tenha dada exactamente no momento em que estavam a ser finalizados contactos para a negociação daquela mercadoria
m. que o arguido tenha suportado com as despesas milhares de contos com as viagens, deslocações e estadias à romenia
n. que o arguido tenha importado e cedido urânio 235.
o. que o arguido tenha recebido na data do contrato promessa de compra e venda do armazém, a titulo de sinal 400 mil euros em numerário.
p. que o remanescente do preço devido pelos J… pela aquisição das fracções Z e AA fosse pago em 15 prestações.
q. o arguido B… se tenha apropriado indevidamente das quantias referentes ao diferencial entre os valores estabelecidos nos contratos e aos valores estabelecidos pericialmente para os imóveis e rendas em causa, bem sabendo que tal conduta era proibida por lei e que as mesmas estavam na sua posse pelas funções que exercia.
r. que o Dr. U… aquando da viagem de regresso, tenha sido submetido a um controle ou fiscalização no aeroporto de …, na Maia, verificando-se que era portador de seis ou sete maços de notas de Banco Central Europeu, ainda cintados, de valor não apurado.
s. Na compra e venda do armazém e escritórios o arguido participou na dupla qualidade de vendedor e comprador.

Na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, fez-se constar o seguinte:
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4ª Questão
Subsidiariamente, alega o recorrente que existe erro de interpretação na subsunção dos factos ao direito, quer quanto ao crime de detenção de arma proibida, quer quanto ao crime de participação económica, pelos quais foi condenado.
a) Crime de detenção de arma proibida
Quanto ao crime de detenção de arma proibida, para além de questionar que detivesse o urânio 235 apreendido, sustenta o recorrente que, apesar de se tratar de uma substância radioactiva, não é explosiva e só quando é manipulada fisicamente ou quando é conjugada com outras substâncias é que poderá ser configurada como “arma radioactiva” ou susceptível de produzir explosão nuclear.
Dessa forma conclui que, a respectiva matéria de facto dada como provada, apenas integra o crime p. e p. à data dos factos no art. 275º, nº 1, do CP (regime vigente à data dos factos que era o mais favorável) e actualmente p. e p. no art. 86º, nº 1, alínea b), da Lei das Armas.
Pois bem.
Resulta dos factos dados como provados que o arguido e o C…, desde finais de 2000, andaram a negociar a aquisição de urânio, nos moldes que foram dados como provados, tendo o arguido adquirido e detido (enquanto co-autor), fora das condições legais e em contrário às normas legais, a amostra de Urânio 235, muito enriquecido, com o peso de 467,69mg (apreendida em França, em Junho de 2001), bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei e que tal substância era capaz de produzir explosão nuclear.
Relativamente à questão da co-autoria, cremos que não se suscitam dúvidas sobre essa matéria.
Como é sabido[3], a figura da co-autoria - incluída também no conceito de autoria definido pelo art. 26º do CP - exige a verificação de 2 requisitos:
- o acordo (decisão ou plano conjunto, ainda que tácito); e,
- a execução conjunta do facto típico.
Cada co-autor contribui objectivamente para a execução do facto típico, podendo essa execução ser parcial, portanto, circunscrever-se a uma parte da acção conjunta mas, de qualquer forma, terá de ser indispensável à obtenção do resultado pretendido.
Enquanto o acordo conjunto representa o elemento subjectivo da co-autoria, a execução conjunta representa o seu elemento objectivo[4].
Mas, “o domínio funcional do facto constitui o sinal próprio da co-autoria, em que o agente decide e executa o facto em conjunto com outros”[5].
Perante os factos dados como provados, não há dúvidas que o arguido, actuando em combinação ou acordado com o C…, com vista a concretizarem o negócio de urânio que estava em curso, praticou actos que objectivamente contribuíram para a execução do facto típico, sendo o seu papel indispensável para a obtenção do resultado, que neste caso se consumou no momento em que foi apreendida a referida amostra de urânio 235 enriquecido em França (ainda que não tivesse conseguido atingir todos os seus objectivos, apesar de ter prosseguido com as negociações, mesmo após a detenção do C…).
Assim sendo, apesar de não estar presente no momento da apreensão (que ocorreu em França), não deixa de ser co-autor no crime em questão, como foi bem explicado na decisão sob recurso.
Não merece censura afirmar-se que, como co-autor, o arguido adquiriu e deteve (ainda que essa detenção não fosse física, por não ter aquela substância - que foi apreendida - “nas suas mãos”), fora das condições legais e em contrário às normas legais, a amostra de Urânio 235, muito enriquecido, com o peso de 467,69mg (apreendida em França, em Junho de 2001), bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei e que tal substância era capaz de produzir explosão nuclear.
Também, ao contrário do que afirma o recorrente, o que releva para a qualificação do crime, não é a sua tentativa de avançar com a venda do urânio 235, mesmo depois da detenção do C…, mas antes a conduta dolosa que se consubstancia na aquisição e detenção da substância que foi apreendida em França, momento em que se consumou o crime (ou seja, não se impõe diferente subsunção jurídica como abstractamente alega o recorrente).
Invoca, ainda, o recorrente que os factos dados como provados apenas integram o cometimento do crime p. e p. à data dos factos no art. 275º, 1, do CP e, actualmente, p. e p. no art. 86º, nº 1, al. b), da Lei das Armas, por a amostra de urânio 235 apreendido, apesar de poder ser uma substância radioactiva, não é explosiva e só quando é manipulada fisicamente ou quando é conjugada com outras substâncias é que poderá ser configurada como “arma radioactiva” ou susceptível de produzir explosão nuclear.
Ora, estabelecia o citado artigo 275º (Substâncias explosivas ou análogas e armas) do CP, antes da alteração introduzida pela Lei nº 98/2001, de 25.8:
1 - Quem importar, fabricar ou obtiver por transformação, guardar, comprar, vender, ceder ou adquirir a qualquer título ou por qualquer meio, transportar, distribuir, detiver, usar ou trouxer consigo arma classificada como material de guerra, arma proibida de fogo ou destinada a projectar substâncias tóxicas, asfixiantes, radioactivas ou corrosivas, ou engenho ou substância explosiva, radioactiva ou própria para a fabricação de gases tóxicos ou asfixiantes, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, é punido com pena de prisão de 2 a 5 anos.
2 - Se as condutas referidas no número anterior disserem respeito a engenho ou substância capaz de produzir explosão nuclear, o agente é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos.
3 - Se as condutas referidas no nº 1 disserem respeito a armas proibidas não incluídas nesse número, o agente é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.
4 - Quem detiver ou trouxer consigo mecanismos de propulsão, câmara, tambor ou cano de qualquer arma proibida, silenciador ou outro aparelho de fim análogo, mira telescópica ou munições, destinados a serem montados nessas armas ou por elas disparadas, se desacompanhados destas, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.
Entretanto, a referida Lei nº 98/2001, de 25.8, veio alterar o art. 275º, nos seguintes termos:
1 - Quem importar, fabricar ou obtiver por transformação, guardar, comprar, vender, ceder ou adquirir a qualquer título ou por qualquer meio, transportar, distribuir, detiver, usar ou trouxer consigo arma classificada como material de guerra, arma proibida de fogo ou destinada a projectar substâncias tóxicas, asfixiantes, radioactivas ou corrosivas, ou engenho ou substância explosiva, radioactiva ou própria para fabricação de gases tóxicos ou asfixiantes, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, é punido com pena de prisão de 2 a 5 anos.
2 - Se as condutas referidas no número anterior disserem respeito a engenho ou substância capaz de produzir explosão nuclear, o agente é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos.
3 - Se as condutas referidas no nº 1 disserem respeito a armas proibidas não incluídas nesse número, o agente é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.
4- . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Foi depois publicada a Lei nº 5/2006, de 23.2 (Aprova o novo regime jurídico das armas e suas munições) que revogou o artigo 275º do CP.
Estabelecia o artigo 2º (Definições legais) da versão original da Lei nº 5/2006:
Para efeitos do disposto na presente lei e sua regulamentação e com vista a uma uniformização conceptual, entende-se por:
1-Tipos de armas:
(…)
z) «Arma radioactiva ou susceptível de explosão nuclear» o engenho ou produto susceptível de provocar uma explosão por fissão ou fusão nuclear ou libertação de partículas radioactivas ou ainda susceptível de, por outra forma, difundir tal tipo de partículas;
(…)
Apesar da dita revogação do art. 275º do CP, estabeleceu-se no artigo 86º (Detenção de arma proibida) da Lei nº 5/2006:
1- Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, importar, guardar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação ou exportação, usar ou trouxer consigo:
a) Equipamentos, meios militares e material de guerra, arma biológica, arma química, arma radioactiva ou susceptível de explosão nuclear, arma de fogo automática, engenho explosivo civil, ou engenho explosivo ou incendiário improvisado é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos;
b) Produtos ou substâncias que se destinem ou possam destinar, total ou parcialmente, a serem utilizados para o desenvolvimento, produção, manuseamento, accionamento, manutenção, armazenamento ou proliferação de armas biológicas, armas químicas ou armas radioactivas ou susceptíveis de explosão nuclear, ou para o desenvolvimento, produção, manutenção ou armazenamento de engenhos susceptíveis de transportar essas armas, é punido com pena de prisão de 2 a 5 anos;
c) Arma das classes B, B1, C e D, espingarda ou carabina facilmente desmontável em componentes de reduzida dimensão com vista à sua dissimulação, espingarda não modificada de cano de alma lisa inferior a 46 cm, arma de fogo dissimulada sob a forma de outro objecto, ou arma de fogo transformada ou modificada, é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias;
d) Arma da classe E, arma branca dissimulada sob a forma de outro objecto, faca de abertura automática, estilete, faca de borboleta, faca de arremesso, estrela de lançar, boxers, outras armas brancas ou engenhos ou instrumentos sem aplicação definida que possam ser usados como arma de agressão e o seu portador não justifique a sua posse, aerossóis de defesa não constantes da alínea a) do nº 7 artigo 3º, armas lançadoras de gases, bastão eléctrico, armas eléctricas não constantes da alínea b) do nº 7 do artigo 3º, quaisquer engenhos ou instrumentos construídos exclusivamente com o fim de serem utilizados como arma de agressão, silenciador, partes essenciais da arma de fogo, munições, bem como munições com os respectivos projécteis expansivos, perfurantes, explosivos ou incendiários, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 360 dias.
2 - A detenção de arma não registada ou manifestada, quando obrigatório, constitui, para efeitos do número anterior, detenção de arma fora das condições legais.
Por sua vez, a Lei nº 59/2007, de 4.9, apenas alterou o art. 95º e revogou o art. 96º, ambos da Lei nº 5/2006.
Depois, a Lei nº 17/2009, de 6.5, alterou o artigo 2º, nº 1, passando a anterior alínea z) a corresponder à alínea ac).
Por seu turno, o artigo 86.º (Detenção de arma proibida e crime cometido com arma) foi objecto da seguinte alteração:
1 - Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, importar, transferir, guardar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação, transferência ou exportação, usar ou trouxer consigo:
a) Equipamentos, meios militares e material de guerra, arma biológica, arma química, arma radioactiva ou susceptível de explosão nuclear, arma de fogo automática, explosivo civil, engenho explosivo ou incendiário improvisado é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos;
b) Produtos ou substâncias que se destinem ou possam destinar, total ou parcialmente, a serem utilizados para o desenvolvimento, produção, manuseamento, accionamento, manutenção, armazenamento ou proliferação de armas biológicas, armas químicas ou armas radioactivas ou susceptíveis de explosão nuclear, ou para o desenvolvimento, produção, manutenção ou armazenamento de engenhos susceptíveis de transportar essas armas, é punido com pena de prisão de 2 a 5 anos;
c) Arma das classes B, B1, C e D, espingarda ou carabina facilmente desmontável em componentes de reduzida dimensão com vista à sua dissimulação, espingarda não modificada de cano de alma lisa inferior a 46 cm, arma de fogo dissimulada sob a forma de outro objecto, ou arma de fogo transformada ou modificada, é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos ou com pena de multa até 600 dias;
d) Arma da classe E, arma branca dissimulada sob a forma de outro objecto, faca de abertura automática, estilete, faca de borboleta, faca de arremesso, estrela de lançar, boxers, outras armas brancas ou engenhos ou instrumentos sem aplicação definida que possam ser usados como arma de agressão e o seu portador não justifique a sua posse, aerossóis de defesa não constantes da alínea a) do n.º 7 do artigo 3.º, armas lançadoras de gases, bastão, bastão extensível, bastão eléctrico, armas eléctricas não constantes da alínea b) do n.º 7 do artigo 3.º, quaisquer engenhos ou instrumentos construídos exclusivamente com o fim de serem utilizados como arma de agressão, silenciador, partes essenciais da arma de fogo, munições, bem como munições com os respectivos projécteis expansivos, perfurantes, explosivos ou incendiários, é punido com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias.
2 - . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
3 - As penas aplicáveis a crimes cometidos com arma são agravadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo, excepto se o porte ou uso de arma for elemento do respectivo tipo de crime ou a lei já previr agravação mais elevada para o crime, em função do uso ou porte de arma.
4 - Para os efeitos previstos no número anterior, considera-se que o crime é cometido com arma quando qualquer comparticipante traga, no momento do crime, arma aparente ou oculta prevista nas alíneas a) a d) do n.º 1, mesmo que se encontre autorizado ou dentro das condições legais ou prescrições da autoridade competente.
5 - Em caso algum pode ser excedido o limite máximo de 25 anos da pena de prisão.
Posteriormente, a Lei nº 26/2010, de 30.8 (que alterou o CPP) revogou o art. 95º-A da Lei nº 5/2006.
Finalmente, a Lei nº 12/2011, de 27.4 (Cria um procedimento único de formação e de exame para a obtenção simultânea da carta de caçador e da licença de uso e porte de arma para o exercício da actividade venatória, procedendo à quarta alteração à Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, que aprova o novo regime jurídico das armas e suas munições), manteve a redacção do art. 2º, nº 1, al. ac), mas voltou a alterar o citado artigo 86º, nos seguintes moldes:
[...]
1 - . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
a) Equipamentos, meios militares e material de guerra, arma biológica, arma química, arma radioactiva ou susceptível de explosão nuclear, arma de fogo automática, arma longa semiautomática com a configuração de arma automática para uso militar ou das forças de segurança, explosivo civil, engenho explosivo ou incendiário improvisado é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos;
b) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
c) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
d) Arma da classe E, arma branca dissimulada sob a forma de outro objecto, faca de abertura automática, estilete, faca de borboleta, faca de arremesso, estrela de lançar, boxers, outras armas brancas ou engenhos ou instrumentos sem aplicação definida que possam ser usados como arma de agressão e o seu portador não justifique a sua posse, aerossóis de defesa não constantes da alínea a) do n.º 7 do artigo 3.º, armas lançadoras de gases, bastão, bastão extensível, bastão eléctrico, armas eléctricas não constantes da alínea b) do n.º 7 do artigo 3.º, quaisquer engenhos ou instrumentos construídos exclusivamente com o fim de serem utilizados como arma de agressão, silenciador, partes essenciais da arma de fogo, bem como munições de armas de fogo independentemente do tipo de projéctil utilizado, é punido com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias.
2 - . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
3 - . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
4 - . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
5 - . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Transcritas as normas essenciais pertinentes, vejamos se existe ou não o invocado erro de direito.
Argumenta o recorrente que o urânio 235 apreendido, apesar de ser uma substância radioactiva, não é explosiva, acrescentando que só quando é manipulada fisicamente ou quando é conjugada com outras substâncias é que poderá ser configurada como “arma radioactiva” ou ser susceptível de produzir explosão nuclear.
No entanto não lhe assiste razão, quando argumenta dessa forma.
O raciocínio que o recorrente faz esquece a ratio da incriminação (seja a prevista à data dos factos no Código Penal, seja a prevista na lei das armas) e a sua natureza de crime de perigo abstracto.
Tratando-se de crime de perigo abstracto a consumação não depende da verificação de um dano ou lesão concreta ou efectiva, antes estando em causa a potencialidade da conduta típica colocar em perigo (abstracto) o bem jurídico protegido.
Como diz, Jorge de Figueiredo Dias, «o perigo não constitui ele próprio elemento do tipo mas “motivo da proibição”»[6].
Quando alguém adquire e detém, por exemplo, uma pistola proibida não precisa de a ter nas suas mãos ou de estar a carregar no gatilho, para se considerar consumado e verificado o crime de “detenção de arma proibida”.
Ou seja, a descrição dos factos pertinentes integradores do tipo legal em causa não exige que, por exemplo, seja relatada a forma como aquela pistola proibida terá de ser manejada para disparar ou a forma como é carregada com munições.
Quando a lei, na versão vigente à data dos factos (art. 275º, nº 2, do CP), refere “substância capaz de produzir explosão nuclear”, o que interessa é a capacidade de determinada substância ser susceptível (de por si ou manipulada de forma adequada) produzir explosão nuclear.
Obviamente que tudo dependerá do tipo e natureza da substância ou produto em causa (que normalmente tem sempre de ser manipulada de uma forma ou outra, quanto mais não seja, na última fase, carregando no respectivo botão) para se aferir se a mesma é “capaz de produzir explosão nuclear”.
Portanto, é através das características e natureza da substância em causa (e não pela forma como a mesma terá de ser manipulada) que se determina a sua capacidade de produzir explosão nuclear.
Como se trata aqui de crime de perigo abstracto, não se pode confundir essa capacidade ou susceptibilidade de determinada substância produzir explosão nuclear, com a exigência da existência de um perigo concreto ou de um dano directo para o bem jurídico protegido, o qual se reconduz à necessidade de “segurança da comunidade face aos riscos (em última instância para bens jurídicos individuais) da livre circulação e detenção de armas proibidas, engenhos e matérias explosivas.”[7]
Ora, o recorrente, com a sua argumentação (sustentando que o urânio tem de ser manipulado fisicamente ou misturado com outras substâncias para ser considerado “arma radioactiva” ou susceptível de produzir explosão nuclear), esquece o que consta dos factos dados como provados.
O que está nos factos dados como provados (e decorre particularmente do seu ponto 55), é que o arguido com a sua descrita actuação “adquiriu e deteve urânio 235, enriquecido, fora das condições legais e em contrário às normas legais, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei e que tal substância era capaz de produzir explosão nuclear.”
Portanto, o que foi dado como provado não significava que o Tribunal tivesse entendido que aquela substância por si só, de forma espontânea (sem ser manipulada ou sem ser combinada com outras substâncias ou sem qualquer tipo de intervenção), era explosiva ou produzia explosão nuclear (se assim fosse aquela substância ou produto nem sequer tinha chegado a ser apreendida porque teria antes explodido).
Pelo contrário, o que se escreveu no sentido de “que tal substância era capaz de produzir explosão nuclear” comportava ou incluía, naturalmente (como é lógico), a necessidade da respectiva manipulação do urânio apreendido ou da sua combinação com outras substâncias (o que mostrava a sua idoneidade para produzir explosão nuclear), o que é do conhecimento comum.
Por isso, os factos dados como provados não careciam de maior concretização (não era necessário acrescentar, por exemplo, que aquela substância tinha que ser manipulada ou misturada com esta ou aquela substância, nem tão pouco indicar a concreta “formula” para se alcançar a dita explosão nuclear), sendo possível através deles concluir que se verificava o tipo legal indicado pela 1ª instância.
Aliás, leia-se integralmente o relatório pericial do Comissariado para a Energia Atómica, realizado em 26.9.2001 (fls. 1626 a 1653 do 7º volume) para melhor se compreender o tipo de substância em causa (relatório esse que é fiável ao contrário de outras fontes, designadamente colhidas na Internet, tantas vezes por quem não é perito na matéria e, por isso, não consegue controlar até que ponto a informação obtida é verdadeira e tem o rigor científico necessário).
Retirando apenas alguns extractos daquele relatório pericial do Comissariado para a Energia Atómica, verifica-se que se tratava de urânio (sob a forma de óxido) muito enriquecido (portanto que sofreu uma fase de enriquecimento), particularmente puro, revelando na análise isotópica, a presença de urânio 236 e de urânio 232 (que não existem no urânio natural), sendo certo que estes isótopos apenas podiam ter sido criados por irradiação num reactor nuclear, que a forte taxa de urânio 236 (12,1%) constitui indício de uma irradiação muito forte e, a nível das análises das impurezas, os valores das concentrações encontradas indicam que a operação de reprocessamento foi efectuada por profissionais que dominam bem os procedimentos e as tecnologias respectivas (o que significa que o processamento foi efectuado em fábrica de reprocessamento ou laboratório de pesquisa de procedimentos e reprocessamento), há 6 ou 7 anos, com origem na Rússia.
Esclarece-se no mesmo relatório que aquela amostra de urânio (atenta a sua quantidade), para o potencial comprador, podiam prever-se dois tipos de utilização: o fabrico de uma arma nuclear (sendo primeiro necessário converter o óxido de urânio em urânio metal, e ter no mínimo 40 a 50kg após essa transformação, o que sempre exigia domínio de procedimentos, de tecnologias e de segurança nas respectivas operações, mesmo tratando-se de arma nuclear artesanal) e o fabrico de um engenho de dispersão da matéria de tipo terrorista (que feito com quantidade do tipo da amostra apreendida teria, considerando as suas características radioactivas, consequências negligenciáveis do ponto de vista radiológico).
Acrescenta-se, mais à frente, que o período radioactivo dos isótopos de urânio (isótopo 238, isótopo 235 e isótopo 234) é muito longo, de alguns milhares até alguns milhões de anos, sendo apenas o isótopo 235 matéria cindível.
Ora, sendo o urânio 235 em questão uma substância radioactiva e sabendo o arguido (como qualquer cidadão médio) que a mesma substância era capaz de produzir explosão nuclear (exigindo, para o efeito, como é lógico e óbvio para qualquer pessoa, a respectiva manipulação e domínio de procedimentos e técnicas por profissionais em locais adequados), não há dúvidas que, no regime vigente à data dos factos (Junho 2001), a conduta apurada integrava a prática, em co-autoria, de um crime de substâncias explosivas ou análogas e armas p. e p. no art. 275º, nº 2, do Código Penal[8], na versão então vigente (integrando hoje a prática de um crime de detenção de arma proibida p. e p. no art. 86º, nº 1, al. a), da Lei das Armas).
Não há, por isso, qualquer erro de direito a nível do enquadramento jurídico-penal dessa conduta do arguido (sendo certo que os factos dados como provados não permitiam integrar a conduta do arguido apenas no art. 275º, nº 1, do CP, nem na alínea b) do nº 1 do art. 86º da Lei das Armas, como pretendia o recorrente), improcedendo a argumentação do recorrente.
b) Crime de participação económica em negócio
Invoca, ainda o recorrente, que as relações comerciais havidas entre a J… e a AB… e a J… e a Z… não integram o crime de participação económica em negócio pelo qual foi condenado (art. 377º, nº 1, do CP), por não constituírem negócios lesivos dos interesses da J… e por não se ter provado que o arguido agiu com dolo.
Porém, não lhe assiste razão.
Dispõe o artigo 377.º (Participação económica em negócio) do Código Penal
1 - O funcionário que, com intenção de obter, para si ou para terceiro, participação económica ilícita, lesar em negócio jurídico os interesses patrimoniais que, no todo ou em parte, lhe cumpre, em razão da sua função, administrar, fiscalizar, defender ou realizar, é punido com pena de prisão até 5 anos.
2 - O funcionário que, por qualquer forma, receber, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial por efeito de acto jurídico-civil relativo a interesses de que tinha, por força das suas funções, no momento do acto, total ou parcialmente, a disposição, administração ou fiscalização, ainda que sem os lesar, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 60 dias.
3 - A pena prevista no número anterior é também aplicável ao funcionário que receber, para si ou para terceiro, por qualquer forma, vantagem patrimonial por efeito de cobrança, arrecadação, liquidação ou pagamento que, por força das suas funções, total ou parcialmente, esteja encarregado de ordenar ou fazer, posto que não se verifique prejuízo para a Fazenda Pública ou para os interesses que lhe estão confiados.
O bem jurídico protegido nesta incriminação é a integridade no exercício de funções de funcionários, o que exige um desempenho funcional de acordo com a legalidade, orientado para a satisfação dos interesses públicos que foram confiados ao agente em função das suas atribuições legais. Procura-se evitar qualquer “«desvio» no exercício dos poderes conferidos pela titularidade do cargo”[9], precisamente para que não sejam usados ou manipulados pelo agente na satisfação de interesses privados, quer revertam em seu benefício ou de terceiro.
Porque a satisfação de interesses públicos (ainda que com reflexos patrimoniais), pode também interferir com a realização de interesses privados (quando a relação negocial, seja onerosa ou gratuita, se estabelece com particulares ou com pessoas colectivas de direito privado) é necessário garantir o adequado (legal, objectivo, imparcial e transparente) e sério (integro, fiel e honesto) exercício de funções e, portanto, evitar “qualquer utilização indevida das faculdades inerentes ao cargo para fins que, não só se encontram fora das respectivas atribuições legais, mas sobretudo assumem natureza particular ou privada” [10] do agente ou de terceiros.
O tipo objectivo previsto no nº 1 do artigo 377º do CPP pune a conduta do funcionário que lesar em negócio jurídico os interesses patrimoniais que (no todo ou em parte) lhe cumpra, em razão das suas funções, administrar, fiscalizar ou realizar.
Sujeito activo, nessa modalidade da acção, é o funcionário a quem compete, em razão das suas funções, administrar, fiscalizar, defender ou realizar os interesses patrimoniais que são lesados em negócio jurídico.
Na modalidade prevista no nº 1 do artigo 377º do CP o agente pode não chegar a alcançar a “participação económica ilícita” (bastando aquela específica intenção).
Precisamente porque nessa hipótese descrita no nº 1 o funcionário interfere a nível do próprio conteúdo do negócio jurídico em causa, lesando interesses patrimoniais que lhe foram confiados, é que se compreende que a tutela penal se antecipe para o momento da lesão desses mesmos interesses e, portanto, para momento anterior ao do possível recebimento da participação económica ilícita (sendo suficiente a intenção de a obter para si ou para outrem).
Na modalidade da acção aqui em causa (prevista no artigo 377º, nº 1, do CP) é indiferente que a pretendida participação económica ilícita reverta para o agente ou para terceiro (a referência a “terceiro” não abrange o recebimento para o Estado), uma vez que o que é determinante para a criminalização da conduta é a efectiva lesão dos interesses patrimoniais que ao agente cumpra, em razão das suas funções, administrar, fiscalizar, defender ou realizar.
O crime consuma-se no caso do nº 1 do artigo 377º do CP quando o agente lesa os interesses patrimoniais que lhe foram confiados (apesar de poder não chegar a alcançar a participação económica, bastando essa intenção específica).
O tipo subjectivo preenche-se, neste mesmo caso, com o dolo do agente/funcionário, dolo em qualquer das suas modalidades, a que acresce o elemento subjectivo específico (ou adicional) relativo à intenção de obter, para si ou para terceiro, participação económica ilícita”.
Posto isto e passando a analisar os factos dados como provados temos de concluir que se mostram preenchidos todos os pressupostos do crime pelo qual o arguido foi condenado.
Saliente-se, em primeiro lugar, que perante o circunstancialismo fáctico apurado, o arguido, enquanto Presidente de Direcção da IPSS em questão (J…, que era uma IPSS, sem fins lucrativos, que tinha adquirido automaticamente a natureza de pessoa colectiva de utilidade pública – conforme a legislação aplicável, v.g. DL nº 119/83, de 25.2 e respectivas alterações), entre 20.12.1999 e 27.7.2002, tinha a qualidade de funcionário para efeitos da lei penal, nos termos do art. 386º, nº 1, alínea c), do CP, na versão então vigente[11] (qualificação essa de funcionário que se mantém apesar das posteriores alterações a essa mesma norma penal, estando hoje prevista na alínea d) do nº 1 do mesmo artigo 386º do CP).
Ora, dos factos dados como provados, resulta (como já decorre do acima exposto) que, por um lado o arguido, enquanto Presidente da direcção da J1… (sendo funcionário para efeitos da lei penal) interferiu na celebração dos negócios jurídicos em causa (viabilizando as referidas relações comerciais que se estabeleceram entre aquela IPSS e as sociedades que geria e das quais era sócio “AB…” e “Z…”), lesando interesses patrimoniais (titulados por aquela IPSS) que lhe foram confiados (quando, enquanto Presidente da J1…, foi pagando a facturação apresentada pela AB… e pela Z…, que geria e das quais era sócio) e, por outro lado, agiu com intenção de obter para si ou para outrem participação económica ilícita.
Foi precisamente, com intenção de obter, para si ou para terceiro, participação económica ilícita que o arguido actuou, quando “desviou” os poderes que lhe advinham do cargo que desempenhava na J1…, viabilizando aqueles negócios jurídicos (subjacentes à referida facturação apresentada pela AB… e pela Z…, que a dita IPSS foi pagando no referido período de tempo), assim satisfazendo interesses privados (da AB… e da Z…, que geria e das quais era sócio, vivendo economicamente aquelas sociedades privadas praticamente à custa da J…, dada a dependência quase total que se estabeleceu nas relações comerciais que perduraram no referido período de tempo entre 2000 e 2002), lesando os interesses patrimoniais da J…, que lhe haviam sido confiados, deixando de actuar de acordo com a legalidade no desempenho do cargo que lhe fora confiado (o que também decorre da ausência de qualquer referência a tais negócios jurídicos, v.g. nas actas de reunião da direcção da J1… nos anos de 2000 a 2002).
Estão, pois, preenchidos os tipos objectivo e subjectivo do crime de participação económica em negócio (art. 377º, nº 1, do CP) pelo qual foi condenado.
Improcede, assim, a argumentação do recorrente, sendo certo que a construção jurídica que faz (de forma genérica e abstracta, partindo de alguns pressupostos errados) não encontra apoio nos factos dados como provados.
Em conclusão: no que se refere à impugnação do acórdão em apreço, improcede o recurso, sendo certo que não foram violadas as disposições legais citadas pelo recorrente.
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III- DISPOSITIVO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em:
a)- negar provimento aos recursos retidos interpostos pelo arguido B… relativamente aos despachos proferidos em 3.11.2010 e em 8.11.2010;
b) - conceder parcial provimento aos recursos retidos, interpostos pelo mesmo arguido, relativamente aos despachos proferidos em 14.12.2010 e em 17.1.2011, revogando tais decisões apenas no que se refere à condenação em custas (uma vez que não são devidas);
c) - negar provimento ao recurso do acórdão, igualmente interposto pelo mesmo arguido, confirmando-se essa decisão impugnada.
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Pelo decaimento vai o recorrente condenado em custas, fixando-se a taxa de justiça em 5 UCs.
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(Processado em computador e revisto pela 1ª signatária. O verso das folhas encontra-se em branco – art. 94º, nº 2, do CPP)
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Porto, 11/01/2012
Maria do Carmo Saraiva de Menezes da Silva Dias
José Alberto Vaz Carreto
José Manuel Baião Papão
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[1] Segundo consta do respectivo suporte informático, prontamente facultado a este Tribunal, embora se tenham retirado negritos e sublinhados e alterado formatação.
[2] Nos termos do art. 380º, nº 1, al. b), e nº 2, do CPP corrige-se o manifesto lapso de escrita quanto ao ano que é de 2000 e não 2001 de constituição da sociedade designada Z…, como de resto resulta da fundamentação de facto do mesmo acórdão.
[3] Ver, entre outros, Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, Parte Geral, II, Teoria do Crime, Lisboa: Verbo, 2005, pp. 289 e 290, Günther Jakobs, Derecho Penal. Parte General. Fundamentos y Teoria de la Imputación (trad. cast., por Joaquin Cuello Contreras e José Luis S. González de Murillo, da 2ª ed.-1991 de Strafrecht. Allgemeiner Teil. Die Grundlagen und die Zurechnungslehre), 2ª ed. corrigida, Madrid: Marcial Pons, 1997, p. 745, Hans-Heinrich Jescheck, Tratado de Derecho Penal. Parte General (trad. cast., por José Luis Manzanares Samaniego, da 4ª ed. – 1988 de Lehrbuch des Strafrechts. Allgemeiner Teil), 4ª ed. corrigida e ampliada, Granada: editorial Comares, 1993, p. 614 e Claus Roxin, Autoria y Dominio del Hecho en Derecho Penal (trad. cast., por Joaquin Cuello Contreras e José Luis S. González de Murillo, da 6ª ed.-1994, de Täterschaft und Tatherrschaft), Madrid: Marcial Pons, 1998, p. 307.
[4] Neste sentido, entre outros, Ac. do STJ de 6/10/2004, proferido no processo nº 1875/04, relatado por Henriques Gaspar, consultado no mesmo site do ITIJ.
[5] Assim, anotação de Jorge de Figueiredo Dias e Susana Aires de Sousa, “T.R.P., Acórdão de 24/11/2004 (Autoria mediata do crime de condução ilegal de veículo automóvel)”, in RLJ ano 135º (Março-Abril de 2006), nº 3937, p. 255.
[6] Também José Faria Costa, O Perigo Em Direito Penal (Contributo para a sua Fundamentação e Compreensão Dogmáticas), Coimbra, Coimbra Editora, 1992, pp. 620-621, recorda que «os crimes de perigo concreto representam a figura de um ilícito-típico em que o perigo é, justamente, elemento desse mesmo ilícito-típico, enquanto nos crimes de perigo abstracto o perigo não é elemento do tipo, mas tão só motivação do legislador».
[7] Paula Ribeiro Faria, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, p. 891.
[8] Como esclarece Paula Ribeiro Faria, op. cit., p. 897, “O nº 2 do art. 275º abrange o mesmo tipo de condutas [referidas no seu nº 1] quando em causa estiver engenho ou substância capaz de produzir explosão nuclear.”
[9] Jorge de Figueiredo Dias, “Algumas notas sobre o crime de participação económica de funcionário em negócio ilícito, previsto pelo artigo 427º, nº 1, do Código Penal”, in RLJ ano 121º, 1 de Abril de 1989, p. 380.
[10] Jorge de Figueiredo Dias, op. cit., pp.380 e 381.
[11] J. M. Damião da Cunha, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo III, p. 815, referindo que os “Organismos de utilidade pública podem ser, além do mais, as instituições particulares de solidariedade social”, não obstante se ter voltado a debruçar sobre o tema no livro O Conceito de Funcionário para Efeito de Lei Penal e a Privatização da Administração Pública, Coimbra Editora, 2008.