Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
409/08.1TTSTS-A.P1
Nº Convencional: JTRP00043783
Relator: MACHADO DA SILVA
Descritores: SANÇÃO DISCIPLINAR
PRAZO DE IMPUGNAÇÃO
Nº do Documento: RP20100412409/08.1TTSTS-A.P1
Data do Acordão: 04/12/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: PROVIDA PARCIALMENTE.
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO SOCIAL - LIVRO 100 - FLS. 332.
Área Temática: .
Sumário: I- O prazo para impugnar qualquer sanção disciplinar imposta ao trabalhador no decurso da relação laboral é de um ano a contar da data da cessação do contrato de trabalho, com excepção da sanção de despedimento.
II- Com base na factualidade assente, estando ainda vigente a relação laboral, não caducou o direito à impugnação judicial da sanção disciplinar aplicada.
III- Sendo controvertida, no momento do saneador, a realização de procedimento prévio de inquérito, conforme alegado pela empregadora, não podia ser julgada, de imediato, improcedente a prescrição do procedimento disciplinar, fundamentada na sua existência e necessidade.
IV- As regras de procedimento indicadas nos arts. 414º, nº 3, e 415º, nº 4, do CT, previstas apenas para o despedimento por facto imputável ao trabalhador, não se aplicam em sede de procedimento pelas demais sanções disciplinares.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Reg. nº 1419.
Proc. nº 409/08.1TTSTS.
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

1. B……………. intentou a presente acção, com processo comum, contra C……………., SA, pedindo se declarem ilícitas e abusivas as sanções disciplinares aplicadas pela Ré – a 1ª, de suspensão de trabalho por cinco dias úteis, com perda de retribuição e antiguidade, aplicada no processo disciplinar de 01/06/2007, e a 2ª, de suspensão de trabalho por vinte dias úteis com perda de retribuição e antiguidade, aplicada no processo disciplinar de 27/11/2007 – e o pagamento das seguintes quantias:
- € 325,70 e € 1.250,97, referentes às retribuições perdidas por motivo das decisões ilícitas e abusivas nos processos disciplinares instaurados em 01/06/2007 e 27/11/2007;
- indemnizações de € 3.257,00 e € 12.509,70 correspondente a 10 vezes a retribuição perdida pelo autor;
- tudo, acrescido dos juros vencidos e vincendos, à taxa legal, sobre as importâncias devidas, desde a data dos respectivos vencimentos até efectiva e integral pagamento.
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A Ré contestou, excepcionando a prescrição do direito do A. impugnar a 1ª sanção disciplinar aplicada.
Para tanto refere que, tendo o castigo – cinco dias de suspensão do trabalho, com perda de retribuição – sido aplicado por decisão de 26/06/2007 e cumprido nos dias 02 a 07 de Julho desse ano, e devendo a sua impugnação ser no prazo de um ano a contar da comunicação da sua aplicação, há muito prescreveu o direito do A.
Conclui, por isso, que se verifica a excepção peremptória de prescrição do direito do Autor em impugnar a sanção aplicada no primeiro processo disciplinar, P. D. nº 1/2007, pelo que requer a absolvição parcial do pedido nos termos do disposto no artigo 493º, nº 3 do CPC.
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Na resposta à contestação, o A. sustentou o indeferimento da excepção de prescrição, fundamentando-se no disposto no artigo 381º, nº 1 do Código do Trabalho, que determina que o prazo de um ano apenas se inicia no dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, para além de, no caso, se tratar de sanção ilícita e abusiva, pelo que o prazo sempre poderia chegar aos cinco anos (cf. fls. 134 verso a 136).
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Findos os articulados, foi proferido o saneador, julgando procedente a invocada excepção peremptória de caducidade do direito do Autor impugnar a sanção disciplinar que lhe foi aplicada em 26/06/2007, no P.D. nº 1/2007, assim absolvendo a Ré do pedido consistente no decretamento e reconhecimento de tal sanção como ilícita e abusiva, bem como dos pedidos de condenação no pagamento da quantia de 325,70 € – alínea c) – e da indemnização de 3.257,00 € – alínea d).
Mais julgou improcedentes as nulidades invocadas pelo A., no tocante ao processo disciplinar nº 2/2007.
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Inconformado com esta decisão, dela recorreu o A., formulando as seguintes conclusões:
A) Vem o presente recurso de apelação interposto do despacho saneador na parte em que julgou procedente a excepção peremptória de caducidade do direito do ora recorrente impugnar a sanção disciplinar aplicada em 26/06/2007 e julgou improcedentes a excepção peremptória de caducidade do exercício da acção disciplinar pela recorrida e a nulidade do mesmo procedimento disciplinar por fazer, no seu entender, uma descrição genérica e abstracta dos factos descritos na nota de culpa e decisão final;
B) Afigura-se que o acórdão recorrido, ao decidir como decidiu, não fez correcta apreciação da prova documental, nem interpretou e aplicou correctamente os preceitos legais atinentes.
C) No despacho saneador que ora se recorre, entendeu o M.mo Juiz julgar provada e procedente a excepção peremptória de caducidade do direito do Autor impugnar a sanção disciplinar que lhe foi aplicada no P.D. nº 1/2007", absolvendo, assim, a recorrida desse pedido;
D) Para tal, fundamentou, em síntese, que as sanções disciplinares laborais, distintas do despedimento, devem ser impugnadas judicialmente no prazo de um ano a contar da data da sua comunicação ao infractor, por aplicação do art. 435º, nº 2, do Código do Trabalho aplicável – Lei 99/2003, de 27/08;
E) Salvo o devido respeito por melhor opinião, afigura-se que tal decisão não fez correcta interpretação e aplicação nas normas legais atinentes.
F) Nos termos do art. 381º, nº 1, do Código do Trabalho aplicável resulta que o legislador impôs o prazo de um ano a contar da data da cessação do contrato de trabalho para o trabalhador reclamar os respectivos créditos laborais e naturalmente impugnar as sanções disciplinares, como é o caso do recorrente nestes autos;
G) A este respeito sufraga-se inteiramente o douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, com o n.º 0242109, de 15-12-2003, acessível no site www.dgsi.pt, no qual, pronunciando exactamente sobre esta questão, refere que "(...) tratando-se de direito de crédito, a figura que cabe ao caso é a da prescrição (do direito de crédito) e não a da caducidade (do direito da acção), regulando a matéria o art. 38° do regime jurídico do contrato individual de trabalho, aprovado pelo Dec. Lei 49 408, de 1969-11-24.";
H) Saliente-se que o actual art. 381º, nº 1, da Lei 99/2003, de 27/08 tem exactamente a mesma redacção que o art. 38°, nº 1, do supra cit Dec. Lei (LCT), mantendo-se, assim, perfeitamente válidos fundamentos invocados no citado Acórdão;
I) Atendendo que o contrato de trabalho celebrado entre a recorrida e o recorrente se mantém, resulta que o prazo de prescrição não se iniciou;
J) Acresce que o argumento de que se estaria perante um prazo de caducidade e não de prescrição, para assim aplicar analogicamente o art. 435°, nº 2, do Cód. Trabalho, ressalvando sempre o devido respeito, é contraditório;
K) Nos termos do art. 381°, nº 2, do Cód. Trabalho permite-se que os créditos devidos por aplicação de sanções abusivas vencidos há mais de cinco anos possam ser provados por documento idóneo;
L) Dos autos resulta que o recorrente também qualifica a sanção disciplinar de abusiva;
M) Ora, no entendimento perfilhado pelo M.mo Juiz a quo, tal normativo seria absolutamente inaplicável, atendendo que se estaria a vedar a possibilidade de o trabalhador reclamar os créditos há mais de um ano!!!, nomeadamente os aplicados em consequência de sanção abusiva;
N) No sentido propugnado pela recorrente, além do douto acórdão já identificado no al. G) supra, importa realçar, a título de exemplo, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (que se pronuncia ao abrigo da Lei 99/2003, de 27/08), com o nº de processo 1954/05.6TTLSB-4, de 22/04/2009 e o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, com o nº 4037/2004-4, de 09-12-2004, ambos acessíveis no site www.dgsi.pt;
O) Mas mesmo que ainda assim não se entendesse – o que não se concede e que apenas por mero raciocínio teórico se formula – nunca poderia o Tribunal a quo oficiosamente pronunciar-se sobre a "caducidade" do direito do autor impugnar a sanção disciplinar que lhe foi aplicada;
P) O recorrido, nos arts. 23º a 33° da contestação apenas invoca o decurso do prazo prescricional do recorrente para impugnar a sanção e não a caducidade do respectivo direito;
Q) Ora, tal caducidade não é do conhecimento oficioso, atendendo que é estabelecida em matéria da disponibilidade das partes, motivo pelo qual não poderia o Tribunal a quo se pronunciar;
R) Mas mesmo que se entendesse ser aplicável para a impugnação das sanções disciplinares distintas do despedimento o prazo previsto no art. 435°, nº 2 do Cód. Trabalho – o que continua a não se conceder – sempre tal interpretação seria clamorosamente inconstitucional por violação expressa dos princípios da legalidade, do acesso ao direito e aos tribunais previsto no art. 20°, do direito à segurança no emprego, previsto no art. 53° e do direito à liberdade sindical, previsto no art. 55°, n.º 6, todos da Constituição da República Portuguesa;
S) Deve, assim, ser julgada improcedente quer a excepção de prescrição invocada pelo recorrido, quer a excepção de caducidade do direito a impugnar a sanção disciplinar em causa decidida no despacho saneador;
T) No despacho saneador entendeu, ainda, o M.mo Juiz a quo julgar improcedente a excepção peremptória de caducidade do exercício da acção disciplinar pelo recorrido.
U) Fundamentou, em síntese, que não tinha sido esgotado o prazo legal de 30 ou 60 dias, como entendeu que entre a prática dos factos e a abertura do inquérito e entre a data do despacho que ordena que se lavre nota de culpa – 09/11/2007 (cf. fls. 38 do apenso) – e a data desta (27/11/2007) não excederam trinta dias;
V) Afigura-se, também neste caso, que tal decisão não fez correcta apreciação dos factos constantes dos autos, do que se encontra articulado na acção e na resposta à contestação, nem interpretou e aplicou correctamente os textos legais atinentes;
W) Conforme resulta dos autos, o recorrente alegou na petição inicial que o procedimento disciplinar apenas foi instaurado no dia 27/11/2007, através da nota de culpa;
X) Todos os documentos que compõem o processo disciplinar em causa foram devidamente impugnados pelo recorrente na resposta à contestação, nomeadamente no art. 48° a 50°;
Y) Não poderia, assim, o tribunal sustentar a sua decisão em factos que são controvertidos, como é do caso da data de instauração do procedimento disciplinar;
Z) Acresce que, a instauração do procedimento prévio de inquérito, só por si, não interrompe o prazo de caducidade, uma vez que ter sido alegado pelo recorrido que tal procedimento seria necessário para fundamentar a nota de culpa, conforme dispõe o art. 412° do Cód. Trabalho;
AA) Acresce que, do próprio teor da nota de culpa não são invocados factos ao recorrente cuja complexidade necessitasse de qualquer processo prévio de inquérito;
AB) Assim, o prazo de caducidade previsto no art. 372° do Cód. trabalho só se interrompe com a comunicação da nota de culpa, conforme determina o nº 4 do art. 411º do C. T;
AC) Acresce que, nos termos da clª 74ª, nº 3, Convenção Colectiva de Trabalho aplicável às relações de trabalho entre o recorrente e a recorrida e identificado no ponto 39 supra dispõe que a acção disciplinar só poderá exercer-se nos trinta dias seguintes àquele em que a entidade empregadora teve conhecimento;
AD) Atendendo, como se alegou, que a recorrente teve conhecimento em 18/09/2007 e que o processo disciplinar iniciou-se com a elaboração da nota de culpa, em 27/11/2007, do qual este apenas foi notificado em data posterior a esta data, resulta claramente que caducidade do exercício da acção disciplinar pela recorrida;
AE) Mas mesmo que assim não se entenda, o que não se concede, atendendo que tais factos, nomeadamente a data de instauração do processo disciplinar alegado pela recorrida foi devidamente impugnado, sempre deveria o M.mo Juiz a quo relegar para final a decisão sobre a excepção invocada e a verificação dos seus fundamentos;
AF) No despacho saneador foi também julgado improcedente a nulidade invocada por falta de cumprimento pela recorrida dos procedimentos para a instauração do procedimento disciplinar ao recorrente;
AG) Para tanto, em súmula, tal decisão sustenta-se que o regime previsto nos arts. 411° e ss do Cód. Trabalho apenas se aplica aos processos disciplinares para aplicação da sanção de despedimento por motivo imputável ao trabalhador;
AH) Mais uma vez entende o recorrente que o M.mo Juiz a quo não fez correcta interpretação e aplicação das normas legais atinentes;
AI) A tramitação seguida para o procedimento disciplinar, deverá sempre seguir a prevista no art. 411° e ss do Código do Trabalho;
AJ) Atendendo que o recorrente à data dos factos era dirigente sindical e, também, delegado sindical, deveria a recorrida ter enviado cópia do procedimento disciplinar e da decisão final á associação sindical que aquele representa (STIENC), o que a recorrida não o fez;
AK) A falta do envio da cópia do procedimento disciplinar ao Sindicato respectivo para a elaboração do respectivo parecer e a falta da comunicação a este sindicato da decisão disciplinar, implica a omissão, pela recorrida, dos procedimentos indispensáveis para a validade do procedimento disciplinar, o que torna nulo o respectivo procedimento e, consequentemente, ilícita a aplicação da sanção disciplinar de vinte dias de suspensão aplicada ao recorrente;
AL) Por último, entendeu o M.mo Juiz a quo julgar improcedente a nulidade do procedimento disciplinar com o nº 2/2007, por entender, em súmula, que a recorrida cumpre com a exigência da descrição circunstanciada dos factos;
AM) Entende o recorrente que também nesta situação, o M.mo Juiz não fez uma correcta interpretação e aplicação das normas legais vigentes.
AN) Do teor da nota de culpa e da decisão final resulta que a recorrida limita-se a imputar ao recorrente prejuízos, nomeadamente por quebra de produção e atenção na execução do trabalho;
AO) Resulta, assim, que a recorrida não quantificou os prejuízos alegados, o que implica que decisão do procedimento disciplinar carece de fundamento ou, no mínimo, está deficientemente fundamentada, o que implica a nulidade do processo disciplinar, nos termos das als. a) e c) do art. 430° do Cód. Trabalho;
AP) Assim, afigura-se-nos não ter sido acertada a decisão vertida na decisão recorrida por não fazer correcta apreciação dos factos constantes dos autos, por não interpretar nem aplicar os preceitos legais atinentes, nomeadamente do que se encontra articulado na acção e na resposta à contestação, nem interpretou e aplicou correctamente os textos legais atinentes, nomeadamente os arts. 372º, 381º, nºs 1 e 2, 411º, nº 4, 412º, 430º, al. a) e c), 435°, nº 2, todos da Lei 99/2003, de 27/08, 33º, nº 2 e 303º, ambos do Código Civil, clª 74ª, nº 3, da Convenção colectiva de trabalho identificada no ponto 39 supra, art. 20º, 53º e 55º, todos da Constituição da República Portuguesa;
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Contra-alegou a Ré, pedindo a confirmação do decidido.
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Nesta Relação, o Ex.mo Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu o seu douto parecer no sentido do não provimento do recurso, ao qual respondeu o A.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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2. Factos provados (na 1ª instância):
a) A partir de 23/10/1995 o A. tem exercido a funções correspondentes à sua categoria de operador especializado de 1ª sob as ordens e direcção da Ré, mediante retribuição.
b) Em 16/05/2007, a Ré instaurou um processo disciplinar ao A. por factos ocorridos no dia 15/05/2007, tendo-o castigado, em 26/06/2007, com cinco dias de suspensão do trabalho, com perda de retribuição, a cumprir nos dias 2 a 7 de Julho desse ano (cf. fls. 1 a 18 do processo disciplinar apenso).
c) A decisão que o condenou naquele sanção disciplinar foi-lhe comunicada por carta registada com A/R de 26/06/2007, recebida pelo Autor no dia seguinte (cf. fls. 20 e 21 do processo disciplinar apenso).
d) A presente acção foi instaurada em 13/11/2008 (cf. carimbo de entrada aposto a fls. 1).
e) O A. ainda continua a prestar a sua actividade laboral para a Ré.
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A matéria de facto supra transcrita não foi impugnada pelas partes nem enferma dos vícios previstos no art. 712º do CPC, pelo que se aceita e mantém.
Adita-se, no entanto, sob a alínea f), por provada documentalmente, o teor da nota de culpa deduzida contra o A., relativa ao processo disciplinar nº 2/2007:
«1- O Arguido faz parte dos Quadros de Pessoal, da Empresa, com contrato de trabalho definitivo, tendo sido admitido a 23 de Outubro de 1995.
2- O Arguido exerce a sua actividade profissional no sector de Cableamento, tendo distribuída a máquina CB02 para efectuar a Manutenção 1° nível.
3- O Arguido é Delegado Sindical do Sindicato dos Trabalhadores da Industrias Eléctricas do Norte e Centro (STIENC). Este Sindicato tem 2 Trabalhadores inscritos (sendo um deles o aqui Arguido), tendo a "C…………." um quadro de Pessoal de 173 Trabalhadores.
4- No dia 18 de Setembro foi entregue ao Participante uma carta, datada de 13 de Setembro de 2007, em papel timbrado (fls. 3, dos autos), com o seguinte cabeçalho: "CS DA C1…………"; por baixo, "Comissão Sindical da Empresa C………., S. A.". A carta estava impressa em papel com a marca do Sindicato e de unia Confederação Sindical.
5- A referida carta assinada como "A Comissão Sindical" e, por baixo, a assinatura completa do Arguido.
6- Acompanhava esta corta uma, dita, "CONVOCATÓRIA", de um "plenário descentralizado", a realizar na Empresa a 9 de Outubro de 2007, também no mesmo tipo de papel, da "Comissão Sindical"; e, assinada pelo Arguido, assinatura completa (fls. 4).
7- Na carta identificada no n° 5, e para dar credibilidade à mesma, o Arguido fez consignar que iriam participar no Plenário, dito descentralizado, ".... Os dirigentes sindicais, D……….. e E…………..".
8- O Arguido afixou em variados locais da Empresa a "Convocatória" identificada no n° 6. E, vários exemplares da mesma apareceram espalhados por todo o sector fabril.
9- Em face desta situação, a Administração da "C1………." escreveu a 1 de Outubro de 2007 uma carta ao Arguido, que este recebeu a 4 de Outubro de 2007, solicitando ao mesmo que,
- "Retirasse dos locais onde foi afixada a referida "convocatória"; e,
- "Com o pedido de desculpas, dar sem efeito a carta que dirigiu à "Gerência" desta Empresa.".
10- O Arguido não cumpriu nenhuma destas ordens, veiculada pela referida carta, e que foi entregue às 17H00; e, assinada pela Administração.
11- Nesse mesmo dia 4 de Outubro, entre as 21H30 e as 22H00, o Arguido plantou-se no hall de entrada, em frente ao Posto Médico, entregando aos Trabalhadores que saiam ou entravam, um papel, impresso, com o mesmo cabeçalho dos documentos referidos no n°4 e 6, dito, AOS TRABALHADORES DA C1…………, incitando a não faltar, "Participa no Plenário", proveniente de "A Comissão Sindical", mas que o Arguido, desta vez, não assina (fls. 6).
12- Nesse mesmo dia 4 de Outubro, eram 14H25, o Arguido entrou no gabinete do Chefe de Secção, Sr. Rui Oliveira e 56, sem pedir autorização, e quando este estava a trabalhar com outro Chefe de Secção, Sr. F………….. Interrompendo o trabalho de ambos, entregou à primeira Chefia um exemplar do documento identificado no número anterior.
13- Desagradado por ser interrompido quando trabalhava, o Chefe, Sr. G…………., disse ao Arguido: "Atenção que não podes exercer a actividade sindical durante o teu horário de trabalho.". De imediato o Arguido "... num tom alto, que não é muito normal nele", respondeu: "Não fales que estás a falar decore". E,
14- Porque o Sr. G………… lhe tivesse repetido a advertência indicada, o Arguido dirigiu-se ao local onde estão os impressos de "Comunicação de Ausência", que começou a preencher; e, no mesmo tom de voz, disse: "Se houver algum problema, a Administração que venho falar comigo ou então abro um processo disciplinar e, já agora, logo tenho de sair mais cedo meia hora.".
15- Depois de preencher o impresso, foi colocar o mesmo em cima da secretária do Sr. G…………, sem dizer mais nada, e saiu. Pegando no impresso, o Sr. G…………. constatou que a "Comunicação" não está datada nem assinada pelo Arguido. Além disso, não tem qualquer referência a saiu mais cedo, meia hora.
16- O horário de trabalho do Arguido, nesse dia 4 de Outubro, era das 14H00 às 22H00. Na "Comunicação" referida no número anterior foi preenchida às 14H30 desse dia 4 de Outubro.
17- No dia 8 de Outubro, a Empresa recebeu uma carta (fls. 10), em papel timbrado do Sindicato (STIENC), assinada pelo Arguido (assinatura completa), a que foi oposto um carimbo a óleos do mesmo Sindicato, e onde o Arguido se identifica como "O Delegado Sindical". Contém afirmações falsas.
18- Nesse mesmo dia, em período não referenciado, o Arguido retirou todos os documentos afixados em vários locais, ditos, "CONVOCATÓRIA" (n°8 deste acusatório).
19- Em sua substituição o Arguido afixou fotocópias da carta datada de 8 de Outubro, e que tinha dirigido à Administração.
20- No dia 9 de Outubro não se realizou qualquer Plenário na Empresa. Não compareceu qualquer Dirigente Sindical.
21- Na Empresa, "C1…………", a cujo quadro de Pessoal pertence o Arguido, nunca existiu qualquer Comissão Sindical, eleita, e de que o Arguido fizesse parte.
22- O Arguido, reiteradamente, exerce actividade sindical junto dos seus Colegas, e junto dos seus postos de trabalho, durante as horas normais de trabalho, distraindo-os das suas tarefas, sem estar autorizado ou dar prévio conhecimento.
23- A actuação do Arguido tem provocado o desagrado de vários Trabalhadores: tanto dos Trabalhadores filiados no seu próprio Sindicato – dos 5 que estavam filiados 3 já desistiram e outro assinou uma declaração de adesão ao CCT do Material Eléctrico e Electrónico em detrimento do CCT assinado pelo seu próprio Sindicato –; como dos trabalhadores filiados num outro Sindicato; como, ainda, em trabalhadores sem qualquer filiação, temendo as Chefias que se venham a produzir tumultos.
24- É opinião generalizada que a actuação incontrolada do Arguido visa, exclusivamente, a sua visibilidade junto do Sindicato, STIENC, a cuja ascensão nos quadros directivos aspira, e de que dá publico conhecimento.
25- A actuação descrita do Arguido tem provocado todo o tipo de prejuízos à Empresa, desde a falta de assiduidade do mesmo junto do seu posto de trabalho; interferência junto de outros Trabalhadores, durante as horas normais de trabalho, provocando a sua paralisação temporária; a criação de um mal-estar em relação ao seu próprio Sindicato.
Os graves actos de indisciplina acima descritos, que se imputam ao Arguido, desde logo, arrogar-se membro e chefia de uma "Comissão Sindical da Empresa C…………., S. A.", tendo actuado reiteradamente, dentro e fora da Empresa, como representante dessa estrutura sindical, inexistente. Depois,
O arguido violou, com aquela falsa qualidade, os deveres profissionais de respeitar e tratar com urbanidade, a própria organização empresarial, "C1…………", de que é trabalhador; violou o dever de realizar com zelo e diligencia a sua actividade profissional; recusou-se a cumprir ordens e instruções do empregador no que respeita à execução e disciplina no trabalho; não actuou com lealdade em relação á sua Empregadora, na qual representa um Sindicato; actuou deliberadamente de má fé, junto dos seus Colegas de trabalho, arrogando-se qualificação sindical que não tem, e para a qual nunca foi eleito; reiteradamente, com o seu posto de trabalho, não executou todos os actos tendentes à melhoria da Empresa; procurou destruir, em proveito próprio, o bom-nome e o respeito devido c uma Organização Sindical. Todos os deveres profissionais violados têm reconhecimento legal, nomeadamente nas alíneas a), c), d), e) e g), do n° 1, art. 121, do Código do Trabalho.
Contra o Arguido militam as agravantes do mau comportamento anterior, recente, - Proc. nº 1/2007 - com vontade determinada e pela conduta seguida arrogando-se falsa qualidade, ter procurado causar prejuízos à Empresa; a produção efectiva desses prejuízos (mau ambiente laboral; descrédito da organização sindical; quebra de produção e atenção na execução do trabalho); a premeditação (criação de impresso próprio; invocação ilegítima de Dirigentes Sindicais); a acumulação de infracções; o mau exemplo».
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3. Do mérito.
As questões suscitadas pelo recorrente são as seguintes:
- Prescrição do direito de impugnação da 1ª sanção disciplinar;
- Nulidade do processo disciplinar nº 2/2007.
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3.1. Prescrição do direito de impugnação da sanção disciplinar.
Na decisão recorrida, a M.ma Juíza “a quo” julgou procedente a excepção peremptória de caducidade do direito do Autor impugnar a sanção disciplinar que lhe foi aplicada em 26/06/2007, no proc. disc. nº 1/2007, assim absolvendo a Ré do pedido de reconhecimento de tal sanção como ilícita e abusiva, bem como dos inerentes pedidos de pagamento da quantia de € 325,70 – alínea c) – e da indemnização de € 3.257,00 – alínea d).
Para tanto, a sua fundamentação tem o seguinte teor:
«Na presente acção, o Autor pede que se reconheça a sanção aplicada de suspensão da prestação de trabalho de cinco dias com desconto do vencimento, em que foi condenado no primeiro processo disciplinar.
Por sua vez, a Ré invocou a prescrição do direito do Autor impugnar essa sanção, alegando que a presente acção foi intentada passado mais de um ano após a comunicação da respectiva decisão.
Nesta acção, no que respeita ao primeiro processo disciplinar, o A. pede:
1. que se reconheça que a sanção de suspensão de trabalho por cinco dias úteis com perda de retribuição seja declarada ilícita e abusiva e que a Ré a tal seja condenada;
2. que a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de 325,70 €, referente aos salários perdidos;
3. que a Ré seja condenada a pagar-lhe a indemnização de 3.257,00 €, correspondente a 10 vezes a retribuição perdida.
Daqui se infere que o Autor não está, simplesmente, a reclamar o pagamento de um direito de crédito. Está antes a impugnar a sanção aplicada, que implica um pedido de declaração de ilicitude e com carácter abusivo da sanção de suspensão da prestação de trabalho de cinco dias com desconto de vencimento.
Face à posição assumida pela Ré na contestação, o autor não contesta as datas em causa, mas defende que não é aplicável o prazo de prescrição de um ano a sanções disciplinares que não ponham termo em definitivo às relações de trabalho e que o prazo de um ano só começa a correr após a cessação do contrato de trabalho. Refere ainda que, tratando-se de sanção abusiva, não ocorre qualquer prescrição de um ano a contar da data da aplicação da sanção, atendendo a que o próprio legislador admite a impugnação de tal sanção e a reclamação do respectivo crédito vencido há mais de 5 anos.
Vejamos:
A questão ora em análise tem-se revelado controversa, havendo divergências sobre ela tanto na doutrina, como na jurisprudência.
Assim, ainda no âmbito do artigo 38º do DL nº 49.408 de 24 de Novembro de 1969 (Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho), PEDRO ROMANO MARTINEZ sustentava que o prazo para impugnação judicial de sanção disciplinar era de um ano após a data da cessação do contrato individual de trabalho, independentemente da data em que o trabalhador teve conhecimento da sanção, socorrendo-se, para o efeito, da prescrição contida no artigo 38º, nº 1 da LCT (Direito do Trabalho, 1ª Edição, pág. 508).
MOTA VEIGA, por sua vez, entendia que esse prazo era de três meses após a aplicação da sanção, invocando, nesse sentido, o artigo 31º, nº 3 da LCT, de acordo com a qual a execução da sanção disciplinar só podia ocorrer nos três meses subsequentes à decisão, sob pena de perder validade (cf. Lições de Direito do Trabalho, 8ª Edição, 2000, Universidade Lusíada, pág. 345). Esta tese foi acompanhada pela Relação do Porto, em Acórdão de 26/06/1989 (BMJ nº 388, pág. 602).
Ainda na vigência da antiga LCT, a jurisprudência do STJ ia no sentido de que o prazo em causa era de uma ano após a comunicação da sanção mesmo que o contrato de trabalho não tivesse cessado (cf. Acórdãos do STJ de 13/05/1998, in CJ, 1998, II, 278, e de 04/07/1990, in Act. Jur., 102, 112, pág. 30). Recentemente, também a Relação de Lisboa seguiu aquela orientação do STJ nos Acórdãos de 23/02/2005 (proc. nº 9991/2004-1) e de 05/05/2002 (proc. nº 1602/2005-4), ambos publicados in www.dgsi.pt/jtrl.
Esta orientação jurisprudencial recebeu o aplauso de ALBINO MENDES BAPTISTA, in Jurisprudência de Trabalho Anotada, 3ª Edição, Quid luris, págs. 268 e 269.
No último Acórdão em que teve de apreciar esta questão – de 29/11/2005 (publicado in www.dgsi.pt/jstj) –, o STJ decidiu que "as sanções disciplinares laborais, distintas do despedimento, na vigência da LCT, devem ser judicialmente impugnadas no prazo de um ano a contar da data da sua comunicação ao infractor, sob pena de caducidade desse direito, incluindo o(s) afectado(s) pela própria sanção, como sucede com a perda de retribuição resultante da suspensão do trabalho".
Com a aprovação do Código do Trabalho, pela Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto, o prazo para impugnação da sanção de despedimento (artigo 435º, nº 2) ganhou autonomia em relação ao prazo de prescrição de créditos, estabelecido no artigo 381º. Aquele aparece agora, claramente, configurado como um prazo de caducidade, quando antes, na legislação que o precedeu, surgia como um prazo que merecia dúvidas se se tratava de prescrição ou de caducidade, face ao disposto no artigo 38º, nº 1 da LCT. É de caducidade porque se trata de um direito que deve ser exercido através de uma acção judicial, a intentar dentro de determinado prazo.
Ora, "a autonomização do prazo de caducidade (da impugnação da sanção de despedimento) do prazo de prescrição (dos créditos) torna agora claro que o primeiro não depende do segundo, mesmo nos casos em que a sanção corresponde a uma cessação do contrato. Por maioria de razão, parece agora não fazer sentido que sanção diversa menos gravosa tivesse um prazo de impugnação possível superior a um ano" – cf. sentença proferida no proc. nº 638/06.2TTCBR.C1, do 2º Juízo do Tribunal do Trabalho de Coimbra.
Com efeito, se o prazo de impugnação de uma sanção menos grave pudesse ser superior ao prazo previsto para uma sanção mais grave, teríamos na ordem jurídica uma incompreensível desarmonia, a evitar com recurso às regras de interpretação consagradas no artigo 9º do Código Civil.
Uma vez que se trata de um prazo de caducidade e não de prescrição, como referimos, cai por terra a argumentação do Autor de que não ocorre qualquer prescrição de um ano a contar da data da aplicação da sanção, atendendo a que o próprio legislador admite a impugnação de tal sanção e a reclamação do respectivo crédito vencidos há mais de 5 anos.
Na verdade, o nº 2 do artigo 381º do Código de Trabalho apenas estabelece um regime especial de prova para os créditos vencidos há mais de cinco anos.
Face às razões expostas, concordamos com o entendimento do Acórdão do STJ, de 29/11/2005, supra citado, segundo o qual as sanções disciplinares laborais, distintas do despedimento, devem ser impugnadas judicialmente no prazo de um ano a contar da data da sua comunicação ao infractor.
No caso dos autos, verifica-se que, apesar de o Autor ter sido notificado da decisão que lhe aplicou a sanção de suspensão por cinco dias com perda de vencimento em 27/06/2007, apenas intentou a presente acção em 13/11/2008, portanto, muito para além do prazo legal de caducidade legalmente previsto».
Não podemos concordar com este entendimento, confirmado pelo acórdão do STJ, de 22.10.2008, in www.dgsi.pt.
A esse propósito, e em sentido contrário, temos de referir o acórdão desta Relação, de 15.12.2003, in www.dgsi.pt, nele tendo intervindo os mesmos juízes do presente acórdão (tendo sido relator o ora 2º adjunto), onde, ainda no domínio da LCT, se sustentava o entendimento de que «tratando-se de direito de crédito, a figura que cabe ao caso é a da prescrição [do direito de crédito] e não a da caducidade [do direito de acção], regulando a matéria o art. 38.º do regime jurídico do contrato individual do trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49.408, de 1969-11-24. E, segundo tal disposição o prazo aplicável é de um ano, mas com início no dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho e não com início na data em que a sanção é aplicada. Tal regime explica-se pela circunstância de que, só depois de cessado o contrato, o trabalhador readquire a liberdade psicológica que a subordinação económica e jurídica que o contrato supõe, lhe havia temporariamente retirado».
Reexaminada a questão, agora em sede do regime do actual CT, continuamos a perfilhar essa posição, que se nos afigura conforme ao regime legal.
No mesmo sentido, o acórdão da Relação de Lisboa, de 22.04.2009, in www.dgsi.pt, em que se defendeu que o prazo para impugnar judicialmente uma sanção disciplinar, com excepção da sanção de despedimento, se conta a partir da cessação do contrato de trabalho.
E pela justeza das considerações aí feitas, permitimo-nos transcrever a parte da fundamentação pertinente do mencionado acórdão, com o seguinte teor:
«Tal como refere o autor, o Código do Trabalho não estabelece expressamente qualquer prazo de caducidade para os trabalhadores impugnarem sanções disciplinares, com excepção da sanção de despedimento, no seu art. 435°.
Nos termos do art. 381.º n.º 1 do Código do Trabalho (CT) “todos os créditos resultantes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação extinguem-se por prescrição, decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho…” (sublinhado nosso).
Atendendo a este normativo somos levados a concluir que o legislador permite que se accione a entidade empregadora, por qualquer crédito, até decorrido um ano a partir do dia seguinte à cessação do contrato de trabalho.
Se o legislador estabeleceu que o prazo de prescrição de todos os créditos, se inicia a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, não se entende como pode o intérprete optar por essa contagem da prescrição apenas em relação a alguns créditos.
E a fixação do início do prazo para a contagem da prescrição só a partir da cessação do contrato de trabalho tem a sua justificação: “ultrapassar a real dificuldade que assiste ao trabalhador em accionar o empregador na pendência do contrato de trabalho” (Maria do Rosário Palma Ramalho in Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, pág. 581.
No mesmo sentido se pronuncia Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 2.ª Edição, pág. 770, ao afirmar que (referindo-se à fixação do início do prazo de prescrição só a partir da cessação do contrato de trabalho), é “justificada pelo facto de, na pendência da relação laboral, o trabalhador poder encontrar-se constrangido a intentar uma acção judicial contra o empregador”.(…) a prescrição não corre durante a vigência do contrato de trabalho. Trata-se, no fundo, de uma suspensão da prescrição, tal como vem prevista no art. 318.º, alínea e), do CC, apresentada com outras vestes jurídicas”.
Maria do Rosário Palma Ramalho in obra e página citada, refere, ainda, sobre a mesma questão: “Para compensação da maior facilidade de reclamação dos créditos, em que esta regra se traduz (na medida em que defere para mais tarde a possibilidade de reclamar os créditos), o prazo de prescrição é, todavia, mais curto do que os prazos previstos pela lei civil”.
Ora se o legislador pretendeu que a prescrição dos créditos não corresse no decurso do contrato de trabalho porque o trabalhador se pode encontrar constrangido a intentar uma acção judicial contra o empregador, porque razão haveria de “retirar” o direito de propor a acção para efectivar o direito a esses créditos?
A indicação de que o legislador não pretendeu que corresse qualquer prazo de prescrição ou caducidade dos direitos dos trabalhadores durante a relação laboral vem logo no n.º 2 do mencionado art. 381.º do CT.
Assim, o n.º 2 do referido art. 381.º determina que os créditos devidos, por exemplo, por aplicação de sanções abusivas e vencidos há mais de cinco anos só possam ser provados por documento idóneo.
Da leitura deste normativo resulta, quanto a nós claramente, que o legislador previu que o trabalhador intentasse a acção contra a sua entidade patronal muito para além do prazo de um ano da aplicação da sanção, estabelecendo, nesse caso que, se os créditos proviessem de sanções abusivas aplicadas há mais de cinco anos, esses créditos só poderiam ser provados por documento idóneo.
É que iniciando-se a contagem do prazo de um ano para impugnar a sanção logo após o conhecimento da mesma como se decidiu no despacho saneador, não descortinamos qual a aplicabilidade prática da norma constante do n.º 2 do art. 381.º ao estipular um prazo de cinco anos para a prova, por “documento idóneo”, dos créditos por aplicação de sanções abusivas.
O prazo para impugnar qualquer sanção imposta ao trabalhador no decurso da relação laboral é, assim e segundo o entendemos, de um ano a contar da data da cessação do contrato de trabalho».
Acrescentaremos ainda que o citado acórdão do STJ, de 22.10.2008, foi objecto de um comentário crítico do Prof. Leal Amado, in Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 138, nº 3954, citado na resposta do recorrente ao parecer do Mº Pº, no qual sustenta também que «as mesmas razões que explicam a suspensão do curso da prescrição dos créditos durante a vigência da relação laboral legitimam, analogicamente, uma regra segundo a qual a faculdade de impugnar judicialmente uma qualquer sanção disciplinar não pode desaparecer enquanto se mantiver em vigor a relação de poder em que a relação de trabalho, afinal sempre se analisa».
Transpondo agora esta posição para o caso dos autos:
Com base na factualidade assente, estando vigente a relação laboral, é de concluir que, contrariamente à sentença recorrida, não caducou o direito à impugnação judicial da sanção objecto do processo disciplinar nº 1/2007.
Procedem, pois, nesta parte, as conclusões do recurso.
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3.2. Nulidade do processo disciplinar nº 2/2007.
Duas questões integram este tema:
- prescrição do procedimento disciplinar;
- omissão de procedimentos e nota de culpa genérica;
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3.2.1. Prescrição do procedimento disciplinar.
A decisão recorrida, nesta parte, tem a seguinte fundamentação:
«Alega o Autor na petição que se verifica caducidade do exercício pela Ré da acção disciplinar, que implica a invalidade da sanção disciplinar que lhe foi aplicada, dado que, sendo os factos reportados a 18/09/2007, teve deles conhecimento imediato.
Cumpre, pois, apreciar e decidir.
Ora, no que respeita à prescrição do exercício da acção disciplinar, rege o artigo 372º do Código do Trabalho.
Segundo o referido preceito, o procedimento disciplinar deverá ter início nos sessenta dias subsequentes àquele em que o empregador teve conhecimento da infracção (artigo 372º, nº 1) e da identidade do infractor. Mas sendo o facto ilícito continuado, este prazo só se inicia quando termina a infracção. Independentemente do conhecimento, a infracção disciplinar prescreve decorrido um ano a contar do momento da prática do facto ilícito, salvo se os factos constituírem igualmente crime, caso em que são aplicáveis os prazos da prescrição penal (artigo 372º, nº 2).
Há que atender, pois, a dois prazos distintos: um de sessenta dias e outro de um ano. Os mencionados prazos interrompem-se com a comunicação da nota de culpa (artigo 411º, nº 4 do Código do Trabalho) e com a instauração do procedimento prévio de inquérito (artigo 412º do Código do Trabalho).
No caso, apenas está em causa o primeiro daqueles prazos.
Ora, parece assente que em 15/10/2007 com a autuação da participação de 12 de Outubro de 2007 e início do procedimento prévio de inquérito, se interrompeu aquele prazo prescricional, iniciado em 18/09/2007 (cf. datas que constam do"termo de abertura" da participação que integram o processo disciplinar nº 2/2007, apenso aos presentes autos).
Por isso, nessa data ainda nem sequer se tinha esgotado o prazo legal, fosse de 30 ou de 60 dias. Acresce que, como decorre do processo disciplinar apenso, entre a prática dos factos ou parte deles e a abertura do inquérito não mediaram 30 dias, sendo certo que também entre a data do despacho que ordena que se lavre nota de culpa – 09/11/2007 (cf. fls. 38 do apenso) – e a data desta (27/11/2007) não ocorreram mais de 30 dias.
Ora, parece-nos que o inquérito prévio foi iniciado e conduzido de forma diligente, estando assim cumprida a norma do artigo 412º do Código do Trabalho.
Em face do exposto, não se verifica a arguida excepção peremptória de prescrição (e não de caducidade)».
Fundamentou, em síntese, que não tinha sido esgotado o prazo legal de 30 ou 60 dias, como entendeu que entre a prática dos factos e a abertura do inquérito e entre a data do despacho que ordena que se lavre nota de culpa – 09/11/2007 (cf. fls. 38 do apenso) – e a data desta (27/11/2007) não excederam trinta dias.
Afigura-se, no entanto, que tal decisão não fez correcta apreciação dos factos constantes dos autos, do que se encontra articulado na acção e na resposta à contestação.
Conforme resulta dos autos, o recorrente alegou, na petição inicial, que o procedimento disciplinar apenas foi instaurado no dia 27/11/2007, através da nota de culpa.
Todos os documentos que compõem o processo disciplinar em causa foram devidamente impugnados pelo recorrente na resposta à contestação, nomeadamente nos arts. 48º a 50º.
Não poderia, assim, o tribunal sustentar a sua decisão em factos que são controvertidos, como é o caso da data de instauração do procedimento disciplinar.
Acresce que a instauração do procedimento prévio de inquérito, só por si, não interrompe o prazo de caducidade, uma vez que foi alegado pelo recorrente que tal procedimento não seria necessário para fundamentar a nota de culpa, conforme dispõe o art. 412º do CT.
Ou seja:
Na decisão recorrida são omitidos os factos relevantes à decisão desta questão, nomeadamente a data do conhecimentos dos factos pela Ré e a instauração do procedimento prévio de inquérito, certamente por o M.mo Juiz os ter considerado controvertidos, sendo que, contraditoriamente, veio a julgar procedente a excepção de prescrição do procedimento disciplinar, com base em simples conjecturas, quando refere «parece assente que em 15/10/2007 com a autuação da participação de 12 de Outubro de 2007 e início do procedimento prévio de inquérito».
Entendemos, assim, que esta excepção não podia ser julgada procedente, nos termos em que o foi, por ausência de elementos factuais seguros, impondo-se o prosseguimento dos autos para a sua apreciação.
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3.2.2. Omissão de procedimentos e nota de culpa genérica.
No despacho saneador foi também julgada improcedente a nulidade invocada por falta de cumprimento pela recorrida dos procedimentos para a instauração do procedimento disciplinar ao recorrente, e por a nota de culpa ser genérica.
Sustenta o recorrente que a tramitação seguida para o procedimento disciplinar, deverá sempre seguir a prevista no art. 411º e ss do CT e, atendendo que o recorrente, à data dos factos, era dirigente sindical e, também, delegado sindical, deveria a recorrida ter enviado cópia do procedimento disciplinar e da decisão final à associação sindical que aquele representa (STIENC), o que não sucedeu.
Por outro lado, sustenta que a nota de culpa é genérica.
A decisão recorrida, nesta parte, tem a seguinte fundamentação:
«No que respeita à segunda das invocadas nulidades, cumpre dizer desde já que assiste razão à Ré quando refere que os preceitos em causa apenas se aplicam, caso se trate de processo disciplinar que vise o despedimento do trabalhador.
Com efeito, o Código do Trabalho de 2003 prevê dois tipos de processo disciplinar – designados pelo termo "procedimentos" – consoante a sanção que o empregador pretenda aplicar:
- o processo disciplinar comum, previsto para a aplicação das sanções conservatórias e regulado no artigo 371º e ss; e
- o processo disciplinar para aplicação da sanção de despedimento por motivo imputável ao trabalhador, regulado nos artigos 411º e ss..
Estas duas modalidades de processo disciplinar distinguem-se pelo tipo de sanção em causa, mas também por alguns aspectos regimentais. Com efeito uma apreciação comparada dos artigos 371º e 411º e ss do Código do Trabalho de 2003, permite concluir que o processo para despedimento é mais moroso, é mais exigente do ponto de vista dos requisitos de qualificação da infracção disciplinar e oferece mais garantias de defesa do trabalhador. Estas garantias evidenciam-se na necessidade de emissão de uma nota de culpa, na exigência de forma escrita e de comunicação das várias fases do processo às estruturas sindicais e à comissão de trabalhadores, e na necessidade de fundamentação escrita da decisão de despedimento.
As maiores exigências do processo de despedimento encontram a sua justificação no facto de estar em causa a aplicação da sanção disciplinar mais grave, que poderá pôr fim ao vínculo contratual (cf. MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, Direito do Trabalho, Parte II - Situações Laborais Individuais, Almedina, 2006, pág. 641 e ss.).
Por essa razão, a obrigação de, finda a fase instrutória do processo disciplinar, este ser enviado, por cópia integral, à comissão de trabalhadores e, se o trabalhador for representante sindical, à associação respectiva, apenas se impõe nos processos disciplinares para aplicação de sanção de despedimento por motivo imputável ao trabalhador.
Do mesmo modo, a obrigação de enviar, por cópia ou transcrição, a decisão fundamentada, à comissão de trabalhadores e, no caso de o trabalhador ser representante sindical, à respectiva associação sindical, apenas está prevista nestes processos disciplinares, conforme se infere do artigo 415º, nº 4 do Código do Trabalho de 2003.
Conclui-se, assim, pela não verificação da segunda das apontadas nulidades.
Resta, por fim, apreciar a terceira e última das invocadas nulidades – de a generalidade das circunstâncias descritas na nota de culpa e imputadas ao autor não se encontrarem suficientemente identificadas e concretizadas, constituindo meros juízos de valor sobre factos não descriminados –, importa ter presente que o processo disciplinar, depois de uma instrução, continuará com a fase da acusação, durante a qual é elaborada "nota de culpa," que se traduz num documento onde é feita uma "descrição circunstanciada dos factos imputáveis ao trabalhador".
Não basta uma indicação genérica e imprecisa do comportamento imputado ao trabalhador, sendo necessário indicar em concreto quais os factos em que esse comportamento se traduziu, bem como as circunstâncias de tempo e lugar em que tais factos ocorreram (cf. HENRIQUE SALINAS, Algumas questões sobre as nulidades do processo disciplinar, RDES, 1992, nºs 1-2-3, p. 55).
No caso em apreço o autor alega que, para além de a Ré não indicar em concreto as circunstâncias de tempo e de lugar em que os factos ocorreram, limita-se a imputar-lhe o facto de lhe provocar prejuízos, nomeadamente, pela quebra de produção e atenção na execução do trabalho.
Mas, analisando a nota de culpa, verificamos que a Ré imputa ao autor factos praticados no dia 18/09/2007, 04/10/2007 e 08/10/2007, em vários locais das instalações industriais da Ré.
Para além disso, refere que o ora autor tem desempenhado a sua actividade sindical durante as horas normais de trabalho, distraindo os colegas do desempenho das suas tarefas e que a sua actuação na empresa tem provocado desagrado a vários trabalhadores da Ré. Refere-se aí, por último, que a actuação do arguido tem provocado prejuízos à empresa da Ré, nomeadamente, por falta de assiduidade do próprio autor, por interferência junto de outros trabalhadores durante as horas normais de trabalho, e devido ainda à criação de mal-estar em relação ao seu próprio sindicato.
Ora, com o devido respeito por opinião contrária, entendemos que os factos principais imputados na nota de culpa ao autor se encontram – na sua globalidade – suficientemente delimitados quanto ao tempo, modo e lugar.
Quanto aos alegados prejuízos da Ré decorrente da actuação do ora autor, consideram-se que estão suficientemente concretizados na nota de culpa e na decisão final, sendo certo, contudo, que não traduzem uma descrição circunstanciada rigorosa.
Quer isto dizer que os aludidos factos são suficientes para se dar por observada, na nota de culpa, a exigência de "descrição circunstanciada dos facto" feita no artigo 411º, nº 1, do Código do Trabalho de 2003. E, ainda que possa haver alguma omissão ou insuficiência quando à descrição dos factos, essa circunstância por si só não obsta à percepção daquilo de que, no essencial, está a ser acusado ora autor, conforme se alcança, aliás, da resposta deste, na qual revela perceber convenientemente as acusações feitas, tendo-as rebatido especificadamente, sendo certo que, para produzir nulidade ou invalidade, nos termos do artigo 430º, nº 2, alínea a) do Código de Trabalho de 2003, teriam de estar em causa omissões ou insuficiências notórias, essenciais ou insupríveis.
Nesta conformidade, julgo improcedente a invocada nulidade».
Concorda-se com esta fundamentação, por traduzir uma correcta aplicação do direito citado aos factos provados, dispensando quaisquer outras considerações.
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A decisão supra referida, no tocante aos processos disciplinares 1/2007 e 2/2007, implica o prosseguimento dos autos para apreciação das questões colocadas
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4. Atento o exposto, e decidindo:
Acorda-se em conceder parcial provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida, na parte em que julgou procedente a excepção peremptória de caducidade do direito do Autor impugnar a sanção disciplinar que lhe foi aplicada em 26/06/2007, no processo disciplinar nº 1/2007, e na parte em que julgou improcedente a excepção de prescrição do processo disciplinar 2/2007, assim ordenando o prosseguimento dos autos para apreciação das demais questões atinentes a essa sanção.
Custas por ambas as partes na proporção do seu decaimento.
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Porto, 12.04.10
José Carlos Dinis Machado da Silva
Maria Fernanda Pereira Soares
Manuel Joaquim Ferreira da Costa
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Reg. nº 1419.
Proc. nº 409/08.1.TTSTS.
Sumário elaborado pelo relator:

I- O prazo para impugnar qualquer sanção disciplinar imposta ao trabalhador no decurso da relação laboral é de um ano a contar da data da cessação do contrato de trabalho, com excepção da sanção de despedimento.
II- Com base na factualidade assente, estando ainda vigente a relação laboral, não caducou o direito à impugnação judicial da sanção disciplinar aplicada.
III- Sendo controvertida, no momento do saneador, a realização de procedimento prévio de inquérito, conforme alegado pela empregadora, não podia ser julgada, de imediato, improcedente a prescrição do procedimento disciplinar, fundamentada na sua existência e necessidade.
IV- As regras de procedimento indicadas nos arts. 414º, nº 3, e 415º, nº 4, do CT, previstas apenas para o despedimento por facto imputável ao trabalhador, não se aplicam em sede de procedimento pelas demais sanções disciplinares.