Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1417/11.0TTBRG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERREIRA DA COSTA
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL DO TRIBUNAL
SEGURADORA
DIREITO DE REGRESSO
Nº do Documento: RP201305061417/11.0TTBRG.P1
Data do Acordão: 05/06/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: SOCIAL - 4ª SECÇÃO.
Área Temática: .
Sumário: I – É pelo pedido – e pela causa de pedir – formulado pelo autor na petição inicial que se afere da competência do Tribunal, em razão da matéria.
II – Compete ao Tribunal de competência genérica ou ao juízo de competência cível específica, conforme os casos, conhecer da ação em que a seguradora, no exercício do seu direito de regresso, pede contra a tomadora do seguro de acidentes laborais e empregadora, a sua condenação no pagamento de quantia que a mais pagou a um sinistrado laboral em cumprimento de decisão do tribunal do trabalho, em razão de a segunda lhe ter comunicado o salário daquele sinistrado de quantitativo inferior ao que efetivamente lhe pagava.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
Reg. N.º 980
Proc. N.º 1417/11.0TTBRG.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

B….., S.A. deduziu em 2011-12-29 a presente ação declarativa, com processo comum, contra C….., Ld.ª, pedindo que se condene a R. a pagar ao A. a quantia de € 1.199,45 (mil cento e noventa e nove euros e quarenta e cinco cêntimos), acrescida de juros, à taxa legal, vencidos desde aquela data, sobre a importância de € 1.151,74 até integral pagamento.
Alegou a A., nomeadamente, que no dia 13 de junho de 2007, pelas 10h, em Espanha, quando D….., mediante a retribuição de € 472,50 x 14 meses, a que acrescia a quantia de € 6,00 x 22 dias x 11 meses a título de subsídio de alimentação e € 250,00 x 14 meses a título de outras retribuições, num total anual de € 11.567,00, trabalhava sob as ordens, direção e fiscalização da respetiva empregadora, a ora R., ao betonar uma placa, caiu ao solo, despenhando-se de uma altura de cerca de 6 metros, em consequência de cuja queda sofreu contusão do crânio e face e antebraço direito, com fratura do rebordo orbitário inferior esquerdo, céfalohematoma da região frontal esquerda, múltiplas feridas contusas, algumas com perda de substância na região orbitária e malar esquerda, contusão do punho direito com pequena fissura, além de escoriações por todo o corpo, tendo estado com incapacidade temporária até 10 de setembro de 2007, data em que lhe foi dada alta.
Mais alegou que, à data do sinistro, a R. tinha transferido para a ora A. parte da sua responsabilidade infortunística decorrente de acidentes de trabalho sofridos pelo seu referido trabalhador, contrato esse titulado pela apólice 1392774, mediante a retribuição de € 472,50 x 14 meses por ano de vencimento, acrescidos de € 6,00 x 22 dias x 11 meses de subsídio de alimentação.
Alegou ainda a A. que, como consequências direta e necessária do sinistro, o D....... foi sujeito a internamentos hospitalares, tratamentos médicos, fisiátricos e medicamentosos, cujo custo, que ascendeu a € 1.320,62, foi integralmente suportado pela ora demandante, bem como o custo de várias deslocações para se sujeitar a tratamentos, exames e consultas médicas e de refeições tomadas fora da sua residência, bem como o alojamento em pensões e residenciais, o que originou despesas no montante de € 821,30, que foram também suportadas pela A. Por último, referiu que em despesas judiciais e de gestão referentes ao aludido processo de reparação por acidente de trabalho, designadamente em taxas de justiça, preparos, custas e honorários de mandatário, honorários médicos e ainda despesas de averiguação indispensáveis à sua defesa, gastou a A. a quantia de € 1.664,23.
Daí que ela, segundo também alega, tenha peticionado a condenação da R. no pagamento da quantia de € 1.199,45, correspondente a 30,26% das despesas (médicas e medicamentosas, em transportes e judiciais) por si suportadas com a regularização do acidente dos autos.
Contestou a R., excecionando a incompetência do Tribunal do Trabalho em razão da matéria por entender que a competência pertence ao Tribunal Comum, uma vez que o objeto do dissídio não é o acidente de trabalho, mas uma relação jurídica conexa, cuja apreciação cabe a este.
Seguidamente, o Tribunal a quo proferiu a seguinte decisão:
“Na contestação veio a Ré deduzir a exceção dilatória de incompetência deste Tribunal de Trabalho em razão da matéria, alegando em síntese que não estamos perante uma questão de acidente de trabalho, mas sim de uma questão emergente de contrato de seguro, pelo que é materialmente competente o Tribunal Comum.
Cumpre apreciar a exceção dilatória invocada, dada a simplicidade da mesma e uma vez que os autos contêm todos os elementos necessários a uma decisão conscienciosa – artigo 61º do C.P.T.
Dispõe a alínea o) do artigo 85º da LOFTJ que “compete aos tribunais do trabalho conhecer, em matéria cível, das questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência, e o pedido se cumule com outro para o qual o tribunal seja diretamente competente”
Tal como acontece em relação a qualquer outro pressuposto processual, também a competência em razão da matéria deve ser determinada em face da relação jurídica processual tal como o autor a configura na petição inicial e mais propriamente em face da pretensão nela deduzida (v. por todos, MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, ed. de 1979, pág. 90, Acs. do STJ de 12.12.82 e 3.2.87 in BMJ 320/87 e 364/591).
A competência material do tribunal determina-se, pois, pelo pedido do autor, tendo em conta os termos em que a ação foi proposta.
É a estruturação da causa apresentada pela parte que recorre ao tribunal que fixa o único tema decisivo para efeitos de competência material. Dito de outro modo, a competência do tribunal afere-se pelo quid disputatum (quid decidendum, em antítese com aquilo que será mais tarde o quid decisum); é o que tradicionalmente se costuma exprimir dizendo que a competência se determina pelo pedido do autor.
Ora, o pedido formulado pela autora diz respeito ao montante que esta pagou a um trabalhador da ré (na sequência de um processo emergente de acidente de trabalho, que correu termos neste Tribunal) e que … considera ter sido pago em excesso, devendo ser reembolsada pela mesma ré à autora, em virtude de no contrato de seguro a ré não ter indicado o salário que o trabalhador efetivamente recebia.
A causa de pedir é, por um lado, o contrato de seguro celebrado, as condições da apólice e o montante que a autora pagou na sequência da ação que correu termos neste Tribunal e consequência do acidente de trabalho.
Só que a discussão do foro laboral já ocorreu na respetiva ação, sendo certo que não foi efetuado qualquer pedido na ação, com o qual o pedido agora formulado possa ser cumulado e que seja da competência direta do Tribunal do Trabalho.
O que está em causa na presente ação é, alegadamente, o direito ao reembolso da quantia paga pela autora e que, segundo a ré, esta é que a deve pagar, nos termos do disposto no artigo 37º, nº 3 da Lei nº 100/97, de 13 de setembro.
Assim sendo, a presente ação é da competência exclusiva do tribunal da comarca nos termos do disposto no artigo 77º, nº 1, alínea a) da LOFTJ, devendo a ação … aí prosseguir os seus trâmites normais.
Em síntese, dir-se-á que a competência do tribunal determina-se pelo pedido do autor, ou seja nos termos em que foi posta a ação, seja quanto aos elementos objetivos, seja quanto aos elementos subjetivos.
Pelo exposto, julgo procedente a exceção de incompetência absoluta deduzida e, consequentemente, declarando este Tribunal incompetente em razão da matéria, absolvo o Réu [a R.] da instância (artigos 101º a 105º, 493º nºs 1 e 2 e 494º alínea a) do CPC., ex vi artigo 1º, nº 2, alínea a) do CPT).
[Neste sentido, cfr. Acórdão da Relação de Guimarães de 27 de Fevereiro de 2012, (proc. nº 149/11.4TBAMRG.G1), cuja fundamentação se transcreve parcialmente.]
Custas do incidente a cargo da Autora, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC.”.
Inconformada com o assim decidido, veio a R. interpôr recurso de apelação, tendo formulado, a final, as seguintes conclusões:

I - Nos termos do art. 85.º, al. c), da LOFTJ, os Tribunais do Trabalho são competentes para conhecer, “das questões emergentes de acidente de trabalho e doenças profissionais”.
II - E a alínea o) do mesmo artigo determina a competência dos mesmos tribunais para conhecer “das questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência, e o pedido se cumule com outro para o qual o tribunal seja diretamente competente”.
III - Ora, aplicando o regime jurídico acabado de expor à situação em apreço, ou seja, considerando que a discussão entre as partes também está relacionada com matéria do foro laboral, julgamos ser o Tribunal do Trabalho de Braga o competente para conhecer do pedido.
IV - A A. pretende nesta ação obter o reembolso de quantias pagas não só ao sinistrado a título de reparação (despesas em transportes ou médicas), mas também a terceiros, designadamente a instituições hospitalares que assistiram o lesado pelo acidente de trabalho.
V - Ora, caso a A. não tivesse procedido ao pagamento da totalidade dessas despesas, seria o próprio sinistrado ou as referidas instituições quem exerceria os direitos correspondentes.
VI - E fá-lo-ia, indubitavelmente, numa ação a intentar no Tribunal do Trabalho, o qual seria competente para conhecer o pedido.
VII - A douta sentença sob censura violou as normas dos artigos 85º alíneas c) e o) da LOFTJ e 66º do CPC.
O Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto, nesta Relação, emitiu douto parecer no sentido de que a apelação não merece provimento.
Recebido o recurso, elaborado o projeto de acórdão e entregues as respetivas cópias aos Exm.ºs Juízes Desembargadores Adjuntos[1], foram colhidos os vistos legais.

Cumpre decidir.

Estão provados os factos constantes do relatório que antecede.

Fundamentação.
Sendo pelas conclusões do recurso que se delimita o respetivo objeto[2], como decorre do disposto nos Art.ºs 684.º, n.º 3 e 685.º-A, n.º 1, ambos do Cód. Proc. Civil, na redação que lhe foi dada pelo diploma referido na nota (1), ex vi do disposto no Art.º 87.º, n.º 1 do Cód. Proc. do Trabalho[3], a única questão a decidir neste recurso consiste em saber se o Tribunal do Trabalho é competente em razão da matéria para conhecer o contrato dos autos.
Vejamos.
Como é sabido, é pelo pedido – e pela causa de pedir – do autor que se afere da competência material do Tribunal, mesmo que a ação tenha sido deduzida incorretamente, tanto do ponto de vista adjetivo como do direito substantivo, isto é, o autor é soberano nesta sede, pois o Tribunal tem de atender ao pedido tal como ele é apresentado pelo impetrante. Assim, o juízo a emitir quanto à questão da competência em razão da matéria é prévio, quer à produção da prova, quer à decisão de mérito, apenas podendo ser atendida a alegação do autor, constante da petição inicial. Este, propondo a ação, assume o risco de a deduzir em tribunal incompetente, nomeadamente, em razão da matéria, sendo certo que os únicos elementos a atender, nesta sede, consistem na alegação por ele apresentada. Tal é o sentido uniforme da nossa jurisprudência. [4]
Configurando a A. a causa de pedir e o pedido com base numa relação jurídica conexa com o acidente de trabalho invocado, pois este já se encontra decidido, como vem provado, resta apenas, in casu, a questão de saber se a A. tem direito a receber da R., para além do mais, a parte das prestações pagas ao sinistrado, correspondentes à responsabilidade não transferida da empregadora para a seguradora no âmbito do contrato de seguro, atento o disposto no Art.º 37.º, n.º 3 da Lei n.º 100/97, de 13 de setembro. Sendo esta a estrutura da relação jurídica na qual assenta o pedido e a causa de pedir desta ação, parece claro que não estamos no âmbito do acidente de trabalho, mas no do contrato de seguro ou, como preferem outros, no âmbito do enriquecimento sem causa.
Seja como for, certo é que o Tribunal do Trabalho não é competente em razão da matéria para conhecer a presente ação como resulta a contrario sensu do disposto no Art.º 85.º, alínea c) da Lei 3/99, de 13 de janeiro, LOFTJ; também não o é em função do disposto na alínea o) do mesmo artigo porque a A., apenas tendo formulado um pedido, não o “... cumul[e]ou com outro para o qual o tribunal seja diretamente competente. Por isso, na vertente hipótese, a competência material para conhecer a ação é a residual, que o Art.º 77.º, n.º 1, alínea a) da LOFTJ estabeleceu no Tribunal comum.
Daí o sentido uniforme da nossa jurisprudência:
“Compete ao tribunal de competência genérica ou ao juízo de competência cível específica, conforme os casos, conhecer da ação em que a seguradora, no exercício do seu direito de regresso, pede contra a tomadora do seguro de acidentes laborais e empregadora, a sua condenação no pagamento de quantia que a mais pagou a um sinistrado laboral em cumprimento de decisão do tribunal do trabalho, em razão de a segunda lhe ter comunicado o salário daquele sinistrado de quantitativo inferior ao que efetivamente lhe pagava.[5]
Tanto basta para afirmar que a decisão impugnada, encontrando-se devidamente fundamentada, nomeadamente, ao nível jurisprudencial, não é passível de qualquer juízo de censura; antes, pelo contrário, merece o nosso aplauso, pois corresponde ao já longo decidir dos nossos Tribunais Superiores.
Do exposto resulta que o Tribunal do Trabalho é incompetente, em razão da matéria, para conhecer o pedido deduzido na petição inicial, pelo que a decisão sub judice deve ser confirmada, assim improcedendo as conclusões do recurso.

Decisão.
Termos em que se acorda em negar provimento ao recurso, assim confirmando a douta decisão recorrida.
Custas pela A.

Porto, 06 de Maio de 2013
Ferreira da Costa
Paula Leal de Carvalho
Maria José Costa Pinto
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S U M Á R I O
I – É pelo pedido – e pela causa de pedir – formulado pelo autor na petição inicial que se afere da competência do Tribunal, em razão da matéria.
II – Compete ao Tribunal de competência genérica ou ao juízo de competência cível específica, conforme os casos, conhecer da ação em que a seguradora, no exercício do seu direito de regresso, pede contra a tomadora do seguro de acidentes laborais e empregadora, a sua condenação no pagamento de quantia que a mais pagou a um sinistrado laboral em cumprimento de decisão do tribunal do trabalho, em razão de a segunda lhe ter comunicado o salário daquele sinistrado de quantitativo inferior ao que efetivamente lhe pagava.
______________________
[1] Atento o disposto no Art.º 707.º, n.º 2 do CPC, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, ex vi do disposto nos Art.ºs 11.º, n.º 1 – a contrario sensu – e 12.º, n.º 1, ambos deste diploma.
[2] Cfr. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, volume V, reimpressão, 1981, págs. 308 a 310 e os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1986-07-25 e de 1986-10-14, in Boletim do Ministério da Justiça, respetivamente, n.º 359, págs. 522 a 531 e n.º 360, págs. 526 a 532.
[3] Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13 de outubro.
[4] Cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1999-12-09, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 492, págs. 370-380.
[5] Trata-se do ponto 3. do sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2004-11-18, processo 04B3847, podendo ver-se, no mesmo sentido e também em texto integral, o Acórdão do mesmo Tribunal de 2006-06-22, processo 06B2020, ambos in www.dgsi.pt.
Cfr. também, in www.dgsi.pt, os seguintes Acórdãos dos Tribunais da Relação de:
- Lisboa de:
- 2007-05-10, processo 2656/2007-8 e
- 2007-05-29, processo 4343/2007-7
- Coimbra de:
- 2008-06-17, processo 74/08.6YRCBR.C1 e
- 2011-09-13, processo 3415/10.2TBVIS.C1.