Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
499/11.0GBVNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MELO LIMA
Descritores: PRINCÍPIO DA INVESTIGAÇÃO
PRINCÍPIO DA NECESSIDADE
Nº do Documento: RP20130109499/11.0GBVNG.P1
Data do Acordão: 01/09/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A rejeição do pedido de audição de novas testemunhas não consubstancia uma omissão de diligência essencial para a descoberta da verdade, nem dá origem ao vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, do art. 410.º, n.º 2, al. a) do CPP.
II - Em processo penal não há um ónus de prova: o princípio da investigação obriga o tribunal a reunir as provas necessárias à decisão.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: RECURSO 499/11.0GBVNG.P1

Relator: Melo Lima

Acordam em Conferência, na 1ª Secção Criminal do Porto.

I. RELATÓRIO

1. Nos autos de Processo Comum Singular Nº 499/11.0GBVNG, a correr termos pelo 3º Juízo Criminal de Vila nova de Gaia, no decurso da audiência de julgamento, o Ministério Público requereu:
«Da prova produzida resulta que as testemunhas do acidente são B… e C…. Para além do mais resulta, igualmente, que o responsável pela produção do acidente se ausentou do local antes da chegada das autoridades, não obstante as insistências do ofendido para que o mesmo permanecesse no local. Atenta a gravidade destes factos e a necessidade de identificar o condutor, até como forma de evitar que a fuga dos responsáveis do local dos acidentes resulte em impunidade promovo, por tal se afigurar relevante para a descoberta da verdade material dos presentes factos a inquirição das mencionadas testemunhas ao abrigo do disposto no art° 340° doCPP.»

2. Sobre a pretensão assim formulada incidiu a seguinte decisão proferida pela Exma. Juiz: «Não se defere o requerido porquanto as testemunhas ora pretendidas ouvir foram identificadas em fase de inquérito»
3. Finda a produção de prova foi proferida decisão absolutória.
4. Inconformado “com o despacho proferido em audiência de julgamento que rejeitou a inquirição das testemunhas indicadas, conforme fis. 85 da acta e com a sentença absolutória de fis. 87 a 89”, recorre o MºPº rematando a respetiva motivação com as seguintes CONCLUSÕES:
4.1 O Ministério Público deduziu acusação contra o arguido D…, imputando-lhe a prática, em autoria material, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3°, nos 1 e 2, do Decreto-Lei n° 2/98, de 3/01, conjugado com os artigos 121°, n° 1, 122°, n° 1 e 123°, n° 1, todos do Código da Estrada e da referida acusação pública constavam como meios de prova, os documentos dos autos e como prova testemunhal, as testemunhas E…, F… e G….
4.2 No decurso da audiência discussão e julgamento e depois de inquiridas as testemunhas indicadas na acusação pública, o Ministério promoveu, ao abrigo do artigo 340°, do C.P.P., a audição das testemunhas B… e C1…, por ter resultado da prova produzida que estas tinham sido testemunhas do acidente de viação, conforme indicação da testemunha H…, Guarda da G.N.R. e agente que elaborou a participação de acidente de viação.
4.3 O Tribunal a quo indeferiu o requerido “porquanto as testemunhas ora pretendidas ouvir foram identificadas em sede de inquérito”.
4.4 Se é certo que a identidade destas testemunhas foi conhecida em sede de inquérito e, nessa sede, não foram inquiridas e que a sua identidade não constava expressamente do rol de testemunhas indicado, não é menos certo que a identificação das mesmas constava quer do auto de notícia, quer da participação de acidente de viação e, por isso, sendo tais documentos subsumíveis na prova indicada “os documentos dos autos”, deveria ter sido determinada a sua audição, ao abrigo do disposto no n° 1, do artigo 340°, do C.P.P.
4.5 Ademais, conforme decorre dos n°s 3 e 4, do mesmo preceito legal, os requerimentos de prova são indeferidos por despacho quando a prova ou o respectivo meio for legalmente inadmissível ou se dos requerimentos resultar notório que as provas requeridas são irrelevantes ou supérfluas, constituírem meio inadequadas, de obtenção impossível ou muito duvidosa ou tiver finalidade meramente dilatória.
4.6 Ora, o requerimento apresentado pelo Ministério Público tinha por finalidade lograr a inquirição das duas testemunhas que constavam do auto de notícia e da participação de acidente, para prova da identidade do indivíduo que conduzia o veículo nas circunstâncias de tempo e lugar constantes da acusação pública.
4.7 Pois que o arguido se remeteu ao silêncio e as testemunhas arroladas não lograram identificar o condutor do dito veículo pois o ofendido depois de atingido caiu e ficou ferido e por isso não reconheceu o arguido como sendo o condutor do veículo, até porque este seguia acompanhado com outro indivíduo; o agente da autoridade chegou ao local já depois da ocorrência do acidente e quando lá chegou o condutor do veículo já se tinha colocado em fuga e a testemunha G… declarou nada saber quanto aos factos objecto do julgamento e referiu que vendeu ao arguido o veículo alegadamente conduzido por este.
4.8 Nestes termos, o requerimento apresentado pelo Ministério Público revela-se fundamental, útil e necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa e como tal deveria ter sido deferido e devia ter sido ordenada a produção da requerida prova.
4.9 Todavia, o Tribunal a quo indeferiu tal requerimento, sem formular um juízo acerca da sua necessidade e imprescindibilidade para a descoberta da verdade e da boa e criteriosa decisão da causa.
4.10 O artigo 340º, do C.P.P. consagra o princípio da investigação ou da verdade material. No âmbito deste princípio, cabe ao Tribunal do julgamento o poder-dever de investigar o facto, atendendo a todos os meios de prova que não sejam irrelevantes para a descoberta da verdade e com o objectivo de determinar a verdade material.
4.11 Nestes termos, compete ao Tribunal, oficiosamente ou a requerimento, ordenar a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta dessa verdade e à boa decisão da causa. E este dever que recai sobre o Tribunal apenas cede se o requerimento for manifestamente dilatório ou irrelevante.
4.12 Ao indeferir o requerimento formulado pelo Ministério Público, o Tribunal violou o disposto no n° 1, do artigo 340°, do Código de Processo Penal, sem tão pouco formular um juízo acerca da sua necessidade e imprescindibilidade para a descoberta da verdade e da boa e criteriosa decisão da causa.
4.13 Pelo que deve o mesmo ser declarado nulo e, consequentemente, serem declarados nulos todos os actos praticados após o indeferimento do requerimento apresentado pelo Ministério Público, designadamente a própria sentença absolutória proferida e deve seja ordenada a remessa dos autos à 1a instância para que se proceda à audição das testemunhas supra identificadas e, após, se profira nova sentença.
4.14 Caso assim não se entenda, sempre se deverá entender que a sentença absolutória, proferida, nessa decorrência, violou o disposto na alínea c), do n° 1, do artigo 379° e na alínea a), do n° 2, do artigo 410º, ambos do C.P.P..
4.15 Resulta claramente do depoimento prestado em sede de audiência de discussão e julgamento pelo agente da autoridade que elaborou a participação de acidente de viação, que B… e C1… foram testemunhas do acidente, conforme constava expressamente da participação de acidente por si elaborada.
4.16 Nestes termos e ainda que se admitisse que a indicação destas testemunhas não constava da acusação pública e que por isso não deveriam ser ouvidas ao abrigo do disposto no artigo 340° n° 1, argumento com o qual não se concorda, sendo que resultou da prova produzida em audiência a existência dessas duas testemunhas e sendo que com grande probabilidade, as mesmas poderiam reconhecer o arguido como sendo o condutor do veículo que produziu o acidente e que não era detentor de carta de condução, impunha-se ao Tribunal determinar oficiosamente a sua inquirição, no âmbito do amplo conceito do poder-dever que sobre ele recai de investigar o facto, atendendo a que este poder-dever, nos termos do artigo 340°, do C.P.P..
4.17 É incontornável a conclusão que resulta da leitura deste preceito, nos termos do qual este poder-dever de busca da verdade dos factos, apenas pode ser afastado quando as provas a produzir sejam manifestamente inúteis, irrelevantes ou revelem natureza dilatória e não contribuam para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa. O depoimento destas testemunhas era determinante para a identificação do condutor do veículo automóvel nas circunstâncias de tempo e de lugar constantes da acusação pública.
4.18 Da douta sentença recorrida não consta qualquer referência à existência destas testemunhas do acidente protagonizado pelo arguido e mencionado na acusação pública, nem à razão que levou o Tribunal a não determinar a sua audição apesar de ter conhecimento da sua existência, conforme decorreu do depoimento prestado pela testemunha agente de autoridade pelo que a douta sentença ao não se ter pronunciado sobre questão sobre a qual se devia ter pronunciado, padece de nulidade, por violação do disposto na alínea c), do artigo 379°, do C.P.P..
4.19 Se assim não se entender e com base nos mesmos argumentos, entende-se que porque o Tribunal não fez as diligências de prova que se impunham, nomeadamente com vista a determinar a inquirição das testemunhas em falta, sem ter sequer formulado um juízo acerca da sua necessidade e imprescindibilidade para a descoberta da verdade e da boa e criteriosa decisão da causa, os factos insuficientemente apurados revelam-se insuficientes para proferir decisão e, de sorte, verifica-se insuficiência para decisão da matéria de facto provada, nos termos preceituados na alínea a), do n° 2, do artigo 410º, do mesmo diploma legal.
Em consequência, deve a sentença recorrida ser declarada nula e deve ser ordenada a sua remessa à 1a instância a fim de serem ouvidas as testemunhas em falta e, após, ser proferida nova sentença.
5. O arguido não respondeu.
6. A Exma. Procuradora Adjunta, neste Tribunal da Relação, pronunciou-se no sentido do provimento do recurso, justificando que o despacho sub iudicio violou o disposto no art. 340°, n.° 1, do CPP, ficando incurso na nulidade de omissão de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade, prevista no art. 120°, n.° 2, al. d), do mesmo Código, a qual tem como consequência a invalidade do acto em que se verificou e dos subsequentes, designadamente da sentença (art. 122°, n.° 1, do CPP)
7. Observada a notificação a que alude o artigo 417º/2 do CPP, colhidos os Vistos, realizada a Conferência, cumpre conhecer e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Delimitação do objeto do recurso.

Os factos processualmente adquiridos, pertinentes ao conhecimento da questão, são os que acima ficam referidos em I, 1 e 2.
Conjugados com a motivação do recurso, decorre que o objeto deste se identifica com a questão de saber se a rejeição do pedido de audição das testemunhas consubstancia, no seu resultado prático, omissão de diligência essencial para a descoberta da verdade, subsidiariamente saber se, como defende o Digno recorrente, a sentença proferida padece de nulidade, por violação do disposto na alínea c), do artigo 379°, do C.P.P. e/ou dela decorre o vício da decisão ínsito na alínea a) do artigo 410º/2 do CPP, dizer insuficiência para decisão da matéria de facto provada.

2. Posto que os vícios relativos à sentença proferida – assim o da nulidade por omissão de pronúncia [379º/1 al.c)], assim a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada [410º/2 al.a)] tenham sido invocados a título subsidiário, em breve nota não deixa de considerar-se incorrecto um tal enfoque na justa medida em que se, de uma parte, não se vê onde a sentença tenha deixado de pronunciar-se sobre questão que devesse apreciar, não se vê, de igual passo, que do texto da mesma decisão – sendo de todos consabido, que no âmbito dos vícios da decisão, não está em causa a maior ou menor abundância de prova para sustentar um facto, antes a deficiência na construção e estruturação da decisão e ou dos seus fundamentos, na sua perspectiva interna – resulte faltarem elementos que, podendo e devendo ser indagados ou descritos, impossibilitem, por sua ausência, um juízo seguro (de direito) de condenação ou de absolvição, enfim, que “a conclusão extravase as premissas”, que a matéria de facto seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito assumida.

3. Determinante, sim, no conhecimento da questão enunciada, o fulminante indeferimento proferido em sede de audiência de julgamento incidente sobre a pretensão formulada pelo Digno Recorrente no sentido de que, com apelo à norma ínsita no artigo 340º da lei penal adjetiva, fossem ouvidas duas pessoas não indicadas no libelo acusatório.

Aqui, sim, na interpretação (subentendidamente) emprestada pelo tribunal ao normativo deixado referido, o punctum prurens que enforma e determina a presente instância recursiva.

Dispõe o artigo 340º do CPP:
«1 - O tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa. 2 - Se o tribunal considerar necessária a produção de meios de prova não constantes da acusação, da pronúncia ou da contestação, dá disso conhecimento, com a antecedência possível, aos sujeitos processuais e fá-lo constar da acta.
3 - Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 328.º, os requerimentos de prova são indeferidos por despacho quando a prova ou o respectivo meio forem legalmente inadmissíveis.
4 - Os requerimentos de prova são ainda indeferidos se for notório que:
a) As provas requeridas são irrelevantes ou supérfluas;
b) O meio de prova é inadequado, de obtenção impossível ou muito duvidosa; ou
c) O requerimento tem finalidade meramente dilatória.»

Retomemos o quadro cénico
No decurso da Audiência de Discussão e Julgamento – como reza na respetiva ata [1] –, o Ministério Público formulou um requerimento nos seguintes termos:
«Da prova produzida resulta que as testemunhas do acidente são B… e C…. Para além do mais resulta, igualmente, que o responsável pela produção do acidente se ausentou do local antes da chegada das autoridades, não obstante as insistências do ofendido para que o mesmo permanecesse no local. Atenta a gravidade destes factos e a necessidade de identificar o condutor, até como forma de evitar que a fuga dos responsáveis do local dos acidentes resulte em impunidade promovo, por tal se afigurar relevante para a descoberta da verdade material dos presentes factos a inquirição das mencionadas testemunhas ao abrigo do disposto no art° 340° doCPP.»
Sobre esta pretensão, recaiu a seguinte deliberação: «Não se defere o requerido porquanto as testemunhas ora pretendidas ouvir foram identificadas em fase de inquérito»

Se bem se interpreta, subjacente a uma tal decisão um entendimento de preclusão e/ou decadência.
Dizer preclusão no sentido de perda da faculdade da prática de um ato em consequência de uma omissão imputável ao próprio requerente (sibi imputet/ venire contra factum proprium), como fosse, in casu, não ter levado ao rol das testemunhas, no libelo deduzido, os nomes das pessoas já identificadas em sede de inquérito.
Dizer, outrossim, decadência no sentido da impossibilidade jurídica de desenvolvimento de uma determinada atividade uma vez terminado o prazo perentório previsto para o efeito. [2]

Com o devido respeito, com uma tal opção de transmutação absoluta quanto à responsabilização dos sujeitos processuais pela prova a produzir, subverte-se a axiologia que deve enformar a produção da prova em julgamento penal, maxime no que concerne ao princípio reitor da investigação.
Ainda que devesse entender-se a conformidade jusprocessual penal das sobreditas preclusão e/ou decadência do direito à prova com referência aos sujeitos processuais [3] – posto que com mutilação da sua função ancilar na administração da iuris dictio – tal efeito de preclusão e/ou decadência seria intrinsecamente incompatível com o dever de investigação judicial autónoma da verdade que incumbe ao julgador.
Cabe-lhe, na verdade, um poder vinculado: se é seu dever ordenar os meios de prova – todos os meios de prova - necessários á descoberta da verdade, no reverso da medalha, torna-se-lhe defeso que admita ou ordene a realização de provas “irrelevantes ou supérfluas”, “inadequadas ou de obtenção impossível ou muito duvidosa”, ou que obedeçam a um desiderato “dilatório”.
O punctum saliens tem, então, a ver com o princípio da necessidade, que se constitui no critério justificativo quanto delimitador da acção do juiz no apuramento da verdade material.

Ora, se é verdade que no CPP de 1929, no artigo 443º, à cabeça, se exigia a superveniência do conhecimento dos novos elementos de prova [4], não é menos verdade que na actual lei penal adjectiva (Artigo 340º CPP) - como já o eram naquela de 1929 -, os princípios da verdade material e da investigação são os princípios reitores que devem orientar o Tribunal na decisão que lhe compete a respeito da obtenção ex officio ou “a requerimento”, “de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa”, não sendo já exigível a superveniência do conhecimento dos novos elementos de prova.
Diferentemente da axiologia probatória que enforma o processo civil - onde predomina o princípio do dispositivo que se repercute e desenvolve sob diferentes ónus de prova -, já no processo penal é ao tribunal que compete o dever de prosseguir a descoberta da verdade.
Sói dizer-se, com inteira propriedade, que em processo penal não há um ónus da prova.
No ensinamento de FIGUEIREDO DIAS, «A adução e esclarecimento do material de facto não pertence aqui (dizer, no processo penal) exclusivamente às partes, mas em último termo ao juiz: é sobre ele que recai o ónus de investigar e esclarecer oficiosamente – sc., independentemente das contribuições das partes – o facto submetido a julgamento».
Porque «em processo penal está em causa, não a ‘verdade formal’, mas a ‘verdade material’, que há-se ser tomada em duplo sentido: no sentido de uma verdade subtraída `influência que, através do seu comportamento processual, a acusação e a defesa queiram exercer sobre ela; mas também no sentido de uma verdade que, não sendo ‘absoluta’ ou ‘ontológica’, há-se ser antes de tudo uma verdade judicial, prática», bem se compreende que, por via do referido dever de investigação judicial autónoma da verdade, «o tribunal não tenha de limitar a sua convicção por sobre os meios de prova apresentados pelos interessados». [5]

O princípio da investigação obriga, pois, o tribunal a reunir as provas necessárias à decisão!

Nele arrimados, detenhamo-nos um pouco no transcrito artigo 340º CPP.
Ex officio, o tribunal pode e deve ordenar a produção de todos os meios de prova – posto que não constantes da acusação, da pronúncia ou da contestação - “cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa”.
De modo igual há-de proceder – sempre, sem prejuízo do contraditório (audiatur et altera pars) – se a produção de novos meios de prova for requerida pelos sujeitos processuais, posto que aqui cabendo-lhe o dever de verificar se, “notoriamente”(i) as provas requeridas são irrelevantes ou supérfluas, (ii) se o meio de prova é inadequado, de obtenção impossível ou muito duvidosa, enfim, (iii) se o requerimento tem finalidade meramente dilatória, casos em que indeferirá a pretensão formulada.

In casu, a Exma. Juiz não se pronunciou, sequer, sobre se a requerida audição das testemunhas se tornava ou não necessária à descoberta da verdade e à boa decisão da causa ou, a contrario, se se tratava de prova notoriamente irrelevante ou supérflua, de obtenção impossível ou duvidosa, se consubstanciava, enfim, mera diligência dilatória.
Sacrificando, como se entende, o dever de investigação judicial autónoma da verdade ao efeito preclusivo e/ou de decadência (na exclusiva consideração de um pressuposto ónus de prova incidente sobre o acusador público) o Tribunal, sem ponderar e pronunciar-se sobre os concretos fundamentos da pretensão formulada, optando por uma decisão de cariz meramente formal, privou-se, ele próprio, de reunir as provas necessárias à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.
Uma tal decisão, por óbvio, não é de manter.

Pergunta-se: esta omissão de diligência que a decisão judicial proferida traduz, consubstanciará a nulidade prevista no artigo no artigo 120º/2 al. d) do CPP – como doutamente refere a Exma. Procuradora-Geral Adjunta no Parecer emitido – ou corresponderá a mera irregularidade a subordinar ao regime decorrente do artigo 123º do CPP?

PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, depois de distinguir, na lei portuguesa, três critérios materiais de admissibilidade da prova – i. A prova “essencial”, “indispensável”, “absolutamente indispensável” ou “estritamente indispensável”; ii. A prova “necessária”, “previsivelmente necessária” ou “absolutamente necessária”, “útil”, “de interesse”, “relevante” ou “de grande interesse” (…); iii. A prova “conveniente” -, considera ser fundamental em termos práticos a diferença entre estes tipos de critérios, na justa medida em que se «a omissão de prova do primeiro tipo constitui uma nulidade sanável nos termos do artigo 120ºnº2 al. d)», já “a omissão da prova do segundo tipo constitui uma irregularidade nos termos do artigo 123º” e, finalmente, “a omissão da prova do terceiro tipo não constitui qualquer vício processual”. [6]
Na consideração do conteúdo normativo do referido artigo 340º, tratar-se-á in casu de “prova necessária”, visto o duplo uso do termo: “se lhe afigure necessário”, “Se o tribunal considerar necessária…”.
A omissão praticada integrará, destarte, a irregularidade decorrente do artigo 123º do CPP.
Reclamada, via recurso, em devido tempo.
A determinar, na respetiva procedência, a repetição do julgamento, no seu todo, na ponderação conjugada de que são também afetados pela declaração de irregularidade os atos prévios não autonomizáveis do ato irregular [7], maxime da exigência jusprocessual penal decorrente da norma ínsita no artigo 328º do CPP.

III DECISÃO

Termos em que, na procedência do recurso, revoga-se a decisão de indeferimento da pretensão de audição das testemunhas requerida, ao abrigo do artigo 340º do CPP, pelo Ministério Público e, consequentemente, a sentença proferida, ordenando-se a remessa dos autos à 1ª Instância para nova produção de prova, tomando em consideração o que acima vai exposto, e prolação de nova decisão final.
Sem custas

Porto, 9 de Janeiro de 2013
Joaquim Maria Melo de Sousa Lima
Francisco Marcolino de Jesus
______________
[1] Releva-se, pela carência de importância para a decisão, a aparente desconformidade entre o consignado em ata: «Pelo arguido foi dito que desejava prestar declarações, tendo as mesmas sido gravadas ….» e a referência feita na motivação da sentença no sentido de que «o arguido não desejou prestar declarações»
[2] Seguem-se, de perto, os ensinamentos de CORREIA, JOÃO CONDE – “CONTRIBUTO PARA A ANÁLISE DA INEXISTÊNCIA E DAS NULIDADES PROCESSUAIS PENAIS”, in STVDIA IVRIDICA 44, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Págs. 105 a 107
[3] O TC (Ac. 571/2001) afirmou já a “inexistência de um efeito preclusivo da apresentação do rol de testemunhas”.
[4] «Se durante a discussão da causa sobrevier o conhecimento de novos elementos de prova que possam manifestamente influir na decisão, poderá o tribunal ordenar que eles se produzam, adiando-se, se necessário for, a audiência pelo tempo indispensável» Artigo 443º do CPP 1929
[5] DIREITO PROCESSUAL PENAL, 1ºvol., Coimbra Editora, Lda. 1974, pags.192-194
[6] COMENTÁRIO DO CPP À LUZ DA CRP E DA CEDH, 2ªEdª, Univ.Católica Editora, Lx.2008, pág.856
[7] ALBUQUERQUE, PAULO PINTO – ob. cit. Pág. 311(Nota 2: mutatis mutandis) e 315 (Nota 18)