Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0544665
Nº Convencional: JTRP00038328
Relator: ISABEL PAIS MARTINS
Descritores: PRISÃO PREVENTIVA
ALTERAÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS
Nº do Documento: RP200509210544665
Data do Acordão: 09/21/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: .
Sumário: A decisão que impõe a prisão preventiva, apesar de não ser definitiva, é intocável e imodificável enquanto não se verificar uma alteração, em termos atenuativos, das circunstâncias que a fundamentaram.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO CRIMINAL (2.ª) DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I

1. No âmbito do inquérito .../04....PRT do Tribunal Judicial de Gondomar, o arguido B.......... foi sujeito à medida de coacção de prisão preventiva, por despacho judicial de 03/03/2005, proferido após o seu primeiro interrogatório judicial como arguido detido.
Nesse despacho considerou-se estar fortemente indiciada a prática pelo arguido de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, verificar-se, em concreto, perigo de continuação de actividade criminosa e ser a medida de coacção de prisão preventiva a única adequada, no caso.
2. Em 30/05/05, foi proferido despacho, nos termos do artigo 213.º do Código de Processo Penal [Daqui em diante abreviadamente designado pelas iniciais CPP], e decidido que, por subsistirem os pressupostos que tinham determinado a sujeição do arguido àquela medida de coacção, a mesma era de manter.
3. Como, entretanto, tinha sido junto aos autos relatório social relativo ao arguido, e o mesmo não tinha sido considerado no despacho de 30/05/05, foi proferido novo despacho, em 15/06/2005, no mesmo sentido do anterior.
Nesse despacho considerou-se, nomeadamente, que:
«Da análise do relatório social junto aos autos não resulta, de forma alguma, uma diminuição ou atenuação das exigências que determinaram a aplicação da medida de coacção ao arguido e que possam determinar uma substituição da mesma.»
4. É desse despacho que vem interposto o presente recurso, no qual, em conclusão da motivação, o recorrente diz o seguinte:
«Em conclusão:
«A medida de coacção de prisão preventiva deverá ser substituída por outra, mais consentânea com a situação pessoal e social do arguido plasmada no relatório social e não valorada pelo Tribunal de que se recorre. Verifica-se assim uma diminuição das exigências cautelares que a determinaram.
«1. Tal realidade, deve ser valorada e sobremaneira sopesada;
«2. Trata-se de um jovem de 20 anos.
«3. Inserido.
«4. Estimado.
«5. A manutenção da sua condição de preso pode provocar um estigma na sua personalidade ainda em formação.
«6. Goza de condições no exterior para cumprir a medida de permanência na habitação com recurso a vigilância electrónica o que se peticiona ao abrigo do disposto no artigo 212.º, n.º 1, b), do CPP, tendo nesta parte sido violado o normativo.
«7. O normativo legal integra em si inegáveis interesses processuais, pautados pelo princípio do respeito da liberdade individual e dos direitos dos cidadãos.
«8. Previne a revogação e a substituição das medidas de coacção aplicadas, correspondendo-se assim ao próprio e intrínseco condicionalismo inerente à aplicação em geral das ditas medidas de coacção e ao circunstancialismo concreto e legal que as fundamenta.
«9. Tendo em conta as exigências cautelares que o caso em concreto reclama, é inquestionável que surgiram situações que determinam a alteração que se suscita.
«10. No que tange à substituição de uma medida por outra menos gravosa, prevista no n.º 3 do artigo 212.º, ela deverá ocorrer sempre que se constate uma atenuação ou diminuição das exigências cautelares que fundamentam a sua aplicação. Obedece-se assim ao Princípio da Adequação e da Proporcionalidade e não se atenta aos direitos fundamentais dos cidadãos ...
«11. O STJ, pelo Pleno das Secções Criminais, fixou jurisprudência no sentido de que a prisão preventiva deve ser revogada ou substituída por outra medida de coacção logo que se verifiquem circunstâncias que tal justifiquem, nos termos deste artigo independentemente do reexame trimestral dos seus pressupostos impostos pelo artigo 213.º (AC. de 96-01-24, DR I S-A, de 96-03-14).
«Posto isto, e no nosso modesto entendimento, consideramos a medida coactiva de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica e eventualmente a cumulação com proibição de contactos (sic).»
Termina pedindo que a medida de coacção a que foi sujeito seja «substituída por outra mais compatível com a sua realidade pessoal plasmada no seu relatório social».
5. Admitido o recurso, e efectuadas as legais notificações, foi apresentada resposta pelo Ministério Público no sentido de lhe ser negado provimento.
6. Nesta instância, na vista a que se refere o artigo 416.º do CPP, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto também foi de parecer de que deve ser negado provimento ao recurso.
7. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, o recorrente nada fez chegar aos autos.
8. Colhidos os vistos, realizou-se a conferência.

II

Cumpre decidir.
1. O recurso aos meios de coacção em processo penal respeita os princípios da legalidade, necessidade, adequação e proporcionalidade como emanação do princípio constitucional da presunção da inocência do arguido, contido no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição.
O artigo 191.º, n.º 1, do CPP, ao mesmo tempo que consagra o princípio da legalidade ou da tipicidade das medidas, afirma o princípio da sua necessidade ao estatuir que «a liberdade das pessoas só pode ser limitada, total ou parcialmente, em função de exigências processuais de natureza cautelar».
Os princípios constitucionais da excepcionalidade e da necessidade da prisão preventiva (artigos 27.º, n.º 3, e 28.º, n.º 2) conferem à mais gravosa das medidas de coacção uma natureza excepcional, não obrigatória e subsidiária, consagrada no n.º 2 do artigo 193.º do CPP.
Esta natureza significa que a aplicabilidade da prisão preventiva se restringe aos casos em que, verificados qualquer dos requisitos gerais do artigo 204.º e o requisito especial do artigo 202.º, ambos do CPP, as restantes medidas de coacção se mostram inadequadas ou insuficientes.
O juiz, face ao caso concreto, tem de decidir, em prudente critério, sobre a necessidade da prisão preventiva, impondo-se a «necessidade da injustiça de uma prisão antes do julgamento quando se mostrem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coacção, quando não baste a imposição ao arguido de outro tipo de restrições à sua liberdade ou à sua esfera jurídica» [João Castro e Sousa, «Os meios de coacção no novo Código de Processo Penal», Jornadas de Direito Processual Penal, Livraria Almedina, Coimbra, 1988, p. 152].
2. As medidas de coacção só devem manter-se enquanto necessárias para a realização dos fins processuais que, observados os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade, legitimam a sua aplicação ao arguido e, por isso, devem ser revogadas ou substituídas por outras menos graves sempre que se verifique a insubsistência das circunstâncias que justificaram a sua aplicação ou uma atenuação das exigências cautelares que determinaram a sua aplicação (artigo 212.º do CPP).
A revogação ou substituição pode ter lugar a requerimento do arguido, do Ministério Público ou oficiosamente (artigo 212.º, n.º 4).
Embora a revogação ou substituição das medidas de coacção possa/deva ter lugar oficiosamente e a todo o tempo, em consideração da natureza excepcional e subsidiária da prisão preventiva, constitucionalmente afirmada (artigo 28.º, n.º 2, da Constituição), o legislador impõe o reexame oficioso, de três em três meses, da subsistência dos pressupostos da prisão preventiva, decidindo então o juiz se ela é de manter ou deve ser substituída ou revogada (artigo 213.º do CPP).
O artigo 213.º, ao acentuar a oficiosidade e ao instituir a obrigatoriedade de reexame, com uma periodicidade trimestral, pelo juiz, dos pressupostos da prisão preventiva, impondo um controlo jurisdicional, especialmente aturado das exigências dessa medida em cada momento, atento o seu carácter de medida de coacção extrema [Gil Moreira dos Santos, O Direito Processual Penal, Edições Asa, 2002, p. 301], assume, claramente, uma finalidade de reforço das garantias de defesa do arguido.
Visa evitar a manutenção da privação da liberdade do arguido por inércia, nomeadamente do próprio arguido [Gil Moreira dos Santos, ob. e loc. cit., na nota 376 informa que o prazo de reapreciação é igual ao do direito alemão, mas só se o arguido não tiver advogado], não obstante o mecanismo de controlo constituído e garantido pelo artigo 212.º.
3. Todavia, estando as medidas de coacção sujeitas à condição rebus sic stantibus, a substituição de uma medida de coacção por outra menos grave apenas se justifica quando se verifique uma atenuação das exigências cautelares que tenham determinado a sua aplicação.
Como tem sido entendimento constante, a decisão que impõe a prisão preventiva, apesar de não ser definitiva, é intocável e imodificável enquanto não se verificar uma alteração, em termos atenuativos, das circunstâncias que a fundamentaram, ou seja, enquanto subsistirem inalterados os pressupostos da sua aplicação.
2.4. Foi isso que o despacho recorrido fundamentadamente reconheceu.
Os pressupostos que determinaram a sujeição do recorrente à medida de coacção de prisão preventiva não só não sofreram qualquer alteração atenuativa após o primeiro interrogatório judicial como, pelo contrário, se reforçaram com as diligências de investigação posteriormente realizadas.
O recorrente foi indiciado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes.
Os elementos de prova recolhidos demonstram que a actividade do recorrente, no âmbito do tráfico de estupefacientes, se desenvolveu com constância no tempo, em conjunto com outros, preferencialmente na área da sua residência, implicando um volume de negócios de alguma importância se se considerar, independentemente de outros meios de prova que relevam, nesse aspecto, que lhe foram apreendidos perto de 3 kg de haxixe e mais de € 8.000,00 em dinheiro, provenientes dessa actividade.
Ora, são, justamente, as circunstâncias da actuação do recorrente – prolongada no tempo, pressupondo um certo grau de organização e uma dimensão considerável - que manifestam, em concreto, as exigências cautelares que foram consideradas (o perigo de continuação de actividade criminosa) e revelam que a medida de coacção de prisão preventiva é a única adequada às exigências cautelares que o caso requer, sendo proporcional à gravidade do crime e à sanção que previsivelmente virá a ser aplicada ao recorrente.
2.5. Por outro lado, o recorrente nada alega no sentido de se ter verificado uma atenuação das exigências cautelares.
Limitando-se, por evidente incompreensão dos pressupostos requeridos para a substituição de uma medida de coacção por outra menos grave (artigo 212.º, n.º 3, do CPP), a invocar as suas condições pessoais, familiares e sociais.
Ora, tais condições já existiam aquando do seu primeiro interrogatório judicial, tanto mais que o recorrente as esclareceu, na altura (embora com inexactidões, a ele favoráveis, como o depoimento da testemunha C.......... veio a esclarecer), sendo certo que, não obstante dispor de um enquadramento familiar favorável a um comportamento socialmente adequado, o recorrente aderiu e comparticipou em actividades ilícitas.
Por isso, o relatório elaborado pelo IRS, informando das condições objectivas, em termos de enquadramento familiar e social do recorrente, propícias a que o recorrente tivesse pautado o seu comportamento em termos normativamente ajustados, não interfere nas exigências cautelares do caso.
O que releva, e é decisivo para que a sua pretensão não possa proceder, é que as exigências cautelares não sofreram, entretanto, qualquer alteração em termos atenuativos.

III

Termos em que, acordamos em negar provimento ao recurso.
Por ter decaído, vai o recorrente condenado em 3 UC de taxa de justiça.

Porto, 21 de Setembro de 2005
Isabel Celeste Alves Pais Martins
David Pinto Monteiro
Agostinho Tavares de Freitas