Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1943/13.7TJPRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: LEONEL SERÔDIO
Descritores: INSOLVÊNCIA
NOMEAÇÃO DO ADMINISTRADOR
Nº do Documento: RP201403131943/13.7TJPRT-A.P1
Data do Acordão: 03/13/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Perante a actual redacção dos artigos 32º n.º1 e 52º n.º1 do CIRE a faculdade de o requerente da insolvência indicar a pessoa que deverá ser nomeada para administrador da insolvência – e a consequente possibilidade de o juiz atender a essa indicação – está restringida aos casos de processos em que seja previsível a existência de actos de gestão que requeiram especiais conhecimentos, designadamente, nos casos em que a massa insolvente integre estabelecimento em actividade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 1943/13.7TJPRT-A.P1
Relator – Leonel Serôdio (331)
Adjuntos - Amaral Ferreira
- Ana Paula Lobo

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

No requerimento em que se apresentou à insolvência B… propôs que fosse nomeado administrador o Dr. C….
Por sentença de 20.12.2013, cuja cópia consta de fls. 18 a 20 foi declarada a insolvência da requerente e foi nomeado administrador da insolvência o Dr. D….

A Insolvente tempestivamente apelou da sentença na parte que não nomeou o Administrador por ela indicado e apresentou as seguintes conclusões, que se transcrevem:

a) Crê-se que por manifesto lapso a sentença recorrida não nomeou o Administrador de Insolvência indicado pela Apelante - DR. C…, inscrito nas Listas Oficiais de Administradores de Insolvência e melhor identificado na petição inicial;
b) Indicação que teve por suporte o disposto no art.º 52.º, n.º 2, do C.I.R.E., em conjugação com o consignado no art.º 2, n.º 1, da Lei n.º 32/2004, de 22 de Julho (Estatuto do Administrador de Insolvência);
c) Nem a escolha da Sr. Dr.ª D… com escritório na Rua …, …, .º Esq., no Porto, para desempenhar as funções de Administrador de Insolvência foi fundamentada pelo Juiz a quo, não especificando os fundamentos de facto e de direito que justificaram tal decisão.
d) Indicação que a Apelante alegou e fundamentou devidamente nos arts.64.º a 97.º da petição inicial e que queria ver apreciada e decidida pelo Tribunal a quo - Cfr. Doc. n.º 2 que se junta.
e) Na sentença que declara a insolvência, o Tribunal têm, além de outras proclamações, que nomear o Administrador de Insolvência, com indicação do seu domicílio profissional, conforme prescreve a al. d), do art.º 36.º, do C.I.R.E.;
f) Nos termos do preceituado no art.º 52.º, n.º 1, do C.I.R.E., a nomeação do administrador de insolvência é da competência do Juiz, no entanto, o legislador regulamenta os termos em que a competência deve ser exercida permitindo ao devedor/credor Requerente da insolvência, indicar a pessoa a nomear;
g) Estabelecendo que o Juiz "pode" atender à pessoa indicada pelo próprio devedor ou pelo credor Requerente da insolvência - art.º 32.º, n.º 1 e art.º 52.º, n.º 2, ambos do C.I.R.E. - inexistindo nos autos outra indicação para o exercício do referido cargo além do Apelante;
h) Resulta da 2.ª parte do n.º 2 deste último preceito que o devedor pode, ele próprio, indicar a pessoa/entidade que deve exercer aquela função no processo. Tal indicação não está sujeita a qualquer formalidade nem a outra exigência que não seja a de que essa pessoa/entidade conste da referida lista oficial;
i) Quanto à articulação do referido normativo com o n.º 2, do art.º 2º da Lei nº 32/2004 – que dispõe que “ sem prejuízo do disposto no n.º 2, do art.º 52 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a nomeação a efectuar pelo juiz processa-se por meio de sistema informático que assegure a aleatoriedade da escolha e a distribuição em idêntico número dos administradores da insolvência nos processos” – os citados autores referem que o recurso a tal sistema informático só se verifica “no caso de não haver indicação do devedor ou da comissão de credores, quando esta seja viável, e o juiz a ela atender, ou quando não se verifique a preferência pelo administrador judicial provisório”. E concluem mais adiante que “confortado com indicações contrárias do devedor e da comissão de credores, o tribunal não está obrigado a preferir nenhuma delas nem sequer é obrigado a optar por qualquer”, “mas deverá, como é próprio das decisões, fundamentar a escolha, designadamente quando se afaste das indicações recebidas ou quando privilegie algum delas”, sendo que quando a divergência for entre a indicação do credor e a do devedor, “só deve seguir esta última quando haja razões objectivas que, a um tempo, aconselhem a rejeição do que o credor requerente propõe e o seguimento do que é pretendido pelo devedor”;
j) Assim, se só o devedor indicar a pessoa/entidade a nomear para tal cargo e esta constar das ditas listas oficiais, o Juiz do processo deve, em princípio, acolher essa indicação, a não ser que tenha motivos que a desaconselhem o que deve fundamentar nos termos da lei - o que não se verificou;
k) Em qualquer dos casos, quando não acolher as indicações - do devedor, do credor, da comissão de credores ou de todos - o Juiz/Tribunal deve fundamentar esse não acolhimento e as razões que o levaram a nomear uma terceira pessoa/entidade - esta exigência de fundamentação decorre do que estabelecem os art.ºs 158.º, n.º 1 e 659.º, n.º 3, ambos do C.P.C. - Código do Processo Civil;
l) A qual deverá sempre ser decidida por processo aleatório - art.º 2.º, n.º 2, da Lei n.º 32/2004, de 22 de Julho, que não existem. Pelo que, enquanto tais aplicações informáticas não estiverem disponibilizadas e regulamentadas, o critério preferencial de nomeação recairá em primeiro lugar no administrador judicial provisório, se este existir - art.ºs 52.º, n.º 2 e 32.º, n.º 1, ambos do C.I.R.E.;
m) Nenhuma das normas mencionadas na sentença ou argumento excluiu, só por si, a possibilidade de que a nomeação para o cargo de administrador da insolvência, recaísse na pessoa indicada pela Apelante;
n) O Tribunal a quo não só deixou de se pronunciar sobre a questão que lhe foi suscitada, como escolheu outro administrador sem qualquer fundamentação incorrendo, por isso, nas nulidades previstas na al. b), do n.º 1, do art.º 668.º, do C.P.C.;
o) Faltando, em absoluto, os fundamentos que levaram o Tribunal, por um lado, a não acolher a indicação do Requerente, ora Apelante, quanto à pessoa a nomear como administrador de insolvência e, por outro lado, a nomear outra para esse cargo;
p) Importa pois, declarar nula a sentença recorrida, na parte atinente à nomeação do administrador de insolvência;
q) Sendo que, segundo afirma Alberto dos Reis, in "Código de Processo Civil Anotado" vol. V 1981, pag. 140, "O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação...";
r) É verdade que a sentença, no que toca ao fundo, ou seja, o pedido de reconhecimento da situação de insolvência da Apelante está obviamente fundamentada;
s) Mas além de esse, foi claramente realizado outro, nomeadamente o pedido de nomeação de pessoa certa como administrador;
t) Tratando-se de um verdadeiro pedido, devidamente fundamentado;
u) O qual na sentença agora recorrida ficou total e implicitamente afastado, quando foi nomeada outra pessoa para desempenhar as funções de administrador de insolvência, sem para o efeito ter-se avançado com qualquer razão ou fundamentação;
v) Na verdade, enquanto a nomeação do Administrador de Insolvência, a sentença recorrida tão só indica o nome da pessoa escolhida, mostrando uma total falta de motivação;
w) Em conformidade, e nos termos do n.º 1, do art. 715.º, do C.P.C., cabe à Relação, Tribunal de 2.ª Instância, "conhecer do objecto da apelação", ou seja, substituir-se ao Tribunal recorrido e, " in casu", proceder à nomeação do administrador de insolvência em função dos elementos fácticos que decorrem nos autos;
x) Elementos que, de acordo com a fundamentação constante na petição inicial, são inequívocos ao esclarecer que a pessoa indicada tem capacidade e conhecimentos para a profissão;
y) Tem idoneidade e não se vislumbra a verificação de qualquer circunstância susceptível de gerar situação de incompatibilidade, ou impedimento;
z) É administrador de insolvência (já no tempo do C.P.E.R.E.F.) e especialmente habilitado a praticar actos de gestão nos termos da lei, sendo economista, técnico oficial de contas e perito fiscal independente da Direcção Geral de Impostos;
aa) O entendimento e critérios que fundamentam o presente pedido de nomeação do administrador de insolvência foram confirmados pelo Venerando Tribunal da Relação do Guimarães, Porto e Lisboa;
bb) Em conformidade com o exposto, deve ser julgada procedente a apelação e anular parcialmente a decisão recorrida, na parte em que nomeou como administrador de insolvência o Sr. Dr.ª D…, nomeando-se agora para exercer o cargo de Administrador de Insolvência o SR. DR. C…, inscrito na Ordem dos Economistas e inscrito nas Listas oficiais de Administradores de Insolvência, especialmente habilitado a praticar actos de gestão nos Distritos judicias de Porto, Coimbra, Lisboa e Évora, conforme constante das listagens publicadas pela Comissão de Apreciação e Controlo da Actividade dos Administradores da Insolvência, datadas de 18 de Abril de 2011, – artigo 52º, n.º 2 do C.I.R.E., e disponíveis em: http://www.mj.gov.pt/sections/o-ministerio/organismos2182/direccao-geralda/ files/administradores-insolvencia/ , com escritório com escritório na Rua …, .. – sala .., ….-… V.N. Gaia.
cc) Pois, à partida, tanto o administrador de insolvência indicado pela Apelante como o nomeado pelo Juiz a quo constam nas listas oficiais de administradores de insolvência do distrito de Lisboa, estando ambos habilitados para praticar actos de gestão, pelo que não se pode falar em prevalência de um em relação ao outro;
dd) Mantendo a decisão no tudo o mais que foi decidido pois a substituição do Administrador de Insolvência em nada colide com os demais termos da sentença proferida.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Cumpre decidir

Os factos a considerar para a decisão do recurso são os que constam do relatório, a que acresce que na sentença que declarou a insolvência da Apelante, quanto à nomeação de Administrador consta apenas:
“- Como administrador da insolvência nomeio o Dr.º D… com escritório na Rua …, …, .º Esq., no Porto.”
*
A questão a decidir é a de saber se deve ou não manter-se a nomeação do Administrador de insolvência efectuada pelo Tribunal a quo que não acolheu a sugestão da requerente, ora apelante.
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A Apelante defende que a sentença na parte referente à nomeação do administrador, que a integra por imposição da al. d) do art. 36º do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE), é nula nos termos da al. b) do n.º1 do art. 668º do CPC, ou melhor, art. 615 n.º 1 al.b) do actual CPC, que já estava em vigor quando foi proferida a decisão recorrida e, por isso, é o aplicável (cf. art.s 5º n.º1 e 8º da Lei n.º41/2013, de 26.06).

A imposição de fundamentação está consagrada no artigo 205º n.º 1 da CRP e é concretizada no art. 154º do NCPC, que estipula: “As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.”

A violação do dever de fundamentação gera nulidade para a sentença e para os despachos, nos termos dos artigos 615 n.º 1 al. b) e 613º n.º 3 do NCPC.
O citado art. 615 n.º 1, estabelece: “É nula a sentença:
b) Quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.”

A nomeação do Administrador da insolvência é uma questão secundária na sentença de insolvência e mesmo sem entrar na questão de fundo, salvo casos excepcionais, não se vislumbra em que medida a não nomeação do Administrador indicado pelo devedor, tenha a virtualidade de objectivamente afectar o devedor e muito menos os direitos dos credores, até porque essa nomeação pelo juiz pode logo ser alterada pela assembleia de credores mediante a eleição de outra pessoa, verificados certos requisitos enumerados nos termos do art. 53º n.º1 do CIRE e, para além disso, havendo justa causa pode ser destituído (art. 56º do CIRE).

No caso, a sentença recorrida é totalmente omissa quanto à não nomeação do administrador, não indicando sequer as disposições legais aplicáveis e, por isso, dado ter sido formulado um pedido não atendido, o seu indeferimento devia ter isso objecto de fundamentação ainda que sucinta e, por isso, verifica-se a arguida nulidade.

Apesar dessa nulidade, nos termos do art. 665º n.º 1 do NCPC, esta Relação deve conhecer da questão, como de resto, pede a Apelante.

A questão é a de saber qual a relevância que o legislador confere à indicação pelo requerente da insolvência do Administrador a nomear pelo Juiz.

A jurisprudência dividiu-se, defendendo parte dos acórdãos publicados no sitio do ITIJ, que se só o devedor indicar administrador da insolvência e este constar das listas oficiais, o juiz deve, em princípio, acolher essa indicação, desde que não existam razões que a desaconselhem e sempre que não nomeie o administrador indicado pelo devedor na petição inicial, o juiz deve fundamentar a sua decisão, indicando as razões que o levaram a preferir um outro administrador.
Desta posição é exemplo o acórdão desta Relação de 11.05.2010, proferido no processo n.º 175/10.0TBESP-A.P1, publicado no sítio do ITIJ, com o seguinte sumário:
I- Na nomeação do administrador da insolvência (na sentença de declaração desta), devem adoptar-se os seguintes procedimentos:
Se só o devedor indicar a pessoa/entidade a nomear para esse cargo e esta constar das listas oficiais, o Tribunal deve, em principio, acolher essa indicação, a não ser que haja motivos que a desaconselhem - por ex., por a pessoa/entidade em causa ser já administrador noutros processos pendentes no Tribunal e porque o art. 2° n° 2 da Lei 32/2004 aconselha “distribuição em idêntico número” pelos administradores constantes daquelas listas
II- Se além do devedor, também o credor indicar pessoa/entidade para o cargo, diversa da sugerida por aquele, o Tribunal pode nomear algum deles ou um outro à sua escolha, embora deva dar preferência à indicação do credor.
III- Em qualquer dos casos, quando não acolher as indicações - do devedor, do credor, ou de ambos -, o Tribunal deve fundamentar esse não acolhimento e as razões que o levam a nomear uma terceira pessoa/ entidade. (cf. no mesmo sentido, acórdãos desta Relação no processo n.º 1368/08.6TBMCN-D.P1 de 26.09.2011 e da Relação de Guimarães de 6.10. 2011 no processo n.º 1200/10.0TBPTL-B.G1 e ainda os indicados pela Apelante).

No entanto, como decidimos no acórdão proferido na Apelação n.º 2773/11.6TBOAZ-A.P1, entendemos que a posição defendida pelos citados acórdãos que continuam a defender que o juiz, em princípio, tem o dever de a indicação fornecida pelo requerente da insolvência não tem actualmente apoio legal.

As disposições aplicáveis do CIRE são o art. 52º n.º1 que remete para o art. 32º n.º 1.
Na sua redacção inicial, o art. 52º dispunha:
“1. A nomeação do administrador da insolvência é da competência do juiz.
2. Aplica-se à nomeação do administrador da insolvência o disposto no nº 1 do artigo 32º, devendo o juiz atender igualmente às indicações que sejam feitas pelo próprio devedor ou pela comissão de credores, se existir, e cabendo a preferência, na primeira designação, ao administrador judicial provisório em exercício de funções à data da declaração da insolvência.
3.(…)”

E, também na sua redacção inicial, dispunha o art. 32º nº 1:
“A escolha do administrador judicial provisório recai em entidade inscrita na lista oficial de administradores da insolvência, tendo o juiz em conta a proposta eventualmente feita na petição inicial”.

Em face do teor das citadas normas, era inquestionável que, na nomeação do administrador da insolvência, o juiz devia atender às indicações e às propostas que, para esse efeito, tivessem sido feitas pelo requerente, pelo devedor ou pela comissão de credores.
Assim, quando como no caso, em que havia uma única pessoa indicada para o cargo, o juiz devia acolher a indicação feita, salvo se existissem razões objectivas que o desaconselhassem.
Por outro lado, essas razões tinham necessariamente de ser indicadas em sede de fundamentação da decisão de nomear outra pessoa para o exercício daqueles funções.
Contudo, essas normas foram alteradas pelo Dec. Lei nº 282/2007 de 07/08 e mantiveram a mesma redacção nas ultimas alterações ao CIRE, introduzidas pela Lei 16/2012, de 20.04, dispondo actualmente o art. 32º nº 1, que: “A escolha do administrador judicial provisório recai em entidade inscrita na lista oficial de administradores da insolvência, podendo o juiz ter em conta a proposta eventualmente feita na petição inicial no caso de processos em que seja previsível a existência de actos de gestão que requeiram especiais conhecimentos.

E, o art. 52º passou a dispor:
“1 -A nomeação do administrador da insolvência é da competência do juiz.
2 - Aplica-se à nomeação do administrador da insolvência o disposto no n.º 1 do artigo 32.º, podendo o juiz ter em conta as indicações que sejam feitas pelo próprio devedor ou pela comissão de credores, se existir, cabendo a preferência, na primeira designação, ao administrador judicial provisório em exercício de funções à data da declaração da insolvência.
3.(…)”.

A nova versão das citadas normas veio alargar o poder decisório do juiz, nesta matéria, substituindo as expressões “devendo o juiz atender” ou “tendo o juiz em conta”, que eram utilizadas na versão inicial, pela expressão “podendo o juiz ter em conta” (cf. neste sentido Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, pág. 243 e 245, citado pela própria Apelante).
Essa alteração não poderá deixar de significar uma maior liberdade do juiz na nomeação do administrador da insolvência.
Acontece, porém, que as alterações introduzidas pelo citado Dec. Lei n.º 282/2007 não se limitaram à substituição daquelas expressões.

Como decidiu o acórdão desta Relação e secção, de 07.07.2011, n.º 860/10.7TYVNG-A.P1, relatado pela Des. Maria Catarina Gonçalves, ao contrário do que sucedia anteriormente (em que o juiz deveria sempre ter em conta a indicação de administrador que, eventualmente, tivesse sido feita na petição inicial), a actual redacção do art. 32º, nº 1, limita a possibilidade de o juiz atender à proposta feita na petição inicial ao caso de processos em que seja previsível a existência de actos de gestão que requeiram especiais conhecimentos.
Esta restrição é expressamente salientada no preâmbulo do DL n.º 282/2007, onde consta: “é restringida a possibilidade de designação de um administrador da insolvência na petição inicial aos casos em que seja exigida a prática de actos que requeiram especiais conhecimentos”.
Assim, e perante a actual redacção das citadas normas, parece impor-se a conclusão de que a faculdade de o requerente da insolvência indicar a pessoa que deverá ser nomeada para administrador da insolvência – e a consequente possibilidade de o juiz atender a essa indicação – está restringida aos casos de processos em que seja previsível a existência de actos de gestão que requeiram especiais conhecimentos, como acontecerá, designadamente, nos casos em que a massa insolvente integre estabelecimento em actividade.

Importa ainda analisar o art. 2º do Estatuto dos Administradores da Insolvência, Lei n.º 32/2004, de 22 de 07, com as alterações do citado DL n.º 282/2007, que dispõe:
“1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 53.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, apenas podem ser nomeados administradores da insolvência aqueles que constem das listas oficiais de administradores da insolvência.
2 - Sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 52.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a nomeação a efectuar pelo juiz processa-se por meio de sistema informático que assegure a aleatoriedade da escolha e a distribuição em idêntico número dos administradores da insolvência nos processos.
3 - Tratando-se de um processo em que seja previsível a existência de actos de gestão que requeiram especiais conhecimentos por parte do administrador da insolvência, nomeadamente quando a massa insolvente integre estabelecimento em actividade, o juiz deve proceder à nomeação, nos termos do número anterior, de entre os administradores da insolvência especialmente habilitados para o efeito”.

Assim o que resulta da conjugação das citadas normas é que o administrador da insolvência é, por regra, nomeado pelo juiz – sem qualquer consideração pelas indicações feitas pelo requerente ou devedor – e em conformidade com o disposto no art. 2º nº 2 do Estatuto dos Administradores da Insolvência, de forma a assegurar a aleatoriedade da escolha e a idêntica distribuição de processos aos administradores.

Apenas quando estejam em causa processos em que seja previsível a existência de actos de gestão que requeiram especiais conhecimentos por parte do administrador da insolvência, deve o juiz – e apenas neste caso – atender à proposta feita na petição inicial ou à indicação efectuada pelo devedor, em conformidade com o disposto nos citados artigos 32º. nº 1 e 52º.
Nos demais casos o juiz limitar-se-á a nomear o administrador, de forma aleatória e em conformidade com o disposto no art. 2º, n.º 2, do citado Estatuto, sem qualquer consideração pelas indicações que eventualmente tenham sido efectuadas e, portanto, sem necessidade de qualquer fundamentação específica relativamente à não consideração dessas indicações.

Os fundamentos que a devedora invoca nas conclusões W) a AA) e a factualidade alegada no requerimento inicial da insolvência e a dada como provada na sentença manifestamente afastam estarmos perante um processo em que seja previsível a existência de actos de gestão que requeiram especiais conhecimentos por parte do administrador e, por isso, não assume qualquer relevo a sugestão da Apelante.
Assim, apesar da sentença recorrida não ter fundamentado a não nomeação do administrador sugerido, essa irregularidade é irrelevante, dado estarmos perante processo em que não se prevê a existência de actos de gestão que requeiram especiais conhecimentos por parte do administrador
Neste sentido decidiram para além dos dois acórdãos desta Relação acima referidos, os acórdãos da Rel. da Lisboa de 15.11.2011, proferido no processo n.º 440/11.0TBLNH-A.L1-1, onde o relator sumariou: “ a) Após as alterações introduzidas no CIRE pelo DL 282/2007, de 7/8, a indicação no âmbito da petição inicial do devedor da entidade a nomear – pelo Juiz – como Administrador da Insolvência, circunscreve-se aos casos de processos em que seja previsível a existência de actos de gestão que requeiram especiais conhecimentos.
b) Ainda que assim não fosse (admitindo-se que em quaisquer processos pode o devedor propor/indicar a nomeação de um concreto Administrador da Insolvência), não é porém tal proposta vinculativa para o Juiz, não se lhe impondo, em princípio, aceitar sempre tal indicação a menos que existam razões que a desaconselhem. c) É que, importa não olvidar, após as alterações introduzidas no CIRE pelo DL 282/2007, de 7/8, verificou-se um alargamento do poder decisório do juiz em sede de nomeação do administrador judicial provisório e do administrador da insolvência, pois que, doravante e em ambas as situações, passou a dizer-se (nos artºs 32º e 52º) que o Juiz pode ter em conta a proposta eventualmente contida na petição. d) Porém, tendo o devedor no âmbito da sua petição inicial indicado desde logo a pessoa que, no seu entendimento, deveria merecer a nomeação como Administrador Judicial, justificando-o e solicitando-o ao Juiz, porque as decisões proferidas sobre qualquer pedido (cfr. artº 158º,nº1, do CPC) são sempre fundamentadas, impõe-se então ao Juiz do processo, quando seja ela desatendida, que justifique sumariamente as razões da sua decisão. No acórdão da Relação de Lisboa de 17.05.2011 proferido no processo n.º 23548/10.4T2SNT-B.L1-7, onde se sumariou: I - A indicação do administrador a nomear por parte dos requerentes ou credores não é vinculativa para o juiz. II - Quando o juiz entenda não serem de seguir as indicações dadas pelas partes quanto à pessoa do administrador a nomear, o dever de fundamentação de tal despacho esgotar-se-á na indicação dos motivos pelos quais não adere à indicação das partes, não havendo que justificar porque razão, de entre os peritos constantes da lista escolhe um ou outro, escolha esta que deveria ser aleatória.
e Ac. da Rel. de Guimarães de 20.10.2011 no processo n.º 1345/11.0TBFAF.G1, com o seguinte sumário: “Conquanto o juiz possa ter em conta a indicação do devedor e da comissão de credores quanto à nomeação do administrador da insolvência, não está vinculado a essa indicação”, todos no sítio do ITIJ.

Não há pois fundamento legal para alterar a nomeação efectuada pelo Sr. Juiz a quo que não tinha qualquer dever de nomear o sugerido.
*
Decisão

Pelo exposto, julga-se a apelação improcedente e confirma-se a sentença recorrida.
Custas pela massa insolvente.

Porto, 13-03-2014
Leonel Serôdio
Amaral Ferreira
Ana Paula Lobo