Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0210716
Nº Convencional: JTRP00033624
Relator: CLEMENTE LIMA
Descritores: ESTABELECIMENTO COMERCIAL
JOGO DE FORTUNA E AZAR
LICENÇA DE UTILIZAÇÃO
Nº do Documento: RP200209250210716
Data do Acordão: 09/25/2002
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: 2 J CR V N GAIA
Processo no Tribunal Recorrido: 298/99
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: DIR CRIM - CRIM C/SOCIEDADE.
Legislação Nacional: DL 422/89 DE 1989/12/02 ART1 ART3 N1 ART4 N1 G ART108 N1 NA REDACÇÃO DO DL 10/95 DE 1995/01/19.
Sumário: Integra o crime de exploração ilícita de jogo prevista e punida pelo artigo 108 do Decreto-Lei n.422/89, de 2 de Dezembro, na redacção do Decreto-Lei n.10/95, de 19 de Janeiro, a conduta do arguido que expõe ao público, no estabelecimento de café/bar que explora, para utilização dos seus clientes, uma máquina que desenvolve jogos de fortuna ou azar, sem estar licenciado, com o objectivo de angariar clientela e assim obter maiores rendimentos, sendo indiferente o facto de a máquina possuir um manuscrito com a indicação "... grátis para os nossos clientes".
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam, precedendo audiência, na Relação do Porto:
I

1. Nos autos de processo comum n.º..., do -.º Juízo do Tribunal Judicial de....., os arguidos, ABEL..... e CLARA....., melhor identificados a fls. 68, foram submetidos a julgamento, perante Tribunal Singular e, por Sentença de 14 de Março de 2000, a fls. 68-75, vieram a ser condenados, pela prática de um crime de exploração ilícita de jogo, previsto e punível (p. e p.) nos termos do disposto nos arts. 1.º, 3.º n.º 1, 4.º n.º1 al. g) e 108.º n.º 1, todos do Decreto-Lei (DL) n.º 422/89, de 2 de Dezembro, no que ao presente recurso importa: - o arguido, na pena de 90 dias de prisão, substituída por igual tempo de multa à taxa diária de 700$00 (€ 3,49) e 30 dias de multa, à mesma taxa diária, assim, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de 700$00 (€ 3,49); - a arguida, na pena de 90 dias de prisão, substituída por igual tempo de multa à taxa diária de 500$00 (€ 2,49) e 30 dias de multa, à mesma taxa diária, assim, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de 500$00 {€ 2,49).

2. Inconformados, os arguidos interpuseram, conjuntamente, recurso de tal Sentença, extraindo da correspondente motivação as seguintes (transcritas) conclusões:
1.ª - Dos factos provados resulta que os arguidos não só não praticaram o crime de que vêm acusados (exploração de jogo de fortuna e azar), como a d. acusação não consubstancia a factualidade de qualquer ilícito.
2.ª - Sendo a utilização da máquina gratuita, o conceito de «exploração» - elemento fundamental para o preenchimento da factualidade típica do ilícito - encontra-se afastado.
3.ª - E se é lícita a colocação gratuita de tal máquina (em que apenas 2 dos 11 jogos disponíveis são passíveis de ser caracterizados como de fortuna ou azar), a convicção de que o não é não tem qualquer relevância jurídica, sendo equiparável ao receio do menor que, subtraindo um cigarro do bolso de seu pai, o vai fumar na escola, às escondidas, por estar convicto de que pratica um crime fumando-o.
4.ª - A d. sentença viola o disposto nos arts. 374.º e 379.º, do CPP, nos arts. 659.º n.ºs 2 e 3, 668.º n.º 1 al. b), c) e d), do C PC, e arts. 1.º, 3.º,4.º n.º 1 al. g), 108.º, 116.º e 117.º, do DL n.º 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção dada pelo DL n.º 10/95, de 19 de Janeiro.
Pretendem que se revogue a Sentença recorrida e ver-se absolvidos.

3. O recurso foi admitido por Despacho de 21 de Março de 2002 (fls. 162).

4. A Ex.ma Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal recorrido respondeu à motivação, ponderando que (a) o conceito e exploração do jogo se refere ao uso da máquina, implicando o mesmo uma vantagem, quanto mais não seja indirecta, relativa ao atractivo exercido sobre a clientela, real ou potencial, do estabelecimento; (b) a condenação dos arguidos refere-se à prática de jogo de fortuna ou azar sem autorização, isto é, em local não autorizado, não se afigurando relevante a argumentação assente no conceito de «exploração» constante do art. 108.º n.º 1, do DL n.º 422/89.
Propugna pela confirmação do julgado.

5. Continuados os autos a esta instância, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, no sentido nomeadamente de que ter a máquina para atrair clientela que a usa, com jogos de fortuna e azar, cabe perfeitamente na estatuição legal, tendo o legislador pretendido impedir que, em vista da regulação do mercado e da salvaguarda dos bons costumes, os jogos de fortuna e azar se pratiquem fora dos locais adequados.
Defende a improcedência do recurso.

6. Atento que os poderes de cognição deste Tribunal ad quem são parametrizados pelo teor das conclusões tiradas pelo recorrente da motivação do recurso, que lhe definem o objecto (art. 412.º n.º 1, do Código de Processo Penal / CPP) e, in casu, estão cingidos à revisão da matéria de direito (arts. 364.º e 428.º, do CPP), importa apenas examinar a questão de saber se estão verificados os elementos objectivos do crime de exploração ilícita de jogo por que os arguidos recorrentes vêm condenados.
II

7. A matéria de facto a considerar, sedimentada pelo julgamento do Tribunal recorrido, é a seguinte:
a) Os arguidos são casados entre si, explorando o estabelecimento de cafetaria/bar denominado «C....», sito na Rua....., ....., ......
b) No dia 14 de Maio de 1998, cerca das 16.00 horas, a P.S.P. procedeu à fiscalização do dito estabelecimento, à frente do qual estava a arguida Clara......
c) O estabelecimento estava aberto ao publico, em pleno funcionamento, com dois clientes no seu interior, um dos quais estava a utilizar a máquina de jogo instalada sobre o balcão, a qual foi aprendida.
d) A máquina possuía um manuscrito com a indicação «máquina de diversão, grátis para os nossos clientes», cfr. fls. 3 dos autos.
e) Efectuado o exame à máquina, a mesma revelou as seguintes características, tipo de funcionamento e jogos desenvolvidos: Máquina com a designação "TOUCH MASTER", composta apenas por um écran, com dimensões de cerca de 40/35/52 cm; trata-se de uma máquina electrónica, digital, programada para jogo livre, ou seja, não são utilizadas moedas, mas apenas os créditos resultantes do desenvolvimento do jogo; possui um temporizador visível, que determina o tempo disponível para cada jogada; desenvolve onze (11) temas de jogo, que são seleccionados por um toque no écran. Dois deles têm temática de fortuna ou azar. O 1.º tema de jogo é denominado «5 STAR». Surgem no écran cinco dados e abaixo destes a indicação das 12 combinações possíveis a que é atribuída pontuação. Após a selecção da combinação, faz-se aparecer os dados, que surgem de forma aleatória, podendo fixar-se alguns deles, com vista a obter a combinação seleccionada e a respectiva pontuação; trata-se de um jogo semelhante ao vulgar jogo de «poker» de cartas, com a diferença de que em vez destas, tem cinco dados. O 2.º tema denomina-se «TARGET 21». No écran aparecem cinco cartas e o plano de pagamento de prémios. No topo de cada carta surge um número correspondente aos pontos que cada uma vale. As cartas são geradas aleatoriamente, e através de toques no écran, vão-se adicionando novas cartas e somando os respectivos valores. O objectivo é atingir a pontuação de 21, ou a que, sendo inferior, dela mais se aproxima; trata-se de um jogo semelhante ao «black jack» - -conforme relatório de exame directo de folhas 11 e 12 dos autos, cujo conteúdo aqui se reproduz.
f) Trata-se de uma máquina que desenvolve temas de jogo de fortuna ou azar, cujo uso e exploração só são permitidos nos casinos existentes nas zonas de jogo autorizadas.
g) Ao comprar a máquina e ao colocá-la no seu estabelecimento para utilização dos clientes, pretendiam os arguidos angariar mais clientela para o estabelecimento, propondo-se, dessa forma, obter maiores lucros e rendimentos por causa do atractivo da máquina, a qual sabiam desenvolver jogos de fortuna ou azar, e por isso de uso e exploração proibida no seu estabelecimento.
h) Agiram os arguidos de comum acordo e em conjugação de esforços, com o propósito de possibilitando o uso da máquina pelos seus clientes, conseguir mais clientes e obter maiores proveitos no estabelecimento.
i) Agiram de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que não lhes era permitida a exploração daquele tipo de jogos fora dos casinos existentes nas zonas criadas legalmente para esse efeito, e que a sua conduta era proibida e punida por lei.
j) O arguido Abel..... é comerciante, auferindo um rendimento mensal de cerca de 200.000$00.
k) Tem como habilitações literárias o 1.º ano.
l) Como antecedentes criminais apresenta os constantes do certificado do registo criminal constante de folhas 63 e seguintes cujo teor aqui dou por reproduzido.
m) Explorava o seu estabelecimento há cerca de 5 anos.
n) A arguida Clara..... é doméstica.
o) Não se lhe conhecem antecedentes criminais.
p) Tem como habilitações literárias a 4.ª classe
q) Os arguidos têm dois filhos.
r) Vivem em casa própria.

8. Apreciando agora as razões dos recorrentes.

8.1. Os arguidos recorrentes vêm condenados pela prática, cada um, de um crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. nos termos do disposto nos arts. 1.º, 3.º n.º 1, 4.º n.º 1 al. g) e 108.º n.º 1, todos do DL n.º 422/89, de 2 de Dezembro (que regulamenta a exploração e prática de jogos de fortuna ou azar em casinos e as modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar e outras formas de jogo), na redacção que lhe foi introduzida pelo DL n.º 10/95, de 19 de Janeiro.
Dispõe o art. 1.º, do diploma em referência, epigrafado de jogos de fortuna ou azar, que jogos de fortuna ou azar são aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte.
Determina, por sua vez, o art. 3.º n.º 1, do mesmo DL, epigrafado de leis do jogo, que a exploração e a prática dos jogos de fortuna ou azar só são permitidas nos casinos existentes em zonas de jogo permanente ou temporário criadas por decreto-lei ou, fora daqueles. Nos casos excepcionados nos artigos 6.º a 8.º (referindo-se estes à exploração de jogos em navios ou aeronaves e à exploração fora dos casinos de jogos não bancados e de máquinas de jogo, respectivamente) .
Nos termos prevenidos no art. 4.º n.º 1 al. g), daquele Diploma, sob a epígrafe tipos de jogos de fortuna ou azar, vem estabelecido que nos casinos é autorizada a exploração, nomeadamente, dos seguintes tipos de jogos de fortuna ou azar [...] jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte.
Por fim, determina o n.º 1 do art. 108.º, em referência, a abrir o capítulo relativo aos ilícitos e sanções e a secção dos crimes, sob a epígrafe exploração ilícita de jogo, que quem, por qualquer forma, fizer a exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados, será punido com prisão até dois anos e multa até 200 dias.

8.2. Pretendem os arguidos recorrentes que se não pode considerar que «explorassem» a dita máquina de jogo, quando a utilização da mesma era gratuita.
Obtempera a Ex.ma Magistrada respondente que (a) o conceito e exploração do jogo se refere ao uso da máquina, implicando o mesmo uma vantagem, quanto mais não seja indirecta, relativa ao atractivo exercido sobre a clientela, real ou potencial, do estabelecimento; (b) a condenação dos arguidos refere-se à prática de jogo de fortuna ou azar sem autorização, isto é, em local não autorizado, não se afigurando relevante a argumentação assente no conceito de «exploração» constante do art. 108.º n.º 1, do DL n.º 422/89.
Afigura-se, ressalvado o devido respeito pelo seu esforço argumentativo, que os recorrentes não têm razão.
Vejamos porquê.
Importa começar por sublinhar que não está em causa que os jogos apresentados pela máquina presente no «C.....», explorado pelos arguidos, fossem jogos de fortuna ou azar, pois que, como se afirmou (insindicavelmente) provado, tais jogos dependiam exclusivamente da sorte) [Ver, neste particular, por mais recente e com particular interesse, os Acórdãos, da Relação de Coimbra, de 6-6-2001 (Proc. 1116/2001), da Relação de Évora, de 19-10-99 (Colectânea de Jurisprudência, ano XXIV, tomo IV, pp. 296 e ss.), da Relação do Porto, de 23-6-99 (Boletim do Ministério da Justiça n.º 488, pág. 411), da Relação de Lisboa, de 4-11-98 (Colectânea de Jurisprudência, ano XXIII, tomo V, pp. 138 e ss.)].
Por outro lado, é sabido que o legislador confinou o uso de tais máquinas às zonas de jogo autorizadas [Ver Acórdão, da Relação do Porto. de 26-4-2000. (Colectânea de Jurisprudência, ano XXV, tomo II. pp. 244 e ss.)] - o que não era o caso do café/bar dos arguidos.
De outra banda, importa que se reconheça que, para a consumação do crime em referência, basta a colocação de tal máquina em local a que o público tenha acesso e em condições de funcionamento[Ver Acórdão, da Relação de Évora, de 19-5-98 (Colectânea de Jurisprudência, ano XXIII, tomo III. pp. 283 e ss.), com relato do Ex.mo Desembargador Dr. Raul Borges, citado infra].

Vejamos ainda.
Em vista do disposto, maxime, no art. 108.º, da Lei do Jogo, constituem elementos do crime de exploração ilícita de jogo: (a) a exploração de jogos de fortuna ou azar - objecto da acção; (b) que essa exploração se processe por qualquer forma - modo de acção; (c) a exploração de tais jogos e por tais formas fora dos locais legalmente autorizados - ofensa do bem jurídico tutelado; (d) a existência de dolo em qualquer das suas modalidades - elemento subjectivo [Cfr. Acórdão, da Relação de Évora, de 19-5-98, citado e, na doutrina, ver Carlos Alberto da Mota Pinto, António Pinto Monteiro e João Calvão da Silva, «Jogo e Aposta - Subsídios de Fundamentação Ética e Histórico-Jurídica», Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, 1982; Rui Pinto Duarte, «O Jogo e o Direito», THEMIS, II, 3 (2001), pp. 69 e ss.; Sérgio Vasques, «Os Impostos do Pecado - O Álcool, o Tabaco, o Jogo e o Fisco», Almedina, 1999; António Patacas, «Jogos de Fortuna ou Azar», Ciência e Técnica Fiscal, 202/204 (Outubro/Dezembro de 1975) e 205/207 (Janeiro/Março de 1976); José de Oliveira Ascensão e António Menezes Cordeiro, «Jogos de Fortuna ou Azar Contrato Administrativo», Revista de Direito Público, ano II, n.º 3 (Janeiro de 1988), pp. 58 e ss.; Maria Lourdes Ramis, «Regimen Jurídico del Juego», Madrid, Marcial Pons, 1992.
Cfr. ainda, com impressiva análise dos preceitos em referência, os Acórdãos, do Tribunal Constitucional, n.º 93/2001, de 13-3-2001, no Diário da República, 2.ª Série, de 5-6-2001, pp. 9479 e ss., e n.º 99/2002, de 27-2-2002, no Diário da República, 2.ª Série, de 4-4-2001, pp. 6214 e ss].
Por outro lado, no que respeita ao bem jurídico tutelado, há que ter presente que o direito de explorar jogos de fortuna ou azar é reservado ao Estado e que só pode ser exercido por sociedades anónimas a quem o Governo adjudica a respectiva concessão, confinando-se a sua exploração e prática a casinos em zonas de jogo ou, fora daqueles, nos casos excepcionados nos arts. 6.º a 8.º - cfr. arts. 9.º e 3.º, do DL n.º 422/89.
No crime em questão, está em causa a tutela das áreas concessionadas para o jogo e, no caso concreto das máquinas, estão em causa os casinos existentes nas zonas de jogo ou outros estabelecimentos hoteleiros ou complementares, autorizados, face ao disposto no art. 7.º n.º 2, daquele DL.

Isto posto, há que reconhecer que, para a consumação do crime em referência, basta a colocação das máquinas de jogos em local a que o público tenha acesso e em condições de funcionamento.

Neste sentido, e em desenvolvimento de tal axioma, assinala-se, impressiva e incontornavelmente, no referenciado Acórdão, da Relação de Évora, de 19-5-98:
«A materialização da exploração da máquina em causa basta-se com a colocação em lugar público e em termos funcionais da referida máquina, de modo a proporcionar aos eventuais interessados, jogadores, a sua utilização. O vocábulo exploração envolve a ideia de desenvolvimento de actividade empresarial, económica, em que se tem em vista a obtenção de lucros - a exploração do jogo nos locais permitidos é feita por empresas a quem o Estado adjudica a concessão da exploração. Estando a exploração inserida no âmbito de uma actividade empresarial, ela ocorrerá independentemente de, em cada momento, a máquina de jogo estar a ser usada ou não. Exploração e prática de jogo são coisas distintas. Aquela é a actividade que tem a ver com o concessionário/empresário/titular do estabelecimento comercial. Esta, é o acto levado a cabo pelo jogador/utente. Tanto a exploração como a prática dos jogos de fortuna ou azar fora dos locais permitidos constituem crimes (arts. 108.º e 110.º, do DL n.º 422/89) que são distintos e autónomos. A prática será sempre lúdica, quer tenha lugar nos casinos ou nos locais proibidos. A máquina pode ser oferecida para utilização lúdica, mas apenas na perspectiva do utente. A exploração visará sempre o lucro, nuns e noutros locais e a mera exposição da máquina tem como objectivo alcançar ganhos. Na óptica do explorador, o objectivo da exposição é o ganho - a máquina não tem função meramente decorativa. Não lhe retira a finalidade, exclusiva, de ganho, a circunstância de se encontrar em local não autorizado. Por outro lado, a utilização da expressão por qualquer forma, imediatamente antes das palavras fizer a exploração, constante da norma incriminadora do aludido art. 108.º, como fórmula abrangente que é, significa que é irrelevante para a existência do crime a forma como se processa a exploração, o que se compreende, atendendo a que o interesse jurídico tutelado é de ordem pública e que são visadas actividades marginais à economia legal, o jogo clandestino. O mesmo se passa, aliás, nos crimes contra a economia, em que são utilizadas as expressões por qualquer modo, por qualquer forma, por qualquer meio (arts. 23.º, 24.º, 25.º e 32.º, do DL n.º 28/84, de 2-1) e por qualquer modo, como acontece no crime de passagem de moeda falsa (art. 241.º, do CP) e no crime de aborto (art. 139.º, do mesmo Código). Em todos estes casos, o legislador prescindiu da descrição pormenorizada ou exaustiva dos vários modos, meios ou formas por que possa processar-se a conduta ilícita, podendo os meios de execução ser quaisquer. Não se trata de um crime de execução vinculada, em que a norma indica a espécie de actividade em que deve traduzir-se a ofensa penalmente relevante do bem jurídico tutelado, mas antes, a conduta apresenta forma livre, podendo assumir uma pluralidade de variedades. A estrutura material da conduta não é objecto de descrição típica, sendo incriminada toda a actividade idónea ao exercício da exploração, pouco importando que a exploração da máquina de jogo seja levada a cabo pelo seu proprietário, ou por proprietário ou locatário de estabelecimento comercial, ou por aquele e estes em conjunto. Num outro plano, há a considerar que um homem médio sabe que uma máquina daquele género, com aquelas características, colocada naquele local, inserida num estabelecimento comercial, onde se encontram outras máquinas de jogos, não é propriamente um «bibelô» e que não terá uma função diversa daquela que tem nos locais autorizados, isto é, que se destina a exploração».
Trata-se de jurisprudência que, com a devida vénia, se perfilha e assume para o caso dos autos.
In casu, relembre-se que está em causa uma máquina electrónica tipo video, que desenvolve um jogo semelhante ao vulgar «poker» de cartas mas desenvolvido em cinco dados (o «5 STAR») e um outro, semelhante ao «black jack» (o «TARGET 21»), propriedade dos arguidos e exposta no seu estabelecimento de café.
Máquina que desenvolve jogos de fortuna ou azar e que os recorrentes tinham em funcionamento, no seu estabelecimento de café, sem que para tanto estivessem devidamente licenciados.
Como assim, a apostila «máquina de diversão grátis para os nossos clientes» [alínea d), dos factos provados e fotocópia que faz documento de fls. 3 dos autos], não inibe, de todo, a perfectibilização do tipo-de-ilícito em presença.

Retomando os factos julgados provados, acima transcritos, a partir da doutrina que vem de expor-se, a que se adere, com dispensa de adjuvantes considerações, tem de reconhecer-se que, pelo simples facto de exporem a público e para utilização dos clientes do respectivo estabelecimento de café/bar, uma máquina que desenvolve jogos de fortuna ou azar, com o objectivo de angariar clientela e assim obter maiores rendimentos, os arguidos cometeram o crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. nos termos prevenidos no art. 108.º, do referido DL n.º 422/89, tal como alterado pelo DL n.º 10/95.
Termos em que não pode conceder-se a pretextada violação, pelo Tribunal a quo, do disposto nos invocados arts. 374.º e 379.º, do CPP, nos arts. 659.º n.ºs 2 e 3, 668.º n.º 1 al. b), c) e d), do C PC, e arts. 1.º, 3.º, 4.º n.º 1 al. g), 108.º, 116.º e 117.º, do DL n.º 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção dada pelo DL n.º 10/95, de 19 de Janeiro.

Como assim, o recurso não pode deixar de improceder.

9. Improcedente o recurso, aos arguidos incumbe o pagamento das custas, nos termos prevenidos nos arts. 513.º n.ºs 1 e 3 e 514.º n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal, e nos arts. 82.º n.º 1 e 87.º n.º 1 al. b), estes do Código das Custas Judiciais.

Resta decidir.
III

10. Nestes termos e com tais fundamentos, decide-se:

(a) negar provimento ao recurso;
(b) condenar cada um dos recorrentes na taxa de justiça que se fixa em 5 (cinco) UCs.
Porto, 25 de Setembro de 2002

António Manuel Clemente Lima
José Manuel Baião Papão
José Henriques Marques Salgueiro