Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2277/09.7TJVNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ EUSÉBIO ALMEIDA
Descritores: POSSE
USUCAPIÃO
PRESUNÇÃO
TITULARIDADE
DIREITOS
INEXACTIDÃO DE REGISTO
DESCONFORMIDADE ENTRE O REGISTO E O FACTO REGISTADO
Nº do Documento: RP201210012277/09.7TJVNF.P1
Data do Acordão: 10/01/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Legislação Nacional: ARTº 1268º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I - O efeito da posse não se confunde com a usucapião.
II - A usucapião precisa da posse, com determinadas características e por determinado tempo.
III - Mas o efeito da posse, quando a usucapião não ocorre – quando não chega a acontecer – continua a ser o da presunção da titularidade do direito.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 2277/09.7TJVNF.P1

Recorrente – B…

Recorridos – C…, Lda. e D…

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:

1 – Relatório
1.1 – O processo na 1.ª instância
B… instaurou a presente ação contra C…, Lda. e D… e pediu que sejam "os réus condenados a reconhecer que o veículo referenciado é propriedade exclusiva do autor e em consequência a devolver toda e qualquer documentação que do mesmo tenham em seu poder", requerendo ainda "o cancelamento de todos os registos a favor dos réus."

O autor, fundamentando a sua pretensão, veio dizer, em síntese, que "em fevereiro de 2002 adquiriu por compra e venda que fez a E…, o veículo automóvel, de matrícula ..-..-QS, de Marca Mercedes Benz, …, do ano de 2000, de cor preta, pelo preço de €52.500,00 que liquidou integralmente, e que atualmente tem o valor comercial atribuído de €16.000,00"; este veículo tinha sido adquirido pelo E… a F…, SA, por intermédio de G…, que por sua vez o tinha adquirido a H…, SA; desde "a aquisição, tem a posse efetiva do mencionado veículo, conduzindo-o, pagando os respetivos impostos, dele cuidando, limpando-o e tudo de modo ininterrupto, de modo público e à vista, com conhecimento de todos e sem oposição de quem quer que seja, na convicção de não lesar direitos alheios, e tudo por si e pelos anteriores proprietários se antepossuidores por período superior a 6 anos".

O autor diz que sempre "seria o legítimo proprietário, não só por aquisição derivada, como por usucapião que aqui expressamente se invoca".

Sucede que – acrescenta o demandante – "emprestou o veículo em causa ao 2º réu. No veículo, encontrava-se entre outros o documento de venda, emitido pelo H…, e o qual apenas estava preenchido na parte referente ao vendedor, ou seja, não estava indicado o comprador", e assim esteve e passou até ao autor. Porém, os réus, "em conluio, aproveitando-se do mencionado documento, sem indicação de comprador, abusivamente e sem conhecimento ou consentimento do autor, preencheram a declaração de venda, apondo como comprador a 1ª ré e outra declaração de venda, pela qual a 1ª Ré com reserva de propriedade vende o veículo ao 2º réu". Só que o autor – diz – nunca vendeu o veículo, nem à ré nem ao réu, nem "nem nunca, para o efeito, entregou o original da declaração de venda emitida pelo H…"; ou seja, os réus "venderam, entre si um bem que não lhes pertencia e sabiam ser propriedade do autor."

Citados os réus, o 2.º não contestou.

A ré C…, Lda., no entanto, contestando, veio impugnar, por desconhecimento, a generalidade do alegado pelo demandante, e acrescentou, em síntese, que o corréu "era sócio de uma sociedade que tinha por objeto a compra e venda de automóveis, à data com uma dimensão assinalável, e cliente da contestante" e que, "em outubro de 2003, solicitou junto da contestante, a intervenção da mesma, no sentido de obter um financiamento junto do I…, prontificando-se a dar, em garantia o veículo automóvel identificado no artigo primeiro da petição inicial, intitulando-se dono do mesmo".

Acrescenta: "Como é usual no setor automóvel, a ré adquiriu, por compra, o veículo ao corréu, pagando-o e, posteriormente, vendeu-lho, recebendo da sociedade financeira o valor do mesmo, reservando a propriedade até integral pagamento, o qual, diga-se, já aconteceu, pelo que a reserva de propriedade pode ser cancelada" e "ao intermediar a operação de compra e de venda, fê-lo a contestante na convicção séria e legítima de que o veículo pertencia, efetivamente, ao réu D…, o qual estava na posse do mesmo e se intitulava ser seu dono, provando tal qualidade com a exibição da declaração de venda, a qual, como é usual no setor automóvel, tinha por preencher o adquirente do veículo".

Em suma – e finaliza – "não tem interesse na presente lide, pois, o veículo está registado em nome do réu D… e com o cancelamento da reserva de propriedade em condições de ser efetuado".

O autor ainda respondeu à contestação.

Disse aceitar "para não mais ser retirado o alegado em 5 da contestação e pela qual, a ré declara não haver razão para a subsistência da reserva de propriedade" e acrescentou que a ré, ao declarar que adquiriu o veiculo ao corréu, a quem depois o revendeu, "tem que reconhecer que o documento de venda que consubstanciou a sua propriedade foi abusivamente preenchido", pois nele "consta como vendedor, o H…, e não o referido D…."

Foi elaborado saneador tabelar e admitida a prova (fls. 32/33).

Depois de uma suspensão da instância, a requerimento das partes, os autos prosseguiram com a realização da audiência de julgamento, na qual foram juntos diversos documentos e inquiridas duas testemunhas.

Em despacho posterior fixou-se a matéria de facto apurada[1], em despacho fundamentado (fls. 144).

Conclusos os autos, foi proferida sentença final que julgou "totalmente improcedente a ação e, em consequência, absolveu os réus do pedido."

1.2 – Do recurso.
O autor não se conformou com esta sentença e apelou. Pretende que se revogue o decidido, no sentido de ser atendida a sua pretensão inicial. Conclui do seguinte modo:
A sentença recorrida globalmente não leva em atenção toda a matéria fáctica provada.
E a própria matéria fáctica provada não leva em atenção tudo o que resulta da prova documental e testemunhal produzida.
O tribunal “A QUO” não levou em consideração que o réu a favor de quem existe registo não contestou.
O que implica que todos esses factos devem ser considerados provados.
Ao assim não entender, o tribunal “A QUO” violou o disposto no art. 490.º do CPC.
Tendo em conta a declaração expressa na contestação pela Ré, C…, Lda., de que nada tem a apor à pretensão doa A., entenda-se reconhecimento de propriedade e cancelamento de registo,
E tendo em conta também que esta impugna, por cautela, apenas para afastar o conluio
Deveria pois todo o alegado pelo autor, com exceção do conluio, ser considerado como provado.
Tendo em conta o depoimento das testemunhas e documentos juntos aos autos, deveriam os factos alegados nos artigos 1, 2, 3, 4 e 9, do petitório, como provados na sua totalidade.
· É contraditória a sentença ao considerar que o autor adquiriu o veículo em data não aprovada para posteriormente, por diversas vezes, reconhecer que este o fez em fevereiro de 2002.
Assim como é contraditório considerar provado o artigo 12, e em que o R. D…, aproveitando-se do documento (Declaração de venda sem indicação do comprador), a preencheu sem conhecimento e consentimento do A.
Para posteriormente afirmar que o A. não provou a aquisição derivada, e tendo até em conta o quesito provado do artigo 10.
Violou ainda o tribunal “A QUO” os artigos 1287.º e 1268.º do CC, ao não considerar a posse do A. titulada e de boa-fé.
E em consequência ter dado primazia ao registo a favor do R. D…,
E ainda e também, que o A. goza de presunção de titularidade – que nada tem a ver com usucapião - sobre o registo efetuado posteriormente ao início da posse pelo A.
O tribunal “A QUO”, ao não levar em atenção a posse exercida pelos ante possuidores, nomeadamente o H…, S.A., violou o prazo de aquisição por usucapião.
Sendo o tempo de posse essencial para a correta análise da questão, sempre lícito será que este Tribunal da Relação ordene a renovação da prova, nos termos do art. 712.º do CPC, em especial do seu n.º 3.
O tribunal “A QUO” ao decidir como o fez, não dirimiu questão nenhuma, porquanto não confere a titularidade a quem a reclama e tem a posse e mantém uma titularidade a favor de quem nem sequer a pretende.
A sentença ora recorrida deve ser revogada e substituída por acórdão que confira ao A./recorrente a titularidade do veículo em causa, com o consequente cancelamento de todos os registos anteriores,
E/ou, ordenar-se a renovação de prova, a matéria fáctica que se entenda necessária para suprimir o dilema atrás referido.
E tudo tendo sempre presente os documentos juntos aos autos e os depoimentos das testemunhas J…, e da testemunha K…, já devidamente localizadas no CD de gravação de audiência.

Os réus não responderam ao recurso, que foi recebido como apelação, com subida imediata, nos autos e efeito apenas devolutivo.

Nesta Relação, mantendo-se nos precisos termos o despacho que recebeu o recurso, os autos correram Vistos.

Cumpre apreciar o mérito da apelação.

1.3 – Objeto do recurso:
Definido pelas alegações do recorrente, o objeto desta apelação incide sobre os seguintes pontos:
1.3.1 – Se o tribunal recorrido não teve em conta toda a matéria de facto apurada.
1.3.2 – Se todos os factos alegados pelo autor, à exceção do conluio, devem ser considerados provados, atendendo à falta de contestação do segundo réu.
1.3.3 – Se, pelo menos, os factos alegados nos artigos 1, 2, 3, 4 e 9 da petição devem considerar-se integralmente provados, atentos os documentos dos autos e os depoimentos testemunhais.
1.3.4 – Se deve ser ordenada a repetição da prova, para apurar o tempo (relevante) da posse.
1.3.5 – Se o autor, independentemente da usucapião, goza da presunção da titularidade do veículo.

2 – Fundamentação
2.1 – Fundamentação de facto
A 1.ª instância fixou a seguinte matéria de facto:
1 - Em fevereiro de 2002 o A. adquiriu por compra e venda o veículo automóvel, de matricula ..-..-QS, de Marca Mercedes Benz, Mod. …, do ano de 2000, de cor preta.
2 - Desde a sua aquisição, o A. tem a posse efetiva do mencionado veículo, conduzindo-o, pagando os respetivos impostos, dele cuidando, limpando-o e tudo de modo ininterrupto.
3 - De modo público e à vista, com conhecimento de todos e sem oposição de quem quer que seja, na convicção de não lesar direitos alheios.
4 - E tudo por si e pelos anteriores proprietários e antepossuidores por período superior a 6 anos.
5 - No veículo, encontrava-se entre outros o documento de venda, emitido pelo H… e o qual apenas estava preenchido na parte referente ao vendedor.
6 - Não estava indicado o comprador.
7 - Os RR., aproveitando-se do mencionado documento, sem indicação de comprador, sem conhecimento ou consentimento do A. preencheram a declaração de venda, apondo como comprador a 1ª Ré, preencheram outra declaração de venda, pela qual a 1ª Ré com reserva de propriedade vende o veículo ao 2º Réu.
8 - O A. nunca vendeu o veículo, nem à 1ª Ré, nem ao 2º Réu.
9 - Nem nunca, para o efeito, entregou o original da declaração de venda emitida pelo H….
10 - O corréu D…, era sócio de uma sociedade que tinha por objeto a compra e venda de automóveis, à data com uma dimensão assinalável, e cliente da Ré contestante.
11 - Em outubro de 2003, o referido Corréu solicitou junto da Ré contestante, a intervenção da mesma, no sentido de obter um financiamento junto do I…, prontificando-se a dar, em garantia o veículo automóvel identificado no artigo primeiro da petição inicial, intitulando-se dono do mesmo.
12 - A Ré contestante adquiriu, por compra, o veículo ao corréu, pagando-o e, posteriormente, vendeu-lho, recebendo da sociedade financeira o valor do mesmo, reservando a propriedade até integral pagamento, o qual já aconteceu.
13 - Aquando a 1ª. Ré intermediou esta operação de compra e de venda, o veículo estava na posse do corréu que se intitulava ser seu dono, exibindo a declaração de venda, a qual tinha por preencher o adquirente do veículo.

2.2 - Aplicação do direito
Na definição do objeto do recurso começámos por enunciar a questão (colocada pelo apelante na sua primeira conclusão) de saber se "o tribunal recorrido não teve em conta toda a matéria de facto apurada" (1.3.1).

O sentido da questão é claro, atenta a pretensão revogatória do apelante: se toda a matéria descrita, toda a matéria efetivamente considerada apurada, é bastante à afirmação do direito do recorrente e, por essa via, à procedência da apelação.

É que, se o for, torna-se óbvio que não há lugar a qualquer repetição da prova (1.3.4) e que seria inócua a reapreciação da prova ou a fixação de outros – diversos ou complementares - factos (1.3.2 e 1.3.3).

Daí que entendamos como correto que se comece por apreciar a aplicação do direito aos reais e efetivos factos apurados e neles se equacione a questão (jurídica) relevante da posse, enquanto presunção da titularidade do direito (1.3.5).

É o que passamos a fazer.

Na 1.ª instância julgou-se improcedente a ação, essencialmente por duas razões:
a) "No caso sub judice, o veículo automóvel que se encontrava em poder do A. desde fevereiro de 2002 nunca foi objeto do correspondente registo a seu favor. Logo, ser-lhe-á diretamente aplicável o prazo consignado na alínea b) do art. 1298º, do Código Civil. Não havendo decorrido ainda o prazo de dez anos previsto no citado preceito, não é pois possível considerar adquirido, por usucapião, o direito de propriedade sobre o referenciado bem, que se encontra sujeito a registo".
b) Mas para além da aquisição originária o Autor invocou ainda a aquisição derivada, como forma de aquisição do direito de propriedade. Sendo a forma originária de aquisição do direito de propriedade (usucapião, ocupação ou acessão, por exemplo), nenhum problema se coloca, desde que sejam alegados os factos integrantes dessa forma de adquirir; mas, sendo derivada (compra e venda, doação, mortis causa, etc.), não basta a prova do negócio, porque o mesmo não é constitutivo, mas meramente translativo, do direito de propriedade. E, como ninguém pode transferir mais direitos do que os que tem (…)
Haverá pois de concluir-se, pela improcedência da ação pois que a mesma dependia antes de mais da qualidade de proprietário do Autor - da alegação e prova da aquisição originária ou do “dominium auctoris”, já que se invocou a aquisição derivada, não tendo o Autor logrado provar a respetiva factualidade sobre a qual as mesmas assentam".

Ou seja, se bem vemos: a aquisição originária não aconteceu por falta de tempo de posse; a aquisição derivada não se basta com a prova do negócio, que é meramente translativo.

Mas será que esta conclusão (de improcedência) tem arrimo nos factos apurados (os que efetivamente o foram, sem, por ora, cuidar de outros)?

Salientamos, a propósito, a seguinte factualidade:
- Em fevereiro de 2002 o autor adquiriu por compra e venda o veículo automóvel (…).
- Desde a sua aquisição, tem a posse efetiva do mencionado veículo, conduzindo-o, pagando os respetivos impostos, dele cuidando, limpando-o e tudo de modo ininterrupto, de modo público e à vista, com conhecimento de todos e sem oposição de quem quer que seja, na convicção de não lesar direitos alheios, e tudo por si e pelos anteriores proprietários e ante possuidores por período superior a 6 anos.

- No veículo encontrava-se o documento de venda, emitido pelo H… e o qual apenas estava preenchido na parte referente ao vendedor, não estando indicado o comprador: os réus, aproveitando-se do documento, sem conhecimento ou consentimento do autor preencheram a declaração de venda, apondo como comprador a 1ª Ré, preencheram outra declaração de venda, pela qual a 1ª Ré com reserva de propriedade vende o veículo ao 2º Réu. Mas "o autor nunca vendeu o veículo, nem à 1ª Ré, nem ao 2º Réu, nem nunca entregou o original da declaração de venda.

Como decorre da sentença – e repetimo-nos – o autor não tem a propriedade, desde logo, porque a sua posse não foi bastante à usucapião.

Mas dúvidas não há – sequer na sentença, arrimada na clareza dos factos apurados – que o autor possuía o veículo (conduzia-o, cuidava-o …) por período superior a seis anos, à vista de todos, sem oposição, na convicção de não lesar interesses de outros…

Diz-nos o artigo 1268 do Código Civil (CC) que o possuidor "goza da presunção da titularidade do direito, exceto se existir, a favor de outrem, presunção fundada em registo anterior ao início da posse".

E revelam os factos que o autor possuía o veículo desde a sua aquisição (2002), sendo certo que o tempo intermédio entre a atualidade e a posse mais remota - a aquisição do veículo, no caso – também se presume como tempo de posse do autor (artigo 1254, n.º 1 do CC).

O primeiro fundamento do efeito presuntivo previsto no citado n.º 1 do artigo 1268 do CC "está a publicidade da situação possessória: se determinada situação de posse se manteve durante um certo lapso de tempo, é de presumir que ela tinha título"; outros fundamentos encontram-se "nas próprias razões que justificam a tutela da posse, nomeadamente o valor de continuidade e a manutenção da paz pública" (Rui Pinto Duarte, Curso de Direitos Reais, 2.ª edição, Principia, pág. 292).

A posse é um "instrumento publicitário" e a presunção de titularidade corresponde ao domínio de facto que o possuidor vem exercendo e, em caso de conflito (conflito entre a posse, melhor entre a presunção derivada da posse e a que deriva do registo), "prevalece aquela cujo facto concludente for prioritário no tempo" (José Alberto González, Código Civil Anotado, Volume IV, Quid Iuris, 2011, pág. 44).

O efeito da posse não se confunde com a usucapião, propriamente dita (como, salvo o devido respeito, parece ter-se olvidado na sentença sob censura). A usucapião precisa da posse, com determinadas características e por determinado tempo; mas o efeito da posse, quando a usucapião não ocorre – quando não chega a acontecer – continua a ser o da presunção da titularidade do direito.

Revertendo ao caso presente, os factos revelam necessariamente que o autor tinha a posse que faz presumir a propriedade (esse o direito que deriva da "aquisição") e necessariamente que qualquer registo dos réus é forçosamente posterior (surgido depois da aquisição, em 2002).

Prevalece o direito do autor, presumido na posse que demonstrou.

Uma nota, ainda, para salientar a irrelevância de outros e eventuais factos para a solução do recurso. O recorrente entende que o tribunal se esqueceu da posse anterior à aquisição (em 2002), desatendendo a usucapião, por não terem entretanto decorrido dez anos. Ora, por muito que o autor antecedesse a sua posse, não nos parece que fosse possível atingir um tempo anterior ao da própria existência do veículo. A ação foi proposta em 2009 e o veículo é de 2000!

Em suma, consideramos que os factos apurados na 1.ª instância são bastantes à solução do litígio e que, por isso, não se justifica a sua reapreciação ou a repetição do julgamento.

Estes factos revelam inequivocamente que o autor possuía o veículo desde 2002 e, necessariamente, que qualquer registo dos réus é posterior a essa data.

Por isso, presume-se que o autor é o proprietário, e os réus têm que o reconhecer.

Porque se torna inútil a apreciação de outras questões, termina-se com a revogação do decidido, atenta a procedência da apelação.

3 – Sumário:
Independentemente do decurso do prazo da usucapião, a posse faz presumir a titularidade do direito e essa presunção sobrepõe-se à fundada no registo, salvo se este for anterior ao início da posse.

4 – Decisão:
Por tudo quanto se deixa dito, acorda-se na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente a presente apelação, interposta por B… e na qual são recorridos C…, Lda. e D… e, em conformidade, revogando-se a decisão da primeira instância que os absolveu, substituí-la pela presente em que se condena os réus a reconhecerem que o veículo automóvel, de matrícula ..-..-QS, de Marca Mercedes Benz, …, do ano de 2000, de cor preta, é propriedade do autor, devendo os mesmos devolverem a documentação do veículo que tenham em seu poder, determinando-se, ainda o cancelamento dos registos que, quanto a esse veículo, favoreçam os réus (e que se mostram certificados no documento junto a fls. 95 dos autos).

Custas pelos recorridos.

Porto, 1.10.2012
José Eusébio dos Santos Soeiro de Almeida
Maria Adelaide de Jesus Domingos
Ana Paula Pereira Amorim
__________________
[1] " Com relevo para a decisão da causa (….): Da petição inicial: Art. 1º - Provado apenas que, em data não concretamente apurada o A. adquiriu por compra e venda o veículo automóvel de matrícula ..-..-QS, de marca Mercedes Benz, Mod. …, do ano de 2000, de cor preta; Art. 2º - Não provado; Art. 3º - Não provado; Art. 4º.- Não provado; Art. 5º - Provado; Art. 6º.- Provado; Art. 7º - Provado; Art. 8º - Matéria conclusiva e/ou de direito; Art. 9º - Não provado; Art. 10º - Provado; Art. 11º - Provado apenas até “…comprador…”; Art. 12º - Provado apenas que “Os RR. aproveitando-se do mencionado documento, sem indicação de comprador, sem conhecimento ou consentimento do A. preencheram a declaração de venda, apondo como comprador a 1ª. Ré, preencheram outra declaração de venda, pela qual a 1ª. Ré com reserva de propriedade vende o veículo ao 2º Réu”; Art. 13º - Provado; Art. 14º - Provado; Arts. 15º a 17º - Matéria conclusiva e/ou de direito. Da contestação da 1.ª ré(…): Art. 3.º - Provado desde o "corréu…"; Artigo 4.º - Provado; Art. 5.º - Provado apenas desde "a ré" até "já aconteceu"; Art. 6.º - Provado apenas e com o esclarecimento que "aquando a 1.ª ré intermediou esta operação de compra e de venda, o veículo estava na posse do corréu D… e se intitulava ser seu dono, exibindo a declaração de venda, a qual tinha por preencher o adquirente do veículo"
[2] Sublinhados nossos.

Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico - convertido pelo Lince.