Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0655996
Nº Convencional: JTRP00039767
Relator: FONSECA RAMOS
Descritores: REGISTO DA ACÇÃO
CITAÇÃO
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
REGISTO PROVISÓRIO
Nº do Documento: RP200611200655996
Data do Acordão: 11/20/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 290 - FLS. 148.
Área Temática: .
Sumário: I) - É prematuro e deve ser indeferido o requerimento feito pelo Autor para rectificação de uma escritura de acessão imobiliária, se um dos RR. na acção ainda não foi citado, mau grado o registo da acção ter sido efectuado – além de provisório por natureza – também por dúvidas pelo facto de as áreas de um prédio aludido nessa escritura não coincidirem com a descrição predial e a matriz, facto que é imputado aos RR.
II) – O registo da acção – art. 291º do Código Civil – tem natureza cautelar, traduzindo-se numa antecipação do registo da sentença em caso de procedência.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

B…………, Ldª”, intentou, em 11.7.2005, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Santa Maria da Feira – …..º Juízo Cível – acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra:

– C………….
– D………….

Pedindo que julgada procedente e provada:

1. Seja o l° Réu condenado a reconhecer que deve à Autora a quantia de € 22.420,37 (vinte e dois mil quatrocentos e vinte euros e trinta cêntimos), acrescida de juros vincendos, até integral pagamento;

2. Seja declarado que a 2ª Ré é legítima proprietária dos artigos 61º urbano, descrito com o n° 1588/180702 e do artigo 920° rústico, descrito com o n°1587/180702;

3. Seja declarado que ambos os Réus são legítimos proprietários do prédio descrito com o n°1588/180702, e do artigo 920° rústico, descrito com o n°1587/180702;

3. Seja declarado que ambos os Réus são legítimos proprietários do prédio com o artigo 1712º urbano, descrito com o n°1589/180702;

4. Seja declarada nula a escritura pública, outorgada no dia 09 de Fevereiro de 2004, no Primeiro Cartório Notarial de Santa Maria da Feira, exarada no Livro n°251 – I, de fls. 148 a 149, ordenando-se o averbamento na referido livro.

5. Seja ordenada a revogação de todos os actos praticados na 3ª Repartição de Finanças de Santa Maria da Feira, que tiveram por base a escritura de Acessão Imobiliária, nomeadamente, as alterações feitas na matriz urbana com o artigo 1712°, sob o Proc°Rec°Admª n°59/2004 e Proc°-Rec°-Admª n°63/2004 ordenando-se, assim, que na matriz urbana 1712° passe a constar a informação que constava antes da apresentação da escritura de Acessão Imobiliária, ou seja, passe a constar como titular: C……... .

6. Seja ordenando o cancelamento de todos os actos registrais que tiveram actos, por sua vez, baseados na escritura de Acessão Imobiliária, nomeadamente:

- na descrição 01589/180702 da freguesia de Lobão, com o artigo urbano n° 1712, ser cancelada/extinta a “Ap. 23/220304 – Av.l” e a inscrição G-l e G-2;
- na descrição 01588/180702 da freguesia de ….., com o artigo urbano n° 61, ser cancelada/extinta a “Ap.23/220304 – Av.l” e “OF Ap.23/220304-An.l;
- na descrição 01587/180702 da freguesia de ….., com o artigo rústico n° 920, ser cancelada/extinta a “Ap.23/220304 – Av.l” e “OF – Ap.23/220304-An.l”

Se assim não se entender.

7. Seja julgada provada e procedente a impugnação dos actos consubstanciados na referida escritura e, por via disso, ser reconhecido à Autora, o direito à restituição dos bens até ao montante da satisfação do seu crédito, assim como ao direito de executá-los no património dos Réus e de praticar actos de conversão de garantia patrimonial que a Lei autoriza, ordenando inclusive o cancelamento dos registos que tenham sido feitos com base na escritura referida.

8. Ser ordenado o cancelamento de quaisquer registos que na Conservatória de Registo Predial venham a ser efectuados, relativamente ao imóvel mencionado na presente petição inicial.

A Autora requereu, na Conservatória do Registo Predial, o registo da acção em 4.8.2005, tendo a 7.9.2005 sido tal registo “lavrado provisoriamente por dúvidas uma vez que diverge a área do prédio entre a descrição predial e a matriz (área coberta e descoberta)”.

Nesses termos requereu a ora recorrente, a 27 de Outubro de 2005, que a 2ª Ré fosse notificada para vir rectificar as áreas onde erradas, no prazo máximo de dois meses atento o prazo de seis meses para conversão de dúvidas que se encontrava a decorrer.

A Autora reiterou, em Janeiro de 2006, todo o conteúdo do requerimento apresentado em 27 de Outubro de 2005, que foi indeferido por despacho de fls. 152 (49 da certidão junta) do seguinte teor:

“Indefere-se o solicitado, uma vez que um dos demandados ainda não foi citado, sendo certo que a provisoriedade do registo não obsta a que a acção prossiga após os articulados”.

***

Inconformada recorreu a Autora que, alegando, formulou as seguintes conclusões:

1 - O registo da acção, não tem que ver com a citação dos Réus.

2 - Nos termos do artigo 3º, nº 1, al. b) do C.R.P., a presente acção está sujeito a registo, sendo, por via dessa disposição legal, obrigatório.

3 - Logo após a entrega da petição inicial na secretaria judicial a parte tem o direito e o dever de pedir o registo provisório da acção, independentemente da citação dos Réus.

4 - O fim que visa o registo da acção – dar publicidade da situação jurídica daquele prédio, garantido desse modo o comércio jurídico e a aquisição por terceiros de boa fé do prédio objecto de registo – nada tem que ver com a citação dos Réus.

5 - Tal raciocínio poria em causa todo o efeito útil do registo da acção.

6 - Com o registo da acção pretende-se acautelar eventuais transmissões a terceiros de boa-fé. Os Réus ao tomarem conhecimento, por efeito da citação, de que contra si impende uma acção que tem como objecto determinado imóvel, poderiam no prazo que têm para praticar qualquer acto, fazer essa alienação, ficando os objectivos do registo, designadamente a publicidade registral, esvaziada, só porque se exige que antes do registo se proceda à citação dos Réus.

7 - “O registo destina-se, para além do mais, a dar conhecimento a terceiros de que determinada coisa está a ser objecto de litígio e a adverti-los de que devem abster-se de adquirir sobre ela direitos incompatíveis com o direito invocado pelo autor, sob pena de terem de suportar os efeitos da decisão, que a tal respeito venha a ser proferida, mesmo que não intervenha no processo”.

8 - O registo dá publicidade e estende a terceiros a força do caso julgado, nos termos do art.271, nº3, do Código de Processo Civil.

9 - O registo da presente acção foi apresentado e ficou provisório por natureza, como se impõe, e por dúvidas, porque não obstante não haver motivo para a recusa, ocorrem factos que obstam ao registo tal como ele é pedido.

10 - Se quanto à natureza este tipo de registo é sempre provisório, art. 92, n° 1, al. a) do C.R.P. não impedindo deste modo o prosseguimento da acção após os articulados, já o mesmo não acontece quando fica provisório por dúvidas.

11 - Se tais dúvidas não forem removidas no prazo de seis meses a contar da notificação, o mesmo caduca, deixando de haver registo daquela acção – art. 11, nº2, do C.R.P.

12 - É requisito de procedebilidade da acção o registo, artigo 3º, n°2, do C.R.P., sendo que o facto de ficar provisório não obsta ao prosseguimento da mesma, o que só ocorre se essa provisoriedade for quanto à natureza, já não será assim quando a provisoriedade é por dúvidas.

13 - Se as dúvidas não forem removidas determina a caducidade do registo, logo, deixa de existir e de dar publicidade da situação registral daquele prédio e, impede que a acção prossiga, art. 3º, n°2, do C.R.P..

14 - Com o registo da acção visa-se dar publicidade à efectiva situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário.

15 - Assim com o registo da acção impede-se o registo definitivo das subsequentes alienações, acautelando-se por um lado o interesse do credor e por outro lado dos terceiros adquirentes de boa-fé.

16 - Ao ser entendido de outra forma, designadamente, como motivo para a suspensão da instância até que se mostrasse efectuado o registo, o instituto do registo da acção perderia todo seu efeito útil.

17 - Pretende-se com isto que os factos registados sejam oponíveis a terceiros, designadamente, adquirentes de boa-fé, que sem o prévio registo da acção podem adquirir sem que nunca lhe possam ser oponíveis os efeitos de uma possível sentença condenatória.
18 - Ao decidir nos termos em que o fez no despacho ora posto em crise andou manifestamente mal o Tribunal “a quo”, pois deste modo permite que um 3º adquirente de boa-fé adquira o prédio objecto do presente litigio sem que a Autora lhe possa opor os efeitos de uma sentença condenatória.

19 - Deste modo violou o douto despacho ora recorrido os art. 1° e 3º do C.R.P., e art. 271º do Código de Processo Civil.

Nestes termos, revogando o douto despacho em recurso, e substituindo-o por outro que ordene a notificação da Ré para rectificar as áreas coberta e descoberta do prédio descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial Santa Maria da Feira, com o n°01589/ 180702 e inscrito na 3ª Repartição de Finanças de Santa Maria da Feira com o no 1712, no prazo de dois meses, sob pena de ser condenada em multa nos termos do art. 519°, nº2 do Código de Processo Civil, farão, como sempre, a habitual Justiça.

Não houve contra-alegações.

O Senhor Juiz sustentou o seu despacho.

Colhidos os vistos legais cumpre decidir:
***

A matéria de facto relevante é a que consta do relatório:

Fundamentação:

Sendo pelo teor das conclusões das alegações do recorrente que se delimita o objecto do recurso, afora as questões de conhecimento oficioso, importa saber se, mesmo antes de ter sido citado um dos Réus, deveria a 2ª Ré ter sido notificada para proceder à rectificação requerida pela Autora, em função dos motivos pelos quais o registo que requereu, ficara provisório por dúvidas.

Nos 68 complexos artigos da petição inicial e nos oito pedidos formulados, a Autora visa a anulação (cancelamento) de actos registrais e substantivos relativos a imóveis, actos que imputa a conduta ilícitas de ambos os RR.

A acção está inquestionavelmente sujeita a registo – art.3º, nº1, a) e b) do C.R.Predial conjugado com o art. 2º, nº1, a) do mesmo diploma.

Como se sabe só com a citação dos RR. se estabiliza a instância e operam os demais efeitos substantivos e processuais ligados a esse acto – art. 481º, b) do Código de Processo Civil – a citação “torna estáveis os elementos essenciais da causa nos termos do art. 268º”

Com efeito o art. 268º estatui: “Citado o réu a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei”.

Ora, a Autora, pretendeu registar a acção para se prevalecer do regime legal do art. 291º do Código de Processo Civil.

“1. A declaração de nulidade ou a anulação do negócio jurídico que respeite a bens imóveis, ou a móveis sujeitos a registo, não prejudica os direitos adquiridos sobre os mesmos bens, a título oneroso, por terceiro de boa fé, se o registo da aquisição for anterior ao registo da acção de nulidade ou anulação ou ao registo do acordo entre as partes acerca da negócio.
2. Os direitos de terceiro não são, todavia, reconhecidos, se a acção for proposta e registada dentro dos três anos posteriores à conclusão do negócio.
3. É considerado de boa fé o terceiro adquirente que no momento da aquisição desconhecia, sem culpa, o vício do negócio nulo ou anulável.”

O registo desta acção, nos termos do art. 92º, nº1º al. a) do CRP, é pedido como provisório por natureza.

Todavia, o registo em causa ficou lavrado, provisoriamente por dúvidas, pelo facto da área do prédio divergir, entre a descrição predial e da matriz (área coberta e descoberta).

Esta divergência que a Autora atribui a actos praticados pelos RR. advirá de alterações matriciais com base em escritura de acessão imobiliária relativa a vários prédios, actos em que intervieram os RR.

Ao pedir a rectificação, a ser levada a cabo pela 2ª Ré, a Autora tem por adquirido que essa rectificação é necessária – em termos registrais – porque houve uma a actuação ilícita dos RR.

Daí que, não tendo, sequer, sido citado um dos demandados, que assim ignora totalmente a pretensão da Autora, e tudo levando a crer que a acção visa a condenação solidária de ambos, importa a nosso ver, esperar pela citação do Réu que ainda o não foi, já que não é de excluir que a contestação de um deles possa aproveitar a outro.

Imagine-se que um deles nem sequer contesta.

O facto do registo poder vir a caducar exprime e um risco corrido pela Autora que, antes da citação dos RR., se aprestou a registar a acção.

Se, desde já, se ordenasse a notificação para a 2ª Ré – admitindo que ela já foi citada – proceder à rectificação nos termos requeridos pela Autora, apenas para que o registo deixasse de o ser por dúvidas, em função da discrepância das áreas, bem poderia suceder que antes de apreciado o mérito da acção já a Autora visse uma pretensão sua contemplada, sem que, sequer, se tivesse estabelecido o contraditório na sua plenitude.

O registo de uma acção tem natureza cautelar, traduzindo-se numa antecipação do registo da sentença de procedência.

“Com o registo e a publicidade que lhe é inerente, os terceiros ficarão a par do litígio a respeito do prédio em causa, e, logo, advertidos de que se devem abster de adquirir sobre ele direitos incompatíveis com o invocado pelo autor, sob pena de terem de suportar os efeitos da decisão que venha no final do pleito a ser proferida. (assim, Antunes Varela, RLJ. 103º, 483/85, Vaz Serra, na mesma Revista, 474/475, Seabra de Magalhães, “Estudos do Registo Predial”, e Ac. da Relação de Lisboa de 27/6/91, C.J. XVI - 1991, T. III, 174)” – Acórdão da Relação de Coimbra de 23 Novembro de 1999, in CJ, 1999, V, 35.

Não sendo deferida a notificação, sendo a inscrição, também provisória por dúvidas – arts. 53º e 92º, nº3, do C.R. Predial, nada impede o prosseguimento da acção, em nada resultando prejudicada a pretensão da recorrente, vindo ela a pedir a notificação após a citação do Réu que ainda o não o foi.

Pode acontecer, se a citação for demorada, que o registo caduque mas não é esse o argumento decisivo para que o Tribunal tivesse deferido a pretensão.

Segundo o art. 70º do C.R. Predial – “O registo deve ser feito provisoriamente por dúvidas quando exista motivo que, não sendo fundamento de recusa, obste ao registo do acto, tal como é pedido”.

É largamente dominante a jurisprudência que afirma que o registo provisório da acção, ainda que por dúvidas, não deve ser obstáculo ao prosseguimento da acção –cfr. inter alia, Acórdão da Relação do Porto de 27.10.94, B.M.J. 440-550 e da Relação de Évora de 22.10.92, in BMJ. 420-674.

Entendemos que o despacho recorrido não merece censura.

Decisão:

Nestes termos, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando o despacho em crise.

Custas pela agravante.

Porto, 20 de Novembro de 2006
António José Pinto da Fonseca Ramos
Rui de Sousa Pinto Ferreira
Joaquim Matias de Carvalho Marques Pereira