Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
231/13.3TPPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DO CARMO SILVA DIAS
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
AFIXAÇÃO DE PREÇO
DIREITO À INFORMAÇÃO
Nº do Documento: RP20140312231/13.3TPPRT.P1
Data do Acordão: 03/12/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Integra a contraordenação p. e p. pelos art.ºs 8º e 11º do DL 138/90, de 26.4, alterado e republicado pelo DL 162/99, de 13.5, a exposição, em montra exterior de estabelecimento comercial e em vitrinas situadas no seu interior, de diversos tipos de calçado e de carteiras respectivamente, com preço não visível para o público.
II – A lei (DL 138/90) visa garantir, de forma eficaz e concreta, o direito à informação do consumidor (o que igualmente se harmoniza com os art.ºs 3º e 8º da Lei 34/96, de 31.6, que estabelece o regime legal aplicável à defesa dos consumidores), incluindo informação inequívoca, precisa, facilmente reconhecível e perfeitamente legível do preço dos bens destinados à venda.
III - O direito de informação do consumidor deve conter todas as condições necessárias para avaliar, comparar preços, escolher e decidir com mais informação e conhecimento no momento da compra, assim se assegurando igualmente uma maior transparência no funcionamento do mercado.
IV - O consumidor tem o direito de ler e conhecer o teor da etiqueta e, portanto, ver o preço do bem exposto na montra e vitrinas existentes na loja, sem precisar de contactar com os empregados ou com o vendedor e sem ter de, para esse efeito (para ver o preço ou a etiqueta), tocar no bem exposto.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: (proc. n º 231/13.3TPPRT.P1)
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Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto:
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I- RELATÓRIO
1. No 2º Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal do Porto, nos autos de recurso de contra-ordenação nº 231/13.3.TPPRT, após realização de audiência de julgamento, foi proferida sentença, em 15.11.2013 (fls. 187 a 195), constando do dispositivo o seguinte:
Pelo exposto, julgo o presente recurso de contra-ordenação improcedente e, consequentemente:
Condeno a recorrente B…, S.A.”, pela prática da contra-ordenação, prevista e sancionada pelos artigos 8º, nº 1, 11º, nº 1, a) do D.L. nº 138/90, de 26/04, alterado e republicado pelo D.L. 162/99, de 13/05, na coima no montante de €3,325, 32 (três mil, trezentos e vinte e cinco euros e trinta e dois cêntimos).
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Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC, tendo-se em consideração a taxa de justiça já paga (cfr. artigos 93º, nº 3 e 94º, nº 3, ambos do D.L. nº 433/82, com a redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 356/89, de 17 de Outubro e Decreto-Lei nº 244/95, de 14 de Setembro e artigo 8º, nº 7 do Regulamento das Custas Processuais).
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Notifique e cumpra, oportunamente, o disposto no artigo 70º, nº 4 do Decreto-Lei nº 433/82, com a redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 356/89, de 17 de Outubro e Decreto-Lei nº 244/95, de 14 de Setembro.
(…)
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2. Não se conformando com essa decisão, a arguida B…, SA interpôs recurso (fls. 201 a 217), apresentando as seguintes conclusões:
a) Não se conformando a Recorrente com a douta sentença de fls…, que determinou, a improcedência, do recurso de contra-ordenação e condenou a Recorrente no pagamento de uma coima no valor de € 3.325,32 (três mil, trezentos e vinte e cinco euros e trinta e dois cêntimos) pela prática de uma contra-ordenação por infracção ao disposto no n.º1 do art. 8º, al. a) do n.º 1 do art. 11º do Decreto-Lei n.º 138/90 de 26 de Abril, na redacção do Decreto-Lei n.º 162/99 de 13 de Maio, vem interpor recurso, porquanto mal andou a Sentença de fls… uma vez que são patentes as contradições decorrentes da factualidade provada com a fundamentação e a sua insuficiência para a determinação do tipo objectivo e subjectivo das infracções e a consequente subsunção ao Direito.
b) Concretamente, em face do quadro factológico provado e transcrito supra entendeu a Meritíssima Juíza a quo subsumi-lo ao disposto no n.º1 do art. 8º do Decreto-Lei n.º 138/90, de 26 de Abril na redacção do Decreto-Lei n.º 162/99 de 13 de Maio, pese embora apenas considere como provado que a aqui Recorrente “(…) Na montra do estabelecimento que confronta com o passeio, encontravam-se expostos diversos tipos de calçado com preço de forma não visível do exterior. (…)” e “(…) 3-No interior da loja constavam duas vitrines com carteiras expostas, com preço de forma não visível ao público. (…)”.
c) Ora, dispõe o n.º1 do art. 8º do Decreto-Lei n.º 138/90, de 26 de Abril na redacção do Decreto-Lei n.º 162/99 de 13 de Maio o seguinte:“1- Os bens expostos em montras ou vitrinas, visíveis pelo público do exterior do estabelecimento ou no seu interior, devem ser objecto de uma marcação complementar, quando as respectivas etiquetas não sejam perfeitamente visíveis, sem prejuízo do disposto no n.º5 do artigo 5º. (…).” e, por seu turno, estabelece a al. a) do n.º1 do art. 11º do Decreto-Lei n.º 138/90, de 26 de Abril na redacção do Decreto-Lei n.º 162/99 de 13 de Maio o seguinte:“1 – As infracções ao disposto nos artigos (…) 8º (…) do presente diploma constituem contra-ordenação (…).”
d) Donde se alcança que, são elementos do tipo objectivo contra-ordenacional a exposição de bens em montras ou vitrinas, que sejam visíveis do público, quer no exterior, quer no interior quando as respectivas etiquetas não sejam perfeitamente visíveis.
e) Aliás neste sentido decidiu quanto a situação semelhante à dos presentes autos este Tribunal da Relação: “(…) Não integra a contra-ordenação de “afixação de preços” previsto e punido pelos artigos 5, 8 e 11 do Decreto-lei n.138/90, de 26 de Abril, na redacção do Decreto-lei n.162/99, de 13 de M, a conducta do arguido que nas montras do seu estabelecimento tinha exposto para venda ao público diversas peças de roupa, sem que possuíssem afixados de forma visível para o público, do seu exterior, os respectivos preços (…).”
f) Mais acrescenta que “(…) a visibilidade para o exterior, a que se refere o normativo é da mercadoria (“Os bens expostos em montras ou vitrinas, visíveis para o público do exterior do estabelecimento ou no seu interior…”) – e não da etiqueta. (…).”e “(…) ainda que se entenda que a exigida visibilidade respeita à “afixação do preço”, há uma distinção que reputamos da maior importância: o que constitui elemento de facto essencial para se verificar preenchido o tipo é a «existência» de afixação de preço, é a existência de uma etiqueta. (…).”
g) Ora, no caso concreto e de acordo com o quadro factológico provado, todos os produtos se encontravam etiquetados, ou seja, com informação cerca do preço, pelo que não se encontra preenchido o elemento objectivo do tipo, logo inexiste infracção, aliás a considerar-se a sua existência teria que estar em causa a intenção de o agente ocultar o preço ao cliente que não se aproxima e não contacta o vendedor e não lhe revela que está interessado na aquisição de um determinado bem.
h) O objectivo desta regulamentação é obstar à não etiquetagem, não afixação do preço, pois apenas nestas circunstâncias o cliente poderá ser iludido e/ou enganado, ao passo que no caso dos presentes autos, tal jamais sucederia, porquanto o preço se encontrava junto da peça ou bem que o hipotético cliente pretendia adquirir, pois está sempre em tempo e em condições de se informar do preço, ao analisar a peça pretendida, na medida em que jamais poderá ser iludido ou enganado e ficar com dúvidas, porquanto os preços se encontram afixados nos produtos e bens que eventualmente pretenda adquirir.
i) Em face do exposto e da fundamentação da sentença de fls… é legítima a questão: que diferença poderá existir entre uma peça que se encontre numa montra, vitrina no interior do estabelecimento e aquela que se encontra à mão do cliente dentro do estabelecimento no local respectivo? A resposta apenas poderá ser uma: nenhuma! Tanto mais que é comum e usual a etiqueta encontrar-se no interior das peças, bens e/ou produtos, logo inexiste justificação legal para o tratamento diferenciado entre a peça depositada na vitrine e/ou montra e a peça que se encontre no interior do estabelecimento e muitas peças expostas dentro do estabelecimento, donde não seja legítima a equiparação entre a falta de afixação de preço e a etiqueta não se encontrar visível do exterior, porque no interior do produto.
j) Destarte, ao invés do preconizado na Sentença de fls…, não é suficiente a prova de que os preços não eram visíveis do exterior para que se conclua que a conduta da aqui Recorrente é ilícita e contrária à lei e, por isso consubstancia uma contra-ordenação, para tanto, impunha-se a prova de que, os produtos comercializados no estabelecimento, não eram visíveis para o exterior e que não tinham os respectivos preços afixados, razão pela qual, a conducta da aqui Recorrente não se enquadra no dispositivo da norma, pelo que não têm a virtualidade de desencadear a aplicação de qualquer coima.
k) Assim, à guisa de conclusão, salvo o devido respeito, mal andou o Tribunal a quo ao subsumir, ao invés do preconizado na lei a conduta da aqui Recorrente ao preceituado no disposto no n.º1 do art. 8º do Decreto-Lei n.º 138/90, de 26 de Abril na redacção do Decreto-Lei n.º 162/99 de 13 de Maio - Resulta assim evidenciada a insuficiência da matéria de facto provada para a conclusão de que a aqui Recorrente cometeu a infracção pela qual vem condenada, ou seja para o preenchimento do tipo objectivo da contra-ordenação.
l) Logo, falece a fundamentação do Tribunal a quo em detrimento da factualidade provada, sendo nula a sentença nesta parte e, em consequência não é susceptível de aplicação de coima.
m) Por outro lado, à semelhança do expendido acerca do tipo objectivo e, que apenas por mera cautela de patrocinio se admite o seu preenchimento, a verdade é que não resulta do quadro factológico dado como provado factos que sejam idóneos a integrar o tipo subjectivo, designadamente que a aqui recorrente agiu com dolo, pois este é constituído pelo elemento intelectual (conhecimento dos factos constitutivos do tipo de ilícito) e pelo elemento volitivo (direcção de uma vontade para um determinado comportamento) e, esta, face ao disposto no art. 14º do CP, aplicável ex vi art. 32º do RGCO divide-se em três modalidades: dolo directo, dolo eventual e dolo necessário e,
No caso concreto, a contrario do preconizado na Sentença de fls… não resulta apurada qualquer factualidade que permita concluir que a Arguida pretendeu desrespeitar voluntariamente a norma contra-ordenacional aqui em causa e que se tenha conformado com esse resultado; Acrescente-se ainda que, também não agiu negligentemente, uma vez que todos os produtos que se encontravam no seu estabelecimento, montra e vitrinas se encontravam devidamente etiquetados com referência ao preço e, apenas se verifica negligência quando o agente actue com omissão dos deveres de cuidado a que está obrigado, segundo as circunstâncias, os seus conhecimentos e capacidades pessoais e, nos termos do art. 15º do CP, pode revestir duas modalidades, ou seja negligência consciente ou, negligência inconsciente.
n) Não se compaginando a conduta da aqui Recorrente com uma conduta negligente, quer na modalidade consciente, quer na modalidade inconsciente, tanto mais que, reitere-se todos os produtos, maxime sapatos e malas se encontravam etiquetados ou seja, com informação cerca do preço e acessíveis aos hipotéticos e interessados cliente, conclui-se que inexiste violação do dever de cuidado, logo não se encontram preenchidos, à semelhança do que sucede quanto aos elementos do tipo objectivo, os elementos do tipo subjectivo.
o) Por outro lado, ressaltam da leitura da Sentença de que ora se recorre, as dificuldades para determinação da medida da coima aplicada à Recorrente, ou seja, atento o quadro factológico dado como provado e não provado, a Meritíssima Juiz a quo concluiu que a Recorrente afixou os preços nos produtos, sapatos e malas, de forma não visível do exterior e, fê-lo dolosamente, ou seja, de forma propositada, conformando-se com o resultado dessa conducta - resultando, assim evidenciada a culpa e gravidade da actuação da Recorrente como elevadas, uma vez que está em causa a protecção dos interesses dos consumidores e, nesta conformidade entendeu a Meritíssima Juiz a quo, aquando da determinação da medida da coima, aplicar à Recorrente uma coima no valor de € 3.325,32 (três mil, trezentos e vinte e cinco euros e trinta e dois cêntimos), sendo que a moldura é variável entre € 2.493,99 (dois mil, quatrocentos e noventa e três euros e noventa e nove cêntimos) e € 29.927,87 (vinte e nove mil, novecentos e vinte e sete euros e oitenta e sete cêntimos).
p) Apreciando o conteúdo da fundamentação da sentença de que se recorre e a análise da factualidade provada, facilmente se alcança que, ao entender-se pela aplicação de uma sanção à Recorrente, ao longo de todo o processado que se encontram reunidos os pressupostos para aplicação de uma admoestação – art. 51º RGCO.
q) Ao que acresce o facto de a Recorrente ser primária, a sua actuação não se prolongar no tempo, bem como não reiterou as condutas que lhe foram imputadas e nada se provou quanto ao benefício económico eventualmente obtido, logo a sanção aplicável não poderá ir para além de uma admoestação, assegurando-se assim, tanto em geral como em especial o fim preventivo da punição.
r) Mais, não resultou provado dos autos que a conducta da Arguida, aqui Recorrente, em concreto tenha prejudicado e/ou lesado os interesses dos consumidores, aliás os presentes autos não resultaram de qualquer reclamação, queixa ou denúncia efectuada por um eventual lesado e, nesta esteira a verdade é que as necessidades de prevenção geral e especiais das normas punitivas ficam desde logo preenchidas com a aplicação de uma sanção de Admoestação, face ao disposto no art. 51º do RGCO.
s) Por outro lado, e sem conceder, mal andou o Tribunal a quo ao aplicar à aqui Recorrente coima no valor de € 3.325,32 (três mil, trezentos e vinte e cinco euros e trinta e dois cêntimos) – estriba a sua opção e quantificação no seguinte: “(…) a culpa e a gravidade da infracção são elevadas, já que se visa proteger os interesses dos consumidores. (…) Não foi possível apurar a vantagem patrimonial obtida com a infracção cometida. Da factualidade provada, resulta que a arguida declarou perante a Administração Fiscal relativamente ao ano de 2012, um resultado líquido de €2.444.859,75.Não sendo a culpa da arguida diminuta, consideramos que a mera admoestação não é suficiente na situação em apreço. (…).”
t) Ora, com o devido respeito, não pode o Recorrente concordar e conformar-se com tal fundamentação, porquanto a mesma é insuficiente e inidónea a concluir pela aplicação de uma coima de valor superior ao limite mínimo legal, pois, apreciando o conteúdo da fundamentação da sentença de que se recorre e a análise da factualidade provada, facilmente se alcança que, ao longo de todo o processado foram olvidados os princípios basilares de determinação da medida da coima, cuja fixação se baseou em meras suposições – art. 18º RGCO.
u) Impõe-se assim reiterar que a gravidade da infracção resulta da respectiva ilicitude que se define em função da maior ou menor desconformidade dos factos relativamente às normas do ordenamento jurídico; e, essa maior ou menor desconformidade terá que ser ponderada a partir de um conjunto de circunstâncias subjacentes à prática dos factos, incluindo as características decorrentes do modo de execução dos factos, na parte em que se refiram ao desvalor; No que tange à culpa, esta integra um juízo de censura dirigido ao agente, pelo facto de tendo podido agir em conformidade com os deveres e no cumprimento das normas o não ter feito.
v) Ao determinar a medida da coima a Meritíssima Juiz a quo ignorou as condições em que a mesma foi praticada e o facto de ter causado qualquer prejuízo aos consumidores. Tendo necessariamente que concluir que não causou.
w) Importa ainda não descurar que a Recorrente é primária, que a sua actuação não se prolongou no tempo, bem como não reiterou a conduta que lhe é imputada e nada se provou quanto ao benefício económico eventualmente obtido, logo a medida da coima terá que se fixar, necessariamente no seu limite mínimo, assegurando-se assim, tanto em geral como em especial o fim preventivo da punição.
x) Ora, a graduação entre os limites mínimo e máximo da coima far-se-á atento o maior ou menor volume do benefício económico obtido, que in casu, não se apurou.
y) Viola assim a Sentença de fls…, o disposto no n.º1 do art. 8º e al. a) do n.º 1 do art. 11º do Decreto-Lei n.º 138/90 de 26 de Abril na redacção do Decreto-lei n.º 161/99 de 13 de Maio, o art. 18º e art 51º do Regime Geral das Contra Ordenações.
Termina pedindo que seja revogada a sentença impugnada, com a sua consequente absolvição ou, em alternativa, lhe seja aplicada uma admoestação ou, ainda em alternativa, seja reduzida a coima ao seu limite mínimo.
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3. O Ministério Público respondeu ao recurso (fls. 224 a 227), concluindo dever ser mantida a decisão sob recurso.
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4. Nesta Relação, o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer (fls.235 e 236) no sentido da improcedência do recurso.
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5. Foi cumprido o disposto no art. 417º, nº 2, do CPP.
Colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
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6. Por decisão da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica, proferida em 8.3.2013 (fls. 41 a 46), foi aplicada à arguida B…, S.A. a coima de € 3.325,32, pela prática da contra-ordenação p. e p. nos artigos 8º, nº 1 e 11º, nº 1, b), do DL nº 138/90, de 26.4, alterado e republicado pelo DL nº 162/99, de 13.5.
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7. A mesma arguida impugnou judicialmente essa decisão administrativa (pedindo a revogação da decisão impugnada, a sua absolvição e consequente arquivamento dos autos), apresentando, em síntese, de acordo com o que consta da sentença sob recurso, as seguintes conclusões:
- a decisão administrativa deve conter, sob pena de nulidade, designadamente, os factos que fundamentam a aplicação à Arguida de uma pena ou medida de segurança, incluindo o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada, estando a autoridade administrativa ainda submetida aos mesmos deveres que as entidades competentes para o processo penal, designadamente ao dever de fundamentação, sempre que profere decisão que aplique uma coima, tudo nos termos conjugados dos art.s 41.º, n.º 2 e 58.º do RGCO, e 83º, nº 3, 374º, n.º2 e 3 e 379.º, n.º1, al. a) do CPP;
- considera a Autoridade Administrativa que no dia 02/12/2010, pelas 15h20m, no estabelecimento de venda a retalho de sapatos, denominado “B1…”, sito na Rua …, n.º …, Porto, foi verificado o seguinte: falta de visibilidade do exterior dos preços de bens expostos em montras;
- sucede que, da análise da Decisão impugnada, inexiste desde logo a mínima referência a qualquer actividade ou facto que consubstancie a conclusão de que a Arguida agiu dolosamente, quando apenas constitui contra-ordenação o “(…) facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal no qual se comine uma coima.”, nos termos do disposto no art.º 1 do RGCO, ou seja, sem referência à matéria de facto, jamais se poderá imputar à Arguida uma actuação dolosa, na medida em que aquele conceito jurídico carece de ser factualmente integrado;
- dispõe o art.º 58º do RGCO que, para além da identificação dos arguidos, a decisão administrativa deverá conter a indicação dos factos imputados, com indicação das provas obtidas, a indicação das normas punitivas e a fundamentação, em tributo dos mais elementares princípios do direito sancionatório que visam, sobretudo, a salvaguarda do direito de defesa dos Arguidos, pelo que sob pena de nulidade, deve a Decisão Administrativa conter todos estes elementos;
- e, de facto, da análise da Decisão impugnada, constata-se que dela não consta toda a fundamentação relevante e o enquadramento jurídico dos factos mais pertinentes, inexistindo desde logo a mínima referência a qualquer actividade ou facto que consubstancie a conclusão de que a Arguida agiu dolosamente, quando apenas constitui contra-ordenação o “(…) facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal no qual se comine uma coima.”, nos termos do disposto no art.º 1 do RGCO;
- ao que acresce o facto de a aqui Recorrente nunca ter sido notificada das fotografias referidas na presente Decisão como parte da prova documental, pelo que, é evidente que não foi notificada de todos os meios de prova nos quais a presente Decisão faz fé;
- refere a Autoridade Administrativa que a infracção reveste a forma de gravidade média, porque foi limitado o direito dos consumidores à informação dos preços. Ora, tal não se compreende na medida em que tem os preços devidamente afixados;
- neste sentido concretiza o Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 20-06-2001 quando refere que “(…) o cliente está sempre em tempo e em condições de se informar do preço, ao analisar a peça que pretenda. Jamais ele poderá ser iludido ou enganado, jamais ele poderá ficar com dúvidas, porquanto o preço está junto da peça a adquirir (…)”;
- pelo que e evidente que não há sequer imputação objectiva do facto à Arguida, porquanto esta tinha os preços devidamente identificados nos seus produtos;
- mais, vem a autoridade administrativa aplicar coima a aqui Arguida, em completo desconhecimento se houve representação ou conformação ou não com a realização do facto, não se pode subsumir uma actuação a um determinado tipo de dolo (não o fazendo a autoridade administrativa na Decisão) sem antes integrar factualmente aquele conceito jurídico;
- por todos os referidos motivos, a decisão está ferida de nulidade, pois não respeita as normas já devidamente enunciadas, devendo ser ordenado logo por aqui o arquivamento dos presentes autos e a Arguida deles absolvida;
- conhece e cumpre todas as obrigações respeitantes à prossecução da sua actividade de comercialização de calçado e produtos afins, não sendo a obrigação da visibilidade exterior dos preços de artigos expostos quer nas montras exteriores quer nas montras/vitrines no interior da loja;
- ora, no momento da chegada dos inspectores da ASAE estava em curso a remodelação das montras, sendo norma ocorrerem várias remodelações ao longo da semana de modo a cativar os consumidores com mais e diferentes produtos, pelo que por essa razão somente certos produtos ainda não apresentavam os preços de forma visível do exterior, apesar de estarem individualmente etiquetados, sendo assim uma situação meramente temporária;
- acrescente-se, ainda, o facto do art.º 8º, n.º 1, não obrigar, sem mais, uma marcação complementar dos produtos expostos nas montras e visíveis pelo público do exterior do estabelecimento, mas apenas “quando as respectivas etiquetas não sejam perfeitamente visíveis”.Nada sendo mencionado sobre se os produtos se encontravam devidamente etiquetados, se as etiquetas eram ou não visíveis do exterior, uma vez que desse modo a Arguida ficaria até dispensada da marcação complementar dos preços.
- o que demonstra, mais uma vez, que o auto de notícia, assim como a presente Decisão, se limitam a indicar factos objectivos, não todos os essenciais;
- pelo que não se encontram preenchidos os pressupostos da responsabilidade contra-ordenacional, soçobrando a possibilidade de imputação objectiva, como aliás decidiu o citado Ac. do Tribunal da Relação do Porto;
- sendo imprescindível para alem da imputação objectiva, que se proceda à imputação subjectiva da conduta ao arguido, o que não foi nem poderá ser feito uma vez que inexiste factualidade passível se der reconduzida a qualquer daqueles modos volitivos. Não se retiram dos autos quaisquer elementos que demonstrem que representou a sua conduta, que actuou com intenção ou que se conformou com aquela realização;
- todos os referidos motivos têm natural implicação, quer quanto à imputação do elemento subjectivo da infracção à ora Arguida, quer mesmo quanto à determinação da medida da coima;
- e se não existem dúvidas que não praticou as infracções a título de dolo, esclarece-se ainda que também não poderá a autoridade administrativa concluir pela sua prática com negligência, porque a Arguida procedeu com o cuidado a que segundo as circunstâncias estava obrigada e era capaz, nos termos e para os efeitos do art.º 15.º do Código Penal, ex vi art.º 32.º do RGCO;
- diga-se, ainda, que cumpriu um ónus que nem lhe cabia, de demonstrar que não praticou as contra-ordenações que lhe foram imputadas, tarefa que ficou por realizar por parte da autoridade administrativa ao proferir decisão condenatória que aplicou uma coima;
- e só por mera cautela de patrocínio, deve ainda ser dito que, ponderados todos os argumentos já expendidos quanto à gravidade da contra-ordenação, quanto à culpa da Arguida e quanto ao benefício económico que poderia ser retirado da sua prática, no máximo, deveria ter sido proferida mera admoestação escrita, nos termos do art.º 51.º do RGCO;
- assim, obedecendo a um princípio de mínima violência e mínimo dano social, não pode o mal da sanção (pena) ser superior ao mal da infracção de que vem acusado, importando não infligir à Arguida um dano superior àquele que se quer evitar, pelo que tudo ponderado, não poderá concluir-se que a Arguida cometeu a infracção que lhe vem imputada, devendo a entidade administrativa arquivar os presentes autos e absolver a Arguida, que não praticou qualquer infracção.
Conclui, pedindo a revogação da decisão impugnada, a sua absolvição e consequente arquivamento dos autos.
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8. Na sentença sob recurso foram dados como provados os seguintes factos:
1 – No dia 02/12/2010, pelas 10h10m, o estabelecimento de venda a retalho de sapatos, denominado “B1…”, sito na Rua …, nº …, ….-…, Porto, foi objecto de inspecção.
2 – Na montra do estabelecimento que confronta com o passeio, encontravam-se expostos diversos tipos de calçado com preço de forma não visível do exterior.
3 – No interior da loja constavam duas vitrines com carteiras expostas, com preço de forma não visível ao público.
4 – A arguida, através do responsável do referido estabelecimento, sabia que tinha como obrigação manter os preços nos referidos produtos de forma a ser visíveis pelo público, nomeadamente, no exterior, e que não agindo desse modo, estava a praticar infracção sancionada pela lei, tendo-se conformado com tal actuação.
5 – A arguida declarou perante a Administração fiscal relativamente ao ano de 2012, o resultado líquido do período de €2.444.859,75.

Quanto aos factos não provados consignou-se:
Com interesse para a decisão da causa, não se provaram quaisquer outros factos articulados que não se encontrem descritos como provados ou que se mostrem em oposição aos provados ou prejudicados por estes, nomeadamente:
1 – O referido estabelecimento foi objecto de inspecção às 15h20m.
2 – No momento da chegada dos inspectores da ASAE estava em curso a remodelação das montras do estabelecimento.
3 – A arguida, através do seu responsável, procedeu com o cuidado a que estava obrigada e de que era capaz.
4 - Qual o benefício económico concreto retirado da prática da contra-ordenação.
Não se provou qualquer outro facto susceptível de influir na boa decisão da causa.

Na motivação de facto escreveu-se:
A decisão da matéria de facto tem por base a análise critico-reflexiva do conjunto dos meios de prova produzidos em sede de audiência de julgamento, tendo tido em consideração:
Os depoimentos das testemunhas da entidade recorrida D… e E…, ambos inspectores da ASAE.
Ambas as testemunhas confirmaram o teor do auto de notícia junto aos autos.
Em síntese, referiram que procederam à fiscalização do referido estabelecimento no período da manhã e que constataram a existência de diversos artigos, calçado e carteiras, sem que os preços estivessem afixados de forma visível. Referiram que o calçado tinha o preço debaixo da sola não sendo visível do exterior do estabelecimento. Declararam, também, que na altura lhes foi dito que muitas vezes os funcionários tiram os produtos da montra e esquecem-se de colocar neles o preço.
Ambas as testemunhas declaram que não estava a ser feita qualquer arrumação ou remodelação no estabelecimento, nomeadamente, das montras.
Os depoimentos das testemunhas da recorrente F… e G…, ambos funcionários da recorrente.
A testemunha F…, supervisor de várias lojas da recorrente, em síntese, declarou que não assistiu à fiscalização do estabelecimento e que teve conhecimento da mesma através do responsável pela loja que faltavam preços visíveis nos produtos. Referiu que todos os sapatos e caixas estão etiquetados com o preço. Declarou que nessa altura a loja tinha 10 funcionários, e que actualmente trabalham lá 8. Referiu que a arguida tem 83 lojas em Portugal e que já se internacionalizou, tendo 8 lojas em Angola e uma no Luxemburgo.
A testemunha H…, responsável pela loja em causa à data dos factos, em síntese, referiu que acompanhou a fiscalização que ocorreu de manhã. Referiu que no dia anterior, feriado, tinha havido um grande movimento de clientes na loja e que estavam a tentar estruturar a montra. Referiu que todos os sapatos são etiquetados à unidade.
O auto de notícia e os documentos juntos aos autos, nomeadamente, os de fls. 7 a 12,74 a 77 e 106 a 166.
Relativamente à matéria de facto não provada, tal ficou a dever-se à circunstância de nenhuma prova ou nenhuma prova suficientemente consistente se ter produzido acerca da mesma e de se ter produzido prova em sinal contrário.
Embora a arguida se defenda, dizendo que todos os produtos estavam etiquetados, a verdade é que resulta evidente que os preços não eram visíveis para o público, nomeadamente, do exterior.

A nível do enquadramento jurídico fez-se constar:
Pretende a arguida a revogação da decisão impugnada.
Vejamos.
Por decisão proferida pela Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE), foi a arguida condenada na coima de €3.325,32, por infracção do disposto nos artigos 8º, nº 1, 11º, nº 1, a) do D.L. nº 138/90, de 26/04, alterado e republicado pelo D.L. 162/99, de 13/05.
Cumpre apreciar da responsabilidade contra-ordenacional da recorrente.
O artigo 8º, nº 1 do D.L. nº 138/90, de 26/04, na redacção introduzida pelo D.L. nº 162/99, de 13/05 dispõe o seguinte:
“Os bens expostos em montras ou vitrinas, visíveis pelo público do exterior do estabelecimento ou no seu interior, devem ser objecto de uma marcação complementar, quando as respectivas etiquetas não sejam perfeitamente visíveis, sem prejuízo do disposto no nº 5 do artigo 5º”.
De acordo com o nº 5, do artigo 5º do citado diploma legal, “Os bens ou prestações de serviço, vendidos ao mesmo preço e expostos ao público em conjunto, podem ser objecto de uma única marcação de preço”.
Por sua vez, de acordo o artigo 11º, nº 1, a) do mesmo diploma legal, a infracção ao artigo supracitado constitui contra-ordenação punível com coima de €249,40 a €3.740,98.
Segundo o nº 2 do mesmo preceito e diploma legal, a negligência é punível.
Conforme se refere no respectivo preâmbulo, com tal regime legal, tem-se em vista a harmonização da legislação nacional às regras comunitárias e um mais transparente funcionamento do mercado, já que apenas o acesso a uma informação correcta por parte do consumidor possibilita a este uma livre escolha, a qual, por sua vez terá de estar sempre presente para que se possa falar de uma concorrência sã entre as empresas e os produtos.
Ficou, além do mais, demonstrado o seguinte:
No dia 02/12/2010, pelas 10h10m, o estabelecimento de venda a retalho de sapatos, denominado “B1…”, sito na Rua …, nº …, ….-…, Porto, foi objecto de inspecção.
Na montra do estabelecimento que confronta com o passeio, encontravam-se expostos diversos tipos de calçado com preço de forma não visível do exterior.
No interior da loja constavam duas vitrines com carteiras expostas, com preço de forma não visível ao público.
A arguida, através do responsável do referido estabelecimento, sabia que tinha como obrigação manter os preços nos referidos produtos de forma a ser visíveis pelo público, nomeadamente, no exterior, e que não agindo desse modo, estava a praticar infracção sancionada pela lei, tendo-se conformado com tal actuação.
Atenta a factualidade provada, concluímos que se mostram verificados os elementos objectivos da infracção prevista e sancionada pelos artigos 8º, nº 1, 11º, nº 1, a) do D.L. nº 138/90, de 26/04, alterado e republicado pelo D.L. 162/99, de 13/05.
Como decorre do disposto no artigo 8º, nº 1 do D.L. nº 433/82, de 27/10, na sua actual redacção – que estabelece o Regime Geral das Contra-ordenações e Coimas -, só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência.
Consagra-se, assim, o princípio da culpa no domínio do ilícito de mera ordenação social.
Importa, igualmente, avaliar se o comportamento da arguida lhe pode ser censurado a título de culpa.
O dolo, ao nível do tipo-de-ilícito que se caracteriza por o agente actuar com conhecimento e vontade de realização de elementos objectivos do tipo, consubstancia, ao nível do tipo-de-culpa, uma atitude contrária ou indiferente perante o dever-ser jurídico-penal ou contra-ordenacional.
Por sua vez, a negligência pressupõe, ao nível do tipo subjectivo, a violação de um dever objectivo de cuidado, traduzindo ao nível do tipo-de-culpa um atitude descuidada perante o dever-ser-jurídico-penal ou contra-ordenacional.
Em face da factualidade provada, consideramos que a arguida agiu com dolo.
Concluímos, assim, que a arguida incorreu na prática da contra-ordenação em apreço.

Quanto à determinação e medida da coima consignou-se:
A infracção imputada à arguida é punida com coima cujo mínimo é de €2493,99 e o máximo é de €29927,87.
Nos termos do artigo 18º do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, “a determinação da medida da coima far-se-á em função da gravidade da contra-ordenação, da culpa e da situação económica do agente, acrescentando que, sempre que possível, a coima deverá exceder o benefício económico que o agente retirou da prática da contra-ordenação”
No caso concreto, a culpa e a gravidade da infracção são elevadas, já que se visa proteger os interesses dos consumidores.
A arguida agiu com dolo.
Não foi possível apurar a vantagem patrimonial obtida com a infracção cometida.
Da factualidade provada, resulta que a arguida declarou perante a Administração Fiscal relativamente ao ano de 2012, um resultado líquido de €2.444.859,75.
Não sendo a culpa da arguida diminuta, consideramos que a mera admoestação não é suficiente na situação em apreço.
Atenta a factualidade acima descrita e os critérios acima elencados, decide-se julgar improcedente o presente recurso, mantendo-se a decisão administrativa proferida nos seus precisos termos, condenando-se a arguida na coima de €3,325, 32 (três mil, trezentos e vinte e cinco euros e trinta e dois cêntimos).
*
II- FUNDAMENTAÇÃO
O objecto do recurso da arguida B…, SA, demarcado pelo teor das suas conclusões (art. 412º, nº 1, do CPP), incide sobre a questão de saber:
1ª - Se ocorrem os vícios previstos no artigo 410º, nº 2, alíneas a) e b), do CPP (na sua perspectiva, haverá insuficiência de factos e contradição entre a factualidade provada e a fundamentação, sendo por isso nula a sentença sob recurso);
2ª- Se há erro de interpretação na subsunção dos factos ao direito (na sua perspectiva, não se verificam os pressupostos da contra-ordenação pela qual foi condenada);
3ª - Se a coima aplicada é excessiva (sustenta que devia ser aplicada uma admoestação ou então, perante a fundamentação, que considera insuficiente, reduzida a coima ao mínimo legal).
Passemos então a apreciar as questões colocadas no recurso em apreço.
1ª Questão
Sustenta a recorrente que há insuficiência de factos e contradição entre a factualidade provada e a fundamentação, sendo por isso nula a sentença sob recurso.
Pois bem.
Como sabido, segundo o artigo 75º, nº 1, do DL nº 433/82, de 27.10 (RGCO) e respectivas alterações, nos recursos para o Tribunal Superior de sentença proferida pelo tribunal da 1ª instância que decida sobre impugnação judicial de decisão administrativa no âmbito do regime geral das contra-ordenações (desde que não resulte o contrário do DL nº 433/82) “a 2ª instância apenas conhecerá da matéria de direito, não cabendo recurso das suas decisões.”
Relativamente à decisão proferida sobre a matéria de facto, apenas é permitido conhecer superiormente, mesmo de forma oficiosa, dos vícios previstos no art. 410º, nº 2, do CPP, aplicável ex vi do art. 41º, nº 1, do citado DL nº 433/82.
É que a nível do regime das contra-ordenações o tribunal da 1ª instância já funciona como primeira instância de recurso, sendo o segundo grau de recurso, aquele que é dirigido ao Tribunal da Relação, que funciona como última instância de recurso.
Ora, dispõe o artigo 410º, nº 2, do CPP:
Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.
Assim, os vícios previstos no art. 410º, nº 2, do CPP, têm de resultar do texto da decisão recorrida na sua globalidade, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum[1].
A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (artigo 410º, nº 2, al. a), do CPP) “supõe que os factos provados não constituem suporte bastante para a decisão que foi tomada, quer porque não permite integrar todos os elementos materiais de um tipo de crime, quer porque deixem espaços não preenchidos relativamente a elementos essenciais à determinação da ilicitude, da culpa ou outros necessários para a fixação da medida da pena. A insuficiência significa, por outro lado, que não seja também possível uma decisão diversa da que foi tomada; se não for o caso, os factos podem não ser bastantes para constituir a base da decisão que foi tomada, mas permitir suficientemente uma decisão alternativa, mesmo de non liquet em matéria de facto. Por fim, a insuficiência da matéria de facto tem de ser objectivamente avaliada perante as várias soluções possíveis e plausíveis dentro do objecto do processo, e não na perspectiva subjectiva decorrente da interpretação pessoal do interessado perante os factos provados e as provas produzidas que permitiram a decisão sobre a matéria de facto.”[2]
A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão (art. 410º, nº 2, al. b), do CPP) “é somente aquela que é intrínseca ao próprio teor da sentença, “considerada como peça autónoma e não também as contradições eventualmente existentes entre a decisão e o que consta do processo, no inquérito ou na instrução”.
O erro notório na apreciação da prova (art. 410º, nº 2, al. c), do CPP) “constitui uma insuficiência que só pode ser verificada no texto e no contexto da decisão recorrida, quando existam e se revelem distorções de ordem lógica entre os factos provados e não provados, ou que traduza uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável, e por isso incorrecta, e que, em si mesma, não passe despercebida imediatamente à observação e verificação comum do homem médio. A incongruência há-de resultar de uma descoordenação factual patente que a decisão imediatamente revele, por incompatibilidade no espaço, de tempo ou de circunstâncias entre os factos, seja natural e no domínio das correlações imediatamente físicas, ou verificável no plano da realidade das coisas, apreciada não por simples projecções de probabilidade, mas segundo as regras da "experiência comum". Na dimensão valorativa das "regras da experiência comum" situam-se, por seu lado, as descontinuidades imediatamente apreensíveis nas correlações internas entre factos, que se manifestem no plano da lógica, ou da directa e patente insustentabilidade ou arbitrariedade; descontinuidades ou incongruências ostensivas ou evidentes que um homem médio, com a sua experiência da vida e das coisas, facilmente apreenderia e delas se daria conta.”[3]
Ora, compulsado o texto da decisão recorrida, por si ou conjugado com as regras da experiência comum, este Tribunal da Relação não detecta qualquer dos vícios enunciados no art. 410º, nº 2, do CPP.
A decisão sob recurso, nesse aspecto, sendo de evidente clareza, mostra coerência lógica entre os factos provados e não provados, não enfermando de qualquer contradição entre a motivação e a decisão de condenação da recorrente e não patenteando qualquer erro de que o homem médio facilmente se desse conta.
Com efeito, para além dos factos apurados permitirem ao tribunal proferir uma decisão (o que mostra a sua suficiência, inclusive para determinar a coima), não se detecta qualquer contradição entre a factualidade provada e a fundamentação, nem entre esta e a decisão (nem sequer foi exposto qualquer raciocínio ilógico ou contraditório na fundamentação que apontasse para decisão contrária à proferida), sendo certo que a apreciação feita pelo julgador não contraria as regras da experiência comum e tão pouco evidencia qualquer erro de que o homem médio facilmente se desse conta.
Por isso, a apreciação conjunta das provas relevantes indicadas na decisão sob recurso (análise crítica e conjugada, quer da prova produzida oralmente em audiência, quer da prova documental visto o auto de notícia e o teor de fls. 7 a 12, 74 a 77 e 106 a 166), permitiam ao Tribunal a quo, segundo as normais regras da experiência comum, formar a sua convicção quanto à decisão proferida sobre a matéria de facto.
Não é por a arguida/recorrente alegar que há insuficiência de factos e/ou que há contradição entre a factualidade provada e a fundamentação, que essa sua conclusão se impõe ao tribunal.
Por outro lado, não se confundam os vícios a que se refere o art. 410º, nº 2, do CPP com nulidade da sentença, nem com erro de direito (como o faz a recorrente).
Quando ocorre qualquer dos vícios previstos no art. 410º, nº 2, do CPP (o que aqui não sucede como já se viu) a consequência é o reenvio para novo julgamento (arts. 426º e 426-A do CPP), o que é distinto da nulidade da sentença.
Os casos de nulidade da sentença estão previstos no art. 379º do CPP, não se verificando nestes autos.
Quanto ao alegado erro de direito será analisado na apreciação da 2ª questão colocada pela recorrente.
A apreciação pessoal e subjectiva da recorrente, quanto ao decidido, é irrelevante.
De resto, não foram alegados, nem se provaram factos que conduzissem à absolvição da arguida.
Por outro lado, o tribunal da 1ª instância motivou a decisão proferida sobre a matéria de facto nos termos já acima transcritos e pronunciou-se sobre as questões relevantes que tinha de apreciar e conhecer.
A motivação de facto constante da sentença impugnada obedece aos requisitos legais, tendo o tribunal esclarecido quais as provas que o convenceram e o motivo pelo qual formou a sua convicção quanto à decisão que proferiu sobre a matéria de facto.
Lendo a motivação na sua totalidade percebe-se o raciocínio feito pelo julgador, cumprindo a sentença o disposto no art. 374º, nº 2, do CPP, aplicável também na fase jurisdicional do processo de contra-ordenação.
Assim, improcede a argumentação da recorrente, uma vez que não se verificam os vícios previstos no artigo 410º, nº 2, do CPP, nem nulidades de cumpra conhecer, considerando-se definitivamente fixada a decisão proferida sobre a matéria de facto.
2ª Questão
Importa, agora, verificar se há erro de interpretação na subsunção dos factos ao direito, uma vez que, na perspectiva da recorrente, não se verificam os pressupostos da contra-ordenação p. e p. nos artigos 8º, nº 1 e 11º, nº 1, b)[4], do DL nº 138/90, de 26.4, alterado e republicado pelo DL nº 162/99, de 13.5 (objecto da Declaração de Rectificação nº 10-AF/99, de 31.5), pela qual foi condenada, cuja moldura abstracta da coima situa-se, como bem diz, entre o limite mínimo de € 2.493,99 e o limite máximo de € 29.927,87.
A regulamentação estabelecida no DL nº 138/90 (“obriga que os bens destinados à venda a retalho exibam o respectivo preço ao consumidor”[5]) decorre da evolução do mercado e consequente necessidade de maior transparência informativa, pretendendo também ir ao encontro (tal como igualmente se assinala no respectivo preâmbulo) “das orientações que, nesta matéria, vêm sendo tomadas pelas Comunidades Europeias, designadamente, na Directiva do Conselho nº 88/315/CEE, de 7 de Junho, que, entretanto, alterou o quadro jurídico estabelecido na Directiva nº 79/581/CEE, de 19 de Junho”.
Entretanto, também foi publicada a Directiva 98/6/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 16 de Fevereiro de 1998, relativa à defesa dos consumidores em matéria de indicações dos preços dos produtos oferecidos aos consumidores.
As alterações e republicação feitas através do DL nº 162/99 tiveram em vista (como se diz no preâmbulo) “não só a harmonização da legislação nacional às regras comunitárias mas também um mais transparente funcionamento do mercado, já que apenas o acesso a uma informação correcta por parte do consumidor possibilita a este uma livre escolha, a qual, por sua vez, terá de estar sempre presente para que se possa falar de uma concorrência sã entre as empresas e os produtos.”[6]
O que está de acordo também com a referida Directiva 98/6/CE, quando assinala, entre outros considerandos, que “(1) um funcionamento transparente do mercado e uma informação correcta favorecem a protecção do consumidor e uma concorrência sã entre as empresas e os produtos;” e que (2) “se deve assegurar aos consumidores um nível elevado de protecção; que a Comunidade deve contribuir nesse sentido mediante acções específicas que apoiem e complementem a política seguida pelos Estados-membros em matéria de informação precisa, transparente e inequívoca dos consumidores sobre os preços dos produtos que lhes são oferecidos”.
Ora, nesta específica legislação (DL 138/90, alterado pelo DL nº 162/99) visa-se garantir, de forma eficaz e concreta, o direito à informação do consumidor (o que igualmente se harmoniza com os arts. 3º e 8º da Lei nº 34/96, de 31.6 - que estabelece o regime legal aplicável à defesa dos consumidores e revoga a anterior Lei nº 28/91, de 22.8, onde o direito à formação e informação do consumidor também estava consagrado nos seus arts. 3º e 9º - que exige informações claras, objectivas, adequadas v.g. quanto ao preço), o que inclui informação inequívoca, precisa, facilmente reconhecível e perfeitamente legível do preço dos bens destinados à venda.
Daí a exigência dos bens destinados á venda a retalho deverem exibir o respectivo preço de venda ao consumidor (art. 1º, nº 1, do DL 138/90, alterado pelo DL nº 162/99) e, lógica e consequentemente, a exibição dos preços, através das etiquetas, quando os bens estejam expostos em montras e vitrinas visíveis pelo público (do exterior do estabelecimento ou no seu interior) também devam ser perfeitamente visíveis (art. 8º, nº 1, sem prejuízo do art. 5º, nº 5, do mesmo diploma legal), só assim sendo possível concretizar e dar eficácia ao direito à informação do consumidor.
Com efeito, estabelece o artigo 1º (indicação de preços) do DL nº 138/90, de 26.4, alterado e republicado pelo DL nº 162/99, de 13.5:
1 - Todos os bens destinados à venda a retalho devem exibir o respectivo preço de venda ao consumidor.
2 - Os géneros alimentícios e os produtos não alimentares postos à disposição do consumidor devem conter também o preço por unidade de medida.
3 - Nos produtos vendidos a granel apenas deverá ser indicado o preço por unidade de medida.
4 - Sempre que as disposições comunitárias ou nacionais exijam a indicação do peso líquido e do peso líquido escorrido para determinados produtos pré-embalados, será suficiente indicar o preço por unidade de medida do peso líquido escorrido.
5 - O preço de venda e o preço por unidade de medida, seja qual for o suporte utilizado para os indicar, referem-se ao preço total expresso em moeda com curso legal em Portugal, devendo incluir todos os impostos, taxas e outros encargos que nele sejam repercutidos, de modo que o consumidor possa conhecer o montante exacto que tem a pagar.
6 - Os géneros alimentícios comercializados nos hotéis, estabelecimentos similares e cantinas, desde que sejam consumidos no local da venda, são objecto de disposições especiais.
Por seu turno, dispõe o artigo 8º (Montras e vitrinas) do mesmo diploma legal:
1 - Os bens expostos em montras ou vitrinas, visíveis pelo público do exterior do estabelecimento ou no seu interior, devem ser objecto de uma marcação complementar, quando as respectivas etiquetas não sejam perfeitamente visíveis, sem prejuízo do disposto no nº 5 do artigo 5º[7].
2 - Estão dispensados da indicação dos preços os produtos que se encontrem expostos em montras ou vitrinas afastadas dos lugares de venda que, estando colocadas em lugares públicos, tenham um carácter essencialmente publicitário.
E, segundo o seu art. 11º (infracções):
1 - As infracções ao disposto nos artigos 1º, 5º, 6º, 7º, 8º e 10º do presente diploma constituem contra-ordenação punível com as seguintes coimas[8]:
a) De 50.000$ a 750.000$ se o infractor for uma pessoa singular;
b) De 500.000$ a 6.000.000$ se o infractor for uma pessoa colectiva.
2 - A negligência é punível.
Decorre do art. 8º, nº 1, do citado diploma legal, que os bens expostos em montras ou vitrinas, visíveis pelo público do exterior do estabelecimento ou no seu interior, tem que ter as etiquetas perfeitamente visíveis (sem prejuízo do disposto no art. 5º, nº 5), caso contrário, devem ser objecto de uma marcação complementar.
Portanto, a visibilidade não é só dos bens expostos, mas é sobretudo das etiquetas, o que inclui o preço; se as etiquetas não forem perfeitamente visíveis, então os bens têm de ser objecto de marcação complementar.
E para quê?
Precisamente para assegurar o direito de informação do consumidor, dar-lhe todas as condições necessárias para avaliar, comparar preços, escolher e decidir com mais informação e conhecimento no momento da compra, assim se assegurando igualmente uma maior transparência no funcionamento do mercado.
Ora, no caso destes autos, o calçado exposto na montra do estabelecimento que confronta com o passeio tinha o preço de forma não visível do exterior e as carteiras expostas nas duas vitrinas existentes no interior da mesma loja também estavam com preço de forma não visível ao público.
Se o preço não estava visível ao público nas referidas situações, isso significa que as respectivas etiquetas dos bens expostos na dita montra e nas vitrinas não eram perfeitamente visíveis e, portanto, foi violado o direito à informação dos consumidores.
Não se concorda com a tese da recorrente[9] (sempre ressalvado o devido respeito, que é muito, pela opinião contrária), uma vez que a norma aqui em causa é clara no sentido da exigência da visibilidade para o exterior ser da etiqueta e, portanto, do respectivo preço do bem exposto na montra ou vitrina visível pelo público.
Para além disso, tendo em atenção que está em causa a melhor concretização do direito à informação do consumidor, é claro que resulta igualmente do art. 8º, nº 1, citado, que a tónica é colocada na visibilidade exterior da etiqueta e não na sua simples existência (aliás, a falta da etiqueta - que aqui não ocorre - constitui distinta contra-ordenação, prevista e punida nos arts. 1º e 11º do mesmo diploma legal).
Por isso é que a norma contida no art. 8º, nº 1, do cit. DL, exige, quando as respectivas etiquetas não forem perfeitamente visíveis, que os bens expostos sejam objecto de uma marcação complementar: precisamente para haver a visibilidade exterior pelo público.
De outra forma nem fazia sentido a existência da norma (art. 8º, nº 1, do citado DL) em questão.
Portanto, não se pode confundir essa exigência legal com qualquer intenção de enganar/iludir o cliente, ocultando-lhe o preço para esse efeito.
O consumidor tem o direito de ler e conhecer o teor da etiqueta e, portanto, o preço do bem exposto na montra e vitrinas referidas nos factos provados, sem precisar de contactar com os empregados ou com o vendedor e sem ter de, para esse efeito (para ver o preço ou a etiqueta) tocar no bem exposto.
A ratio legis do diploma legal em causa justifica/fundamenta a infracção/contra-ordenação aqui em causa, não podendo ser confundida com situações que não são equiparáveis, como pretende a recorrente.
Perante os factos dados como provados nos pontos 1 a 3 não há quaisquer dúvidas que se mostra preenchido o tipo objectivo da contra-ordenação pela qual a arguida/recorrente foi condenada.
Por outro lado, do que consta do ponto 4 provado, está claramente preenchido o seu tipo subjectivo, na modalidade de dolo directo (art. 14º, nº 1, do CP e 32º do RGCO).
Portanto, não tem razão a recorrente quando sustenta que não se mostra preenchido o tipo subjectivo da contra-ordenação em questão.
Como já se referiu, a questão não se coloca na existência de etiquetas nos bens expostos nas ditas montra e vitrinas, mas na sua (das etiquetas e, portanto, do preço) visibilidade exterior.
O público tem o direito de ter conhecimento do preço dos bens expostos sem necessidade de contactar com quem quer que seja ou de tocar nesses bens e, por exemplo, quando se trata de bens expostos em montra visível para o exterior (como aqui sucedia com o calçado que estava exposto na montra, que confronta com o passeio), tem o direito de conhecer o preço, através da respectiva etiqueta, mesmo antes de entrar e sem entrar no estabelecimento, ainda que este estivesse fechado.
Improcede, pois, a argumentação da recorrente, sendo certo que não foram violadas as disposições legais por ela citadas.
3ª Questão
Invoca, ainda, a recorrente, que a coima aplicada é excessiva, sustentando que devia ser aplicada uma admoestação ou então, perante a fundamentação, que considera insuficiente, reduzida a coima ao mínimo legal.
No âmbito da moldura abstracta da coima (situada entre o limite mínimo de € 2.493,99 e o limite máximo de € 29.927,87, como referido na sentença), o julgador, tendo em atenção a culpa (dolo com que a arguida actuou) e gravidade da infracção (esta por referência aos interesses protegidos violados dos consumidores) que considerou elevados, a situação económica da arguida (por referência ao que declarou à Administração Fiscal relativamente ao ano de 2012) e que não se apurou que tivesse obtido vantagem patrimonial com a infracção cometida, afastou a aplicação de admoestação (por a culpa não ser diminuta) e julgou adequada a coima de € 3.325,32, mantendo assim a aplicada na decisão administrativa.
A sentença sob recurso mostra-se, assim, devidamente fundamentada, percebendo-se o raciocínio feito pelo julgador quando julgou adequada a concreta coima que aplicou à recorrente.
O facto da recorrente discordar dessa fundamentação não equivale a falta de fundamentação ou a insuficiente fundamentação, pelo que improcede, nessa parte, essa sua argumentação.
Na fixação da coima concreta importa ter em atenção o disposto no art. 18º[10] do RGCO.
Analisando o caso concreto, entendemos que o tribunal da 1ª instância foi criterioso na forma como determinou e manteve a coima aplicada, não tendo violado qualquer preceito legal.
Não há qualquer severidade na coima aplicada, apesar de se ter afastado um pouco do limite mínimo, mas sem ter atingido sequer o dobro desse limite mínimo (tendo em atenção, por exemplo, que a arguida agiu com dolo e não com mera negligência).
Começando pela gravidade da contra-ordenação temos que considerar que é elevada, atendendo aos interesses dos consumidores que foram violados, os quais importa tutelar e à necessidade de acautelar as expectativas da comunidade, sendo certo que se trata de situação que à data dos factos (ocorridos em 2012) já não deveria acontecer (apesar do modo de execução ser básico e o habitual em situações semelhantes), por dever estar completamente interiorizada por quem se dedica ao comércio (não se podendo esquecer que os factos ocorreram em loja na rua …, uma das zonas nobres de comércio da cidade do Porto, que é muito frequentada pelo público consumidor).
Quanto à culpa é grave uma vez que a arguida agiu com dolo directo.
No que respeita à situação económica da arguida, temos de concluir que é boa, considerando que declarou perante a Administração Fiscal, relativamente ao ano de 2012, o resultado líquido de €2.444.859,75.
Não se provou que tivesse retirado qualquer benefício económico com a contra-ordenação cometida, pelo que esse factor a não pode prejudicar, como também foi entendido pela 1ª instância.
Também não consta dos autos que tivesse antecedentes contra-ordenacionais.
O dano causado afere-se pela violação dos interesses violados, sendo certo, como já referido, que não foi apurado qualquer benefício económico.
Do que já se disse percebe-se que não podemos considerar reduzida a gravidade da infracção e da culpa da arguida, o que significa que não se verificam os pressupostos que justifiquem a substituição da coima por admoestação (art. 51º do regime geral das contra-ordenações[11]).
Perante o supra exposto, entendemos que a coima de € 3.325,32 aplicada é racionalmente justa, adequada, necessária e proporcional à gravidade da conduta em causa, não tendo violado o princípio da proporcionalidade considerado em qualquer das suas vertentes, mesmo tendo presente os seus subprincípios (necessidade, adequação e racionalidade).
Não há, por isso, qualquer censura a fazer à coima aplicada à recorrente.
Em conclusão: improcede o recurso ora em apreço, sendo certo que não foram violadas as disposições legais invocadas pela recorrente.
*
III- DISPOSITIVO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em negar provimento ao recurso interposto pela arguida B…, SA.
*
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs.
*
(Processado em computador e revisto pela 1ª signatária. O verso das folhas encontra-se em branco – art. 94º, nº 2, do CPP)
*
Porto, 12.3.2014
Maria do Carmo Silva Dias (relatora)
Ernesto Nascimento (Adjunto)
__________________
[1] Cf., entre outros, Ac. do STJ de 19/12/1990, BMJ nº 402/232ss.
[2] Assim, entre outros, Ac. do STJ de 13/7/2005, proferido no processo nº 2122/05, relatado por Henriques Gaspar (consultado no site do ITIJ – Bases Jurídicas Documentais).
[3] Ibidem.
[4] Nos termos do art. 380º, nº 1, al. b) e nº 2 do CPP, corrige-se o manifesto lapso de escrito constante da sentença, quando nela se faz referência à alínea a), em vez de ser à alínea b) do nº 1 do art. 11º do DL nº 138/90, de 26.4, alterado e republicado pelo DL nº 162/99, de 13.5.
[5] Sendo certo que a obrigação de afixação de preços nas mercadorias destinadas à venda a retalho, e nos serviços – “um dos processos pelo qual se pretende responder à necessidade de informação sentida pelo consumidor” – foi estabelecida com o DL nº 533/75, de 26.9, constando também do preâmbulo que “a afixação de preços visa dois objectivos globais e consequentes: uma maior transparência do mercado e uma mais eficiente informação do consumidor.” O dito DL nº 533/75 foi revogado pelo DL nº 138/90, de 28.4.
[6] Consta também do preâmbulo do DL nº 162/99 que “Passados 15 anos sobre o Decreto-Lei nº 28/84, de 20 de Janeiro, para o qual o Decreto-Lei nº 138/90 remetia, torna-se imperioso também proceder ao aumento do montante das coimas correspondentes aos ilícitos que prevêem e punem as condutas violadoras das obrigações impostas pelo presente diploma.”
[7] Dispõe o citado artigo 5º (Formas de indicação do preço)
1 - A indicação dos preços de venda e por unidade de medida deve ser feita em dígitos de modo visível, inequívoco, fácil e perfeitamente legível, através da utilização de letreiros, etiquetas ou listas, por forma a alcançar-se a melhor informação para o consumidor.
2 -Para efeitos do disposto no número anterior considera-se:
a) «Letreiro» todo o suporte onde seja indicado o preço de um único bem ou serviço;
b) «Etiqueta» todo o suporte apenso ao próprio bem ou colocado sobre a embalagem em que este é vendido ao público, podendo, no entanto, ser substituída por inscrição sobre a embalagem, quando a natureza desta o permita;
c) «Lista» todo o suporte onde sejam indicados os preços de vários bens ou serviços.
3 - Só podem ser usadas as listas quando a natureza dos bens ou serviços torne materialmente impossível o uso de letreiros e etiquetas ou como meio complementar de marcação de preços.
4 - Em qualquer caso, a indicação do preço deve ser feita na proximidade do respectivo bem ou no local em que a prestação do serviço é proposta ao público, de modo a não suscitar qualquer dúvida ao consumidor.
5 - Os bens ou prestações de serviço, vendidos ao mesmo preço e expostos ao público em conjunto, podem ser objecto de uma única marcação de preço.
6 - Quando o preço indicado não compreender um elemento ou prestação de serviço indispensável ao emprego ou à finalidade do bem ou serviço proposto, essa particularidade deve estar explicitamente indicada.
7 - Sem prejuízo da informação relativa a outras formas de pagamento, deve ser indicado sempre o preço a pronto pagamento.
[8] Os valores indicados em escudos foram convertidos em euros (DL nº 323/2001, de 17.12).
[9] Mesmo quando invoca o Ac. do TRP de 20.6.2001, proferido no processo nº 0110164 (relatado por Correia de Paiva), consultado no site do IGFEJ.
[10] Artigo 18.º (Determinação da medida da coima) do RGCO
1 - A determinação da medida da coima faz-se em função da gravidade da contra-ordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contra-ordenação.
2 - Se o agente retirou da infracção um benefício económico calculável superior ao limite máximo da coima, e não existirem outros meios de o eliminar, pode este elevar-se até ao montante do benefício, não devendo todavia a elevação exceder um terço do limite máximo legalmente estabelecido.
3 - Quando houver lugar à atenuação especial da punição por contra-ordenação, os limites máximo e mínimo da coima são reduzidos para metade.
[11] Artigo 51.º (Admoestação) do RGCO
1 - Quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação.
2 - A admoestação é proferida por escrito, não podendo o facto voltar a ser apreciado como contra-ordenação.