Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
5930/11.1TBMAI-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUEL DOMINGOS FERNANDES
Descritores: ACTOS DAS PARTES
COMUNICAÇÃO ELECTRÓNICA
CITIUS
ROL DE TESTEMUNHAS
FORMULÁRIO INFORMÁTICO PARA APRESENTAÇÃO DO ROL DE TESTEMUNHAS
IRREGULARIDADE
Nº do Documento: RP201301285930/11.1TBMAI-A.P1
Data do Acordão: 01/28/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Legislação Nacional: ARTº 4º DA PORTª 114/2008
Sumário: I - O regime legal relativo aos meios de comunicação a juízo dos actos escritos das partes não lhes impõe a via electrónica como a única possível de ser utilizada, não havendo, nessa medida uma obrigação de uso da aplicação informática CITIUS.
II - Não tendo a parte preenchido o formulário reservado ao rol de testemunhas da citada aplicação e tendo sido enviado tal rol apenas no ficheiro anexo, tal conduta viola o disposto nos artigos 4.º, número 1, 5.º, número 1 e 6.º, número 1 da Portaria n.º 114/2008.
III - Todavia, não sendo de aplicar in casu o disposto no nº 2 do artigo 6.º da citada Portaria, tal diploma não estabelece qualquer sanção para a irregularidade assim cometida.
IV - Situando-se a questão em causa no âmbito da lei processual civil, das suas normas também não resulta que ela seja subsumível quer no regime das nulidades principais quer secundárias.
V - Estamos, pois, perante uma irregularidade a que lei processual civil, ou outra complementar, não atribui qualquer relevância em termos sancionatórios.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 5930/11.1TBMAI-A.P1-Apelação
Origem-Tribunal de Comarca da Maia, 1º Juízo Cível
Relator: Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Caimoto Jácome
2º Adjunto Des. Macedo Domingues
5ª Secção

Sumário:
I- O regime legal relativo aos meios de comunicação a juízo dos actos escritos das partes não lhes impõe a via electrónica como a única possível de ser utilizada, não havendo, nessa medida uma obrigação de uso da aplicação informática CITIUS.
II- Não tendo a parte preenchido o formulário reservado ao rol de testemunhas da citada aplicação e tendo sido enviado tal rol apenas no ficheiro anexo, tal conduta viola o disposto nos artigos 4.º, número 1, 5.º, número 1 e 6.º, número 1 da Portaria n.º 114/2008.
III- Todavia, não sendo de aplicar in casu o disposto no nº 2 do artigo 6.º da citada Portaria, tal diploma não estabelece qualquer sanção para a irregularidade assim cometida.
IV- Situando-se a questão em causa no âmbito da lei processual civil, das suas normas também não resulta que ela seja subsumível quer no regime das nulidades principais quer secundárias.
V- Estamos, pois, perante uma irregularidade a que lei processual civil, ou outra complementar, não atribui qualquer relevância em termos sancionatórios.
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I-RELATÓRIO

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

B…, residente na …, nº …, … intentou a presente acção declarativa com processo ordinário contra C…, residente na Rua …, nº .., .º andar, Ap. .., Maia.
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O processo seguindo os seus regulares termos foi saneado com fixação da matéria assente e elaboração da base instrutória.
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Notificadas, para o efeito, vieram as partes oferecer os respectivos meios de prova.
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Apresentados e requeridos os meios probatórios, a Srª juiz do processo exarou despacho onde, além do mais, discorreu do seguinte modo:
Fls. 285 a 296 e 297 a 306: Indefiro o requerido pelo A. quanto aos requerimentos da R. de fls. 268 a 275 (de 15.06.2012) e 276 a 283 verso (de 18.06.2012), face à explicação dada pela R. no requerimento de fls. 297 a 306 para o não preenchimento do formulário relativo ao requerimento de fls. 268 a 275 na parte relativa ao rol de testemunhas, a qual se mostra crível face ao requerimento de fls. 276 a 283 verso, e ao facto, que é do conhecimento geral, do sistema citius nem sempre funcionar na perfeição.
Determino que a R. seja notificada para, no prazo de 10 dias, vir aos autos juntar cópias legíveis dos documentos que apresentou com o seu requerimento probatório”.
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Não se conformando com o despacho assim proferido veio o Autor interpor o presente recurso, concluindo as suas alegações nos seguintes termos:
1. A apresentação de peças processuais e documentos por transmissão electrónica de dados é efectuada através do sistema informático citius”, conforme prevê o nº1 do art.4º da portaria 114/2008, de 6 de Fevereiro.
2. A apresentação de peças processuais é efectuada através do preenchimento de formulários disponibilizados no endereço electrónico referido no artigo anterior, aos quais se anexam ficheiros com a restante informação legalmente exigida, conteúdo material da peça processual (…) e os documentos que devem acompanhar a peça processual”, assim dispõe a al. a) e b) do nº1 do art. 5º da portaria nº114/2008, de 6 de Fevereiro.
3. Os formulários e os ficheiros anexos referidos 7/12 6 na alínea a) do número anterior fazem parte, para todos os efeitos, da peça processual, assim dispõe o nº 2 do art.5º da portaria 114/2008, de 6 de Fevereiro;
4. Quando existam campos no formulário para a inserção de informação específica, essa informação deve ser indicada no campo respectivo, não podendo ser apresentada unicamente nos ficheiros anexos”, conforme impõe o nº1 do art.6º da referida portaria nº114/2008, de 6 de Fevereiro.
5. Em caso de desconformidade entre o conteúdo dos formulários e o conteúdo dos ficheiros anexos, prevalece a informação constante dos formulários”, conforme estatui o nº 2 do art.6º da portaria nº114/2008, de 6 de Fevereiro.
6. No caso, a ré não apresentou na contestação qualquer meio de prova.
7. A ré não indicou quaisquer testemunhas ou perito no formulário disponibilizado no sistema informático citius através do qual procedeu ao envio da contestação,
8. Embora no seu requerimento probatório tenha indicado prova testemunhal a ré não indicou quaisquer testemunhas ou perito no formulário disponibilizado no sistema informático citius através do qual procedeu ao envio do requerimento probatório, porém,
9. O sistema informático citius dispõe de um campo específico, designado “meios de prova do demandante”, onde devem ser indicadas as testemunhas e o perito.
10. Não podendo essa informação ser apresentada unicamente nos ficheiros anexos (como fez a ré), conforme dispõe o nº1 do art.6º da portaria 114/2008, de 6 de Fevereiro.
11. Face à desconformidade entre o conteúdo dos formulários e o conteúdo dos ficheiros apresentados pelo ré, prevalece o conteúdo dos formulários conforme impõe o n.º 2 do art.6º da portaria 114/2008, de 6 de Fevereiro.
12. O que equivale à não apresentação de testemunhas e perito; pelo que, o tribunal “a quo” jamais poderia ter admitido um rol de testemunhas que não foi apresentado pela ré.
14. O douto despacho recorrido violou os artigos 4.º, n.º 1, 5.º, n.ºs 1, a), e 2 e 6.º, n.ºs 1 e 2, e 13.º, a), b) e c), ambos da portaria 114/2008, de 6 de Fevereiro.
15. Devendo por isso ser revogado e substituído por douto acórdão que não admita o rol de testemunhas apresentado pela ré.
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Devidamente notificada veio a Ré contra-alegar concluindo do seguinte modo:
a) A apresentação de peças processuais e documentos por transmissão electrónica de dados é efectuada através do CITIUS, nos termos da Portaria 114/ 2008 de 6 de Fevereiro;
b) É certo que a apresentação do requerimento probatório, mormente a indicação das testemunhas não pode ser realizada unicamente nos ficheiros anexos, obrigando ainda ao preenchimento do formulário no CITIUS, mas não há qualquer nulidade, nem sequer se vislumbra a inexistência do requerimento apresentado, pois como a lei não prevê qualquer sanção legal para essa situação tratar-se-ia de uma mera irregularidade formal;
c) Como se sabe, a Portaria 114/2008 de 6 de Fevereiro, veio regular a forma de apresentação em juízos dos actos processuais, sendo uma medida que se insere, como resulta do Preâmbulo da referida Portaria no “projecto de “Desmaterialização, eliminação e simplificação de actos e processos na justiça” com o qual se visou, entre outros aspectos, facilitar o acesso à justiça e simplificar os processos de trabalho de todos os intervenientes no foro, através da utilização intensiva das novas tecnologias”.
d) Muito embora, o artº 6, nº 2 desta Portaria determine que quando existam campos no formulário para a inserção de informação específica, e essa mesma informação não podendo ser apresentada unicamente nos ficheiros anexos (nº1), a desconformidade entre o conteúdo dos formulários e o conteúdo dos ficheiros anexos, prevalece a informação constante dos formulários, em nossa opinião, tal deve ser entendido, no caso em apreço, não como desconformidade, mas como omissão, isto é, será antes uma inexistência de conteúdo no que concerne à indicação de prova e não desconformidade, pois isso seria admitir que os campos haviam sido preenchidos, mas com conteúdo diverso do explanado nos ficheiros anexos.
e) Daqui resulta que considerar inexistente a indicação do meio de prova, será, em bom rigor, uma sanção que não poderia deixar de ser considerada manifestamente excessiva e desproporcionada à falta cometida, claramente violadora da garantia constitucional do acesso à justiça, previsto no art. 20.º CRP.
f) Ademais, a falta do preenchimento do campo relativo às testemunhas não obsta, de forma alguma, a que o litígio seja normal e regularmente analisado e julgado, tendo somente reflexos na celeridade processual e eventualmente a nível tributário.
g) Caso ainda assim não se entenda, a verdade é que através do CITIUS, a prática dos actos processuais já não depende somente da diligência e actuação da parte, mas também do funcionamento e disponibilidade dos sistemas informáticos, muitas das vezes, como é de conhecimento geral, imprevisíveis, pelo que a Ré/ Recorrente, exactamente porque não conseguiu preencher os campos de identificação das testemunhas arroladas, enviou o requerimento probatório sem tal informação.
h) O excesso de formalismo como o Autor/ Recorrente que fazer valer, é incompatível e contraditório com a evolução que se tem verificado na lei processual civil no sentido máximo as puras decisões de forma, que impedem a apreciação e julgamento substancial do pleito trazido a tribunal, dando prevalência às decisões de fundo sobre as decisões de forma.
i) Todavia, a Ré/ Recorrida demonstrou ainda, que tal impossibilidade de inserção da informação específica relativa às testemunhas e ao meio de prova indicado, redunda num justo impedimento, tanto que no 1º dia útil seguinte fez chegar ao processo toda a informação em falta.
j) Tendo sido admitido o justo impedimento e consequentemente, admitido o requerimento probatório, o Autor/Recorrente, não concordando com o processado, deveria, pois sobre ele recai o ónus de prova, ter alegado e provado que os motivos do justo impedimento padecem de falsidade.
k) Não o tendo feito, não será de anular o despacho que admite o Requerimento de Prova apresentado pela Ré/ Recorrida, nem tão pouco, anulado todo o processado posteriormente ao despacho recorrido.
l) Sem prescindir e por mera cautela de patrocínio sempre se aduz que mesmo que a justificação apresentada não seja considerada válida, o que não se admite nem se aceita, sempre o Requerimento da Apelada deve ser considerado como apresentado tempestivamente porquanto foi apresentado no prazo dos 3 dias a que se refere o artigo 145.º do CPC com o respectivo preenchimento das testemunhas no sistema Citius.
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Após os vistos legais cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. arts. 684º, nº 3, e 685º-A, nº 1 e 2, do C.P.Civil.
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No seguimento desta orientação é apenas uma a questão a decidir:
a)-saber se rol de testemunhas enviado como simples anexo, em vez de ter sido inserido nos locais próprios do correspondente formulário do sistema informático deve ou não ser admitido.
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

É a seguinte a matéria factual com interesse para a apreciação da questão supra referida:
1º)- Notificada para o efeito, a Ré, através da sua mandatária, apresentou nos autos o seu Requerimento probatório, utilizando, para o efeito, o formulário do sistema informático CITIUS, preenchendo-o nos campos da caracterização, do mandatário subscritor, e das notificações entre mandatários;
2º)- A esse requerimento anexou ainda cópia digitalizada do seu requerimento de prova elaborado pela sua mandatária, dele constando o rol de testemunhas composto por 9 a prova documental, composta por 7 documentos, bem como o pedido de gravação de audiência de julgamento;
3º)- O sistema informático, admitiu, validou e expediu, quer para o tribunal a que era dirigido, quer para sua notificação, por via electrónica, ao também nele identificado mandatário da parte contrária;
4º)- No citado formulário do requerimento probatório a Ré recorrida não preencheu o campo nele existente para o arrolamento das testemunhas;
5º)- Por requerimento de fols. 285/296 o Autor veio insurgir-se contra a forma do acto praticado pela Ré no que tange ao seu requerimento probatório, nomeadamente em relação ao rol de testemunhas, invocando a sua nulidade;
6º)- A esse requerimento respondeu a Ré nos termos que constam de fols. 297/306;
7º)- Após a Srª juiz do processo lavrou o seguinte despacho:
Fls. 285 a 296 e 297 a 306: Indefiro o requerido pelo A. quanto aos requerimentos da R. de fls. 268 a 275 (de 15.06.2012) e 276 a 283 verso (de 18.06.2012), face à explicação dada pela R. no requerimento de fls. 297 a 306 para o não preenchimento do formulário relativo ao requerimento de fls. 268 a 275 na parte relativa ao rol de testemunhas, a qual se mostra crível face ao requerimento de fls. 276 a 283 verso, e ao facto, que é do conhecimento geral, do sistema citius nem sempre funcionar na perfeição.
Determino que a R. seja notificada para, no prazo de 10 dias, vir aos autos juntar cópias legíveis dos documentos que apresentou com o seu requerimento probatório”.
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B)- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

A questão suscitada no recurso é, como supra se referiu:
- saber se rol de testemunhas enviado pela Ré como simples anexo, em vez de ter sido inserido nos locais próprios do correspondente formulário do sistema informático deve ou não ser admitido.
A Srª juiz do processo aceitou o requerimento assim apresentado com o fundamento, tomando como boa a informação prestada pela Ré a fols. 297/306 em que é do conhecimento geral, que o sistema citius nem sempre funciona na perfeição.
Vejamos, antes demais, as normas processuais atinentes à matéria sob apreciação.
O artigo 138.º do C.P.Civil nos seus nºs 1 e 2 refere que:
1- Os actos processuais terão a forma que, nos termos mais simples, melhor corresponda ao fim atingtir.
2- Os actos processuais podem obedecer a modelos aprovados pela entidade competente, só podendo, no entanto, ser considerados obrigatórios, salvo disposição especial, os modelos relativos a actos da secretaria.
Por sua vez o artigo 138.º-A do mesmo diploma legal estatui que:
1- A tramitação dos processos é efectuada electronicamente em termos a definir por portaria do Ministro da Justiça, devendo as disposições relativas a actos dos magistrados e das secretarias ser objecto das adaptações práticas que se revelem necessárias.
No artigo 150.º nº 1 sempre do mesmo diploma, consigna-se:
1- Os actos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes são apresentados a juízo preferencialmente por transmissão electrónica prevista no nº 1 do artigo 138.º-A, valendo como data da prática do acto processual a da respectiva expedição.
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Ora, resulta do regime acima transcrito que os actos das partes não obedecem a uma forma ou modelo obrigatórios, devendo, tão-somente, ser praticados pela forma mais simples e adequada ao fim que perseguem (só os actos da secretaria têm de adoptar os modelos legalmente aprovados).
Efectivamente, o artigo 138.º-A no quadro da tramitação electrónica dos processos, só faz referência aos actos dos magistrados e da secretaria, nada referindo quanto aos actos das partes (estejam patrocinados ou não por advogados).
Sendo, por isso, que o artigo 150.º do mesmo diploma legal só manifeste uma preferência (e não uma obrigatoriedade) pela transmissão electrónica de dados, relativamente à prática pelas partes dos actos processuais que o devam ser por escrito, permitindo que os mesmos cheguem também ao processo pelas vias indicadas nas alíneas do seu número 2.
Aliás, tendo em vista a implementação do processo electrónico e no sentido de conciliar essa liberdade formal o nº 9 do citado artigo 150.º, determina que as peças processuais em suporte de papel apresentadas pelas partes são digitalizadas pela secretaria.
Portanto, daqui se infere que o regime legal atinente aos meios de comunicação a juízo dos actos escritos das partes não impõe a via electrónica como a única possível de ser utilizada, não havendo, nessa medida e consequentemente, uma obrigação de uso da aplicação informática CITIUS.
Sendo este o regime legal específico referente à comunicação dos actos, importa, todavia, fazer a análise da Portaria n.º 114/2008, de 6/02, com as alterações introduzidas pelas Portarias n.ºs 457/2008, de 20/06 e 1538/2008, de 30/12, nomeadamente os artigos 1.º, alínea a), 2.º, alínea a), 3.º, número 1, 4.º, 5.º e 6.º, sem contudo, olvidar que esta regulamentação, não contraria os princípios e regras jurídicas processuais de carácter geral que deixámos atrás assinalados.
Artigo 1º
A presente portaria regula os seguintes aspectos da tramitação electrónica dos processos judiciais:
a) Apresentação de peças processuais e documentos por transmissão electrónica de dados, nos termos dos n.os 1, 3 e 4 do artigo 150.º do Código de Processo Civil, incluindo a apresentação do requerimento de interposição de recurso, das alegações e contra-alegações de recurso e da reclamação contra o indeferimento do recurso e a subida dos recursos, nos termos dos artigos 688.º, 691.º, 691.º -B, 721.º, 763.º e 771.º do Código de Processo Civil;
Artigo 2º
O disposto na presente portaria aplica-se à tramitação electrónica:
a) Das acções declarativas cíveis, procedimentos cautelares e notificações judiciais avulsas, com excepção dos pedidos de indemnização civil ou dos processos de execução de natureza cível deduzidos no âmbito de um processo penal.
(…)
Artigo 3º
1 — A apresentação de peças processuais e documentos por transmissão electrónica de dados dispensa a remessa dos respectivos originais, duplicados e cópias, nos termos da lei.
(…)
Artigo 4º
1 — A apresentação de peças processuais e documentos por transmissão electrónica de dados é efectuada através do sistema informático CITIUS, no endereço electrónico http://citius.tribunaisnet.mj.pt, de acordo com os procedimentos e instruções daí constantes.
(…)
Artigo 5º
1 — A apresentação de peças processuais é efectuada através do preenchimento de formulários disponibilizados no endereço electrónico referido no artigo anterior, aos quais se anexam:
a) Ficheiros com a restante informação legalmente exigida, conteúdo material da peça processual e demais informação que o mandatário considere relevante e que não se enquadre em nenhum campo dos formulários; e
b) Os documentos que devem acompanhar a peça processual por transmissão electrónica de dados dispensa a remessa dos respectivos originais, duplicados e cópias, nos termos da lei.
2 — Os formulários e os ficheiros anexos referidos na alínea a) do número anterior fazem parte, para todos os efeitos, da peça processual.
(…)
Artigo 6º
1 — Quando existam campos no formulário para a inserção de informação específica, essa informação deve ser indicada no campo respectivo, não podendo ser apresentada unicamente nos ficheiros anexos.
2 — Em caso de desconformidade entre o conteúdo dos formulários e o conteúdo dos ficheiros anexos, prevalece a informação constante dos formulários.
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Tendo em conta as citadas disposições legais, dúvidas não existem de que a Ré não utilizou correcta e integralmente a aplicação informática do CITIUS, dado se ter limitado a preencher, no formulário correspondente, os campos de identificação do processo, tipo de acto, remetente, notificação à parte contrária, apondo-lhe depois a sua assinatura electrónica e certificada, tendo omitido a inserção do nome das testemunhas e das demais diligências requeridas (gravação da prova) nos espaços a tal destinados no modelo em questão.
E também não se pode questionar que esta sua conduta não se conforma e, portanto, viola o disposto nos artigos 4.º, número 1, 5.º, número 1 e 6.º, número 1 da aludida Portaria, aparecendo o seu acto processual com formas distintas e excludentes uma da outra: transmissão electrónica e suporte em papel.
Isto dito, torna-se, pois, evidente que foi cometida pela Ré uma irregularidade processual de natureza formal.
A questão que agora se coloca é se, não tendo utilizado a forma correcta, para por via electrónica apresentar nos autos o seu rol de testemunhas, mas tendo-o feito através do anexo, não pode o mesmo ser considerado no processo.
Não se pode por em causa que a Ré podia, indistintamente, ter usado para a prática do acto processual em causa, quer a transmissão por via electrónica quer a via normal em suporte de papel.
Utilizou a via electrónica sem bem, como já se referiu, de forma irregular, acontece que, ao contrário do que alega o recorrente não existe a desconformidade a que se refere o nº 2 do artigo 6.º da Portaria atrás citada.
Na verdade, a desconformidade só existe entre duas realidades idênticas, o que neste caso não se verifica, pois que, não tendo a Ré assinalado o conteúdo em causa (rol de testemunhas) nos formulários, como dizer que ele é desconforme com o ficheiro anexo se não existe termo de comparação?
A prevalência da informação constante dos formulários, a que se refere o nº 2 do artigo 6.º, é quando se verifica desconformidade entre o conteúdo daqueles e os dos ficheiros anexos e não, como pretende o recorrente, entre a inexistência do conteúdo dos formulários e a existência de conteúdo dos ficheiros anexos.
Voltando à questão acima colocada cremos, salvo melhor entendimento, que o rol de testemunhas que a Ré apresentou nos autos no ficheiro anexo terá de se atendido no processo.
Com efeito, notificada a Ré para os efeitos do artigo 512.º nº 1 do C.P.Civil (indicação das provas) fez chegar ao processo, pela via indicada, o seu requerimento probatório dentro do prazo aí assinalado e com conhecimento do mesmo à parte contrária, ou seja, do ponto de vista adjectivo, não vemos que norma possa vedar ao tribunal que impeça de tomar em consideração tal requerimento, aliás, de outra forma, estaria a impedir a Ré, sem qualquer fundamento, de exercer no processo o seu direito à prova.[1]
Evidentemente que esse direito não invalida que o seu exercício não tenha de se submeter a determinadas formalidades que a lei prescreve, ou seja, às regras processuais e procedimentais previstas.
Acontece que, o artigo 6.º da citada Portaria 114/2008, para além daquela prevalência do conteúdo dos formulários em relação aos ficheiros anexos, que como se viu, não se verifica no caso em apreço, não estabelece qualquer sanção ou cominação para a omissão daquele dever, sendo que, essa prevalência, não pode abranger os casos em que se tenha omitido o conteúdo dos formulários, como advoga o recorrente.
Mas se é assim, ou seja, se a Ré, dentro do prazo que lhe foi assinalado, apresentou no processo o seu requerimento probatório e aplicando-se aos presentes a lei processual civil, cumpre então verificar se nesta é cominada qualquer sanção, nomeadamente a nulidade do acto assim praticado.
Manuel de Andrade em[2] define as nulidades do processo como “quaisquer desvios do formalismo processual seguido, em relação ao formalismo processual prescrito na lei e a que esta faça corresponde–embora não de modo expresso–uma invalidação mais ou menos extensa de actos processuais (artigos 201.º; cfr. arts. 194.º, 195.º e 198.º-200.º)
Acrescenta depois o mesmo autor[3] referente à mesma problemática das nulidades processuais:
Princípio geral acerca de quais sejam as irregularidades ou desvios no formalismo processual que constituem nulidade do processo. São só as que possam influir no exame (instrução e discussão) ou na decisão da causa (art. 201°; cfr. uma norma paralela do art. 710.º, n.º 2); as que possam ter reflexos de ordem substancial (hoc sensu). Não assim, todavia, quando a lei preveja diferentemente, como no caso do artigo 483.º (cfr. n.º 78). As outras infracções são irrelevantes. Disso temos exemplo quando não seja deduzida discriminadamente a reconvenção ou quando não seja articulada a narração da petição inicial ou a da contestação (pelo menos se, em qual­quer destas hipóteses, não for notavelmente prejudicada a cla­reza da respectiva peça); e também, dum modo geral, quando a formalidade preterida não impediu que o acto em questão atingisse a sua finalidade (cfr. arts. 193.º, n.º 3, e 198 °, n.º 2).
Formas que podem revestir.
I) Quanto ao modo de violação da lei processual.
a) Prática de um acto que a lei não admite–porque directamente o proíbe (cfr., por ex., os arts. 394.º e 404.º, n.º 1, enquanto mandam que o juiz ordene sem prévia audiência do esbulhador ou do devedor a restituição provisória da posse, no caso de esbulho violento, e o arresto), ou porque repugna à índole do processo, ao espírito do sistema processual vigente. Não são proibidos os actos dispensáveis: por ex., a audiência da parte contrária, quando não legalmente prescrita ou pre­vista. Quanto aos actos inúteis, cfr os artigos 137.º e 448.º, n.ºs 1 e 2.
b) Omissão de um acto prescrito na lei. Assim, v. g., a da citação do Réu.
c) Prática de um acto legalmente permitido (de modo directo; ou não proibido por algum texto nem repugnante à índole do processo) ou prescrito mas sem as devidas formalidades”.[4]
Ora, não se vislumbra que nenhuma das nulidades principais elencadas nos artigos 193.º a 199.º do Código de Processo Civil integra a irregularidade em apreço nos autos, sendo que, ao que saibamos, também nenhuma legislação complementar que regula as questões em análise, contém qualquer disposição legal que comine expressamente com a invalidade tal incorrecção procedimental.
Significa isto que a situação só poderia reconduzir-se a uma nulidade processual secundária, por poder a irregularidade cometida influir no exame ou na decisão da causa (artigo 201.º nº 1 do C.P.Civil).
Não cremos, porém, que assim seja.
Na verdade, a circunstância da Ré não ter o preenchido o formulário do CITIUS não a impediu de praticar o acto em causa no processo respectivo nem de o fazer chegar ao conhecimento do tribunal e da parte contrária, assim tendo o mesmo logrado alcançar o fim pretendido e reconhecido pela lei, e sobretudo, de o Autor exercer o contraditório em relação ao requerimento probatório assim apresentado.
Em bom rigor, o que aconteceu, é que a Ré acabou por não utilizar verdadeiramente a via da transmissão electrónica de dados, limitando-se antes a servir-se da Internet e do CITIUS como via de transporte de um requerimento direccionado, à sua apresentação em suporte de papel, por qualquer um dos meios mencionados no número 2 do artigo 150.º do Código de Processo Civil.
Portanto, em conclusão, estamos perante uma irregularidade a que lei processual civil, ou outra complementar, não atribui qualquer relevância em termos sancionatórios.
Importa, finalmente, sopesar que a justa composição do litigio não se compadece com este excesso de formalismo, como o evidenciado nas alegações recursórias do apelante que, são mesmo incompatíveis e contraditórios com a evolução que se tem verificado deste a reforma de 1995/96 na nossa lei processual civil de índole comum ou geral, no sentido de reduzir e restringir ao máximo as puras decisões de forma, que impeçam a apreciação e julgamento substancial do pleito trazido a tribunal pelas partes, sendo disso exemplo os poderes oficiosos conferidos ao juiz do processo e da sua possibilidade de sanação de muitos dos vícios de cariz formal ou adjectivo (vide os artigos 264.º, números 2 e 3, 265.º, 265.º -A, 266.º e 288.º, número 3 do Código de Processo Civil).
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Como assim e sem necessidade de outros considerandos, improcedem todas as conclusões formuladas pelo apelante e, por lógia implicância, o respectivo recurso.
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IV- DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação confirmando, assim, a decisão recorrida.
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Custas da apelação pelo recorrente (artigo 446.º nº 1 do C.P.Civil).
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Porto, 28/01/2013
Manuel Domingos Alves Fernandes
Manuel José Caimoto Jácome
Carlos Alberto Macedo Domingues
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[1] Efectivamente, para cumprir o ónus da prova, a parte tem de utilizar um dos meios de prova legal ou contratualmente admitidos ou não excluídos por convenção das partes (artigo 345.º do C.Civil). Tendo em conta a importância do cumprimento daquele ónus para o proferimento de uma decisão favorável à parte onerada e acentuado os deveres correlativos que decorrem desse ónus para a contraparte e para terceiros, costuma falar-se de um direito à prova, direito esse que habitualmente é deduzido, para a generalidade dos processos jurisdicionais do disposto no artigo 6.º nº 3 al. d) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (cfr. neste sentido Miguel Teixeira de Sousa in Estudos Sobre o Novo processo Civil, pág. 56).
[2] Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra, 2.ª Edição, 1976, página 176.
[3] Obra citada mesma pág.
[4] Cfr. também no mesmo sentido Anselmo de Castro, em “Direito Processual Civil Declaratório”, Volume III, Almedina, 1982, páginas 101 e seguintes.