Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0514155
Nº Convencional: JTRP00038819
Relator: PINTO MONTEIRO
Descritores: DECISÃO INSTRUTÓRIA
RECURSO
LEGITIMIDADE
Nº do Documento: RP200602150514155
Data do Acordão: 02/15/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: REJEITADO O RECURSO.
Área Temática: .
Sumário: Invocando os arguidos no requerimento de abertura de instrução a nulidade de autos de reconhecimento a que se procedeu durante o inquérito e tendo o juiz de instrução decidido que esses autos padeciam, não do vício de nulidade, mas de inexistência, não têm aqueles legitimidade para recorrer dessa parte da decisão.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto:

Inconformados com a decisão instrutória da senhora juíza de instrução do Tribunal Judicial de Torre de Moncorvo quanto à apreciação de nulidades por eles arguidas no requerimento de abertura de instrução e de uma outra de que, segundo eles, a decisão instrutória padece, bem como quanto à medida de coacção de apresentações periódicas que lhes foi aplicada naquela decisão, dela recorreram os arguidos B.......... e C.........., tendo concluído a motivação nos termos seguintes:
1 – O douto despacho recorrido, retirando qualquer valor probatório aos Autos de Reconhecimento de fls. 303 e 308, não os considera nulos, pese embora os mesmos não cumprirem os legais requisitos. Os mencionados Autos estão feridos de nulidade insanável, pois os mesmos foram efectuados sem que aos arguidos lhes fosse concedida a assistência de defensor. Havendo sido violado (na efectuação de tal prova por reconhecimento) o direito à assistência de defensor em todos os actos do processo, a que faz jus o art.º 61.º n.º1 alínea e) do CPP. Foi por isso cometida, nos supracitados Autos do Reconhecimento, a nulidade insanável consagrada no art.º 119.º alínea c) do CPP. Nulidade essa que deve ser declarada por este Alto Tribunal.
2 – Os Autos de Apreensão de fls. 303 e 308 são também nulos. Consagram apreensões ilegais, já que os objectos apreendidos nada têm a ver com o objecto do processo. Tais objectos foram apreendidos através de buscas a casa dos arguidos, assim se invadindo o seu domicílio e dele retirando objectos de proveniência lícita (como aliás o próprio tribunal o veio – embora tardiamente – a reconhecer, pese embora os vários requerimentos anteriormente feitos pela defesa, insurgindo-se com o clamoroso erro judicial que se estava cometendo). A prova – e apreensão – desse modo obtida, está inquinada de nulidade, por se inscrever na categoria de provas proibidas a que se refere o art.º 126.º, n.º3 do CPP.
3 – Violado foi pela instância o comando dos arts.ºs 118.º n.º1, 122.º, 124.º, 125.º e 127.º do CPP, tendo sido violados os art.ºs 61.º n.º1 alínea e) e 119.º alínea c) do mesmo diploma legal.
4 – A medida de coacção continuadamente aplicada aos recorrentes (de apresentações), cumprida pelos mesmos escrupulosamente até ser considerada extinta, nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 215.º e 218.º do CPP (não esquecendo que os recorrentes cumpriram mais de cinco meses de apresentações fora do prazo), não pode “renascer” após a prolação do douto despacho de pronúncia, a tal se opondo a letra e o espírito da lei. Violado se mostra assim haver sido, no douto despacho recorrido, o estatuído no art.º 215.º e 218.º do CPP. Violado também se mostra ter sido o disposto no art.º 198.º do CPP, uma vez que nenhuma razão existe, documentalmente comprovada, para que aos arguidos lhes seja aplicada qualquer outra medida de coacção que não o T.I.R..
5 – Mas, sem conceder, o douto despacho de pronúncia enferma de nulidade a que se refere o art.º 379.º, n.º1 alínea c), ao conhecer do que não podia, pelo facto de indicar como prova a produzir em audiência, toda a prova indicada na douta acusação pública, já que esta prova, como decorre da consulta dos autos, inclui a prova por reconhecimento e a constante dos Autos de Apreensão.
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Terminaram pedindo a revogação do despacho recorrido na parte em que não se pronunciou sobre as invocadas nulidades e indicou como meio de prova toda a que foi indicada na acusação e lhes impôs a medida de coacção de apresentações periódicas.
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Na 1.ª instância respondeu o M.º P.º pronunciando-se pelo não provimento do recurso, excepto na parte em que põe em causa a aplicação da medida de coacção de apresentações periódicas.
Neste tribunal, o Ex.mº Procurador Geral Adjunto suscitou como questão prévia a ilegitimidade dos arguidos para interporem recurso quanto às alegadas nulidades, por terem sido objecto de decisões que lhes foram favoráveis, e de que deve ser negado provimento ao recurso quanto à questão das medidas de coacção.
Cumprido o disposto no n.º2 do art. 417.º do C. P. Penal, não houve resposta.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre decidir.
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Tendo em conta as conclusões da motivação do recurso e que estas delimitam o seu objecto, são três as questões suscitadas pelos arguidos a merecerem apreciação, a saber: a) nulidade dos autos de reconhecimento e de buscas efectuados na fase do inquérito; b) nulidade da decisão instrutória na parte em que indicou como meios de prova os autos de reconhecimento e as buscas efectuadas; e c) medidas de coacção de apresentações periódicas.
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a) Dos autos, com interesse para esta decisão, constam os seguintes elementos:
Na fase de inquérito foram, pela G.N.R., efectuados autos de reconhecimento dos arguidos.
Também na fase do inquérito, mediante prévia emissão dos competentes mandados de busca assinados por um senhor juiz, foram efectuadas buscas às casas dos arguidos, com vista à apreensão de um aparelho de DVD e de um aspirador relacionados com os crimes que se investigavam, vindo a ser apreendidos, pelas autoridades policiais encarregadas de as efectuar, um DVD e um aspirador que nada tinham a ver com tais crimes.
Entretanto, pelo M.º P.º foi deduzida acusação contra os arguidos, na sequência do que, requereram estes a abertura de instrução, na qual, entre outras questões, arguiram a nulidade dos autos de reconhecimento e dos autos de apreensão e requereram a entrega dos objectos apreendidos.
Declarada aberta a instrução, foram os autos ao M.º P.º a fim de se pronunciar sobre as referidas nulidades, tendo-se o mesmo pronunciado no sentido de que, em sede de debate instrutório, se pronunciaria sobre as nulidades e de que nada tinha a opor à devolução dos objectos apreendidos, por os autos não indiciarem minimamente terem sido aqueles adquiridos com o cartão Multibanco objecto dos crimes imputados aos arguidos.
Pela senhora juíza de instrução, em despacho autónomo do da decisão instrutória, com o fundamento de que os objectos apreendidos não correspondiam aos que foram descritos na acusação pública como tendo sido adquiridos pelos arguidos mediante o uso do cartão Multibanco furtado, e com base no disposto no art. 186.º do C. P. Penal, foi ordenada a sua restituição, por a sua apreensão se mostrar desnecessária, dado não constituírem meios de prova nos presentes autos, ordenando a notificação dos arguidos para, no prazo de 10 dias, procederem ao seu levantamento.
Na decisão instrutória pronunciou-se a senhora juíza de instrução quanto à arguida nulidade dos autos de reconhecimento, decidindo, depois de analisar as várias posições doutrinárias e jurisprudenciais conhecidas sobre a questão, que a omissão das formalidades exigidas pelo art. 147.º do C. P. Penal não constitui uma nulidade insanável, mas antes um meio de prova que padece do vício de inexistência, pelo que o mesmo não pode ser valorado por não ter o valor probatório que legalmente lhe é exigido, nada dizendo quanto aos autos de apreensão.
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Segundo os arguidos, a nulidade dos autos de reconhecimentos resulta da circunstância de não terem sido assistidos, na realização de tal diligência, por um defensor.
O art. 147.º do C. P. Penal não impõe que na realização dos autos de reconhecimento os arguidos tenham de ser assistidos por um defensor, não cominando a não observância das formalidades nele previstas como nulidade, mas tão só a sua não valoração como meio de prova.
Também não se trata de uma situação em que a lei exige a presença do defensor do arguido, não constituindo, por isso, a nulidade a que alude a al. c) do art. 119.º do C. P. Penal.
Seja como for, na decisão instrutória foi-se mais além do que o pretendido pelos arguidos, pois em vez da nulidade dos autos de reconhecimento decidiu-se pela sua inexistência.
Ao fim e ao cabo, o que os arguidos pretendiam com a arguição da nulidade era que os autos de reconhecimento não servissem como meio de prova e isso foi decidido na decisão instrutória, não por via da declaração de nulidade, mas da inexistência do acto.
Assim, embora com outros fundamentos, foi a sua pretensão atendida.
O mesmo se passa quanto à apreensão dos objectos.
Vejamos.
As buscas foram autorizadas por um senhor juiz de instrução e mediante a passagem do respectivo mandado, tendo, assim, sido observado o disposto no n.º3 do art. 174.º do C. P. Penal, pelo que não padecem de qualquer nulidade. O que aconteceu foi que, em vez de serem apreendidos o aparelho de DVD e o aspirador que interessavam como meio de prova, foram apreendidos um DVD e um aspirador de marcas diferentes. Ora, o meio de prova não é o acto da busca em si mesmo, mas os objectos a cuja apreensão a mesma se destina. Tendo sido ordenada a entrega dos objectos apreendidos, por não serem os identificados na acusação como estando relacionados com os crimes imputados aos arguidos, deixaram os mesmos de constituir meio de prova. A declaração de nulidade das buscas não tinha a virtualidade de fazer retroagir as coisas à situação existente antes da sua realização, fazendo com que tudo se passasse como se elas não tivessem existido.
Temos, assim, que ambas as decisões – despacho a ordenar a entrega dos objectos apreendidos e decisão a declarar inexistentes os autos de reconhecimento - foram favoráveis aos arguidos.
Dispõe o art. 401.º, n.º1, al. b), do C. P. Penal, que têm legitimidade para recorrer o arguido e o assistente, de decisões contra eles proferidas.
Por sua vez o n.º2 da mesma disposição legal estabelece que não pode recorrer quem não tiver interesse em agir.
Tendo as decisões em causa sido favoráveis à pretensão dos arguidos, por força daquela disposição legal carecem os mesmos de legitimidade para recorrer.
Deste modo, quanto a tais questões, julgam-se os arguidos parte ilegítima para recorrer.
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b) Na acusação foram arroladas testemunhas e foi indicada prova a que se chamou de documental, identificando-se esta tão só como “Documentos constantes dos autos”. No despacho de pronúncia indicou-se como prova a produzir em julgamento a indicada na acusação pública. Defendem os arguidos que a decisão instrutória é nula por ter conhecido de questão que não podia, ao indicar toda a prova referida na acusação, a qual inclui os autos de reconhecimento e de apreensão, o que constitui a nulidade prevista na al. c) do n.º1 do art. 379.º do C. P. Penal.
Antes de mais, impõe-se dizer que o art. 379.º do C. P. Penal aplica-se às sentenças, mas não aos despachos. Depois, o tribunal não conheceu de uma questão de que não podia tomar conhecimento. Com efeito, tendo proferido despacho de pronúncia, tinha a senhora juíza, nos termos do art. 283.º, n.º3, als. d) e f), do C. P. Penal, aplicável ex vi n.º2 do art. 308.º do mesmo código, de indicar a prova a produzir na audiência de julgamento. No caso, indicou a prova referida na acusação. Nesta, a prova documental foi indicada de forma genérica, nela não se identificando os documentos nem mesmo por referência às folhas do processo em que se encontram, ficando-se assim sem se saber quais exactamente os documentos a que o M.º P.º pretendeu referir-se. Seja como for, a prova por reconhecimento e a prova obtida por meio de busca não são prova documental, porque tratadas no Código de Processo Penal em capítulos diferentes dos da prova documental, sendo, assim, autonomizadas em relação a esta. Acresce que, tendo sido ordenada a entrega dos bens apreendidos nas buscas efectuadas e tendo sido decidido que os autos de reconhecimento não podem servir como meio de prova, afastada ficou a possibilidade de, na audiência de julgamento, os autos de reconhecimento e os bens apreendidos poderem vir a ser utilizados como meio de prova.
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c) Dos autos, com interesse para a decisão desta questão, constam os seguintes elementos:
Os arguidos foram detidos no dia 12 de Junho de 2003, tendo sido apresentados a uma senhora juíza de instrução e ouvidos em primeiro interrogatório judicial no dia 13 do mesmo mês e ano. Findo o interrogatório judicial, foi-lhes aplicada a medida de coacção de apresentações semanais às autoridades policiais da área das suas residências, com o fundamento de que os autos indiciavam a prática, por eles, em co-autoria, de dois crimes de furto simples, na forma consumada, de um crime de furto simples, na forma tentada, de um crime de falsificação de documento, e tendo em conta a natureza de tais crimes, a circunstância de os arguidos já terem sido condenados por factos semelhantes, de terem prestado declarações contraditórias e de se verificar perigo de continuação da actividade criminosa e de perturbação da ordem e tranquilidade públicas. Iniciaram os arguidos as apresentações no dia 22 daquele mês. No dia 24 de Novembro de 2004 foi deduzida acusação contra os arguidos, na qual lhes foram imputados, em co-autoria, dois crimes de furto p.p. nos termos do art. 203.º, n.º1, do Código Penal, e um crime de burla informática na forma continuada, p.p. nos termos dos arts. 221.º, n.º1, e 30.º, ambos do mesmo código, e, ao arguido Jorge Paulo, ainda, um crime de condução sem habilitação legal. Considerando que, com a dedução da acusação, se tinham reforçado os pressupostos que haviam determinado a aplicação aos arguidos da medida de coacção de apresentações periódicas e que, entretanto, tinham decorrido os prazos para aquela medida de coacção anteriormente fixada, devendo, por isso, ser extinta de imediato, requereu o M.º P.º, na parte final da acusação, que os mesmos aguardassem os ulteriores termos do processo sujeitos àquela medida de coacção. Pela senhora juíza de instrução foi, em 08/12/04, proferido despacho no qual declarou extintas as medidas de coacção de apresentações periódicas a que os arguidos estavam sujeitos, com o fundamento de que se mostravam extintos os prazos legais previstos nos artigos 218.º, 215.º, al. a) e 198.º, todos do C. P. Penal. Na decisão instrutória, tendo em atenção a natureza dos tipos legais preenchidos e porque, face à pronúncia dos arguidos, se afigurava que os indícios da prática dos factos saíram reforçados, foi decidido que aqueles ficassem sujeitos à obrigação de, semanalmente, se apresentarem no posto da autoridade policial territorialmente competente na área das suas residências, ao abrigo do disposto nos arts. 191.º, 192.º, 193.º, n.º1, 196.º, 198.º e 204.º, als. a) e c), in fine, todos do C. P. Penal, dada a existência de perigo, o carácter precário da situação profissional e a comprovada mobilidade geográfica de ambos.
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Dispõe o art. 198.º do C. P. Penal que se o crime imputado for punível com pena de prisão de máximo superior a 6 meses, o juiz pode impor ao arguido a obrigação de se apresentar a uma entidade judiciária ou a um certo órgão de polícia criminal em dias e horas preestabelecidos, tomando em conta as exigências profissionais do arguido e o local em que habita.
Por sua vez o n.º1 do art. 218.º do mesmo código estabelece que as medidas de coacção previstas nos artigos 198.º e 199.º extinguem-se quando, desde o início da sua execução, tiverem decorrido os prazos referidos no artigo 215.º, n.º1, elevados ao dobro.
Os prazos a que alude o n.º1 desta última disposição são: a) 6 meses sem que tenha sido deduzida acusação; b) 10 meses sem que, havendo lugar a instrução, tenha sido proferida decisão instrutória; c) 18 meses sem que tenha havido condenação em 1.ª instância; e d) 2 anos sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado.
Porque decorridos mais de 12 meses desde o início da execução da medida de coacção de apresentações periódicas aplicada aos arguidos sem que contra eles tivesse sido deduzida acusação, devia a mesma ter sido, como foi, declarada extinta, porquanto tinha sido excedido o prazo estabelecido na al. a) do art. 215.º (o prazo de 6 meses elevado ao dobro).
Importa assim decidir se, face a tal declaração de extinção e à decisão de pronúncia entretanto proferida, é possível aplicar novamente aquela medida de coacção e, em caso afirmativo, se a mesma se mostra justificada.
Vejamos.
Estabelece o n.º2 do art. 212.º do C. P. Penal que as medidas revogadas podem de novo ser aplicadas, sem prejuízo da unidade dos prazos que a lei estabelecer, se sobrevierem motivos que legalmente justifiquem a sua aplicação.
Refere-se este número 2 aos casos previstos no número 1, segundo o qual as medidas de coacção são imediatamente revogadas por despacho do juiz sempre que se verificar terem sido aplicadas fora das hipóteses ou das condições previstas na lei ou terem deixado de subsistir as circunstâncias que justificaram a sua aplicação.
No caso sub judice as medias de coacção não foram revogadas, mas declaradas extintas, que é coisa bem diferente, (como, aliás, resulta da epígrafe do capítulo em que se encontram inseridos os artigos 212.º e 218.º), não por terem sido aplicadas fora das condições ou das hipóteses previstas na lei ou por terem deixado de subsistir as circunstâncias que justificaram a sua aplicação, mas porque decorreu o prazo máximo previsto para a sua duração tendo em conta a fase em que o processo se encontrava. Não se trata, portanto, de um caso em que, com a pronúncia, sobrevieram motivos que legalmente justificaram a sua aplicação. Os motivos existiam e mantiveram-se. A pronúncia apenas veio reforçar os indícios.
Não prevê o Código de Processo Penal, expressamente, a possibilidade de, extinta uma medida de coacção de apresentações periódicas por se ter esgotado o prazo máximo de duração quanto a uma determinada fase processual, a mesma poder voltar a aplicar-se desde que não tenha decorrido a totalidade do prazo global previsto para todas as fases processuais, tal como a não prevê para a medida de coacção de prisão preventiva, embora, quanto a esta, preveja no n.º2 do art. 217.º a possibilidade de, no caso de se verificar aquela extinção, o juiz sujeitar o arguido a alguma ou algumas das medidas de coacção previstas nos arts. 197.º a 200, inclusive. Mas se não prevê expressamente essa possibilidade, também não a exclui expressamente.
No que tange à medida de coacção de prisão preventiva, defende o Prof. Germano Marques da Silva no Curso de Processo Penal, vol. II, 2.ª edição, pág. 289, que “Não há um prazo de prisão preventiva para cada fase processual, há é um limite máximo de duração da prisão preventiva até que se atinja determinado momento processual. Por isso, se o início da prisão preventiva só se verificar já na fase de instrução ou na de julgamento, os limites máximos até à decisão instrutória, condenação em 1.ª instância ou decisão transitada continuam a ser os mesmos. Por idêntica razão, se numa determinada fase se tiver esgotado o limite do prazo de duração da prisão, o arguido pode voltar a ser preso se se passar a outra frase e se se mantiverem as razões para determinar a sua prisão, desde que se não tenha ainda atingido o máximo da correspondente fase.”.
No mesmo sentido, o Ac. da Relação de Lisboa de 8 de Maio de 1991, citado naquela obra e sumariado na CJ, ano XVI, tomo III, pág. 179, nos termos seguintes: Os prazos de prisão preventiva previstos no art. 215.º do CPP são válidos para as diversas fases processuais nele consideradas, pelo que, libertado um arguido apenas em virtude de, numa dessas fases, ter atingido o correspondente limite da prisão, pode o mesmo voltar a ser preso se se passar a outra fase e se mantiverem as razões para determinar a sua prisão, desde que se não tenha atingido o máximo global referido nesse artigo.
Feita a transposição da posição defendida naquela obra e no acórdão citados quanto à medida de coacção de prisão preventiva para a medida de coacção de apresentações periódicas, temos que esta só não poderia voltar a ser aplicada aos arguidos se se tivesse esgotado o prazo previsto para a fase em que se encontra o processo ou então o prazo global previsto para as diversas fases.
Da conjugação dos arts. 218.º, n.º1, e 215.º, n.º1, do C. P. Penal, resulta que o prazo máximo por que pode ser mantida a medida de coacção de apresentações periódicas, considerando todas as fases processuais, é de 4 anos, sendo de 36 meses no caso de ter havido instrução, mas não condenação em primeira instância.
Tendo havido instrução e pronúncia, mas não havendo ainda condenação em primeira instância, o prazo máximo até ao termo da fase processual em que o processo se encontra é de 36 meses.
Estiveram os arguidos submetidos àquela medida de coacção desde 22/06/03 até 8/12/04, pelo que é manifesto que ainda não decorreu o prazo máximo global das diversas fases processuais e, nomeadamente, da fase processual entre a instrução e a condenação em primeira instância, mesmo tendo em conta que a este período de tempo, há que adicionar aquele em que os arguidos estiveram, indevidamente, submetidos à aplicação da referida medida de coacção na fase processual até à dedução da acusação, ou seja, que excedeu os 12 meses previstos, e que é de 5 meses e 16 dias.
Dos autos não resulta que os arguidos, enquanto estiveram submetidos à medida de coacção de apresentações periódicas, tenham praticado quaisquer actos que a tivessem posto em causa.
Entretanto, decorreu um longo período de tempo sem que nos autos haja notícia da prática de quaisquer actos que justifiquem a aplicação daquela ou de qualquer outra medida.
Com efeito, embora na decisão recorrida se refiram a existência de perigo, o carácter precário da situação laboral e a comprovada mobilidade geográfica de ambos os arguidos, o certo é que nos autos não estão documentadas tais circunstâncias.
O eventual reforço dos indícios da prática, pelos arguidos, dos crimes por que foram pronunciados, não é, só por si, motivo para que aos mesmos seja aplicada aquela medida de coacção.
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Deste modo: a) julgam-se os arguidos parte ilegítima para recorrer da decisão instrutória quanto à questão apreciada na alínea a); b) nega-se provimento ao recurso quanto à questão decidida sob a alínea b); e c) na parcial procedência do recurso, revoga-se o despacho recorrido na parte em que aplicou aos arguidos a medida de coacção de apresentações periódicas.
Pela parcial improcedência do recurso condena-se cada um dos arguidos na taxa de justiça que se fixa em 3 (três) Ucs.
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Porto, 15 de Fevereiro de 2006
David Pinto Monteiro
José João Teixeira Coelho Vieira
António Gama Ferreira Gomes