Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0635535
Nº Convencional: JTRP00039653
Relator: FERNANDO BAPTISTA
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
LOCAÇÃO
Nº do Documento: RP200610260635535
Data do Acordão: 10/26/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 689 - FLS. 115.
Área Temática: .
Sumário: I- O direito de voto na assembleia de condóminos relativamente a fracções objecto de contratos de locação financeira pertence ao locador e não ao locatário, dado que é aquele o proprietário das fracções enquanto tal locação se mantiver.
II- As fracções GARAGENS, qualquer que seja a sua permilagem, devem ser sempre consideradas para efeitos de contabilização de votos nas assembleias de condóminos, não podendo ser retirado aos respectivos proprietários o direito ao voto em tais assembleias.
III- A contabilização dos votos faz-se sempre pelo critério da percentagem do valor total do prédio, salvo se algum dos condóminos tiver uma fracção de valor inferior a 1% -- a “unidade inteira” referida no artº 1430º, nº2 CC --, caso em que entrará em função o critério da permilagem.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do tribunal da Relação do Porto

I. RELATÓRIO:

Na ….ª Vara Cível do Porto--….ª Secção--, B…….., Advogado, com domicílio profissional na Praça …….., ….., …..° andar, Sala ……, Porto, veio propor providência cautelar especificada, para suspensão de deliberação da Assembleia de Condóminos, contra Condomínio do Edifício do C…….., com domicílio na Praça ……, …., …...° andar, Porto e Condóminos do Edificio do C……., a citar na pessoa do seu Administrador.

Alega:
Que, a 1ª requerida promoveu e convocou a Assembleia Geral Ordinária do Condomínio subordinando-a à Ordem de Trabalhos definida no documento convocatório, a qual teve lugar no 25.01.2006, pelas 18 horas, no Auditório do Edifício do C…….. .
Porém, refere, a Assembleia assim realizada constituiu um claro, inequívoco e absoluto atropelo à lei, tornando as deliberações tomadas enquanto tais nulas.
Na verdade, diz, encontram-se admitidas à Assembleia e com poder deliberativo e de voto, pessoas que não são proprietárias das fracções que se arrogam, como sejam a D…….., Lda, E…….., Lda, F…….., Lda e G………, SA, cuja propriedade pertence às respectivas sociedades de locação financeira.
Por outro lado, refere que foram admitidos a votar nessa assembleia os condóminos proprietários das fracções das garagens, quando é certo que cada uma das fracções/garagens detém, apenas, uma permilagem de 0,241, pelo que a sua consideração para efeitos de contabilização de votos viola o disposto nos art.°s 1.418.° e 1.430.°, n.° 2 do C.Civil, fazendo com que, de uma realidade - no caso concreto da assembleia com deliberações a impugnar - de 147 votos, cinquenta e cinco (55) se configurem ilegais, os quais, somados aos vinte e sete (27) votos obtidos através da invocação de propriedade por parte de quem não é proprietário das fracções, acumula um total de oitenta e dois (82) votos ilegítimos, correspondente a 55,79% dos votos expressos em assembleia.
Por último refere que das deliberações tomadas na Assembleia irregular resulta claro e irreprimível prejuízo, obrigando os condóminos, que legítima e legalmente estiveram presentes e se fizeram representar, a ter de suportar decisões tomadas por quem para o efeito não tinha legitimidade.

Devidamente citado, veio o Condomínio deduzir oposição, alegando, em suma, que, para além de não ter sido concretizado o prejuízo que se pretende evitar com a presente providência, mesmo que não fossem considerados os votos da D…….., Lda, E…….., Ldª, F……., Lda e G……., SA, as deliberações não sofreriam qualquer alteração.
Com efeito, refere, ainda que se perfilhasse o entendimento do requerente, no que respeita ao D…….., Lda, a H………. conferiu procuração àquele para todas as assembleias de condóminos, sendo que, em relação aos proprietários das fracções de garagens os seus votos devem considera-se legítimos, uma vez que o seu direito de voto jamais lhe pode ser retirado.

Após a junção do documento de fls. 206-- na sequência do despacho de fls. 203--, são conclusos os autos e é proferido o despacho de fls. 208 a 216, indeferindo a providência requerida.

Inconformado com tal decisão, vem recorrer o requerente B………, apresentando as pertinentes alegações de recurso que remata com as seguintes

CONCLUSÕES:
“I. Nos termos do disposto nos artigos 666.°, n.°s 2 e 3 e 669.°, n.° 2, alíneas a) e b) do CPCivil, deve a decisão exposta ser objecto da adequada REFORMA por se encontrar conformada de forma juridicamente inadequada e, ainda, por terem sido ignorados elementos processuais inseridos nos autos;
II. Esquece o Tribunal que a Condómina D…….., L.DA DESTARTE MANTER UMA PROCURAÇÃO NÃO CASUÍSTICA que lhe atribui representação nas Assembleias de Condóminos, NÃO PARTICIPOU NA ASSEMBLEIA, encontra-se-lhe vedado o SUBSTABELECIMENTO do instrumento de representação conferido pelo H………., S.A.;
III. Porém, enviou à Assembleia uma sua funcionária I……… indotada de capacidade de representação, esmorecendo assim a primeira das equívocas decisões cuja reforma se pretende alcançar através do presente recurso;
IV. O Tribunal ((DESCULPOU» o facto de encontrarem-se admitidas à Assembleia e com poder deliberativo e de voto, PESSOAS QUE NÃO SÃO PROPRIETÁRIAS DAS FRACÇÕES QUE SE ARROGAM ao arrepio do disposto nos art.°s 1.420.°, 1.430.0 e 1.432.° do CCivil, designadamente,
a.- o supra identificado D…….., L.DA que conferiu à sua funcionária I……. a representação das fracções "ARG", "ACS" e "ACT" quando BEM SABE NÃO SER O PROPRIETÁRIA das mesmas, o qual se encontra registado - logo, beneficiando da presunção de propriedade que decorre do art.°7.° do CRPredial - enquanto sendo a H…….., S.A., com sede na Praça …….., ……, no Porto;
b.- a identificada E……., L.DA que conferiu ao Dr. J……. a representação da fracção "ARL" quando BEM SABE NÃO SER A PROPRIETÁRIA da mesma, o qual se encontra registado enquanto sendo o L………, S.A., com sede na Rua …….., ……, em Lisboa;
c.- a identicada F……., L.DA que conferiu ao Dr. J……… a representação das fracções "ASF" e "ASG" quando BEM SABE NÃO SER A PROPRIETÁRIA das mesmas, o qual se encontra registado enquanto sendo o M………., S.A., com sede na Rua dos …….., ….., …..°, em Lisboa e
d.- a identicada G……., SA que conferiu ao Dr. J……. a representação das fracções "ASL", "ASM" e "ASN" quando BEM SABE NÃO SER A PROPRIETÁRIA das mesmas, o qual se encontra registado enquanto sendo o M……….., S.A., com sede na Rua dos ……, ….., …..°, em Lisboa .
V. Na subsunção factual e jurídica relativamente aos direitos de votação dos proprietários de fracções/garagem ESQUECE o TRIBUNAL que, com o recurso à Acta aprovadora dos Estatutos do Condomínio e contra a própria natureza do TÍTULO CONSTITUTIVO DA PROPRIEDADE HORIZONTAL a contabilização da área de cada racção se faz em PERCENTAGEM e NÃO EM PERMILAGEM como avança a decisão recorrida;
VI. As fracções de garagem que a decisão invoca deterem 0,241 NÃO DETÉM TAL VALOR PERCENTUAL, MAS SIM PERMILAR, sendo que em termos percentuais as fracções de garagem DISPÕEM, na realidade, de 0,024% e não o valor erroneamente apontado na decisão criticada;
VII. A lei substantiva civil é clara ao definir que o condómino só tem um voto por cada UNIDADE INTEIRA que couber dentro da permilagem da sua fracção é INQUESTIONÁVEL que as fracções GARAGENS que conferem a cada condómino das mesmas possuidores UM (1) VOTO por fracção NÃO DETÉM, sequer, 1/4 da unidade inteira requerida por lei, já que cada uma das fracções/GARAGENS detém, APENAS, uma permilagem de 0,241;
VIII. A sua consideração para efeitos de contabilização de votos NÃO SÓ VIOLA o disposto nos art.°s 1.418.° e 1.430.°, n.° 2 do CCivil como confere aos possuidores de INÚMERAS FRACÇÕES DE GARAGEM, UM (1) VOTO por cada quarta parte da permilagem do edifício, ou seja, FAZENDO PREVALECER SOBRE OS POSSUIDORES DE FRACÇÕES/ESCRITÓRIOS a propriedade/fruição de lugares de garagem com permilagem substancialmente reduzida, DISTORCENDO A REALIDADE FÍSICA DA PROPRIEDADE HORIZONTAL COM REFLEXO NEGATIVO NA TAREFA DECISÓRIA ;
IX. Somados aos VINTE E SETE (27) votos obtidos através da invocação de propriedade por parte de quem não é proprietário das fracções, o valor de votos das fracções/garagens ilegalmente considerados, ou seja, CINQUENTA e CINCO (55) votos, tal ACUMULA um total de OITENTA E DOIS (82) VOTOS ILEGÍTIMOS num universo de CENTO E QUARENTA E SEIS (146) VOTOS, correspondente a 55,79% dos votos expressos em Assembleia ;
X. A lei substantiva civil é clara ao definir que o condómino só tem um voto por cada UNIDADE INTEIRA que couber dentro da permilagem da sua fracção, razão pela qual é INQUESTIONÁVEL que as fracções GARAGENS que conferem a cada condómino das mesmas possuidores UM (1) VOTO por fracção NÃO DETÉM, sequer, 1/4 da unidade inteira requerida por lei. Ou seja, VIOLANDO o disposto nos art.°s 1.418.° e 1.430.°, n.° 2 do CCivil e DISTORCENDO A REALIDADE FÍSICA DA PROPRIEDADE HORIZONTAL COM REFLEXO NEGATIVO NA TAREFA DECISÓRIA;
XI. Tal entendimento prefigura, ainda, um claro abuso de direito na medida em que, se, por um lado, o condómino detentor de uma fracção/garagem com área correspondente a menos de 1/4 da unidade permilar pode ter um (1) voto em assembleia geral de condóminos, por outro e no cumprimento dos seus deveres, APENAS contribui para as despesas comuns na MEDIDA DA EXIGUIDADE DA SUA ÁREA PERMILAR;
XII. Nos termos do art.° 334.° do CCivil, o exercício de um direito é ilegítimo e, como tal, abusivo quando o seu titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim económico e social desse direito, abuso do direito que, « in casu», abrange o exercício de um direito por forma anormal, quer quanto à intensidade quer quanto à sua execução e de forma que compromete o gozo de direitos de terceiros/restantes condóminos, criando uma desproporção objectiva entre a utilidade do exercício do direito, por parte do seu titular, e as consequências que outros têm que suportar;
XIII. Encontra-se violado, na decisão recorrida, o disposto nos art.°s 1.418.°, 1.420.°, 1.430.°, n.° 2 e 1.432.0, todos do CCivil ;
XIV. Pugnando-se por que, em sede de douto Acórdão a proferir, seja revogada a decisão recorrida e, fazendo-se justiça aos
argumentos invocados - sem embargo da reforma da decisão configurada em sede prévia das alegações de recurso presentes - seja
ordenada, em conformidade, a prossecução das diligências processuais subsequentes, mormente, a inquirição das testemunhas arroladas pelo ora recorrente no alcançar de decisão que reconheça a violação do direito condominial, com iminência da emergência de prejuízo dificilmente reparável, e, em conformidade, ser ordenada a suspensão das deliberações emanadas da ilegal Assembleia Geral Ordinária de 25.01.2006 do CONDOMÍNIO do EDIFÍCIO do C………., com domicílio na Praça ……., ….., …...° andar, 4150-146 PORTO, concelho e comarca do Porto, assim se alcançando
JUSTIÇA !”.

Não foram apresentadas contra-alegações.
Foram colhidos os vistos.

II. FUNDAMENTAÇÃO

II. 1. AS QUESTÕES:
Tendo presente que:
- O objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (arts. 684º, nº3 e 690º, nºs 1 e 3, do C. P. Civil);
- Nos recursos se apreciam questões e não razões;
- Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,

as questões a resolver são as seguintes:
1. Se no que toca às fracções objecto de contratos de locação financeira houve ilegal representação na Assembleia de Condóminos;
2. Se as fracções GARAGENS devem ser sempre consideradas para efeitos de contabilização de votos;
3. Como contabilizar os votos dos detentores das fracções/garagens - será que independentemente da sua permilagem às mesmas cabe sempre (pelo menos) um (1) voto em Assembleia de Condomínio?
4. Se a resposta afirmativa às 2ª e 3ª questões - de que as fracções GARAGENS devem ser sempre consideradas para efeitos de contabilização de votos e que, independentemente da sua permilagem, cabe-lhes sempre pelo menos um (1) voto em Assembleia de Condomínio - consubstancia abuso de direito.

II. 2. OS FACTOS:

No tribunal a quo deram-se como assentes (por documento e por acordo das partes) os seguintes factos:
1°)- O primeiro requerido é um Condomínio instituído sobre imóvel constituído em propriedade horizontal e sito na Praça ……, ….., freguesia de ……., desta cidade;
2°)- Por sua vez, o requerente é, por força da propriedade das fracções autónomas designadas pelas letras "ATD"/escritório e "ACV", "ADV" e "ADX"/garagens, condómino no supra citado edifício;
3°)- O primeiro requerido promoveu e convocou a Assembleia Geral Ordinária do Condomínio, subordinando-a à Ordem de Trabalhos definida no documento convocatório;
4°)- Assembleia essa que teve lugar no dia 25.01.2006, pelas 18 horas, no Auditório do Edificio do C………;
5°)- Todas as deliberações tomadas na referida assembleia foram aprovadas pela maioria dos votos das pessoas presentes conforme acta de fols. 40 a 54, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os feitos legais;
6°)- D……., Lda, E……., Lda, F…….., Lda e G………, SA, são locatárias, em regime de locação financeira, respectivamente, das fracções ARG", "ACS" e "ACT" ; "ARL", "ASF" e "ASG"; "ASL", "ASM" e"ASN";
7°)- O H………, mandatou o legal representante do seu locatário "D………., Lda" a participar, votando e tomando as decisões necessárias, inerentes às assembleias de Condóminos, relativas ao imóvel objecto de contrato de Leasing sito na Praça ……, ….., ….° freguesia de ……, cidade, concelho e comarca desta cidade;
8°)- A definição em termos de área relativa do Edifício em causa, encontra-se determinada em permilagem conforme cópia de certidão da Conservatória do Registo Predial junta áos autos a fols. 55 a 94, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os feitos legais.

III. O DIREITO:

Primeira questão: se no que toca às fracções objecto de contratos de locação financeira houve ilegal representação na Assembleia de Condóminos:

Como se vê da documentação junta com o requerimento inicial, muitas das fracções do edifício em propriedade horizontal a que se reportam os autos foram adquiridas em regime de locação financeira.
Ora, é precisamente no que tange às fracções ARG, ACS, ACT, ARL, ASF, ASG, ASL, ASM e ASN que vem suscitada a ilegalidade de representação, pois sustenta o agravante que quem votou na Assembleia do Condomínio de 25.01.2006 em representação dessas fracções não foram os respectivos proprietários ou representantes destes.
Efectivamente, provado está que D……., Lda, E…….., Lda, F…….., Lda e G………, SA, são locatárias, em regime de locação financeira, respectivamente, das aludidas fracções ARG", "ACS" e "ACT" ; "ARL", "ASF" e "ASG"; "ASL", "ASM" e"ASN".
Daqui a pergunta: a quem compete a capacidade deliberativa e decisória na assembleia de condóminos relativamente a tais fracções: à locadora, ou ao locatário?
A resposta não pode deixar de ser a de que tal compete ao locador. E pela simples razão de que é ele o proprietário das fracções enquanto se mantiver a locação financeira.

Com efeito, é isso que resulta do artº 1º do DL nº 149/95, de 24.06 - alterado pelos DLs nºs 265/97, de 2.10 e 285/2001, de 3.11--, ao definir o contrato de locação financeira.
Também escreve o Prof. Leite de campos, in O Contrato de Locação Financeira, pág. 79, que “o locador mantém-se proprietário do bem dado em locação”. Só no fim do contrato o locatário pode exercer a opção de compra, adquirindo, então, a posição de proprietário.
No mesmo sentido vai Sandra Passinhas, A Assembleia de Condóminos e a Administração na Propriedade Horizontal, 2ª ed., Almedina, a pág. 237, ao escrever que “nos termos do artº 10º, nº1, al. e) do DL nº 149/95, de 24 de Junho [..], o locatário exerce, na locação da fracção, os direitos próprios do locador, com excepção dos que, pela sua natureza, somente possam por aquele ser exercidos. No direitos próprios do locador, entendemos que cabe o direito de voto na assembleia de condóminos” - sublinhado nosso.

Assim, portanto - até porque é a própria lei a dizer que “cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence [….]” ( ut artº 1420º, nº1 do CC - diploma a que nos referiremos sempre que outra menção se não faça)--, é aos condóminos que pertence o poder deliberativo e decisório na assembleia de condomínio (cfr., ainda, arts. 1430º e 1432º).

Ora, relativamente às supra aludidas fracções objecto de locação financeira-- ARG, ACS, ACT, ARL, ASF, ASG, ASL, ASM e ASN--, verifica-se que quem votou na assembleia de condóminos de 25.01.2006 foram os seguintes “representantes”: I…….. (fracções ARG, ACS e ACT) e Dr. J……. (fracções ARL, ASF, ASG, ASL, ASM e ASN).
No entanto, provado está que o representante do dono das fracções ARG, ACS e ACT – H…….., S.A. -- “mandatou o legal representante do seu locatário "D…….., Lda" a participar, votando e tomando as decisões necessárias, inerentes às assembleias de Condóminos, relativas ao imóvel objecto de contrato de Leasing sito na Praça do ……, ….., ….° freguesia de ……., cidade, concelho e comarca desta cidade” (facto provado sob o nº 7). O que, portanto, torna válida a representação das citadas fracções autónomas na assembleia de condóminos, pois o dono das fracções, por força do mandato que conferiu, podia fazer-se representar na assembleia por quem entendesse, nomeadamente pela referida I………. .

Já no que toca às demais fracções objecto de locação financeira -- ARL, ASF, ASG, ASL, ASM e ASN--, é certo que não há nos autos comprovativo da representação a favor do Dr. J…….. O que, ao abrigo do estatuído nos supra aludidos arts. 1420º, 1430º e 1432º, torna patente a ilegalidade de representação quanto às mesmas fracções.
Só que - como bem se acentua na sentença (fls. 213)--, os votos dessas fracções (ou, melhor, dos proprietários das mesmas) não eram necessários ser contabilizados para a aprovação das deliberações (cfr. artº 1432º, nº3), cuja suspensão da sua execução se pretende.
Veja-se que o total da permilagem - e é o critério da permilagem que se deverá seguir na contabilização dos votos presentes na assembleia, como á frente se verá-- das fracções em causa é apenas de… 8,349 (cfr. fls. 124/125).

É claro que a invalidade da deliberação também terá a ver, em certa medida, das respostas a dar às segunda e terceira questões. Mas trata-se de questão que extravasa da que ora nos ocupa e que é apenas e só saber a quem competia a capacidade deliberativa e decisória na assembleia de condóminos relativamente a tais fracções: se às locadoras, se aos locatários?

Segunda questão: se as fracções GARAGENS devem ser sempre consideradas para efeitos de contabilização de votos.

Relativamente a esta questão, não temos dúvida em responder afirmativamente, isto é, que as fracções/garagens devem, de facto, ser sempre consideradas na votação - independentemente da maior ou menor permilagem de cada uma dessas fracções.
Com efeito, estamos perante fracções que, tal como as demais, constituem “unidades independentes” (artº 1414º), “autónomas” (artº 1415º), “devidamente individualizadas” (artº 1418º, nº1), registadas, como tal, na competente Conservatória do Registo Predial. Assim, portanto, o proprietário de cada uma das garagens - desde que assim autonomizada no respectivo título de constituição da propriedade horizontal e assim levada ao registo Predial - é um condómino com os direitos e obrigações dos demais (proprietários das demais fracções), pois todos-- e cada um deles -- são titulares de um direito de propriedade horizontal (A. Menezes Cordeiro, Direitos Reais, 1979-911).
Assim, portanto, sendo os condóminos os titulares das várias fracções ou unidades independentes na propriedade horizontal - e bem assim comproprietários das partes do edifício que constituem a sua estrutura comum ou estão afectadas ao serviço daquelas fracções (Henrique Mesquita, RDES, XXIII-83) - e dispondo a lei que “cada condómino tem na assembleia tantos votos quantas as unidades inteiras que couberem na percentagem ou permilagem a que o artº o artº 1418º se refere”, é claro que não vemos qualquer sustento legal para retirar aos proprietários das fracções/garagens o direito ao voto nas assembleias de condomínio.

Terceira questão: como contabilizar os votos dos detentores das fracções/garagens - será que independentemente da sua permilagem às mesmas cabe sempre (pelo menos) um (1) voto em Assembleia de Condomínio?

Dispõe o artº 1432º, nº3:
“As deliberações são tomadas, salvo disposição em especial, por maioria dos votos representativos do capital social”.

Por sua vez, dispõe o artº 1430º, nº2:
“Cada condómino tem na assembleia tantos votos quantas as unidades inteiras que couberem na percentagem ou permilagem a que o artº o artº 1418º se refere “

De entre as menções que têm de constar do título constitutivo da propriedade horizontal, está, precisamente, “o valor relativo de cada fracção, expresso em percentagem ou permilagem, do valor total do prédio (nºs 1 e 2 do artº 1418º).

Ora, da leitura dos aludidos normativos, resulta claro que a palavra “unidades inteiras” se refere – como bem é acentuado na decisão recorrida - às que couberem no número que indica a referida percentagem… ou permilagem, conforme for o caso.
O que significa que, se seguirmos o critério da percentagem, temos que, v.g., quem tiver uma fracção que valha 2% do “valor total do prédio”, obviamente que disporá de 2 votos, o mesmo sucedendo em relação ao proprietário cuja fracção valha 1,6%; valendo a fracção 7%, disporá de 7 votos, mas se tem 7,5% terá na mesma 7 votos-- pois apenas dispõe de sete “unidades inteiras… na percentagem. Da mesma forma, tanto terá 9 votos o condómino a cuja fracção corresponde o valor de 9,45% como aquele cuja fracção valha … 8,6%.
Vê-se, daqui, que a votação na assembleia obedece ao princípio da maioria do capital investido na edificação e não ao número de proprietários individualmente considerados - reiterando-se que, como vimos, todos têm direito a votar.

No caso sub judice impõe-se dar solução à seguinte questão: como contabilizar os votos no caso de haver fracção ou fracções com valor inferior à aludida “unidade inteira… na percentagem”? É que no caso presente cada uma fracção/garagem vale…0,241 % ?

Parece mais que evidente - salvo o devido respeito por diferente opinião - que aqui terá de entrar em função o critério da… permilagem. Só ele permitirá a participação de todas as fracções na votação – veja-se que também as garagens são representativas de parte do “valor total do prédio”, ou, se quisermos, de parte “do capital investido” (ut arts. 1418º-1 e 1432º-3) -, pois pelo critério da percentagem não era possível atribuir-lhes tal participação (ut cit. artº 1430º-2), e só ele permitirá inserir um critério de justiça na distribuição e contabilização dos votos nas assembleias de condomínio.
Não se olvide que, como escreveu Sandra Passinhas, ob. cit., págs. 233/234, “o direito de voto é o mais importante dos condóminos; decorre, por inerência, da própria qualidade de proprietário [……..]” - e o dono da garagem também o é! - “e é um direito irrenunciável”.

Na lei alemã (ut § 25 da WEG), cada condómino tem um direito de voto, mas que é independentemente do tamanho e do valor da sua quota - sendo certo, porém, que os condóminos podem acordar noutro critério, como é entendimento comum.
Na nossa lei civil, porém, as coisas não são bem assim: se é certo que cada condómino tem um direito de voto, certo é, também, que na nossa lei vale o princípio do valor (Wertprinzip), isto é, de que a força do voto regula-se pelo tamanho da quota.
Mas uma coisa é o exercício de voto em conformidade com esse tamanho da quota, outra é pretender retirar tal direito ao voto só porque a quota é… diminuta!

Relativamente à aplicação do critério da permilagem, escrevem Pires de lima e Antunes Varela, CCAnotado, 2ª ed., em anotação ao artº 1430º:
“Pode, no entanto, suceder que algum dos condóminos tenha uma fracção de valor inferior a 1%.” - precisamente a situação sub judice, no que toca às fracções/garagem, ora em questão. “Neste caso, pelo critério da percentagem, o condómino não teria direito de voto na assembleia. Por isso, se manda substituir a esse critério o da permilagem. Assim, quem tiver, nesse caso, uma fracção no valor de 0,5, terá direito a cinco votos (cinco por mil); se a fracção valer 1%, disporá de dez votos (dez por mil), e assim sucessivamente”.
Da mesma forma, valendo cada uma fracção/garagem 0,241 %, é claro que terá direito (apenas) a… dois (2) votos.

Atento o explanado, não parece haver dúvidas que as deliberações tomadas na assembleia de condóminos do dia 25.01.2006 foram tomadas pela maioria legal, já que tomadas por votos correspondentes a uma maioria desafogada do valor do prédio (cit. artº 1432º, nº3) - é que a soma dos votos correspondentes às fracções/garagem indevidamente representadas (fracções ARL, ASF, ASG, ASL, ASM e ASN - locatárias E…….., Lda; F…….., Lda e G…….) de forma alguma é suficiente para abalar as validade daquelas deliberações.

A respeito da questão da representação de condóminos, uma nota apenas para referir que a lei não estabelece qualquer limite máximo ao número de votos que um condómino pode representar, pelo que cada condómino terá tantos votos quantos os correspondentes às fracções de que seja titular.


Quarta questão: se o entendimento afirmativo às 2ª e 3ª questões - de que as fracções GARAGENS devem ser sempre consideradas para efeitos de contabilização de votos e que, independentemente da sua permilagem, cabe-lhes sempre pelo menos um (1) voto em Assembleia de Condomínio - consubstancia abuso de direito:

De forma alguma podemos responder positivamente a esta questão, não se almejando qualquer abuso de direito no despacho a quo e no entendimento do agravado, em conformidade com o que aqui sufragamos.

O que é, afinal, o abuso de direito?
A doutrina tem-se debruçado abundantemente sobre o abuso de direito. Manuel de Andrade (“Teoria Geral Das Obrigações”,pág. 63-65) defendia a existência de abuso de direito quando este era exercido “ em termos clamorosamente ofensivos da justiça”, mostrando-se “gravemente chocante e reprovável para o sentimento jurídico pevalecente na colectividade”.
Vaz Serra aludia à “clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante “ (Bol. M.J.,nº85, pág. 253).
O art. 334º do Cód. Civil dispõe que “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
Assim, entende Pires de Lima (Cód. Civil, em anotação ao artigo 334º). que “não é necessária a consciência de se atingir , com o seu exercício, a boa fé, os bons costumes ou o fim social ou económico do direito conferido; basta que os atinja”.
O excesso cometido tem de ser manifesto, para poder desencadear a aplicabilidade do art. 334º.
Por isso, os tribunais só podem fiscalizar “a moralidade dos actos praticados no exercício dos direitos ou a sua conformidade com as razões sociais e económicas que os legitimam, se houver manifesto abuso “(ob. e loc. cits.).
Outros autores tomaram posição nesta questão, v.g., Castanheira Neves (“Questão de facto-Questão de direito ou o Problema Metodológico da Jurisdicidade, pág. 518-524), Orlando de Carvalho (”Teoria Geral do Direito Civil - Sumários desenvolvidos”, 1981, pág.44 a 61), Coutinho de Abreu (Do abuso de Direito), Jacinto Rodrigues Bastos, Notas ao Código Civil, II, 1988, pág.103, Marcelo Rebelo de Sousa, que aborda a questão do abuso do direito em O Concurso Público na Formação do Acto Administrativo, 1994, págs. 21-22 e Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, 1984, que estuda profundamente o abuso do direito no volume II, num capítulo epigrafado «O Exercício Inadmissível de Posições Jurídicas» e subdividido em três secções, sendo na segunda que estuda várias modalidades de abuso do direito, a saber:«exceptio doli, venire contra factum proprium, inalegabilidade de nulidades formais, supressio, surrectio, tu quoque e desequilíbrio no exercício jurídico .
Porém, para que haja o citado abuso tem no uso do direito de haver sempre um excesso manifesto (Pinto Furtado, Cód. Com. Anotado, vol. II, tomo 2º, pág. 540). O que significa que a existência do abuso do direito tem de ser facilmente apreensível sem que seja preciso o recurso a extensas congeminações.
Segundo Coutinho de Abreu (ob cit., pág. 43), há abuso de direito “quando um comportamento, aparentando ser exercício de um direito, se traduz na não realização dos interesses pessoais de que esse direito é instrumento e na negação de interesses sensíveis de outrem” -- posição que se nos afigura absolutamente correcta.
Pode ver-se, ainda, P. Lima e Antunes Varela, Cód. Civ. Anotado, I-1982, 296 e 297, os quais referem, também que o excesso tem de ser manifesto, havendo que atender, de modo especial, às concepções ético-jurídicas dominantes na colectividade, para determinar quais são os limites impostos pela boa fé e pelos bons costumes.

Feito este bosquejo doutrinal sobre o instituto do abuso de direito, é fácil descortinar a inexistência do mesmo no caso sub judice.
Com efeito, o que o tribunal decidiu não só está em sintonia com a doutrina, como se traduz num posição perfeitamente justa e equilibrada, pois seria de todo injusto e injustificável retirar o direito de voto aos detentores de fracções autónomas como são as garagens, privando-os da participação nas decisões do condomínio que os afectam, além de que por aplicação do aludido critério da permilagem introduz-se justiça equitativa ou equilibrada na votação.
De forma alguma se aceita que o critério adoptado possa distorcer a realidade física da propriedade horizontal, como pretende o agravante.
Por outro lado, não parece correcto dizer-se que, pelo critério aqui seguido, os proprietários das fracções/garagens cumprirão com os seus deveres na participação das despesas comuns de forma desequilibrada (inferior) em comparação com a sua posição na votação na assembleia. É que se é certo que contribuirão “para as despesas comuns na medida da exiguidade da sua área permilar”, não é menos certo que o número de votos que detêm também é conforme essa mesma “exiguidade da sua área permilar”, conforme o valor de cada fracção -- logo, muito inferior ao nº de votos dos proprietários de fracções (não garagens), com valor manifestamente superior!
Onde está, então, o abuso de direito? Onde é que o entendimento sufragado na decisão recorrida traduz uma “clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante”, mostrando-se “gravemente chocante e reprovável para o sentimento jurídico pevalecente na colectividade”? Onde está a actuação “em termos clamorosamente ofensivos da justiça?”.
Com o devido respeito, não o vislumbramos!

Atento o explanado, claudicam todas as conclusões da alegação do agravante.

CONCLUINDO:
- O direito de voto na assembleia de condóminos relativamente a fracções objecto de contratos de locação financeira pertence ao locador e não ao locatário, dado que é aquele o proprietário das fracções enquanto tal locação se mantiver.
- As fracções GARAGENS, qualquer que seja a sua permilagem, devem ser sempre consideradas para efeitos de contabilização de votos nas assembleias de condóminos, não podendo ser retirado aos respectivos proprietários o direito ao voto em tais assembleias.
- A contabilização dos votos faz-se sempre pelo critério da percentagem do valor total do prédio, salvo se algum dos condóminos tiver uma fracção de valor inferior a 1% -- a “unidade inteira” referida no artº 1430º, nº2 CC --, caso em que entrará em função o critério da permilagem.
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IV. DECISÃO:

Termos em que acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao agravo, confirmando a decisão recorrida.

Custas pelo agravante.

Porto, 26 de Outubro de 2006
Fernando Baptista Oliveira
José Manuel Carvalho Ferraz
Nuno Ângelo Rainho Ataíde das Neves