Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0842171
Nº Convencional: JTRP00041445
Relator: OLGA MAURÍCIO
Descritores: JUNÇÃO DE DOCUMENTO
RECURSO
Nº do Documento: RP200806110842171
Data do Acordão: 06/11/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 318 - FLS 303.
Área Temática: .
Sumário: Não é admissível a junção de documentos com a motivação de recurso.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: 2171/08 - 9/20
Processo nº 2171/08
…/05.6FAVNG – .º juízo criminal de Vila Nova de Gaia
Relatora: Olga Maurício


Acordam na 2ª secção criminal (4ª secção judicial) do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO

1.
B………. foi condenado na pena de seis meses de prisão e duzentos dias de multa, à taxa diária de € 5, pela prática, em autoria material, de um crime de aproveitamento de obra contrafeita ou usurpada, previsto e punível pelo artigo 199º, n.º 1, por referência ao artigo 197º, n.º 1, ambos do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos.
A pena de prisão aplicada ao arguido foi substituída por igual período de multa, à mesma taxa diária de € 5.
Nos termos do art. 6º, n.º 1, do DL 48/95 de 15 de Março, foi o arguido condenado na pena única de trezentos e oitenta dias de multa, à taxa diária de € 5, ou, subsidiariamente, em duzentos e cinquenta e três dias de prisão.

2.
Inconformado o arguido recorreu, retirando da motivação as seguintes conclusões:
1ª - «O montante da pena pecuniária em que o ora Recorrente foi condenado é excessivo, e deve ser reduzido para um valor mais aproximado aos limites mínimos admitidos e mais concordante com aquela que é a situação económica e financeira do Arguido».
2ª - «A pena de multa pecuniária em que o ora Recorrente foi condenado não atende aos critérios determinados pelo artigo 47º do Código Penal na medida em que não levou em consideração todos os elementos que constituem os encargos financeiros do Arguido».

3.
O recurso foi admitido.

4.
O Sr. Procurador da República junto do tribunal recorrido respondeu defendendo a improcedência do recurso.

Nesta Relação, o Exmº P.G.A. emitiu parecer pronunciando-se no sentido.

Foi cumprido o disposto no nº 2 do art. 417º do C.P.P.

5.
Proferido despacho preliminar foram colhidos os vistos legais.

Cumpre decidir.
*
*

FACTOS PROVADOS

6.
Na decisão proferida na 1.ª instância julgaram-se provados os seguintes factos:
«1 - Pelas 23:30 horas do dia 5 de Setembro de 2005, no arraial da festa em honra de C………., em ………., área desta comarca, o arguido B………. possuía expostos para venda diversos videogramas com suporte em disco versátil digital (vulgo “DVD”) procurando atrair todos quantos procuravam o recinto da festividade em curso para lhe adquirirem esses artigos que comercializava à revelia dos autores, intérpretes, realizadores e produtores, bem como das associações representativas destes.
2 - Em atenção ao local onde decorria a venda, ao aspecto geral dos artigos expostos, ao preço pedido - € 5,00 por unidade - e ao seu tipo (desde logo pelas referências a filmes ainda não estreados no cinema ou muito recentes), logo suscitaram junto dos agentes da autoridade que policiavam esse espaço a convicção se tratar de cópias artesanais ilegitimamente produzidas e comercializadas, pelo que fiscalizaram o arguido.
3 - Na banca que preparara para o efeito expusera o arguido quatrocentos e quarenta unidades em formato DVD, tratando-se todos eles de discos de produção artesanal, porquanto correspondendo a gravações feitas por pessoa cuja identidade não foi possível apurar que lhas cedeu para que ele vendesse, sobre suporte genérico comercializado nas lojas da especialidade como DVD “virgem” gravável (“DVD-R”, digital versatile disc recordable) tudo isto sem autorização e em prejuízo dos legítimos titulares de direitos autorais sobre obras daquela natureza, sendo as capas coloridas de qualidade sofrível porquanto impressas por recurso a meios informáticos ou fotocópias a partir de imagens frequentes vezes correspondentes a cópia da capa original tal qual publicada em DVD à venda em país estrangeiro, assim se percebendo a falta, em diversos casos, de tradução portuguesa da sinopse ou mesmo do título da obra.
4 - Tratando-se do que correntemente se designa como “cópias piratas”, foram esses objectos apreendidos, observando-se que nos títulos disponibilizados pelo arguido encontravam-se:
I - De entre os que têm como titular dos direitos videográficos em Portugal a sociedade “D……….”:
- “Bernardo e Bianca”, duas cópias gravadas em suporte virgem;
- “Lady & The Trump’ duas cópias gravadas em suporte virgem;
- “Bad news bears”, onze cópias gravadas em suporte genérico;
- “Lilo & Sitch 2”, seis exemplares fixados em suporte genérico;
- “Noddy - Estrela cadente”, três cópias;
- “Noddy - Carro novo”, três cópias;
- “Noddy - Mapa do tesouro”, três cópias;
- “Noddy - Bicicleta para orelhas”, três cópias;
- “Ruca quer ser grande”, seis exemplares fixados em suporte genérico;
- “Inspector Gadget” cinco cópias gravadas em suporte genérico;
- “War of the worlds” onze cópias gravadas em suporte genérico;
- “Bug’s life”, duas cópias gravadas em suporte genérico;
- “Stranger at the door”, três cópias gravadas em suporte genérico;
- “Estado em alerta”, três cópias gravadas em suporte virgem;
- “Os super heróis”, três cópias gravadas suporte genérico;
- “Pinocchio 3000”, três cópias gravadas em suporte genérico;
- “Action man - the movie”, três cópias gravadas em suporte genérico;
- “Ruca o explorador”, duas cópias em suporte virgem;
- “Sleeping beauty”, um exemplar;
- “Four brothers”, seis exemplares fixados em suporte genérico;
- “The crow”, três exemplares fixados em porte genérico;
- “A espada era a lei”, um exemplar;
- “Estás frito, meu”, um exemplar;
- “Millions”, três cópias em DVD-R vendidos comercialmente ao público;
- “Banlieue”, uma cópia em suporte genérico gravável;
- “Ruca e os seus amigos”, duas cópias fixadas em suporte virgem;
- “Jimmy Neutron”, duas cópias;
- “X-Men”, duas cópias fixadas em suporte virgem;
- “Blast”, uma cópia em DVD-R;
- “Slipstream”, dez cópias gravadas em suporte genérico;
- “Remedy”, cinco exemplares;
- “Gladiatress”, uma cópia;
- “Guide to the galaxy”, uma cópia gravada em suporte genérico;
- “Herbie - Fully loaded’ dez cópias gravadas em suporte virgem;
- “Ruca sempre a brincar”, quatro reproduções fixadas em suporte virgem;
- “Winnie The Pooh”, duas cópias gravadas em suporte genérico;
- “Heffalump”, cinco cópias gravadas em suporte virgem;
- “The lost boys”, quatro cópias gravadas em suporte virgem;
- “Man of the house”, três reproduções;
- “Urban legends”, cinco cópias em suporte genérico;
- “Noddy - Segura bem o chapéu”, três cópias em DVD-R;
- “The little mermaid”, uma cópia;
- “Mulan”, uma cópia;
- “Noddy - o melhor condutor’ duas cópias;
- “Noddy - Caçador do arco-íris”, duas cópias em suporte gravável;
- “Cinderella II”, uma cópia gravada em suporte genérico;
- “Noddy - A caixa traquinas”, três cópias em DVD-R;
- “Dark waters”, quatro reproduções fixadas em suporte virgem;
II - De entre os que têm como titular dos direitos videográficos em Portugal a sociedade “E………., S.A.”:
- “Garfield the movie”, uma cópia gravada em suporte virgem;
- “A família Galaró”, sete cópias gravadas em suporte virgem;
- “Dinocroc”, cinco cópias em DVD-R;
- “Star wars”, dez cópias em DVD-R compreendendo os diversos episódios;
- “Le divorce”, uma cópia em suporte comercial genérico;
- “Robots”, uma cópia em suporte comercial genérico;
- “Rebound”, duas cópias em suporte comercial genérico;
- “Dracula III”, uma cópia em suporte comercial genérico;
- “Reino dos céus”, uma cópia em suporte comercial genérico;
- “Quarteto fantástico”, dez cópias em DVD-R;
III - De entre os que têm como titular dos direitos videográficos em Portugal a sociedade “F………., Lda.”:
- “Red eye”, seis cópias gravadas em suporte virgem;
- “Barbie swan lake”, duas cópias gravadas em suporte virgem;
- “Sinbad Lenda dos 7 mares”, uma cópia gravada em DVD-R;
- “Madagascar”, sete cópias gravadas em suporte virgem;
- “Land of the dead”, treze cópias fixadas m DVD-R;
- “Skeleton key” treze exemplares gravados em suporte genérico.
IV - De entre os que têm como titular dos direitos videográficos em Portugal outras sociedades “Marco 5” (quatro unidades); “Bewitched (treze unidades); “Double vision” (quatro unidades); “Músicas da carochinha” (seis unidades); “House of fury” (duas unidades); “Bobby Long” (duas unidades); “Monster in law” (cinco unidades); “João e o pé de feijão” (duas unidades); “Dragon ball” (seis unidades); “Clifford’s movie” (três unidades); “Brothers in arms” (três unidades); “Batman - o início” (três unidades); “Mr. & Mrs. Smith” (duas unidades); “Tom and Jerry 1” (uma unidade); “Pantera cor-de-rosa” (sete unidades); “As aventuras de Moli” (cinco unidades); “Tom and Jerry 2” (uma unidade); “Duma” (duas unidades); “Wedding crashers” (uma unidade); “Heidi volta à montanha” (duas unidades); “O capuchinho vermelho” (uma unidade); “Conan - O rapaz do futuro” (três unidades); “Ursinhos carinhosos” (duas unidades); “Donnie Darko” (duas unidades); “Os palhacinhos da cidade” (uma unidade); “Kid Bengala” (quatro unidades); “Tom & Jerry 3” (três unidades); “Shackles” (uma unidade); “A aventura em Canterville (uma unidade); “Murder at the presídio” (uma unidade); “Homem aranha” (uma unidade); “Shrek 2” (uma unidade); “Arsene Lupin” (quatro unidades); “Heidi na cidade” (uma unidade); “Tom & Jerry IV” (uma unidade); “Tom & Jerry 8” (três unidades); “Shadow of fear” (uma cópia); “Face of terror” (duas unidades); “Son of the mask” (uma unidade); “Harry Potter - Pedra filosofal” (duas unidades); “House of wax” (quatro unidades); “The Tesseract” (uma unidade); “Miss congeniality” (uma cópia); “Vamos a isto rapazes” (uma unidade); “Desportos radicalmente divertidos” (uma unidade); “Quim Barreiros ao vivo” (uma unidade); “Gypsy Kings” (duas unidades) e “Scorpions” (uma unidade).
5 - Nenhum dos videogramas apreendidos possuía qualidade própria dos originais fabricados e comercializados sob a supervisão das sociedades acima referidas, destoando pela má qualidade da imagem, reproduzida nalguns casos a partir da filmagem da exibição em cinema do filme em questão; pela presença de legendagem elaborada por pessoas no autorizadas e com frequentes erros; pela ausência na face dos suportes de qualquer grafismo identificativo do filme, substituído pelas marcas comerciais dos discos e pela falta nas caixas de impressos identificando os capítulos do filme, inexistindo, em regra, extras que complementem o filme ou as mensagens alertando para o respeito pelos direitos de autor.
6 - Sendo todas e cada uma das referidas obras cujas cópias o arguido se prestava a vender protegidas por direito de autor exclusivo vigente em Portugal, mediante representação da N………. ou de alguma das sociedades que para tal a mandataram, protecção estendida quer ao próprio filme e banda sonora, quer ao grafismo das capas concebidas para promover e acompanhar o suporte digital.
7 - Além dos títulos acima indicados, possuía o arguido cópias que se supõem não autorizadas, porquanto com as mesmas características artesanais das anteriores, das seguintes obras que ainda não estão registadas na Inspecção-Geral das Actividade Culturais ou que ainda não possuem representação nacional: “Classe A” (sete unidades); “Into the west” (quatro unidades); “Five days to midnight” (três unidades); “Deep shock” (duas unidades); “Justice” (seis unidades); “Side FX” (três unidades); “Gone but not forgotten” (seis unidades); “Bráca Dalton”, “Revelations”, “Double Zero”, “Zodiac killer”, “Anel mágico”, Der untergang”, “Dot kill”, “Vampire”, “Black”, “Kung Fu Mahjong” (uma unidade por cada um destes títulos); “The ballad of Jack & Rose” (três unidades) e “Scooby Doo - Aloha” (seis unidades); “The island” (treze unidades) e “Never scared’ (duas unidades).
8 - Outras oito unidades que foram apreendidas na ocasião correspondiam a uma caixa vazia sem que possuísse o disco correspondente e sete discos que, aparentando conter duplicações, se encontravam em condições deficientes impossibilitando a leitura do filme cujo registo porventura contivessem.
9 - Os videogramas em causa apenas não vieram a ser vendidos por via da intervenção policial da qual resultou a respectiva apreensão.
10 - O arguido agiu de forma livre, consciente e deliberada, uma vez que, sabedor da necessidade de prévio consentimento dos respectivos autores, produtores ou representantes legítimos de uns e outros, para a produção e comercialização de videogramas enquanto obras intelectuais protegidas por direito de autor vigente em território nacional, decidiu transaccionar reproduções dessas obras imateriais relativamente aos quais aqueles não haviam prestado tal consentimento, acto que foi efectuado, como bem sabia, contra a vontade presumível e em prejuízo patrimonial destes, pela perda de proveitos que resultariam da comercialização dos originais devidamente licenciados.
11 - Sabia o arguido que este seu comportamento era proibido e punido por lei.
12 - Os pais do arguido exercem, há largos anos, a actividade de feirantes, comercializando peças de vestuário e calçado.
13 - O arguido é casado, tem um filho menor a cargo, exerce a actividade de gestor de crédito, aufere mensalmente € 1000, a mulher trabalha e contribui para as despesas domésticas, o agregado familiar reside em casa adquirida com recurso a crédito bancário com o que despende mensalmente € 525.
14 - Tem como habilitações literárias o 9º ano de escolaridade.
15 - Não lhe são conhecidos antecedentes criminais.
16 - É pessoa considerada por aqueles que com ele convivem».

7.
E foram julgados não provados quaisquer outros factos com relevância para a causa, nomeadamente:
«a) Os DVD’s apreendidos não eram pertença do arguido.
b) No dia 5 de Setembro de 2005, já no chamado “fim de festa”, aproximou-se da bancada dos pais do arguido um indivíduo de etnia cigana, que os mesmos conheciam de vista, pois recordavam-se de o ver noutras ocasiões semelhantes.
c) O referido indivíduo abordou os pais do arguido solicitando que cedessem um pouquinho do seu espaço e assim permitissem que montasse a sua banca e expusesse o seu material, que consistia em diversos DVD’s de produção artesanal e fraca qualidade.
d) Por uma questão de cortesia, e visto a festa estar perto do fim, os pais do arguido acederam ao pedido.
e) A banca pertencia ao indivíduo de etnia cigana supra mencionado, bem como os DVD´s expostos na mesma.
f) Nas circunstancias referidas em 1) chegado à barraca dos seus pais, pelas 22h30, o arguido apercebeu-se da banca do referido indivíduo de etnia cigana, onde estava e tentar vender os ditos DVD’s, sem sequer reparar no preço a que estariam a ser disponibilizados.
g) Chegado o momento de arrumar os artigos expostos na tenda dos seus pais, bem como desarmar a própria tenda, e dar por terminada a feira, aquele que havia pedido para ali se “encostar” e tentar a sua sorte vendendo os mencionados DVD’s, ausentou-se, dizendo que iria buscar o seu carro para mais facilmente transportar as caixa repletas de DVD’s para o interior da bagageira do seu veículo.
h) Nessa altura, e quando os militares da Brigada Fiscal se aproximaram o arguido, por mera curiosidade, estava a ver alguns dos exemplares expostos.
i) Nunca o arguido montou a referida banca, ou agiu como se os DVD’s fossem seus, ou vendeu, ou tentou vender, qualquer um daqueles artigos.
Com interesse para a decisão da causa, não se provaram quaisquer outros factos articulados nos autos ou alegados em audiência de julgamento».

8.
O tribunal recorrido motivou a sua decisão sobre os factos provados e não provados nos seguintes termos:
«A convicção do Tribunal alicerçou-se nos depoimentos das testemunhas G………., H………. e I………., todos eles militares da Brigada Fiscal da GNR que efectuaram a acção de fiscalização e confirmaram terem interceptado o arguido no referido arraial quando detinha o material que lhe veio a ser apreendido, 440 DVD´s que continham reproduções não autorizadas de videogramas, exposto ao público para venda numa banca. Mais referiram que na altura em que avistaram o arguido este se encontrava da parte de dentro da aludida banca procedendo à embalagem do material que lhe veio a ser apreendido. Por outro lado, o militar G………. declarou ainda que, nesse mesmo dia, antes de entrar ao serviço, passou no local e viu o arguido na referida banca com o material exposto ao público para venda, motivo pelo qual decidiu efectuar a acção de fiscalização.
Perante estes depoimentos ao Tribunal não restaram quaisquer dúvidas de que o arguido tinha exposto para venda o material que lhe foi apreendido consubstanciado em reproduções não autorizadas de obras protegidas.
As declarações do arguido no sentido de que o material exposto não era sua pertença, mas antes de um individuo de etnia cigana que se encontrava no local não mereceram qualquer credibilidade porque frontalmente contrariadas pelos depoimentos dos militares da GNR que confirmaram encontrar-se o arguido no local, atrás da banca onde o material estava exposto e, por isso, expondo-o para venda a eventuais compradores.
Os depoimentos dos pais do arguido J………. e K………., na data vendedores ambulantes, ao afirmarem que o material apreendido era pertença de um individuo de etnia cigana que se encontrava no arraial e que colocou a banca ao lado da sua, não mereceram também acolhimento porque contrariadas pelos depoimentos dos militares da GNR, que se mostraram isentos e não revelaram nenhum interesse na discussão da causa, ao contrário daqueles cujo depoimento se mostrou interessado e parcial atenta a relação familiar que os une ao arguido.
O depoimento de L………., amigo do arguido, não mereceu credibilidade, ficando o Tribunal convencido que deliberadamente faltou à verdade. Pela testemunha foi referido que na tarde do dia em causa viu um individuo de etnia cigana a vender DVD´s numa banca ao lado daquela que era usada pelos pais do arguido, quando é certo que esclareceu que os pais do arguido apenas lhe foram apresentados nessa mesma noite, e quando convidado a esclarecer como tinha conhecimento de que a referida banca era pertença dos pais do arguido, que não conhecia, não o soube explicar. Assim como não soube explicar porque motivo declarou que viu o arguido na noite em causa, entre as 23:30 e as 00:00 horas junto à banca dos seus pais, sem que no local se encontrasse a referida banca como os DVD´s, quando é certo que pelas 23:30 horas os militares da Brigada Fiscal procederam à apreensão do material referido e a todas as diligências a ela inerentes, situação que a testemunha declarou não ter presenciado.
No que ao depoimento de M………., mulher de L………., concerne cumpre referir que começou por declarar conhecer o arguido desde 2006, ter-se deslocado com o seu marido ao arraial da festa de C………. e ali ter visto um indivíduo de etnia cigana que vendia DVD´s. Sendo que quando confrontada com o facto dos factos denunciados terem ocorrido em 2005 e, portanto, nessa data não conhecer sequer o arguido, não o soube explicar. Assim e, após ter sido advertida das penalidades em que poderia incorrer por prestar depoimento falso, acabou por declarar não ter a certeza de ter visto o arguido ou o referido indivíduo de etnia cigana e não ter sequer a certeza de ter estado no local. Donde resultou para o Tribunal que as testemunhas L………. e M………., deliberadamente faltaram à verdade, prestando depoimentos favoráveis à versão apresentada pelo arguido.
No que às condições de vida do arguido concerne foram valoradas as suas próprias declarações, também se valoraram os depoimentos dos seus pais que abonaram o seu comportamento.
No que à prova documental concerne o tribunal valorou o conjunto dos documentos juntos aos autos, designadamente, o auto de apreensão de fls. 4, o auto de exame directo de fls. 65 a 73 e o teor do certificado do registo criminal de fls. 171».
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DECISÃO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente – art. 412º, nº 1, in fine, do C.P.P., Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 2ª ed., III, 335 e jurisprudência uniforme do S.T.J. (cfr. acórdão do S.T.J. de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, pág. 196 e jurisprudência ali citada e Simas Santos / Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 5ª ed., pág. 74 e decisões ali referenciadas), sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios enumerados no art. 410º, nº 2, do mesmo Código.

Por via dessa delimitação resulta que a questão a decidir por este Tribunal da Relação do Porto prende-se com a justeza do montante diário fixado para a pena de multa aplicada ao arguido, considerando a sua situação económica e financeira.
*

Antes de apreciar a questão colocada pelo recurso teremos que decidir da legalidade da junção de documentos depois de encerrada a audiência, isto porque a acompanhar a motivação e conclusões do recurso o arguido juntou aos autos documentos destinados a comprovar a sua situação económica e financeira e, em consequência, a demonstrar a alegada injustiça em que incorreu a decisão recorrida ao fixar em 5 € a taxa diária da pena de multa.

O Sr. P.G.A. pronunciou-se pela ilegalidade desta junção, por força do disposto no nº 1 do art. 165º do Código de Processo Penal.

O art. 165º do C.P.P., inserido no capítulo relativo à prova documental, determina que «o documento deve ser junto no decurso do inquérito ou da instrução e, não sendo isso possível, deve sê-lo até ao encerramento da audiência».
Este limite temporal de admissibilidade de junção de prova por documento visa, desde logo, garantir o respeito pelo princípio do contraditório, princípio fundamental de processo.
No entanto, este princípio sempre se poderia alcançar através da garantia de a outra parte conhecer o conteúdo das novas provas entretanto juntas, sempre que tal sucedesse.
Desta forma, e pela irrazoabilidade que esta opção comportaria, é fácil concluir que o objectivo da norma não esgota esta razão.
A lei pretendeu também garantir que nem o julgador, nem qualquer dos demais intervenientes, possam ser, ao longo do processo e a qualquer momento, surpreendidos com novas provas, de modo a que este direito pudesse redundar em chicana processual. Se qualquer interveniente processual pudesse, sempre, juntar provas vislumbramos o caos que se poderia instalar na tramitação do processo, com sucessivas e infindáveis novas notificações para dar a conhecer as novas provas entretanto juntas.
Isto por um lado.
Por outro lado, conhecer o conteúdo de um documento e só poder reagir por escrito ou conhecê-lo em momento tal que o confronto vivo ainda seja possível altera, substancialmente, a possibilidade de o confirmar ou infirmar.
Daí que só em casos muito contados a regra possa ser ultrapassada.

Para além disso o recurso destina-se a que o tribunal superior aprecie a decisão recorrida. Ora, a bondade da decisão recorrida aprecia-se tendo em conta o direito aplicável ao caso e tendo em conta, também, os elementos existentes nos autos aquando da sua prolação. Ao tribunal de recurso não compete proferir decisões novas sobre a causa, mas sim analisar as decisões proferidas e aferir da sua conformidade com a prova e com a lei e nesta análise terá ele que se circunscrever aos elementos a que o tribunal recorrido teve acesso. Daí que estes devam manter-se inalteráveis.
Aquilo que o arguido pretende com a junção de nova prova é a alteração da decisão sobre a matéria de facto com recurso a elementos novos no processo (mas disponíveis à data da prolação da decisão).
Pelas razões expostas isso não é possível: a junção de prova documental, neste momento, é ilegal, assumindo tal comportamento natureza incidental, porque absolutamente alheia ao desenvolvimento normal da lide.
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Passemos, agora, à análise do recurso.
Como vimos, o arguido alega que a taxa diária fixada para a pena de multa é excessiva, em violação do art. 47º do Código Penal, porque não foram considerados os seus encargos financeiros. Termina pedindo a sua redução para ao limite mínimo.

Nos termos do nº 2 do art. 47º do Código Penal, na redacção vigente à data da prática dos factos aqui punidos, «cada dia de multa corresponde a uma quantia entre € 1 e € 498,80, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais».

O arguido foi condenado em prisão e multa, sendo que a pena de prisão aplicada foi substituída por multa. Quanto ao montante diário da multa, foi este fixado em 5 €.
Relativamente à situação económica do arguido, sabemos que ele é casado, que tem um filho menor a cargo, que exerce a actividade de gestor de crédito e que aufere mensalmente € 1000. A esposa trabalha e contribui para as despesas domésticas. O agregado familiar reside em casa própria e paga mensalmente € 525 pelo empréstimo contraído para a aquisição da habitação.

A função da pena é sancionar o crime cometido.
Assim, para cumprir este seu desiderato e, além do mais, para lograr obter um efeito profilático a pena tem que ser sentida pelo condenado: «… a pena de multa, se não quer ser um andrajoso simulacro de punição, tem de ter como efeito o causar, pelo menos, algum desconforto se não, mesmo, um sacrifício económico palpável … Em direito penal, a pena, qualquer que seja a óptica por que seja encarada, ainda que com fins meramente preventivos, justamente porque o é, implica sacrifício …» - acórdão do S.T.J. de 3-6-2004, processo 04P1266.
A nossa lei não fornece ao juiz quaisquer critérios para determinação do montante diário da multa.
O silêncio da lei, diz Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, as Consequências Jurídicas do Crime, II, 2005, pág. 129, «só pode significar … o desejo do legislador de oferecer ao juiz o maior campo possível de eleição de factores relevantes. É seguro que deverá atender-se … à totalidade dos rendimentos próprios do condenado, qualquer que seja a sua fonte … Como é seguro, por outro lado, que àqueles rendimentos hão-de ser deduzidos os gastos com impostos, prémios de seguro … e encargos análogos. Como igualmente parece legítimo tomar em conta … rendimentos e encargos futuros, mas já previsíveis no momento da condenação …».
No entanto isto não nos pode fazer cair em miserabilismos e levar a aplicar uma pena que, afinal, não cumpra qualquer finalidade por não comportar qualquer sacrifício para o visado.
Lembremos que é este mesmo autor que entende que mesmo pessoas carentes de rendimentos próprios são sempre passíveis de serem condenadas com a aplicação de uma pena de multa (Direito Penal Português, parte geral, II, 2005, pág. 128 e segs.).

Os limites para a taxa diária da multa entre € 1 e € 489,80 foram introduzidos pelo D.L. 48/95, de 15/3, portanto há mais de 13 anos. Há vários anos que se vem entendendo que a fixação da taxa diária da multa abaixo de 5 € deveria ficar reservada apenas para situações muito contadas e residuais, quando os condenados fossem economicamente muito carenciados (nomeadamente por não disporem de rendimentos próprios).
Apesar de a lei não ter sido alterada (era suficientemente ampla para não se desactualizar) a verdade é que o aplicador teve que se actualizar quanto aos casos em que poderia ser aplicada a taxa mínima da pena de multa. A ilustrar esta afirmação diremos, recorrendo às palavras usadas pela Relação de Coimbra no acórdão de 28-6-2006, processo 572/06.0YRCBR, que a evolução do salário mínimo traduz a evolução económica e social da média da população portuguesa e determinou a actualização dos critérios que estariam na mente do legislador ao tempo da prolação da lei. Não proceder a uma tal actualização significaria, afinal, desvirtuar a função da sanção o que não corresponde, seguramente, ao pensamento do legislador.
Entretanto, sobreveio uma alteração em 2007. Nos termos da actual redacção do nº 2 do art. 47º do Código Penal a taxa diária da pena de multa situa-se entre o máximo de € 500 e o mínimo de € 5.
Considerando o exposto e a situação do arguido entendemos que o montante fixado, se pecar, não é, de forma alguma, por excesso. Atendendo ao facto de o seu vencimento ser de € 1.000 mensais e de a esposa trabalhar, não obstante ter um filho a cargo e de a prestação pelo empréstimo para aquisição da habitação se situar em € 525, a situação do arguido não é de molde, de forma alguma, a ser considerada precária, atendendo, nomeadamente, ao baixo nível de vida que caracteriza a sociedade portuguesa.

Pelo exposto, improcedem as conclusões do recurso.
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DISPOSITIVO

Pelos fundamentos expostos:
I – Nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
II – Pelo incidente a que deu causa (junção de documentos com a motivação) vai o arguido condenado em uma UC.

III – Fixa-se em três Ucs a taxa de justiça devida.

Elaborado em computador e revisto pela relatora, 1ª signatária – art. 94º, nº 2, do C.P.P.

Porto, 2008-06-11
Olga Maria dos Santos Maurício
Jorge Manuel Miranda Natividade Jacob