Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1421/08.6PTPRT.P1
Nº Convencional: JTRP00043283
Relator: LUÍS TEIXEIRA
Descritores: PROVA PROIBIDA
Nº do Documento: RP200912091421/08.6PTPRT.P1
Data do Acordão: 12/09/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO - LIVRO 606 - FLS 96.
Área Temática: .
Sumário: I – Para o suprimento do direito de o condutor/sinistrado poder livremente recusar a colheita de sangue para efeitos de análise ao grau de alcoolémia do condutor, na medida em que esta alteração legislativa tem um conteúdo inovatório, necessitava o legislador governamental da autorização legislativa, pois que a decisão normativa primária cabia à Assembleia da República, por força da alínea c) do n.º 1 do art. 165º da CRP.
II - Assim, a colheita de sangue para aqueles fins, ao abrigo dos actuais artigos 152º, n.º 3, 153º, n.º 8 e 156º, n.º 2, todos do Código da Estrada, na redacção dada pelo DL 44/2005, de 23 de Fevereiro – sendo este último preceito já desde a redacção dada pelo DL 265-A/2001, de 28 de Setembro – sem possibilitar ao condutor a sua recusa, está ferida de inconstitucionalidade orgânica.
III - Nestes termos, a concreta recolha de sangue ao arguido recorrente que serviu de base para apurar o seu grau de alcoolémia, constitui prova ilegal, inválida ou nula, que não pode produzir efeitos em juízo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso nº 1421/08.6PTPRT.P1.
Processo em 1ª instância nº 1421/08.6PTPRT.
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Acordam em conferência na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
I
1. Nos autos de processo abreviado nº 1421/08.6PTPRT, do .º Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal do Porto, foi o arguido
B………., solteiro, vendedor, nascido(a) a 18 de Janeiro de 1968, no Porto, filho(a) de C………. e de D………., residente na ………., …, no Porto,
Julgado e condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 50 (cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 8 (oito), o que perfaz o montante de € 400 (quatrocentos euros).
E ainda nos termos do art. 69.º, n.os 1, al. a), e 2, do Cód. Penal, na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 3 (três) meses.
2. Desta sentença recorre o arguido, formulando, em síntese, as seguintes conclusões:
A – A lei processual penal considera nulas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa.
B – O nosso ordenamento jurídico, considera tão importante o respeito pela civilidade dos meios de obtenção de prova, que consagrou constitucionalmente no artigo 32° a nulidade das provas obtidas por meios que de uma forma ou de outra violam, a dignidade da pessoa humana, os princípios de Direito Processual Penal, ou outros direitos constitucionalmente consagrados.
C – Não pode considerar-se estado de direito democrático o estado que permite que os seus cidadãos sejam condenados com base em provas obtidas por meios desumanos, desleais ou violadores de princípios constitucionalmente consagrados.
D – O edifício jurídico-constitucional é demasiado precioso para se permitir que possa ser alvo de embates cíclicos por força de interesses de investigação criminal mais ou menos prementes em cada momento da vida do país;
E – A recolha de sangue para exame como procedimento de obtenção de prova, implica necessariamente uma violação da integridade física da pessoa;
G – O conceito de ofensa da integridade física deve ser preenchido através do recurso ao tipo de crime com o mesmo nome.
H – No caso da recolha de sangue para efeitos de determinação do estado de influenciado pelo álcool, para efeitos jurídico-penais o elemento subjectivo intenção terapêutica inexiste, razão pela qual no entendimento do recorrente, este meio de obtenção de prova, desacompanhado do consentimento do arguido é proibido e a prova assim obtida é nula e a sua valoração processual para condenação de um arguido é inconstitucional.
I - Mas ainda que assim não se entenda sempre terá que concordar-se que a utilização do resultado do exame de recolha e análise de sangue como meio de prova para efeitos criminais, quaisquer que estes sejam, viola a integridade moral do arguido protegida expressamente nos artigos 25°, 32° nº8 da CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA e 126° nº1 do CÓDIGO DE PROCESSO PENAL.
J – A utilização de prova extraída do corpo do arguido sem consentimento deste viola este princípio e viola a integridade moral do arguido a qual é também protegida constitucionalmente pelo artigo 25° nº1 da CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA, em anotação ao qual os Autores Jorge Miranda e Rui Medeiros (in Constituição Portuguesa Anotada), consideram que os testes de alcoolemia que vão para além da pesquisa do teor de álcool no ar expirado “não resistem ao crivo do juízo de inconstitucionalidade”.
K – Ao aceitar a admissibilidade da prova obtida através de recolha e análise de sangue a arguido consciente sem lhe ser dado conhecimento e sem a sua autorização, estar-se-ia a violar o princípio fundamental e estruturante da proibição de diligências conducentes à auto-incriminação do Arguido e por arrasto ver-se-iam violados os princípios da dignidade da pessoa, o princípio da presunção da inocência e o princípio do contraditório, declarados e garantidos nos artigos 1°, 25°, 32° nºs l, 2, e 8 da CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA e no artigo 126° do CÓDIGO DE PROCESSO PENAL in totum».
Termos em que deve ser concedido provimento ao recurso e, em consequência, determinar-se a revogação da sentença.

3. Respondeu o Ministério Público, dizendo, também em síntese, o seguinte:
1º- A douta sentença recorrida não enferma de qualquer vício legal, designadamente por violação do preceituado nos art.s 25º e 32º, nº8, da Constituição da República Portuguesa e no art. 126º, nº1, do Código de Processo Penal, como o arguido pretende.

2º- O M.mº Juiz a quo, considerou válida a recolha de sangue para determinação da TAS efectuada ao arguido neste caso, na sequência do acidente de viação em que o mesmo foi interveniente, por entender que foi realizada de harmonia com o disposto no art. 156º do C. Estrada,

3º- Face aos factos provados nos autos a douta decisão recorrida não merece qualquer reparo, designadamente porque na mesma não foi considerado provado qualquer facto que possa sustentar validamente a alegada omissão de procedimentos essenciais relativos à ausência de conhecimento/consentimento e esclarecimento do arguido quanto ao fim a que se destinava aquele acto de recolha do seu sangue e, assim, não pode ter-se por verificada a alegada inconstitucionalidade.

4º- As questões sobre a eventual nulidade das provas obtidas desta forma, suscitadas nos autos pelo arguido, foram afastadas e decididas pela douta sentença recorrida de forma sensata no sentido de que não se verificaram, in casu, com base numa profunda análise da jurisprudência existente sobre a matéria e de harmonia com a legislação portuguesa actualmente em vigor, designadamente através do recurso ao elemento histórico de interpretação das normas ínsitas nos art.s 152º, nº1-a), 153º, nº7 e 156º, do C. Estrada e art.s 5º, 6º e 7º da Lei nº 18/07, de 17/05 (sobre os métodos da fiscalização para avaliação do estado de influenciado pelo álcool).

5º- Concordámos com esta conclusão, mas o certo é que a mesma não afasta a hipótese suscitada pelo arguido de ter havido, neste caso, uma obtenção desleal do seu material biológico, e, nessa medida, ter sido omitido um procedimento essencial ao seu direito fundamental a um processo penal justo: o direito a saber que a recolha de sangue em causa era para efeitos de eventual responsabilização criminal e, assim, poder fazer valer o seu direito processual penal a não se auto-incriminar.

6º- Ainda que se trate de um método de obtenção das provas previsto na lei para os casos de condutores intervenientes em acidentes de trânsito (como era o caso do arguido na ocasião dos factos considerados provados pela douta sentença dos autos), também é certo que a invocada inexistência do conhecimento/consentimento do arguido para tal procedimento poderá corresponder a uma ofensa aos seus direitos constitucionalmente consagrados, como os direitos à integridade física e moral.

7º- Como compatibilizar os seus direitos fundamentais a não se auto-incriminar e preservar a sua integridade física e moral, com o seu dever legal de se sujeitar ao aludido método de recolha de sangue para análise de determinação da TAS?

8º- É esta a questão essencial colocada pelo arguido neste seu recurso, mas que, neste caso, seja qual for a resposta que deve merecer, por força da matéria de facto já assente, nunca essa resposta poderá vir a determinar a revogação da douta sentença condenatória objecto deste recurso, pois não estão provados quaisquer factos que possuam a virtualidade de levar à conclusão de que as provas que fundamentam a decisão são nulas, por qualquer razão, designadamente por terem sido obtidas através de métodos proibidos.
Nestes termos, deve ser negado provimento ao recurso e confirmada a douta sentença recorrida.

4. Nesta instância, o Exmº Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, citando mesmo jurisprudência sobre a matéria em causa.
9. Foram colhidos os vistos e realizou-se a conferência.
II
São os seguintes os factos dados como provados na sentença recorrida:
“Factos provados

1. No dia 20 de Julho de 2008, pelas 4 horas e 40 minutos, na ………., ao km 12,4, nesta cidade e comarca, o(a) arguido(a) conduzia o motociclo, de matrícula ..-..-TE, da marca Kawasaki, modelo ………. .
2. Nesta ocasião, o(a) arguido(a) foi interveniente em acidente de viação, do qual resultaram ferimentos no mesmo e danos materiais no citado veículo.
3. Em virtude do citado acidente, o(a) arguido(a) foi transportado pelo INEM ao Hospital ………., nesta cidade, onde foi assistido, conforme consta do relatório de episódio de urgência junto aos autos, a fls. 76 e a fls. 115-128, cujo teor aqui se reproduz, constando do mesmo, entre o mais, que o arguido foi aí admitido pelas 5 horas e 43 minutos do citado dia, apresentando escoriações dispersas, deu entrada pelo Serviço de Urgência por politraumatismo, incluindo TCE, aparentemente etilizado, com dor moderada (4), o arguido negou ter doenças, bem como medicação habitual, foi imobilizado com colar cervical e plano duro; ao exame físico: estava consciente, razoavelmente colaborante, orientado no espaço e no tempo; TA=88/56 mmHg, FC=78bpm, com pupilas normais, tórax sem alterações à palpação; ACP: sem alterações; abdómen mole e depressível, indolor, sem irritação peritoneal, escoriação abdominal, apresentando também escoriações dispersas pelos membros inferiores, quando regressou do TAC, pelas 6 horas e 31 minutos do citado dia, mantinha perfil tensional baixo, normocardico, sonolento, dificilmente despertável, pupilas fotoreactivas; FR-17-24 cpm com períodos de apneia, TAC: ausência de desvios de estruturas da linha média, exame com alguns artefactos, não se excluindo a presença de sangue no espaço sub-aracnoideu, sem áreas de contusão hemorrágica ou hematomas extra-axiais; cisternas da base livre, sem sinais de fractura da base ou calote craniana; TC cervical (aquisição desde a transição cervico-occipital até C7): os últimos cortes apresentam-se prejudicados pelos artefactos criados pelas estruturas ósseas vizinhas; sem sinais aparentes de fractura ou luxação, normal amplitude do canal raquidiano; o arguido foi depois monitorizado na sala de trauma; verificando-se amnésia parcial para o acidente, com náuseas, mas sem vómitos, agitado no local e à chegada ao citado hospital, sonolento, do ponto de vista neurológico, e no momento da observação, o arguido encontrava-se consciente, colaborante, orientado, ECG 15, pupilas isocoricas e fotorreactivas, sem alterações da oculomotricidade, sem paresia de membros, sem défices neurológicos focais, com cefaleias frontais moderadas, fez TC cerebral, sem necessidade de cuidados urgentes por neurocirurgia; fez várias análises e exames, sendo a colheita de sangue efectuada antes do primeiro TAC, foi internado na UCP, tudo conforme consta do relatório completo de episódio de urgência junto aos autos, teve alta clínica para o domicílio pelas 2 horas e 4 minutos, do dia 21/07/08.
4. No seguimento do citado acidente, o agente da Polícia de Segurança Pública (PSP) do Porto, E………., deslocou-se ao local e verificou a existência de tal acidente, elaborando depois o auto de notícia e a participação de acidente juntos aos autos.
5. No seguimento do citado acidente, o referido agente da PSP autuante deslocou-se depois ao aludido Hospital ………. e constatou que o estado de saúde do arguido não lhe permitia ser submetido ao exame de pesquisa de álcool através do ar expirado.
6. No seguimento do acima referido, e com vista a ser efectuada análise toxicológica de quantificação da taxa de álcool no sangue, conforme requisição da PSP de fls. 4, pelas 6 horas e 20 minutos do citado dia, foi efectuada colheita de sangue ao arguido, a qual foi depois submetida a análise laboratorial na Delegação do Norte do Instituto Nacional de Medicina Legal, acusando uma T.A.S. de 1,59 g/l, conforme consta do relatório pericial de fls. 5-6.
7. O arguido conhecia as características da referida viatura e do local onde conduzia, sabendo também que, antes de conduzir, havia ingerido cervejas, querendo, não obstante tal facto, conduzir a citada viatura nessas condições, nada tendo feito para não conduzir sob a influência daquela TAS, ciente que a conduta imputada não lhe era permitida, sendo punida por lei penal.
8. O(A) arguido(a) é solteiro, vive com os pais, é vendedor na empresa familiar do ramo das máquinas para a indústria têxtil, aufere € 1000 mensais líquidos; suporta a prestação do carro no valor de € 470; frequentou o 5.º ano do curso de Marketing e Publicidade, bem como o 1.º e o 2.º ano do curso de Direito; declarou ter ingerido cerveja antes de conduzir, em casa de familiares, ao jantar, e depois num bar desta cidade; tem carta de condução desde 06/05/1987; no exercício da sua profissão conduz viatura automóvel.
9. O(A) arguido(a) não possui antecedentes criminais como consta do seu certificado junto, e nada consta do RIC.

Factos não provados

10. O arguido sabia ou admitiu que conduzia com a precisa TAS que apresentou ou outra igual ou superior a 1,2 g/l.
11. O arguido se não conduzir irá ficar sem trabalhar e sem receber.

Não resultaram ‘não provados’ quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa.
III
Tendo por base as conclusões do recorrente, é, no essencial, a seguinte, a questão a apreciar:
Saber se a recolha de sangue ao arguido sem o seu conhecimento/consentimento para efectuar a pesquisa de álcool, o que levou à sua condenação pela prática do crime de condução em estado de embriaguez, é um meio ilegal de prova, proibido pelo disposto nos artigos 25° e 32°, nº8, da CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA e 126°, nº1, do CÓDIGO DE PROCESSO PENAL.
IV
Apreciando:
1. A análise da questão deve ter por base, dois pressupostos:
- O que a legislação estipula sobre a determinação do álcool nos condutores.
- O concreto factualismo que resulta provado nos autos.
Quanto às disposições legais sobre esta matéria, entendemos que a questão exige duas apreciações distintas:
- uma referente ao regime actualmente vigente.
- outra, referente à evolução da legislação sobre esta matéria e consequente conformidade constitucional.
E ainda, em ambos os casos, uma apreciação segundo duas diferentes situações:
- recolha de álcool no sangue do condutor não interveniente em acidente de viação.
- recolha de álcool no sangue do condutor interveniente em acidente de viação.
Ou seja, analisar a questão conforme o condutor seja submetido a um exame normal de pesquisa de álcool no exercício normal da sua condução ou quando se prepara para a exercer e uma outra quando esse mesmo condutor for interveniente num acidente de viação.

2. Regime actualmente vigente:
2.1. Recolha de álcool no sangue do condutor não interveniente em acidente de viação:
O procedimento da situação tipo de pesquisa de álcool, segue a tramitação do disposto no artigo 153º, do C. Estrada:
2.1.1. O álcool é pesquisado no ar expirado pelo condutor utilizando aparelho aprovado – nº 1 daquele artigo.
Um parêntesis deve ser feito:
- Se o condutor se recusar a efectuar o exame, comete o crime de desobediência – artigo 152º, nº 3, do CE -, lavrando-se o auto da ocorrência e ficando o processo de pesquisa por aqui.
- Caso o condutor realize voluntariamente o exame, seguem-se ainda dois caminhos diferentes, consoante o resultado seja positivo ou negativo:
- Se for negativo, o processo também termina logo.
- Se o resultado for positivo, segue-se então o disposto no nº 2, do artigo 153º, do C.Estrada:
A autoridade ou o agente de autoridade deve notificar o examinando do resultado, das sanções e da possibilidade de requerer a contraprova…
Esta pode ser requerida e realizada – nº 3, daquele preceito -, através de novo exame em aparelho aprovado ou por análise ao sangue[1].
2.1.2. Se por qualquer motivo não for possível a realização de prova de pesquisa de álcool no ar expirado, procede-se à colheita de sangue para análise e, se esta não for possível por razões médicas, deve ser realizado exame médico para diagnosticar o estado de influenciado pelo álcool do examinando – nº 8 do artigo 153º, CE.

2.2. Recolha de álcool no sangue do condutor interveniente em acidente de viação.
Em caso de acidente, regula o artigo 156º, do C.Estrada:
2.2.1. Se o estado de saúde do condutor o permitir, realiza-se o exame através do ar expirado, com o respectivo aparelho, tal como dispõe o artigo 153º - nº 1, daquele preceito.
Mas se, em consequência do acidente, não for possível realizar o exame de pesquisa de álcool no ar expirado através de aparelho – alcoolímetro -,entra-se na previsão do nº 2, do artigo 156º, do CE:
- o médico do estabelecimento oficial de saúde a que o interveniente no acidente seja conduzido, deve proceder à colheita de amostra de sangue para posterior exame de diagnóstico do estado de influenciado pelo álcool.
E se, ainda por qualquer outro motivo, esta pesquisa de álcool no sangue não puder ser feita, então procede-se a exame médico para diagnosticar o estado de influenciado pelo álcool – nº 3, do artigo 156º[2].

3. Ora, é precisamente aquela situação do nº 2, do artigo 156º, que suscita algumas questões pertinentes, nomeadamente as colocadas pelo Ministério Público em 1ª instância, na sua resposta ao recurso, quando afirma/questiona[3]:
“Na verdade, o que está em causa com este recurso do arguido é sabermos se naquela ocasião o mesmo podia e devia ter sido esclarecido quanto à finalidade da recolha de sangue que lhe foi feita para determinação da TAS, tendo ele permitido tal recolha em erro sobre o destino a dar àquele seu material biológico, uma vez que estava ferido na sequência do acidente de viação que sofrera.

O M.mº Juiz a quo conclui, assim, que «o condutor/sinistrado/arguido não tinha um verdadeiro direito a recusar a recolha de sangue para análise». Acrescentando ainda que «não está expressamente prevista (no art. 156º do C. Estrada) a possibilidade de recusa aos exames aí previstos em caso de acidente».
Concordámos com esta conclusão, mas o certo é que a mesma não afasta a hipótese suscitada pelo arguido de ter havido, neste caso, uma obtenção desleal do seu material biológico, e, nessa medida, ter sido omitido um procedimento essencial ao seu direito fundamental a um processo penal justo: o direito a saber que a recolha de sangue em causa era para efeitos de eventual responsabilização criminal e, assim, poder fazer valer o seu direito processual penal a não se auto-incriminar.

Como compatibilizar os seus direitos fundamentais a não se auto-incriminar e preservar a sua integridade física e moral, com o seu dever legal de se sujeitar ao aludido método de recolha de sangue para análise de determinação da TAS? Parece-nos que só admitindo a possibilidade de o arguido recusar essa recolha de sangue, ainda que admitindo-se que seria passível da cominação de que incorreria, por força de tal recusa, na prática de um crime de desobediência p. e p. pelo art. 348º nº 1-a) do C. Penal em conjugação com o art. 156º nº2 do C. Estrada.

Assim, embora não se encontre expressamente prevista na lei a possibilidade de o arguido recusar sujeitar-se à recolha de amostra de sangue para determinação da TAS, é óbvio que a mesma pode acontecer na realidade e que as suas consequências não deverão deixar de corresponder, pelo menos, à hipótese de incorrer num crime de desobediência por violação de um dever legalmente previsto de sujeição a tais exames em caso de acidente de trânsito”.

3.1. Temos algumas, as nossas respostas, para algumas das questões:
a. A intenção primeira do legislador é submeter o condutor[4] à realização de exame de pesquisa de álcool no condutor, ciente dos riscos que representa a condução sob o seu efeito, como se enuncia na nota anterior. Pelo que tornou mesmo esse exame obrigatório na situação de intervenção em acidente de viação.
b. No entanto, o legislador reconhece ao condutor, o direito a recusar a realização do exame sem prejuízo de, ao fazê-lo, aquele estar a cometer um crime de desobediência.
c. Esta faculdade de recusa de realização do exame pelo condutor, não sofre qualquer limitação em caso de acidente de viação[5]. Mas ocorrendo a recusa, pratica o condutor o crime de desobediência.
d. Esta posição, de recusa e consequente prática do crime de desobediência, não suscita quaisquer dúvidas quer para o exame de recolha de álcool no ar expirado realizado por aparelho, quer para o exame médico para diagnosticar o estado de influenciada pelo álcool, a que se referem os artigos 153º, nº 8 e 156º, nº 3, ambos do C.Estrada, quer o condutor seja quer não seja interveniente em acidente de viação.
e. Questão controversa é a de recolha de amostra de sangue, independentemente de recusa ou não do condutor ou sem o consentimento deste e respectivas consequências.
f. E dever-se-á distinguir conforme se esteja perante um acidente de viação ou não.

4. Sem prejuízo de uma análise mais geral e abstracta da questão, dever-se-á ter em conta a concreta situação dos autos:
Recolha de amostra de sangue para análise, a condutor sinistrado, transportado a um estabelecimento de saúde, ao qual foi diagnosticado a impossibilidade de realizar teste de pesquisa de álcool no ar expirado, que se encontrava consciente, mas que não é informado do fim da colheita nem lhe é solicitado qualquer consentimento para a sua recolha.

5. Em termos de lei a constituir, aceita-se que possa vir a ser adoptada em termos legislativos, sem qualquer vício de inconstitucionalidade[6], uma posição em que o condutor possa ser sujeito a uma recolha obrigatória de amostra de sangue, nos mesmos termos em que agora já o é para o exame de pesquisa do álcool no ar expirado. E defende-se esta posição, pelo seguinte:
- É o próprio artigo 18º, da CRP que prevê, no seu teor, a restrição a direitos fundamentais e individuais dos cidadãos.
- Entre eles, poderá o legislador integrar o dever de todo o condutor ser submetido a exame de detecção do estado de influenciado pelo álcool[7].
- Sempre sem prejuízo de o condutor poder recusar o exame ou a colheita de sangue, consoante o método que no caso couber ou for necessário realizar[8].
- O argumento de que a colheita de sangue será, necessariamente um “acto invasivo” no corpo do condutor, não deverá colher, porque, por um lado, o conceito de “invasivo” é, neste momento, em termos clínicos, muito ténue e para o cidadão na sua qualidade de bonnus pater familae, é comummente aceite, não traduzindo qualquer dor relevante, prejuízo para a saúde ou qualquer outro malefício que aconselhe clinicamente, a sua não prática[9]. E, como já se disse, está em causa, por um lado, um superior interesse de natureza e ordem pública, de o Estado acautelar, punindo criminalmente, se necessário, a condução sob o estado de influenciado pelo álcool. Por outro, poderá estar em causa eventual interesse legítimo e relevante de terceiro lesado com a conduta do condutor, não sendo indiferente para averiguação da eventual culpa, o estado de influenciado ou não pelo álcool, do condutor.
- Da obrigação de sujeição à pesquisa de álcool pelo meio que for possível, incluindo a recolha de amostra de sangue, passará a estar todo o condutor esclarecido, antes da situação ocorrer.
- Condutor que, enquanto cidadão livre, tem à sua mercê, a opção de não conduzir, perante esse estado de sujeição/obrigação.
- Terá à sua disposição, a possibilidade de recusar a recolha da amostra.
- Sendo a colheita de sangue apenas mais um meio, entre vários e que nem será o primeiro a realizar-se, para obter o fim último, que é a averiguação do estado de influenciado pelo álcool, do condutor.
6. Perspectivando uma solução nos termos apontados, significa que a actual lei positiva ainda não dá aquela resposta.
Não porque não tenhamos uma lei formal/positiva, nesse sentido, mas simplesmente porque a lei que temos está ferida de inconstitucionalidade orgânica.
Ou seja, o actual regime dos artigos 152º, nº 3, 153º, nº 8 e 156º, nº 2, todos do Código da Estrada, foram alterados/aprovados por Decreto-Lei emanado do Governo, sem a necessária autorização legislativa do órgão competente, a Assembleia da República.
6.1. Para uma melhor compreensão, afigura-se útil dar nota, ainda que breve, do que foi a evolução legislativa sobre esta matéria.
E para este efeito, importa desde já aqui referenciar o teor do Ac. do Tribunal Constitucional nº 275/2009, de 27 de Maio, publicado no DR, 2ª Série, nº 129, de 7 de Julho de 2009.
Neste acórdão, é feita uma síntese/conclusão sobre a referida evolução legislativa que, porque sintética e esclarecedora, aqui a deixamos transcrita:
“i) O crime específico de recusa de submissão a exames para controlo do álcool no sangue (artigo 12.º) encontra -se previsto no ordenamento jurídico português, desde a entrada em vigor do Decreto -Lei n.º 124/90, de 14 de Abril, adoptado ao abrigo de autorização legislativa[10];
ii) A partir da entrada em vigor do Decreto -Lei n.º 2/98, de 03 de Janeiro, adoptado ao abrigo de autorização legislativa[11], passou a prever –se no ordenamento jurídico português o crime de desobediência simples, salvo quando fosse necessário o consentimento do examinando, por exemplo, nos casos de contraprova [artigo 158.º, n.º 3, do Código da Estrada então vigente][12];
iii) Desde a entrada em vigor do Decreto -Lei n.º 265 -A/2001, de 28 de Setembro, adoptado sem prévia autorização legislativa, reconhece -se ao examinando o direito a recusar colheita de sangue, sem necessidade de fundamentação, nos casos em que seja impossível proceder a pesquisa de álcool em ar expirado[13];
iv) Desde a entrada em vigor do Decreto -Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, adoptado sem prévia autorização legislativa, retira -se ao examinando o direito a recusar colheita de sangue, independentemente do motivo, nos casos em que seja impossível proceder a pesquisa de álcool em ar expirado, apenas sendo realizado exame médico no caso da colheita de sangue não ser possível por razões médicas[14]”.

6.2. Desta síntese evolutiva da legislação, resulta que existe uma alteração de regime sem que tenha havido também a necessária autorização legislativa quanto a essa mudança.
Sobre esta matéria, o citado ac. do TC nº 275/2009, explicita, conforme jurisprudência já antiga e que se mantém:

“Certo é, portanto, que a norma ora colocada em crise não beneficia de qualquer autorização legislativa concedida pela Assembleia da República ao Governo.
Porém, por si só, esta não será razão suficiente para optar pela inconstitucionalidade orgânica da norma. Com efeito, a análise da jurisprudência consolidada no Tribunal Constitucional aponta no sentido de que a falta de lei de autorização legislativa, em matéria de competência legislativa relativamente reservada da Assembleia da República, não obsta a que o Governo possa legislar, desde que a normação adoptada não se revista de conteúdo inovatório face à anteriormente vigente. A título de exemplo, cite-se o Acórdão n.º 114/08 da 3.ª Secção do Tribunal Constitucional (disponível in www.tribunalconstitucional.pt):
“Com efeito, o Tribunal já por diversas vezes afirmou, em jurisprudência que remonta à Comissão Constitucional, que o facto de o Governo aprovar actos normativos respeitantes a matérias inscritas no âmbito da reserva relativa de competência da Assembleia da República não determina, por si só e automaticamente, a invalidação das normas que assim decretem, por vício de inconstitucionalidade orgânica. Força é que se demonstre que as normas postas sob observação não criaram um regime jurídico materialmente diverso daquele que até essa nova normação vigorava, limitando -se a retomar e a reproduzir substancialmente o que já constava de textos legais anteriores emanados do órgão
de soberania competente (Cf. os acórdãos n.º s 502/97, 589/99, 377/02,414/02, 450/02, 416/03, 340/05 estes tirados em Secção e publicados no Diário da República, 2.ª série, de 4 de Novembro de 1998, de 20 de Março de 2000, de 14 de Fevereiro de 2002, de 17 de Dezembro de 2002, de 12 de Dezembro de 2002, de 6 de Abril de 2004 e de 29 de
Julho de 2005, bem como o acórdão n.º 123/04 (Plenário) publicado no Diário da República, 1.ª série -A, de 30 de Março de 2004. Cf. ainda, aliás com posição discordante, a indicação de Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, tomo V, págs. 234/235).
Para tanto, para que essa intromissão formal em domínios de reserva relativa de competência parlamentar seja irrelevante, é necessário que se possa concluir pelo carácter não inovatório da normação suspeita. Não bastará a mera verificação da identidade textual dos dispositivos legais em sucessão, tendo também de ponderar -se os demais elementos de interpretação da lei, pois o mesmo texto, reproduzido em novo contexto, pode adquirir diverso conteúdo normativo.
Mas, adquirida a certeza do carácter materialmente não inovatório da norma editada pelo Governo, na perspectiva da distribuição constitucional de competências legislativas tutelada pela inconstitucionalidade orgânica, não se vê razão para a invalidade da norma. A opção política e a volição legislativa primária do parlamento materializadas em determinado
acto legislativo da Assembleia da República ou parlamentarmente autorizado mantêm -se intocadas no ordenamento jurídico, apesar da recompilação no novo acto legislativo do Governo.

Retomando esta linha de raciocínio, há que proceder a uma comparação entre a norma existente antes da entrada em vigor do Decreto –Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro — “in casu”, o n.º 7 do artigo 159.º do Código da Estrada — e a que resulta da posterior vigência do referido diploma legal — a norma extraída a partir da conjugação do artigo 348.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, e dos artigos 152.º, n.º 3 e 153.º, n.º 8, ambos do Código da Estrada, de acordo com a redacção fixada pelo Decreto -Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro — com o intuito de averiguar se existe ou não inovação normativa, sendo que apenas no primeiro caso se poderá concluir no sentido da inconstitucionalidade orgânica”.

6.3. No seguimento das conclusões do acórdão do TC, supra enunciadas e tendo ainda em conta o teor dos vários preceitos que também se transcreveram nas várias notas de rodapé, para uma melhor comparação dos regimes em causa e sua evolução, afirma-se ainda naquele aresto:
“7-- Vejamos, então, como ajuizar a similitude entre a norma constante do originário n.º 3 do artigo 158.º do Código da Estrada [na redacção conferida pelo Decreto -Lei n.º 2/98] — única norma dotada da necessária autorização legislativa — e a norma actualmente decorrente da conjugação entre o n.º 3 do artigo 152.º e o n.º 8 do artigo 153.º do vigente Código da Estrada.
A alteração legislativa introduzida pelo Decreto -Lei n.º 44/2005 representa um passo à frente face à dimensão normativa decorrente da conjugação entre o n.º 3 do artigo 158.º e o n.º 7 do artigo 159º do Código da Estrada [na redacção conferida pelo Decreto -Lei n.º 265 -A/2001]. Dá -se por adquirido, na esteira da anterior jurisprudência deste Tribunal (cf. Acórdãos n.º 423/06 e n.º 628/06, disponíveis in www.tribunalconstitucional. pt), que a alteração legislativa introduzida pelo Decreto-lei n.º 265 -A/2001 não implicou uma ruptura face ao tipo penal resultante do n.º 3 do artigo 158.º do Código da Estrada vigente até então. É que, note -se, mesmo que o n.º 3 do referido artigo 158.º do Código da Estrada tenha deixado de incluir o elemento do tipo “para as quais não seja necessário o seu consentimento nos termos dos n.º s 2 e 3 do artigo 159.º”, este mesmo elemento do tipo de crime de desobediência permanece ínsito do Código da Estrada. Isto porque o n.º 7 do (então) artigo 159.º do Código da Estrada garantia que o examinando pudesse recusar, sem exigida fundamentação, a recolha de sangue — o que denota uma notória preocupação do legislador em salvaguardar o direito à integridade física e, eventualmente, moral, em casos de recusa fundada em razões religiosas ou filosóficas (cf. artigos 25.º e 41.º, n.º 6, ambos da CRP), bem como à reserva da intimidade privada (cf. artigo 26.º, n.º 1, da CRP) —, sendo esta substituída por outro tipo de exame médico.
Assim, a conjugação do n.º 7 do (então) artigo 159.º do Código da Estrada com a nova redacção do n.º 3 do (então) artigo 158.º do mesmo diploma codificador garantia que o examinando nunca cometeria o crime de desobediência, sempre que recusasse, de modo sempre legítimo nos termos da lei, a recolha de sangue, funcionando, de certo modo, como um elemento negativo daquele mesmo crime de desobediência. Ou seja, quando não fosse possível a realização de prova por pesquisa de álcool no ar expirado — ónus que correria sempre contra o Estado, quando não dispusesse dos equipamentos adequados —, apenas haveria cometimento do crime de desobediência se o examinando recusasse realizar o exame médico alternativo.
Como é bom de ver esta dimensão normativa — como já reconhecido nos Acórdãos n.º 423/06 e n.º 628/06 — era, de todo em todo, equivalente à que resultava do n.º 3 do (então) artigo 158.º do Código da Estrada [na redacção conferida pelo Decreto -Lei n.º 2/98] que, como já vimos,
beneficiava da competente autorização legislativa.
8 — Porém, entende -se que o mesmo já não se passa com a norma actualmente extraída da conjugação entre o n.º 3 do artigo 152.º e o n.º 8 do artigo 153.º do Código da Estrada [agora segundo a redacção resultante do Decreto -Lei n.º 44/2005].
Da mera comparação literal entre o n.º 8 do actual artigo 153.º do Código da Estrada e as anteriores normas — seja ela a extraída do n.º 3 do artigo 158.º [segundo o Decreto -Lei n.º 2/98] ou a extraída da conjugação entre o n.º 3 do artigo 158.º e o n.º 7 do artigo 159.º [segundo o Decreto -Lei n.º 265 -A/2001] — resulta evidente que o legislador governamental substituiu o elemento negativo do tipo de crime de desobediência a realização de exame “se recusar”, substituindo –o por “se esta não for possível por razões médicas”. Com efeito, o legislador governamental pretendeu retirar aos condutores sujeitos aos exames para comprovação do teor de influência sob álcool o direito à recusa de colheita de sangue — note -se — mesmo nos casos em que a impossibilidade de realização de exame por método de ar expirado é apenas imputável ao Estado. Quando antes qualquer condutor podia recusar a sujeição a exame mediante colheita de sangue, sem necessidade de fundamentação em razões médicas — frise –se bem — , passa agora a exigir -se que a não realização da colheita de sangue apenas possa ser justificada pela impossibilidade técnica de tal operação médica.
Claro está que os condutores continuarão a praticar o crime de desobediência sempre que recusem a realização do exame através do método de ar expirado ou, quando este não for possível, quando recusem o exame médico alternativo à colheita de sangue. Ora, a nova redacção do n.º 8 do artigo 153.º do Código da Estrada vem, de modo manifesto, agravar a responsabilidade criminal dos condutores que pretendam — muitas vezes, admite -se, por razões plenamente justificadas e até protegidas pela Lei Fundamental [direito à integridade física e moral, direito à intimidade privada, direito à objecção de consciência] —, na medida em que passa a punir como crime de desobediência a recusa de sujeição a colheita de sangue nos casos em que seja tecnicamente possível fazê-lo.
Verificado esse mesmo conteúdo inovatório, é forçoso concluir-se se que o legislador governamental necessitava da autorização legislativa, na medida em que a decisão normativa primária cabia à Assembleia da República, por força da alínea c) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP” – negrito da nossa autoria.
Conclui-se, assim, no acórdão, pela inconstitucionalidade orgânica da norma do artigo 153º, nº 8, do Código da Estrada, na redacção dada pelo DL nº 44/2005, de 23 de Fevereiro.
6.4. Inconstitucionalidade orgânica que existe igualmente para o regime de colheita da amostra de sangue com vista á realização da análise, em situação de acidente de viação, o mesmo é dizer do actual regime do artigo 156º, do Código da Estrada. Com uma nuance de não somenos importância:
A inconstitucionalidade orgânica parece surgir logo com a alteração do regime ao abrigo do DL nº 265-A/2001, de 28 de Setembro, que, como já se anotou, não foi precedido de autorização legislativa sobre esta matéria.
6.5.1. Se olharmos para a evolução legislativa, também o DL nº 2/98, de 3 de Janeiro, dizia:
Artigo 162.º
Exames em caso de acidente
1 - Os condutores e quaisquer pessoas que intervenham em acidente de trânsito devem, sempre que o seu estado de saúde o permitir, ser submetidos ao exame de pesquisa de álcool no ar expirado nos termos do artigo 159.º
2 - Quando não tiver sido possível a realização do exame no local do acidente, deve o médico do estabelecimento hospitalar a que os intervenientes no acidente sejam conduzidos proceder aos exames necessários para diagnosticar o estado de influenciado pelo álcool.
3 - No caso referido no número anterior, o exame para a pesquisa de álcool no sangue só não deve ser realizado se houver recusa do doente[15] ou se o médico que o assistir entender que de tal exame pode resultar prejuízo para a saúde.
4 - Não sendo possível o exame de pesquisa de álcool nos termos do número anterior deve o médico proceder aos exames que entender convenientes para diagnosticar o estado de influenciado pelo álcool.

6.5.2. Por sua vez, o DL nº 162/2001, de 22 de Maio, manteve o teor deste artigo 162º, que no seu nº 3, continuou a dizer:
3 - No caso referido no número anterior, o exame para a pesquisa de álcool no sangue só não deve ser realizado se houver recusa do doente[16] ou se o médico que o assistir entender que de tal exame pode resultar prejuízo para a saúde.

6.5.3. Contudo, o DL nº 265-A/2001, de 28 de Setembro, vem dar a seguinte redacção ao
Artigo 162º
[...]
1 — Os condutores e os peões que intervenham em acidente de trânsito devem, sempre que o seu estado de saúde o permitir, ser submetidos a exame de pesquisa de álcool no ar expirado, nos termos do artigo 159º.
2 — Quando não tiver sido possível a realização do exame referido no número anterior, o médico do estabelecimento oficial de saúde a que os intervenientes no acidente sejam conduzidos deve proceder à colheita da amostra de sangue para posterior exame de diagnóstico do estado de influenciado pelo álcool.
3 — Se o exame de pesquisa de álcool no sangue não puder ser feito, o médico deve proceder a exame pericial para diagnosticar o estado de influenciado pelo álcool.

Redacção ou teor correspondente ao actual artigo 156º, do Código da Estrada, alterado pelo DL nº 44/2005, de 23 de Fevereiro.

6.5.4. Pelo que, desta comparação de regimes resulta:
- O DL nº 265-A/2001, de 28 de Setembro manteve, no artigo 159º, nº 7, a possibilidade/direito de o condutor recusar a colheita de amostra de sangue para a realização de exame para apurar o álcool no sangue, sem qualquer sanção daí resultante, nomeadamente crime de desobediência.
- Mas retirou essa possibilidade/direito ao condutor interveniente em acidente de viação.
- O DL nº 44/2005, de 23 de Fevereiro, no artigo 153º, nº 8, veio retirar essa possibilidade/direito de recusa, ao condutor, quer seja quer não seja interveniente em acidente de viação.

6.6. Estando a situação de não intervenção em acidente já analisada, debrucemo-nos agora mais um pouco para a situação de acidente, aquela que se verifica no caso concreto.
Seguindo a jurisprudência do Tribunal Constitucional, significa que da passagem do regime dos Decretos-leis nºs 2/98 e 162/2001 para o regime do DL nº 265-A/2001, de 28 de Setembro, existiu uma alteração inovatória, agravando a situação do condutor interveniente em acidente de viação. A mesma inovação e agravação que passou a existir para qualquer condutor, ainda que não interveniente em acidente, com o regime actual.
Com um reparo ainda:
Esta alteração do DL nº 265-A/2001 ao artigo 162º, que é igual à do actual artigo 156º, pode ter uma leitura, aquela que teve o julgador de 1ª instância, em que nem sequer é possível/admissível existir recusa à colheita de amostra de sangue!
Temos para nós como a mais correcta, apesar de tudo, que a recusa sempre seria possível sem prejuízo de o recusante incorrer em crime de desobediência.
Mas acontece que, pelos fundamentos aduzidos, nem sequer esta leitura deve ser admissível face à não autorização legislativa sobre esta possibilidade de agravação da situação do condutor, ou seja, de que se o condutor recusar a colheita de sangue, praticará um crime de desobediência.
É que mesmo esta leitura da actual solução legislativa está ferida de inconstitucionalidade orgânica.

7. Sendo esta, em termos gerais e abstractos, a nossa posição, passemos agora à subsunção dos factos provados na sentença, os quais se devem ter por admitidos, na medida em que não mereceram qualquer impugnação[17].
7.1. Resulta do ponto nº 5, dos factos provados da sentença que:
“ No seguimento do citado acidente, o referido agente da PSP autuante deslocou-se depois ao aludido Hospital ………. e constatou que o estado de saúde do arguido não lhe permitia ser submetido ao exame de pesquisa de álcool através do ar expirado”.
E do nº 6,:
“No seguimento do acima referido, e com vista a ser efectuada análise toxicológica de quantificação da taxa de álcool no sangue, conforme requisição da PSP de fls. 4, pelas 6 horas e 20 minutos do citado dia, foi efectuada colheita de sangue ao arguido, a qual foi depois submetida a análise laboratorial na Delegação do Norte do Instituto Nacional de Medicina Legal, acusando uma T.A.S. de 1,59 g/l, conforme consta do relatório pericial de fls. 5-6”.

7.2. É certo que não se pronunciam as disposições legais sobre a entidade que deve averiguar da possibilidade de o condutor/sinistrado estar ou não em condições de realizar a pesquisa através de ar expirado.
Natural é, pois, que estando o condutor numa unidade hospitalar, onde se presume a presença de um médico, que este tenha um papel determinante nessa averiguação.
E, pelos vistos, foi o que aconteceu no presente caso, segundo resulta da motivação da matéria de facto a fls. 132, onde se afirma:
“A testemunha E………., agente policial autuante, confirmou a matéria constante do auto de notícia e da participação de acidente por si elaborados e juntos aos autos.
Esclareceu que o arguido já estava no hospital e que não se recordava de ter estado com o mesmo, que o médico lhe disse que o arguido não podia fazer o teste no ar expirado e por isso deu a ordem para ser feita a colheita de sangue, conforme requisição junta aos autos”[18] – negrito nosso..

7.3. Mais resulta dos autos que, apesar da verificada impossibilidade de o arguido proceder ao exame de pesquisa do álcool no ar expirado, o mesmo apresentava-se consciente.
O que significa que o arguido tinha, na altura, capacidade volitiva para recusar ou consentir na colheita de sangue para efeitos de análise ao álcool.

Nas conclusões supra, já se deixou consignado que, a retirada do direito de o arguido poder recusar a recolha de sangue, padece de inconstitucionalidade orgânica. E, sendo assim, o arguido poderia ter recusado expressamente a colheita do sangue, sem que o mesmo praticasse qualquer crime de desobediência.
Mas para que o arguido, no caso concreto, pudesse recusar a colheita de sangue ou para se entender/defender que o mesmo consentiu em tal colheita, forçoso é concluir que o arguido deverá saber, estar informado do fim a que se destina determinada colheita de sangue.
Pois é sabido e resulta da normal experiência e práticas hospitalares, que nestas situações de internamento em consequência de acidentes, retirar sangue ao doente para efeitos de diagnóstico, é comum. E é de presumir um consentimento ainda que tácito do doente para a recolha do sangue, pressupondo que tal colheita se destina a ser usado em seu beneficio.
De onde é legítimo concluir que, destinando-se a colheita do sangue a outro fim que não o benefício clínico do doente, como foi o caso da análise para efeitos de apurar o grau de alcoolemia, deveria o arguido ter sido informado previamente desse fim, dando-lhe a possibilidade de poder recusar ou poder consentir nessa recolha[19].
Pelo que se afigura, neste aspecto, temerária, a afirmação do recorrido, quando diz:
“Ora (não versando o recurso matéria de facto), considerando os factos provados nos autos, a douta decisão recorrida não merece qualquer reparo, designadamente porque não foi dado como provado qualquer facto que possa sustentar validamente a alegada omissão de procedimentos essenciais relativos ao esclarecimento/consentimento do arguido quanto ao fim a que se destinava aquele acto de recolha do seu sangue”.
É que, se ao ser submetido ao teste de pesquisa do álcool no ar expirado, qualquer condutor sabe a que se destina esse teste, o mesmo já não se pode dizer quando se está internado num hospital ou estabelecimento de saúde e um médico faz uma colheita de sangue ao sinistrado. Aqui, o sinistrado adquire a qualidade e é tratado como doente. E deve ser nesta qualidade que se deve interpretar e presumir qualquer consentimento seu, ainda que tácito, quanto aos actos médicos.
Ora, a colheita de sangue para análise do álcool no sangue do condutor sinistrado, embora praticado por um médico, não tem, em nosso entender, a natureza de acto médico em sentido estrito mas sim de um acto ou diligência de prova para efeitos de procedimento criminal.
E tratando-se de um acto que viola a integridade física e tem como objectivo, uma possível incriminação do doente/sinistrado, é nosso entendimento de que o mesmo deve ser informado ou estar devidamente esclarecido do fim a que se destina a recolha do sangue.

8. Retira-se do factualismo provado que o arguido não foi previamente informado do destino ou fim da colheita de sangue.
Pelo que, entende-se ser possível formular as seguintes conclusões:

1ª Para o suprimento do direito de o condutor/sinistrado poder livremente recusar a colheita de sangue para efeitos de análise ao grau de alcoolémia do condutor, na medida em que esta alteração legislativa tem um conteúdo inovatório, necessitava o legislador governamental da autorização legislativa, pois que a decisão normativa primária cabia à Assembleia da República, por força da alínea c) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP.

2ª Assim, a colheita de sangue para aqueles fins, ao abrigo dos actuais artigos 152º, nº 3, 153º, nº 8 e 156º, nº 2, todos do Código da Estrada, na redacção dada pelo DL nº 44/2005, de 23 de Fevereiro – sendo a deste último preceito já desde a redacção dada pelo DL nº 265-A/2001, de 28 de Setembro – sem possibilitar ao condutor a sua recusa, está ferida de inconstitucionalidade orgânica.

3ª Nestes termos, a concreta recolha de sangue ao arguido recorrente que serviu de base à análise para apurar o seu grau de alcoolémia, constitui prova ilegal, inválida ou nula, que não pode produzir efeitos em juízo.
V
Decisão
Por todo o exposto, decide-se conceder provimento ao recurso e, consequentemente, absolve-se o recorrente quer do crime quer da pena acessória de inibição de conduzir em que foi condenado.

Sem custas.

Porto, 9.12.2009
Luís Augusto Teixeira
Artur Daniel Tarú Vargues da Conceição

_______________________
[1] O que significa que, nesta concreta situação, existe consentimento do condutor para a colheita de sangue para a análise.
[2] Regulando o artigo 7º, nº 1, da Lei nº 18/2007, de 17 de Maio, situações em que tal poderá ocorrer.
[3] Pois para a situação do nº 1, do mesmo preceito é nosso entendimento que, mesmo em caso de acidente, o condutor pode, consciente e voluntariamente, recusar a realização do exame,
[4] Podendo-se enunciar várias causas que impõem esta opção legislativa:
- A perigosidade que representa a condução sob o estado de influenciado pelo álcool.
- A sinistralidade resultante da condução sob o efeito do álcool.
- As mortes resultantes dessa mesma sinistralidade bem como o número de feridos, incluindo os feridos graves.
- Os efeitos negativos que representa toda esta sinistralidade quer em meios humanos quer económicos ou materiais.
[5] Situação que se pode enquadrar e ajusta ao disposto no nº 1, do artigo 156º, do CE.
[6] Que actualmente se verifica e do qual se irá falar de seguida.
[7] Entendemos que esta restrição será de aceitar como não ferida de inconstitucionalidade material, na medida em que um condutor não é um cidadão qualquer: é um cidadão que, no exercício da condução, está sujeito a deveres acrescidos emergentes dessa mesma condução. E todo o condutor sabe/deverá saber, pois para o efeito é submetido a provas/exames para obter a carta/licença de condução e, de entre as regras estradais essenciais, figura a proibição de condução com álcool.
Por sua vez, a detecção do álcool só será possível, mediante a realização de exame de pesquisa, pelos meios tecnicamente possíveis e socialmente admissíveis – incluindo a própria análise sanguínea. E este dever/obrigatoriedade mais se justifica em caso de acidente de viação.
[8] Mas uma coisa é a necessidade ou exigência de consentimento expresso outra a eventual recusa por parte do condutor.
E se a primeira poderá não ser exigível, já a segunda deverá ser admissível.
V. sobre este ponto, Gomes Canotilho/Vital Moreira, in Constituição Anotada, 4ª edição, vol. I, Coimbra Editora, 2007, p. 456, onde se afirma:
“ Problema típico é o de saber se o direito à integridade pessoal impede o estabelecimento de deveres públicos dos cidadãos que se traduzam em (ou impliquem) intervenção no corpo das pessoas (v. g., vacinação, colheita de sangue para testes alcoolémicos, etc.). A resposta é seguramente negativa, desde que a obrigação não comporte a sua execução forçada (sem prejuízo de punição em caso de recusa, cfr. Ac. TC nº 616/98).
[9] V. ac. nº 616/98, do Tribunal Constitucional, onde se afirma que uma mera colheita de sangue, para posterior exame pericial, constitui uma intervenção banal, trata-se de uma medida realizada por alguém habilitado (médico) e com um “grau mínimo de ofensa corporal”, que afecta de forma reduzida, transitória e momentânea o corpo do visado - cit. na decisão recorrida.
[10] Estipulava o dito artigo 12º:
1 — Todo o condutor que, ou pessoa que contribua para acidente de viação, que se recusar a exame de pesquisa de álcool será punido com pena de prisão até um ano ou multa até 200 dias.”
[11] A referida norma encontrava -se autorizada pela Lei n.º 97/97, de 23 de Agosto, nos seguintes termos:
“Artigo 3.º
Fica ainda o Governo autorizado a estabelecer:
(…)
d) A punição como desobediência da recusa, por condutor ou outra pessoa interveniente em acidente de trânsito, em submeter -se aos exames legais para detecção de estados de influenciado pelo álcool ou por substâncias legalmente consideradas como estupefacientes ou psicotrópicas,
e ainda dos médicos ou paramédicos que, injustificadamente, se recusem a proceder às diligências previstas na lei para diagnosticar os referidos estados.”
[12] Dizia o então artigo 158º, nº 3:
3 — Quem recusar a submeter -se às provas estabelecidas para a detecção do estado de influenciado pelo álcool ou substâncias legalmente consideradas como estupefacientes ou psicotrópicas, para as quais não seja necessário o seu consentimento nos termos dos n.º s 2 e 3 do artigo 159.º, é punido por desobediência” – negrito nosso.
[13] Estipulavam os respectivos preceitos:
“Artigo 158.º
1 — Devem submeter -se às provas estabelecidas para a detecção dos estados de influenciado pelo álcool ou por substâncias legalmente consideradas como estupefacientes ou psicotrópicas:
a) Os condutores;
b) Os peões, sempre que sejam intervenientes em acidentes de trânsito;
c) As pessoas que se propuserem a iniciar a condução.
(…)
3 — As pessoas referidas nas alíneas a) e b) do n.º 1 que recusem submeter -se às provas estabelecidas para a detecção do estado de influenciado pelo álcool ou por substâncias legalmente consideradas como estupefacientes ou como psicotrópicas são punidas por desobediência.”
“Artigo 159.º
Fiscalização da condução sob influência do álcool
(…)
7 — “Se não for possível a realização de prova por pesquisa de álcool no ar expirado, o examinando deve ser submetido a colheita de sangue para análise ou, se se recusar, deve ser realizado exame médico, em estabelecimento oficial de saúde, para diagnosticar o estado de influenciado pelo álcool” – negrito nosso.
[14] Sendo o teor dos artigos 152º, nº 3, 153º, nº 8 e 156º, nº 2, do Código da Estrada, na redacção dada pelo Decreto -Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro:
“Artigo 152.º
Princípios gerais
(…)
3 — “As pessoas referidas nas alíneas a) e b) do n.º 1 que recusem submeter -se às provas estabelecidas para a detecção do estado de influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas são punidas por crime de desobediência”.
(…)
Artigo 153.º
Fiscalização da condução sob influência de álcool
(…)
8 — “Se não for possível a realização de prova por pesquisa de álcool no ar expirado, o examinando deve ser submetido a colheita de sangue para análise ou, se esta não for possível por razões médicas, deve ser realizado exame médico, em estabelecimento oficial de saúde, para diagnosticar o estado de influenciado pelo álcool.”
Artigo 156.º
Exame em caso de acidente
(…)
2 — “Quando não tiver sido possível a realização do exame referido no número anterior - pesquisa de álcool no ar expirado – o médico do estabelecimento oficial de saúde a que os intervenientes no acidente sejam conduzidos, deve proceder à colheita da amostra de sangue para posterior exame de diagnóstico do estado de influenciado pelo álcool” – negrito nosso.
[15] Negrito e sublinhado nossos.
[16] Negrito e sublinhado nossos.
[17] Nesta parte assiste razão ao Ministério Público em 1ª instância quando afirma na sua resposta:
“Mas o certo é que o recurso do arguido não tem por objecto a matéria de facto considerada provada, embora vise questionar a validade da prova que conduziu à decisão tomada sobre a TAS de 1,59 gr/l que o M.mº Juiz a quo deu como provada.
Em suma, o recurso versa apenas matéria de direito: a alegada (in)validade da prova resultante do exame pericial que determinou que o arguido apresentava uma TAS de 1,59gr/l na ocasião da recolha da respectiva amostra de sangue, em virtude de não ter conhecido/consentido ou sido esclarecido quanto ao fim a que se destinava tal recolha de sangue e, por isso, impedido, de forma desleal, de se defender nos termos da lei”.
[18] Esta impossibilidade de realização do dito exame, para além da declaração médica nesse sentido, parece resultar ainda da conclusão dos elementos clínicos do condutor, mais concretamente do relatório de episódio de urgência, reproduzido no factualismo provado da sentença e, de entre os quais se pode ver:
“Em virtude do citado acidente, o(a) arguido(a) foi transportado pelo INEM ao Hospital… apresentando escoriações dispersas, deu entrada pelo Serviço de Urgência por politraumatismo, incluindo TCE, aparentemente etilizado, com dor moderada…foi imobilizado com colar cervical e plano duro; ao exame físico: estava consciente, razoavelmente colaborante, orientado no espaço e no tempo; …, escoriação abdominal, apresentando também escoriações dispersas pelos membros inferiores,…sonolento, dificilmente despertável,…com períodos de apneia, …verificando-se amnésia parcial para o acidente, com náuseas, …, agitado no local e à chegada ao citado hospital, sonolento, do ponto de vista neurológico, e no momento da observação, o arguido encontrava-se consciente, colaborante, orientado…- negrito nosso.
[19] É que, ainda que o arguido tivesse recusado a recolha do sangue, não estaria precludida a hipótese de averiguar ou apurar o grau de alcoolemia do arguido. A existir essa recusa, passar-se-ia à fase do exame médico para diagnosticar o estado de influenciado pelo álcool, a realizar no estabelecimento de saúde.