Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0843391
Nº Convencional: JTRP00041782
Relator: FERREIRA DA COSTA
Descritores: JUSTA CAUSA
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
Nº do Documento: RP200810200843391
Data do Acordão: 10/20/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE.
Indicações Eventuais: LIVRO 62 - FLS 212.
Área Temática: .
Sumário: I. O empregador pode unilateralmente alterar o horário de trabalho, a não ser que a determinação de certo horário tenha constituído elemento essencial do contrato, em termos tais que o trabalhador não o teria celebrado se não pudesse contar com ele, isto é, que foi só devido a certo horário de trabalho que o trabalhador firmou o contrato com a empresa.
II. Não tendo o trabalhador provado a essencialidade de tal elemento na contratação, o mesmo não tem direito a opor-se a tal decisão do empregador, tanto mais que não demonstrou qualquer prejuízo sério ou qualquer perturbação visível na sua vida.
III. No entanto, a alteração do horário de trabalho, integrando um direito potestativo do empregador, determina para o trabalhador uma alteração substancial e duradoura das condições de trabalho, no exercício legítimo de poderes do empregador, o que constitui justa causa objectiva de resolução do contrato, atento o disposto no art. 441º, n.º 3 do CT, mas sem direito a indemnização, de acordo com o consignado no art. 443º, n.º1 do CT, a contrario sensu.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Reg. N.º 542
Proc. N.º 3391/08-1.ª



Acordam no Tribunal da Relação do Porto:


B.......... instaurou acção emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra C.........., S.A. pedindo que se condene a R. a pagar ao A. a quantia de € 16.032,38, sendo € 12.547,13 a título de indemnização de antiguidade e a restante relativa a retribuição vencida, férias, respectivo subsídio e subsídio de Natal, vencidos e proporcionais, para além de juros de mora.
Alega, para tanto, que tendo sido admitido ao serviço da R. em 1982-02-02, para exercer as funções de fogueiro de 1.ª, resolveu o contrato de trabalho com fundamento em justa causa, o que comunicou à R. por carta de 2006-07-20, recebida em 24 seguinte. Invocou como justa causa a alteração, em 2006-07-05, das suas férias do período inicialmente marcado de 28 de Julho a 1 de Setembro, ambos de 2006, para os seguintes períodos: 4 a 15 de Setembro, 25 a 29 de Setembro e 16 a 27 de Outubro, todos de 2006. Porém, tendo o A. manifestado a sua discordância, a R. alterou-lhe o horário de trabalho das 6H00 às 14H00, de 2.ª a 6.ª Feira, para o horário das 8H00 às 18H00, desde o dia 2006-07-12, tendo o A. manifestado a sua discordância por escrito e a R. reafirmado a sua decisão quanto a ambas as matérias.
Alega, por último, que não lhe foram pagas as diversas quantias que pede para além da indemnização de antiguidade, respeitantes a retribuição vencida, férias, respectivo subsídio e subsídio de Natal, vencidos e proporcionais ao tempo de trabalho prestado no ano da resolução do contrato de trabalho.
A R. contestou por impugnação, alegando a inexistência de culpa sua na alteração das férias e do horário de trabalho do A. e, por excepção, pedindo a compensação do seu seu crédito correspondente à indemnização por falta de aviso prévio com o contra-crédito do A., que reconhece.
O A. respondeu à matéria de excepção deduzida na contestação.
Realizado o julgamento sem gravação da prova pessoal, pelo despacho de fls. 90 a 93 foram assentes os factos considerados provados, sem reclamações – cfr. acta de fls. 94.
Proferida sentença, foi a R. condenada a pagar ao A. a quantia de € 1.597,59, relativa a retribuição vencida, férias, respectivo subsídio e subsídio de Natal, vencidos e proporcionais, deduzida da indemnização por falta de aviso prévio, dada a seu ver a insubsistência da justa causa invocada, sendo tal quantia acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde os respectivos vencimentos e até integral pagamento.
Inconformado com o assim decidido, o A. interpôs o presente recurso de apelação, formulando a final as seguintes conclusões:

A) A douta sentença recorrida não analisou devidamente os factos provados, nem tão-pouco a motivação do autor para a resolução, com justa causa, do seu contrato de trabalho, nem aplicou correctamente o direito.
B) Ao iniciar a sua análise da justa causa de revogação do contrato, pelo segundo argumento apresentado pelo ora recorrente - A alteração do horário de trabalho, a douta sentença estruturou-se erradamente.
C) A justa causa do apelante teve duas motivações: Em, primeiro lugar, a alteração do período de férias, sem para tal a entidade patronal ter qualquer motivo justificativo; em segundo lugar, posterior alteração do horário de trabalho, em forma de retaliação (após o apelante ter manifestado discordância face à alteração das suas férias), também sem a concordância do trabalhador, ou motivo que a justificasse.
D) Ao agir como agiu, a apelada violou o disposto no art° 211°, n°s 2 e 3, do Cód. Trabalho, pondo em causa um direito fundamental do trabalhador do gozo das suas férias num período de tempo que lhe permitisse recuperar física e psiquicamente, ou assegurar-lhe as condições mínimas de disponibilidade pessoal, de integração na vida familiar e de participação social e cultural.
E) Assim como violou o disposto no art° 218°, n°s 1 e 2, uma vez que a apelada não logrou provar quaisquer exigências imperiosas do funcionamento da empresa que determinassem o adiamento das férias do apelante; nem a nova marcação respeitava o gozo seguido de metade das suas férias.
F) Contra essa alteração, manifestou-se o apelante, por escrito, em 06/07/06 - ponto 11 dos factos provados - mas de nada lhe valeu, tendo a apelante mantido, sem mais, tal alteração.
G) Após esse facto, o apelante, que trabalhava de 2ª a 6ª feira, das 06h às 14h, viu o seu horário ser alterado unilateralmente pela apelada, a partir de 12/07/06, sem o seu acordo, ou antes com a sua discordância, para um período compreendido entre as 08h e as 18h, e intervalo entre as 12h e as 14h.
H) Com tal alteração o apelante deixou de auferir subsídio de turno e viu o seu tempo de lazer ser drasticamente reduzido.
I) Tal alteração do horário de trabalho não teve qualquer razão ou motivo justificativo, antes teve natureza sancionatória, face ao desacordo do apelante em relação à alteração das suas férias.
J) A apelada ia reduzindo os direitos fundamentais do trabalhador, ora apelante, sem que a este fosse dado o direito de se manifestar contra tais violações.
K) Se é certo que compete à entidade patronal o poder de direcção e organização da empresa, tendo em vista os objectivos que pretende ver prosseguidos, não é menos certo que as medidas nesse âmbito adoptadas hão-se ter-se por adequadas à prossecução de objectivos lícitos, não podendo ser encaradas como mera negação de interesses de outrem (trabalhador).
L) Com efeito, face a tais desrespeitos, tornou-se de todo insustentável a manutenção do seu contrato de trabalho, pois que não era minimamente exigível que tivesse que sofrer as sucessivas violações dos seus direitos, mantendo-se ao serviço da apelada, mais sabendo que, por cada justa reclamação sua perante ela, outra ilegalidade contra si esta viria a cometer.
M) O apelante resolveu, assim, o seu contrato com justa causa, nos termos do art° 441°, n° 1 e n° 2 al.s b), e) e f) do Cód. do Trabalho, o que lhe confere direito a uma indemnização, fixada nos termos do art° 443°, n° 1 do mesmo diploma legal, nos precisos termos em que o apelante a peticionou.
N) Sendo certo que o apelante procedeu à rescisão do seu contrato de trabalho, nos termos legais, designadamente pela forma e no prazo consignado na lei (art° 422° Cód. Trabalho).
O) Ao decidir pela inexistência de justa causa, violou a douta sentença recorrida o disposto no art° 441°, n° 1 e n° 2 al.s b), e) e f) do Cód. do Trabalho.
P) Porém, ainda que assim se não entendesse, nunca a excepção da compensação invocada pela apelante, a título indemnização pelo não cumprimento do prazo de aviso prévio, poderia proceder, como erroneamente faz a douta sentença.
Q) Pois que, constitui ainda justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador a alteração substancial e duradoura das condições de trabalho no exercício legítimo de poderes do empregador. - art° 441°, n° 3, al. b), do Cód. do Trabalho.
R) Apenas tem direito à indemnização a entidade patronal nos casos de resolução ilícita, o que, como se demonstrou à saciedade, não se verificou.
S) A douta sentença, decidindo diferentemente, violou designadamente o art° 441°, n° 3, al. b), do Cód. do Trabalho.
O Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto, nesta Relação, emitiu douto parecer no sentido de que a apelação não merece provimento.
Nenhuma das partes se pronunciou quanto ao teor de tal parecer.
Recebido o recurso, foram colhidos os vistos legais.
Cumpre decidir.

São os seguintes os factos dados como provados pelo Tribunal a quo:
1 – A ré dedica-se ao fabrico de elásticos para uso de vestuário, tinturaria e acabamentos têxteis.
2 – Por contrato de trabalho verbal, celebrado a 02/02/82, a ré admitiu o autor para, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, exercer funções como fogueiro de 1ª classe.
3 – O autor auferia uma remuneração base de 513€ mensais, acrescida de 2,24€ por cada dia efectivo de trabalho a título de subsídio de alimentação e 47,30€ mensais de prémio de produção.
4 – Por carta registada, com a/r, datada de 20/07/06, o autor fez cessar o respectivo contrato – cfr. doc. 6 junto aos autos a fls., para o qual se remete e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
5 – No mapa de férias da ré para o ano de 2006, o qual foi publicado em Abril do mesmo ano, estava estabelecido que o autor gozaria o período de férias de 28 de Julho a 1 de Setembro – cfr. doc. de fls. 9.
6 – O autor organizou os seus interesses familiares de acordo com tal mapa.
7 – No início de Julho de 2006, a ré comunicou ao autor que não poderia gozar férias nos moldes supra referidos, antes o devendo fazer a partir do mês de Setembro e de forma intercalada (uma semana de trabalho seguida de uma de férias).
8 – O autor trabalhava de 2ª a 6ª feira, das 06h às 14h.
9 – A partir do dia 12/07/06, tal horário foi alterado pela ré, sem o acordo do autor, para das 08h às 12h e das 14h às 18h.
10 – Com tal alteração o autor deixou de auferir subsídio de turno.
11 – A discordância do autor quanto a ambas as alterações foi comunicada por escrito à ré a 06/07/06 – cfr. doc. junto aos autos a fls. 11, para o qual se remete e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
12 – A ré não pagou ao autor a retribuição devida pelo trabalho prestado no mês de Julho de 2006.
13 – Igualmente não liquidou as férias e subsídio de férias vencidas a 01/01/06 e os proporcionais de férias e subsídio de férias e de Natal devidos pelo trabalho prestado em 2006.
14 – O autor trabalha na secção de cogeração (onde é produzida a energia que alimenta o processo produtivo da empresa), onde se encontram máquinas que têm regularmente de ser verificadas e ajustadas.
15 – Era a única pessoa que, na ré, tinha aptidões técnicas e profissionais para assegurar a operacionalidade e funcionamento da referida cogeração.
16 – A alteração do horário do autor visou dar uma maior resposta aos eventuais problemas que surgissem na secção de cogeração.
17 – Pelo menos na 1ª quinzena de Agosto, face a encomendas entretanto surgidas, a ré esteve a laborar.

O Direito.
Sendo pelas conclusões do recorrente que se delimita o âmbito do recurso[1], atento o disposto nos Art.ºs 684.º, n.º 3 e 690.º, n.º 1, ambos do Cód. Proc. Civil, ex vi do disposto no Art.º 87.º, n.º 1 do Cód. Proc. do Trabalho, a única questão a decidir nesta apelação consiste em saber se o A. teve justa causa para resolver o contrato de trabalho.
Vejamos.
Dispõe o Cód. do Trabalho[2]:
Artigo 441º[3]
Regras gerais
2 — Constituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, nomeadamente, os seguintes comportamentos do empregador:
b) Violação culposa das garantias legais ou convencionais do trabalhador;
4 — A justa causa é apreciada nos termos do nº 2 do artigo 396º, com as necessárias adaptações.
Artigo 442º
Procedimento
1 — A declaração de resolução deve ser feita por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos 30 dias subsequentes ao conhecimento desses factos.

Ora, para conseguir o efeito de resolver o contrato de trabalho, impõe-se que o trabalhador faça uma comunicação escrita ao empregador donde constem, de forma sucinta, os factos que fundamentam a resolução, como dispõe o Art.º 442.º, n.º 1 do CT, acabado de transcrever[4].
Por outro lado, do Art.º 441.º do CT, também acima parcialmente transcrito resulta que a justa causa para que o trabalhador possa rescindir o contrato de trabalho, motivadamente e com direito a indemnização, depende da verificação dos seguintes elementos:
- Comportamento da entidade empregadora, enquadrável, ou não, em qualquer das alíneas do n.º 2 do referido Art.º 441.º, uma vez que a enumeração é meramente exemplificativa [era taxativa na LCCT] - elemento objectivo;
- Que esse comportamento possa ser imputado[5] à entidade empregadora a título de culpa - elemento subjectivo;
- Que tal comportamento seja grave em si mesmo e nas suas consequências[6].
De referir que na distribuição do ónus da prova, cabe ao trabalhador demonstrar a existência do comportamento da entidade empregadora, nos termos do disposto no Art.º 342.º, n.º 1 do Cód. Civil [de acordo com o qual, àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado] e cabe a esta provar que tal comportamento não procede de culpa sua, nos termos do disposto no Art.º 799.º, n.º 1 [segundo o qual, incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento … da obrigação não procede de culpa sua] do mesmo diploma legal[7].
Voltemos, agora, à hipótese concreta dos autos.
Devendo a justa causa de rescisão do contrato de trabalho, por iniciativa da A., ser apreciada em concreto, vejamos os pertinentes factos provados:
4 – Por carta registada, com a/r, datada de 20/07/06, o autor fez cessar o respectivo contrato – cfr. doc. 6 junto aos autos a fls., para o qual se remete e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
5 – No mapa de férias da ré para o ano de 2006, o qual foi publicado em Abril do mesmo ano, estava estabelecido que o autor gozaria o período de férias de 28 de Julho a 1 de Setembro – cfr. doc. de fls. 9.
6 – O autor organizou os seus interesses familiares de acordo com tal mapa.
7 – No início de Julho de 2006, a ré comunicou ao autor que não poderia gozar férias nos moldes supra referidos, antes o devendo fazer a partir do mês de Setembro e de forma intercalada (uma semana de trabalho seguida de uma de férias).
8 – O autor trabalhava de 2ª a 6ª feira, das 06h às 14h.
9 – A partir do dia 12/07/06, tal horário foi alterado pela ré, sem o acordo do autor, para das 08h às 12h e das 14h às 18h.
10 – Com tal alteração o autor deixou de auferir subsídio de turno.
11 – A discordância do autor quanto a ambas as alterações foi comunicada por escrito à ré a 06/07/06 – cfr. doc. junto aos autos a fls. 11, para o qual se remete e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
14 – O autor trabalha na secção de cogeração (onde é produzida a energia que alimenta o processo produtivo da empresa), onde se encontram máquinas que têm regularmente de ser verificadas e ajustadas.
15 – Era a única pessoa que, na ré, tinha aptidões técnicas e profissionais para assegurar a operacionalidade e funcionamento da referida cogeração.
16 – A alteração do horário do autor visou dar uma maior resposta aos eventuais problemas que surgissem na secção de cogeração.
17 – Pelo menos na 1º quinzena de Agosto, face a encomendas entretanto surgidas, a ré esteve a laborar.

O primeiro fundamento invocado para a resolução do contrato consistiu na alteração do período de férias anuais de 28 de Julho a 1 de Setembro, portanto, apontando para o gozo contínuo, para um período descontínuo, em que as férias seriam gozadas de forma intercalada, semana sim, semana não, a partir de Setembro, todos do ano de 2006, como resulta dos factos provados.
Dispõe adrede o CT:
Artigo 218º[8]
Alteração da marcação do período de férias
1 — Se, depois de marcado o período de férias, exigências imperiosas do funcionamento da empresa determinarem o adiamento ou a interrupção das férias já iniciadas, o trabalhador tem direito a ser indemnizado pelo empregador dos prejuízos que comprovadamente haja sofrido na pressuposição de que gozaria integralmente as férias na época fixada.
2 — A interrupção das férias não pode prejudicar o gozo seguido de metade do período a que o trabalhador tenha direito.

Destas normas resulta que a alteração do período de férias, já marcadas, não pode ser feito por livre alvedrio do empregador, mas de forma motivada, quando a empresa tiver necessidades imperiosas de manter a actividade durante o período de férias inicialmente planeado pelo empregador ou acordado entre as partes. Trata-se de um direito potestativo pelo que, havendo alteração das férias marcadas, em tais circunstâncias, o trabalhador deverá conformar-se com a decisão do empregador, sem prejuízo de poder exigir o pagamento das despesas que teve de fazer em função da primeira marcação das férias e com vista ao seu gozo, por exemplo, o pagamento de hotel e avião. Neste caso, impende sobre o trabalhador o ónus da prova das despesas efectuadas e respectivo custo, como resulta do advérbio de modo constante da norma – comprovadamente – e sempre resultaria das regras gerais, in casu, do disposto no Art.º 342.º, n.º 1 do Cód. Civil[9], uma vez que se trata de facto constitutivo do direito invocado. Por seu turno, impende sobre o empregador o ónus de provar a necessidade imperiosa, inerente ao funcionamento da empresa, de alterar o período de férias do trabalhador em causa e com fundamento na mesma norma do CC e pelas razões correspondentes, sendo certo que deverá designar o novo período de férias, observando um período de gozo ininterrupto de, pelo menos, metade da totalidade do direito a férias que estiver a ser substituído. Ora, o fundamento da alteração das férias deve ser sério, de modo que se puder ser evitada pela contratação a termo ou através de trabalho temporário, de outro trabalhador, a alteração não deverá ter lugar, como se tem entendido[10].
Vejamos, agora, os fundamentos da resolução do contrato de trabalho no que respeita à alteração do horário de trabalho[11].
Dispõe, a propósito, o CT:
Artigo 170º
Definição do horário de trabalho
1 — Compete ao empregador definir os horários de trabalho dos trabalhadores ao seu serviço, dentro dos condicionalismos legais.
Artigo 173º
Alteração do horário de trabalho
1 — Não podem ser unilateralmente alterados os horários individualmente acordados.

Tais disposições correspondem, parcial e respectivamente, aos Art.ºs 11.º e 12.º do Decreto-Lei n.º 409/71, de 27 de Setembro [vulgo LDT].
Ora, desde há muito se vem entendendo que o empregador, qual emanação do poder de direcção sobre a empresa, pode unilateralmente alterar o horário de trabalho, a não ser que a determinação de certo horário tenha constituído elemento essencial do contrato, em termos tais que o trabalhador não o teria celebrado se não pudesse contar com ele, isto é, que foi só devido a certo horário de trabalho que o trabalhador firmou o contrato com a empresa. Provando-se tal essencialidade do segmento horário de trabalho, só com o acordo do trabalhador pode o empregador alterar o respectivo horário. Por outro lado, não se provando tal requisito, tem-se entendido que o horário só não pode ser modificado pelo empresário naqueles casos em que a mudança cause prejuízo sério ou perturbação visível na vida do trabalhador.
[Cfr., por todos, Pedro Romano Martinez e outros, in Código do Trabalho Anotado, 2003, págs. 296 e 297550, Paulo Sousa Pinheiro, in O Procedimento Cautelar Comum no Direito Processual do Trabalho, 2004, págs. 168 a 172, Francisco Liberal Fernandes, in Comentário às Leis da Duração do Trabalho e do Trabalho Suplementar, 1995, págs. 69 e 70 e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1998-01-21, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 473, págs. 294 a 300 e o Acórdão da Relação do Porto de 1989-01-16, in Colectânea de Jurisprudência, 1989, Tomo I, págs. 224 a 227].
Acrescente-se que também aqui o ónus da prova da essencialidade do horário de trabalho na contratação ou o prejuízo sério da alteração do horário ou a perturbação visível da alteração na vida do trabalhador, sendo - qualquer deles - facto constitutivo do direito invocado, impende sobre o trabalhador, atento o disposto no Art.º 342.º, n.º 1 do CC.
Ora, atento todo o até aqui exposto, verificamos que a R. não demonstrou cabalmente que teve necessidade imperiosa de alterar as férias do A., uma vez que, apesar de o trabalhador ser o único a desempenhar as tarefas inerentes à cogeração e de a empresa ter funcionado, pelo menos, em parte do mês das férias, em Agosto, a verdade é que nada vem alegado – e muito menos provado – no sentido de que o A. não podia ser substituído por outro trabalhador, contratado ad hoc ou, até, quadro da empresa. De igual modo, as férias não foram remarcadas correctamente, pois deveriam ter observado um período seguido de, pelo menos, metade da totalidade do direito.
Por outro lado, o A. não demonstrou a existência de prejuízos sofridos com a alteração do período de férias, resolvendo o contrato de trabalho sem permitir a constatação efectiva da eventual violação do seu direito a férias, quer em Julho e Agosto pela sua não substituição por outro trabalhador, quer em Setembro e Outubro, todos de 2006, pela não observância de um período de férias seguido de, pelo menos, metade da totalidade dos dias de férias a que tinha direito.
Já quanto à alteração do horário de trabalho, o A. não provou a essencialidade de tal elemento na contratação, nem qualquer prejuízo sério ou perturbação visível da sua vida, tanto mais que rapidamente resolveu o contrato de trabalho, antes que se pudesse constatar na sua prática laboral diária se algum dano estava a ocorrer.
Assim, quanto à alteração das férias, em bom rigor o A. não sofreu qualquer prejuízo, quer porque não provou quaisquer danos, quer porque não possibilitou que eles surgissem, dada a rapidez com que procedeu á resolução do contrato de trabalho.
Quanto á alteração do horário de trabalho, face à falta de prova da essencialidade de tal elemento na contratação, o A. não tinha direito a opor-se a tal decisão do empregador, tanto mais que não demonstrou qualquer prejuízo sério ou qualquer perturbação visível na sua vida.
Admitindo-se que tais alterações ocasionaram incómodos ao A., pois sempre implicavam modificações na sua vida pessoal, familiar e/ou laboral, certo é que elas não se revestiram, no plano legal, dos foros de gravidade que pudessem integrar justa causa que suportasse a resolução do contrato de trabalho operada pelo A. e com direito a indemnização, atento o disposto no Art.º 441.º, n.º 2 do CT.
Cremos, no entanto, que a alteração do horário de trabalho, integrando um direito potestativo do empregador, determina para o apelante uma alteração substancial e duradoura das condições de trabalho no exercício legítimo de poderes do empregador, o que constitui justa causa - justa causa objectiva - de resolução do contrato, atento o disposto no Art.º 441.º, n.º 3 do CT, mas sem direito a indemnização, de acordo com o consignado no Art.º 443.º, n.º 1 do CT, a contrario sensu.
Na verdade, havendo justa causa, mas de desvalor material inferior, por não ser subjectivamente imputável, a título de culpa, não há direito a indemnização, nomeadamente, por falta de aviso prévio, não sendo aplicáveis as disposições dos Art.ºs 446.º e 447.º, ambos do CT. Em tais situações, nenhum dos protagonistas do contrato tem direito a indemnização, pois o trabalhador não pode imputar subjectivamente os factos integradores da justa causa e o empregador não pode afirmar que ocorreu uma desvinculação imotivada. Em realidade, nestas hipóteses, a justa causa - objectiva - limita-se a ter uma função exoneratória do dever de aviso prévio, ou seja, legitima a rescisão imediata do contrato pelo trabalhador [Cfr. Pedro Furtado Martins, in Cessação do Contrato de Trabalho, 1999, pág. 170].
Tal significa que não há lugar à compensação efectuada, não sendo de deduzir qualquer quantia, a título de indemnização, ao crédito do A., pelo que este tem direito à quantia fixada na sentença, no montante de € 2.623,59, mas sem qualquer dedução, nomeadamente, no montante indemnizatório de € 1.026,00, por falta de aviso prévio, devendo a decisão ser revogada nesta parte.
Tal significa que o recurso merece parcial provimento, procedendo as conclusões P) a S) e improcedendo as restantes.
Consequentemente, deve a sentença ser revogada no que à compensação diz respeito, mas sendo de a confirmar quanto ao mais, pelo que vai a apelada condenada a pagar ao recorrente a quantia de € 2.623,59.

Decisão.
Termos em que se acorda em conceder parcial provimento à apelação, assim revogando a sentença recorrida no que à compensação diz respeito, mas sendo de a confirmar quanto ao mais, pelo que vai a R. condenada a pagar ao A. a quantia de € 2.623,59.
Custas por A. e R., na proporção respectiva, sem prejuízo do que se encontrar decidido em sede do incidente do apoio judiciário.

Porto, 2008-10-20
Manuel Joaquim Ferreira da Costa
Domingos José de Morais
António José Fernandes Isidoro

________________________
[1] Cfr. Abílio Neto, in Código de Processo Civil Anotado, 2003, pág. 972 e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1986-07-25, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 359, págs. 522 a 531.
[2] De ora em diante designado, abreviadamente, apenas por CT:
[3] Corresponde, com ligeiras alterações, ao disposto no Art.º 35.º do regime jurídico da cessação do contrato de trabalho e da celebração e caducidade do contrato de trabalho a termo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro [de ora em diante designado apenas por LCCT], do seguinte teor:
1. Constituem justa causa de rescisão do contrato pelo trabalhador, os seguintes comportamentos da entidade empregadora:
b) Violação culposa das garantias legais ou convencionais do trabalhador.
4. A justa causa será apreciada pelo tribunal nos termos do n.º 5 do artigo 12.º, com as necessárias adaptações.
[4] Corresponde ao Art.º 34.º, n.º 2 da LCCT.
[5] Cfr. Paul Ricoeur, in O JUSTO OU A ESSÊNCIA DA JUSTIÇA, Instituto Piaget, Lisboa, 1995, pág. 38, segundo o qual, Imputar... é colocar na conta de alguém uma acção censurável, uma falta, logo, uma acção previamente confrontada com uma obrigação ou com uma interdição que essa acção infringe... ou... Imputar uma acção a alguém é atribuir-lha como sendo o seu verdadeiro autor, colocá-la, por assim dizer, na sua conta, e tornar esse alguém responsável por ela.
[6] Parece que não será de exigir que o comportamento revista tal grau de gravidade em si mesmo e nas suas consequências, que torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, em termos de não ser exigível ao trabalhador a conservação do vínculo laboral - elemento causal. Tal posição, sufragada anteriormente e para as hipóteses de rescisão por iniciativa do trabalhador, continua a não ser acompanhada pela maioria da doutrina, que também no domínio do Código do Trabalho continua a entender que quando é o trabalhador que pretende pôr fim ao contrato, a justa causa se traduz no comportamento tipificado na lei, embora apreciado em concreto, mas sem necessidade de fazer apelo pontual aos pressupostos da justa causa constantes da cláusula geral do Art.º 9.º da LCCT, agora do Art.º 396.º, n.º 1 do Cód. do Trabalho, na consideração de que o despedimento briga com a segurança no emprego, enquanto a rescisão por iniciativa do trabalhador, mesmo ilícita, produz sempre o efeito da desvinculação, dado que ele sempre se pode restituir à liberdade, embora se sujeite a ter de indemnizar o empregador, caso o faça sem observar os requisitos legais.
Cfr. Ricardo Nascimento, in DA CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO, EM ESPECIAL POR INICIATIVA DO TRABALHADOR, 2008, págs. 172 e 173, notas 393 e 394.
[7] Cfr. Ricardo Nascimento, citado, págs.164 e segs., António Monteiro Fernandes, in DIREITO DO TRABALHO, 12.ª edição, 2004, págs. 603 a 609, João Leal Amado, in A PROTECÇÃO DO SALÁRIO, 1993, págs. 98 a 102 e in TEMAS LABORAIS, 2005, págs. 92 a 96, Albino Mendes Baptista, in Estudos sobre o Código do Trabalho, 2004, págs. 21 a 36 e Pedro Romano Martinez, in DIREITO DO TRABALHO, 2.ª edição, 2005, págs. 752 a 756.
[8] Corresponde ao Art.º 9.º do Decreto-Lei n.º 874/76, de 28 de Dezembro.
[9] De ora em diante designado abreviadamente por CC.
[10] Cfr. José Andrade Mesquita, in O Direito a Férias, ESTUDOS DO INSTITUTO DE DIREITO DO TRABALHO, VOLUME III, 2002, págs. 65 e segs., nomeadamente, 103 a 105 e Júlio Manuel Vieira Gomes, in Direito do Trabalho, volume I, Relações Individuais de Trabalho, 2007, págs. 717, nomeadamente.
[11] Seguir-se-á de muito perto o Acórdão desta Relação do Porto de 2006-06-19, subscrito pelos mesmos Juízes, in www.dgsi.pt, Proc. 0543923 e in Trabalho & Segurança Social, 2006, n.º 9, pág. 20, também citado no douto parecer do Ministério Público.