Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0847855
Nº Convencional: JTRP00042163
Relator: ÁLVARO MELO
Descritores: PROCESSO
ARTICULADOS
Nº do Documento: RP200902040847855
Data do Acordão: 02/04/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 353 - FLS 111.
Área Temática: .
Sumário: Nada tem de inapropriado o uso de papel de cor verde num requerimento apresentado por um sujeito processual, se é perfeita a legibilidade do respectivo texto.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 7855/08-4


Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto


I – RELATÓRIO:

No processo nº …/07.0PAOVR, do .º Juízo do Tribunal Judicial de Ovar em que é arguido B………., datado de 8/10/2008, foi proferido despacho que determinou o desentranhamento e devolução á signatária do requerimento que se encontra nos presentes autos a fls. 13 e 14, por o mesmo ter sido apresentado em folhas de papel verde forte, não observando a exigência legal de ser apresentado em folhas brancas ou de cor pálida e condenou o requerente nas custas do incidente a que deu causa, com taxa de justiça que foi fixada em 2UC.

Não conformado com tal decisão, interpôs o arguido o presente recurso apresentando as seguintes “conclusões”, as quais conferidas, mais não são do que uma cópia com numeração de todos os parágrafos da motivação:

1. O arguido não se conforma com o despacho proferido nos autos pelo tribunal a quo, em que condenou o recorrente em 2 UC de taxa de justiça, por custas do incidente por ter apresentado requerimento de recurso e respectivas alegações em folha de papel verde.

2. Esse requerimento deu entrada nos autos, dentro do prazo legal para o efeito, tendo o original sido entregue em folha de papel A4, de cor verde.

3. O tribunal a quo, proferiu despacho constante de Fls dos autos em que alegando que na sequência da entrada em vigor do DL 135/99 de 22 de Abril, este diploma veio determinar a possibilidade de serem usadas folhas brancas ou de corres pálidas, cfr. artº 24, nº 1 do citado diploma, sendo que no entendimento do tribunal a quo, a inobservância daquela norma regulamentar, constitui fundamento de recusa pela secretaria, tal como dispõe o artº 474, al. 1) do Código de processo civil que se aplica aos demais articulados e requerimentos, designadamente na jurisdição penal, por força do artº 4, do Código de processo penal, determinando o tribunal a quo que o requerimento junto pelo recorrente, não observava tal exigência legal, determinando o desentranhamento do requerimento e devolução à signatária, condenando ainda o recorrente em custas pelo incidente de desentranhamento do citado requerimento no montante máximo de 2 UC de taxa de justiça.

4. Ora o artº 24º, nº 1, do DL 135/99 de 22 de Abril, ao ter consignado, que as peças processuais, requerimentos, etc, obedecessem à formalidade de nos mesmos terem de ser usadas folhas de papel em cor branca ou pálida, não quis impor determinada cor para ser utilizada para o efeito, por uma questão de “estética”, mas para que o conteúdo do respectivo requerimento ou peça processual, pudesse ser perfeitamente legível e compreensível o seu conteúdo.

5. Parece inquestionável que o espírito do legislador, que presidiu à elaboração daquela norma jurídica (artº 24º, nº 1, do DL 135/99 de 22 de Abril) terá sido o de criar condições para que as peças processuais e requerimentos, pudessem ser legíveis e o seu conteúdo pudesse ser perceptível, e apreensível, sem que a cor do papel, pudesse de alguma forma interferir, ou de algum modo perturbar a perfeita legibilidade da peça processual, requerimento ou documento, assim como a apreensão do seu conteúdo.

6. Não quis certamente o legislador apenas por uma questão de “estética” impor a panóplia de cores para serem utilizadas nos requerimentos, peças processuais e documentos.

7. Daí ter-se consignado naquele diploma legal que deveriam ser utilizadas cores brancas e cores pálidas, por em princípio estas cores não dificultarem a legibilidade dos documentos, peças processuais e requerimentos, e consequentemente em princípio não impedirem a compreensão do seu conteúdo.

8. Tal não significa que um requerimento ou peça processual em que seja utilizada outra cor que não seja pálida ou branca, não seja permitida, ou seja ilegal, donde resulte consequentemente o seu desentranhamento do processo.

9. Ao abrigo do espírito do legislador que presidiu à elaboração do artº 24, nº 1 do DL 135/99 de 22 de Abril, todas as cores são permitidas em peças processuais, requerimentos e documentos, desde que a tonalidade da cor utilizada, não impeça ou perturbe a sua perfeita legibilidade e compreensão do seu conteúdo.

10. Ora o requerimento apresentado pelo recorrente em folha A4, de cor/tonalidade verde, é perfeitamente compreensível, até porque se encontra redigido em cor preta, sobressaindo as palavras redigidas a cor preto, da tonalidade do papel.

11. Aliás não raras vezes as partes, e outros, bem assim como mandatários, são notificados de despachos, decisões, etc, em papel de cores, que não integram a panóplia das cores pálidas e branca, consignadas naquele decreto lei citado.

12. Assim entende o recorrente inexistir fundamento legal para que o tribunal a quo ordenasse o desentranhamento do requerimento apresentado nos autos.

13. O tribunal interpretou incorrectamente o artº 24, nº 1 do DL 135/99 de 22 de Abril, ao fazer uma interpretação literal daquele preceito legal, pois o espírito do legislador na elaboração daquela norma legal não quis impor uma panóplia de cores para serem usadas em requerimentos e peças processuais, mas tão só permitir que a cor da folha de papel utilizada nos citados requerimentos e peças processuais, não perturbasse a sua legibilidade e compreensão do seu conteúdo.

14. Do exposto decorre que todas as cores poderão ser utilizadas nos requerimentos e peças processuais, desde que cumpram a finalidade que presidiu à elaboração daquele preceito legal que é o de não impedir a legibilidade e compreensão do citado requerimento ou peça processual.

15. O requerimento apresentado pelo recorrente obedece ao requisito legal que presidiu à elaboração do artº 24, nº 1 do DL 135/99 de 22 de Abril, sendo o conteúdo do mesmo perfeitamente legível e apreensível, não se justificando que o tribunal a quo ordenasse o seu desentranhamento, e condenação da requerente no incidente de desentranhamento, e condenação do citado requerimento, em 2 UC de taxa de justiça, devendo a condenação em custas ser totalmente revogada.

16. Sem prescindir, e caso Vªs Exºs assim não entendam em revogar totalmente a condenação do recorrente em custas pelo desentranhamento do requerimento apresentado pelo recorrente, e ordenado pelo tribunal a quo, então impõe-se a sua tributação no mínimo legal.

17. De acordo com o disposto no artº 82 do Código das Custas Judiciais, o tribunal na fixação da taxa de justiça, quando esta é variável, o que abrange as questões incidentais, deve fixá-la atendendo designadamente à situação económica do condenado em custas, a complexidade do processado, etc..

18.Ora no caso em apreço o tribunal a quo fixou as custas para questões incidentais, em 2 Uc, não atendendo designadamente à situação económica da recorrente, que é modesta, cfr. factos provados em sentença proferida nos autos, não atendeu à simplicidade do processado.

19. Assim o tribunal a quo violou o disposto no artº 82 do Código de custas, aplicando ao recorrente 2 UC de taxa de justiça, não atendendo na fixação daquele montante designadamente à situação económica do recorrente, a simplicidade do incidente, etc., impondo-se a sua revogação e fixação no mínimo legal».
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O Ministério Público junto do Tribunal recorrido respondeu à motivação do arguido, concluindo que por não ter sido violado qualquer normativo legal, deve ser negado provimento ao recurso e, consequentemente, ser mantido o douto despacho recorrido.
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Já neste Tribunal da Relação o Senhor Procurador-Geral Adjunto apôs o seu visto.
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Colhidos os vistos, e realizada conferência, cumpre decidir:
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II - FUNDAMENTAÇÃO:

É o seguinte o teor integral do despacho recorrido:

«B………. veio aos autos apresentar o requerimento de fls. 73 e 74 dos autos impresso em folha de papel verde forte.
Na sequência da abolição do uso papel selado pelo DL nº 435/86, de 31 de Dezembro, o DL nº 2/88, de 14 de Janeiro, que veio determinar o tipo de papel que deverá ser usado para os actos que antes estavam sujeitos ao uso de papel selado.
Mais recentemente, o DL nº135/99, de 22 de Abril, veio determinar a possibilidade de serem usadas folhas brancas ou de outras cores pálidas (cfr. art. 24º, nº l, do aludido Diploma.
A inobservância da referida norma regulamentar constitui fundamento de recusa da petição inicial pela secretaria, tal como resulta do disposto no art. 474º, al. i), do CPC, disposição que se aplica aos demais articulados e requerimentos, designadamente no âmbito do processo penal, por força do disposto no art. 4° do CPP.

O requerimento apresentado em folhas de papel verde forte, tal como em folhas de papel amarelo florescente ou até mesmo vermelho, não observa tal exigência legal.

Nesta medida, determino o seu desentranhamento e devolução á signatária.

Condeno o requerente nas custas do incidente a que deu causa, com taxa de justiça que fixo em 2UC.

Notifique e, após trânsito, dê cumprimento ao ordenado, desentranhando e devolvendo, e conclua os autos».
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O Recorrente coloca à apreciação deste tribunal duas questões, uma principal e outra subsidiária.

A primeira consiste em saber se existem razões para que o requerimento apresentado no processo, nas duas folhas de papel de cor verde que se encontram juntas a fls. 13 e 14, destes autos, tenha sido mandado desentranhar com base no entendimento de que as referidas folhas não respeitam o que estatui o artº 24º, nº 1, do DL 135/99, de 22 de Abril.

A questão subsidiária reside em saber se, caso se considere que existiram razões legais para o ordenado desentranhamento, as custas do incidente se encontram bem fixadas em 2 Uc ou se, outrossim, pecam por exageradas.

Começando pela primeira das questões, cumpre referir que ao ser abolido o uso do papel selado através do artigo 1º, nº 1, do Decreto-Lei nº 435/86, de 31 de Dezembro, foi estabelecido no artigo 2º, nº 1, do mesmo diploma que: “Para os actos em que se requeira o uso do papel selado passar-se-á a utilizar papel azul de 25 linhas, salvo autorizações concedidas pela Direcção-Geral das Contribuições e Impostos”.

Passada esta primeira fase após a abolição do papel selado, em que em substituição do papel selado, passou a ser obrigatório o uso de papel azul de 25 linhas, “…salvo autorizações concedidas pela Direcção-Geral das Contribuições e Impostos”, o Decreto-Lei nº 2/88, de 14 de Janeiro, veio alterar a redacção do artigo 2º, do Decreto-Lei nº 435/86, passando a estabelecer que caberia ao utente optar entre o uso do papel azul de 25 linhas e o papel branco, liso, de formato A4, estabelecendo, no entanto, no nº 2, do mesmo diploma que no caso de uso de papel branco, “…cada lauda não poderá conter mais de 25 linhas, impondo igualmente que deveriam ser …respeitadas margens com cerca de 3 cm e 1 cm, respectivamente no lado esquerdo e direito da frente, com correspondência simétrica no verso”.

Tratou-se, obviamente de importantes, mas ainda tímidas, medidas de desburocratização, pois que de um primeiro momento em que se baniu a obrigação do uso do papel selado se passou para o papel azul de 25 linhas, para depois se passar a deixar ao critério do utente optar entre o uso do papel azul e do papel branco, liso, de formato A4, mas impondo-lhe, de qualquer modo, as dimensões das margens.

Entre esse momento e o seguinte (se é que pode verdadeiramente falar-se em momentos), assistiu-se a uma verdadeira “revolução” dos meios tecnológicos, tendo as máquinas de escrever passado, num ápice, a peças de museu, substituídas, num primeiro momento por impressoras, cada vez mais silenciosas para, finalmente, estarmos prestes a entrar na era da abolição do papel e entrada na era da desmaterialização dos processos.

Entretanto, entrou em vigor o Decreto-Lei nº 235/99, de 22 de Abril que veio estabelecer o seu artigo 24º, nº 1, o uso nos requerimentos, petições ou recursos, de folhas de papel normalizadas, brancas ou de “cores pálidas”.

Note-se que desde a entrada em vigor do último diploma legal referido já decorreu quase uma década, sendo que nos artigos 25º e 26º, do mesmo já se previam as comunicações informáticas e o correio electrónico.

De qualquer modo, no nº 4, do referido artigo 24º, do citado Decreto-lei já estabeleceu o legislador não ser permitida a recusa de aceitação ou tratamento de documentos de qualquer natureza com fundamento na inadequação dos suportes em que estão escritos, desde que não fique prejudicada a sua legibilidade.

Isto dito, verifica-se que questão que se coloca no presente recurso para além de cromática é no fundo uma questão jurídica, pois que, da decisão da mesma depende a admissão ou não de um recurso, pelo que, num primeiro momento cumpre verificar se a cor do papel utilizado como suporte do requerimento deve ser considerada uma cor pálida e, num segundo momento, se a cor utilizada não puder incluir-se na definição do referido tipo de cor, teremos que aquilatar se a legibilidade do dito requerimento sai prejudicada pela cor do papel em que foi impresso.

Segundo a definição do primeiro dicionário em suporte de papel que encontramos, o Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, “pálido” significa: descorado; sem colorido; desbotado; pouco vivo; sem animação. Já o dicionário de sinónimos incluído no processador de texto em que elaboramos o presente acórdão, apresenta para “pálido” os seguintes sinónimos: descorado; desmaiado; amarelado; desbotado; descolorido, fraco, ténue e frouxo.

Ora, em boa verdade, analisado o papel em que foi impresso parece-nos difícil incluir o mesmo na definição de cor pálida, mas igualmente difícil será a inclusão do mesmo no elenco das “cores fortes”. A sensibilidade para a análise das cores depende dos gostos e aptidões oftalmológicas do observador e, como se diz: «gostos não se discutem».

Não interessa, assim, que a cor do papel em questão seja incluída no elenco ou panóplia, como diz o recorrente, das cores pálidas ou das cores fortes, sendo antes decisivo para a sorte do recurso a questão da legibilidade ou não do texto impresso no papel em questão.

Independentemente do gosto cromático, sempre discutível, como se disse, o certo é que o texto inserido no papel junto a fls. 13 e 14 é perfeitamente legível.

Para além de legibilidade, refira-se aqui que constatamos pessoalmente que o texto em questão é perfeitamente fotocopiavel e digitalizável, o que, nos tempos de hoje e numa interpretação racional, não deve ser, de modo algum despiciendo para a decisão a tomar.

Em suma, sendo o texto constante do requerimento impresso nas folhas verdes que se mostram juntas a fls. 13 e 14, a instruir o presente recurso, perfeitamente legível, afigura-se-nos que, num tempo em que toda a opinião pública critica a morosidade da justiça melhor teria andado a Mmª Juíza em ter reparado a decisão recorrida dado o texto mandado desentranhar ser, como se disse, perfeitamente legível.

Ante o decidido fica prejudicada a segunda questão suscitada pelo recorrente e relativa à condenação nas custas do incidente.
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III – DECISÃO:

Pelo exposto, acordam nesta Relação em julgar procedente o recurso do arguido, e consequentemente, em revogar o despacho que ordenou o desentranhamento do requerimento agora incorporado nestes autos a fls. 13 e 14, devendo o recurso interposto com o aludido prosseguir os termos legais.

Não é devida tributação.

Porto, 2009-02-04
António Álvaro Leite de Melo
Isabel Celeste Alves Pais Martins