Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
626/11.7GDGDM.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EDUARDA LOBO
Descritores: JOGO DE FORTUNA E AZAR
MODALIDADES AFINS
INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA
Nº do Documento: RP20131211626/11.7GDGDM.P1
Data do Acordão: 12/11/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Não corresponde a qualquer dos temas próprios dos jogos de fortuna ou azar, sendo antes uma modalidade afim destes, o "jogo" desenvolvido pela máquina em que, mediante a introdução de uma moeda de € 0,50, € 1,00 ou € 2,00, é dis­parado automaticamente um ponto luminoso no painel frontal que percorre, num movimento circular, uniformemente desacelerado, os vários orifícios existentes no mostrador, iluminando-os à sua passagem e, sem qualquer interferência do jogador, o ponto luminoso vai perdendo gradualmente velocidade, até parar, fixan­do-se aleatoriamente num dos orifícios mencionados: se esse ponto corresponder a um dos orifícios identificados pelos números 1, 50, 2, 100, 5, 20, 200 e 10, o jogador ganha a quantia correspondente à conversão de cada ponto por € 1,00; se parar num dos restantes orifícios, o jogador não tem direito a qualquer prémio.
II – Padece do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada a sentença que é omissa quanto às condições pessoais do arguido e respetiva situação económico-financeira, circunstâncias imprescindíveis para a determinação da coima.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 626/11.7GDGDM.P1
1ª secção

Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO
No âmbito do Processo Comum com intervenção do Tribunal Singular que corre termos no 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Gondomar com o nº 626/11.7GDGDM, foram submetidos a julgamento os arguidos B… e C…, tendo a final sido proferida sentença, depositada em 18.04.2013, que absolveu a arguida B… e condenou o arguido C…, pela prática de um crime de exploração ilícita de jogo p. e p. nos artºs. 1º, 3º, 4º e 108º nºs. 1 e 2 do Dec-Lei nº 422/89 de 2.12, na pena de 150 dias de multa à taxa diária de € 8,00.
Inconformado com a sentença condenatória, dela veio o arguido C… interpor o presente recurso, extraindo das respetivas motivações as seguintes conclusões:
1. No que se refere à subsunção da conduta que se imputa ao recorrente em sede de factualidade tida como provada, entende modestamente aquele que, ao contrário do decidido na douta sentença sob recurso, não se poderia haver concluído por preenchidos os elementos constitutivos do tipo legal em causa relativamente à máquina denominada “D…”;
2. Na verdade, entende-se que não será de limitar a exploração do jogo ora em causa aos casinos existentes nas referidas zonas de jogo, pois que, não será de entender o mesmo jogo como um qualquer desses jogos nefastos (em que efetivamente “pensava” o legislador quando decidiu restringir a sua prática/exploração às zonas de jogo) cuja exploração a tais zonas se limita, ainda que mais não seja por não se afigurar de todo possível uma qualquer viciação em jogo tão rudimentar, a que acresce o facto de os valores despendidos com o mesmo serem de pouca relevância e não suscetíveis de lesarem uma qualquer família ou património;
3. O jogo em causa não desenvolve um qualquer tema próprio dos jogos de fortuna ou azar, como seja, uma qualquer roleta eletrónica, pois que, para além do valor “apostado” não influir por qualquer modo numa qualquer esperança de ganho, não existe uma qualquer aposta concreta em qualquer um dos números ou pontos presentes naqueles jogos, ao contrário do que sucede com uma qualquer roleta de um qualquer casino, tão pouco são permitidas quaisquer apostas múltiplas ou mesmo um qualquer dobrar de apostas;
4. Sendo que, tendo por base e fundamento a Jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, no seu douto Acórdão nº 4/2010 (proferido no Processo nº 2485/08 e publicado na 1ª Série, nº 46º, do DR de 08 de Março de 2010), sempre se questiona o recorrente de quais as diferenças existentes entre o jogo desenvolvido pela máquina dos autos e aquele outro jogo que foi objeto do citado Acórdão de Fixação de Jurisprudência, para além daquela diferença óbvia de que a máquina ora em causa depende de impulso eletrónico, enquanto que aquela outra depende de impulso mecânico?
5. Não obstante, e sem descurar do exposto, apraz referir que, após rigorosa análise e enquadramento de tudo o vertido em tal Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 4/2010, recentemente o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, no seu douto Acórdão de 02.02.2011 (proferido no âmbito do Proc. nº 21/08.5FDCBR.C2 e disponível in www.dgsi.pt), e aquando da análise comparativa entre o jogo em causa nos autos onde veio a ser fixada a aludida Jurisprudência e naqueles autos de recurso (nos quais, por sua vez, o jogo era absolutamente similar ao desenvolvido pela máquina ora em causa), entendeu que máquinas como a ora em causa nos presentes autos não consubstanciam a prática de um qualquer jogo de fortuna ou azar;
6. Porquanto, concluiu desde logo aquele Venerando Tribunal da Relação de Coimbra que, sendo devidamente analisado o conteúdo legal da proibição da exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados, «nunca merecerá a qualificação de crime a exploração de jogos que se enquadram num mecanismo em que os prémios se encontram previamente definidos»;
7. Ainda que tais jogos possam mesmo atribuir prémios em dinheiro ou desenvolver temas de jogos de fortuna ou azar, até porque, e ainda segundo o vertido naquele douto Acórdão, mesmo «às modalidades afins que atribuam prémios em dinheiro ou fichas a lei não deixa de designar como modalidades afins», constituindo uma qualquer exploração ilícita uma “mera” contraordenação, conforme preceituado no artº 163º;
8. Pois que, conclui então aquele Venerando Tribunal da Relação de Coimbra «ser esta a tese que está imanente ao acórdão de fixação de jurisprudência e que importa considerar até em obediência ao princípio da igualdade plasmado no artigo 13º da Constituição da República»;
9. Donde, atento o vertido no douto Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 4/2010 e, bem assim, nos recentes Acórdão da Relação de Coimbra de 02.02.2011, Acórdão da Relação de Évora de 31.05.2011, Acórdão da Relação de Lisboa de 01.06.2011, está em crer modestamente o recorrente que a máquina em causa nos presentes autos, não poderá ser entendida como desenvolvendo um qualquer jogo de fortuna ou azar;
10. Sendo, nessa sequência, forçoso concluir-se que, atentos os factos por si dados como provados, nomeadamente, quanto às características da máquina em causa, e por estar em causa apenas factualidade relacionada com a exploração de tal máquina, não poderia o Tribunal a quo ter concluído pela subsunção da conduta do recorrente à prática de um qualquer crime de exploração ilícita de jogo, impondo-se a sua absolvição;
11. Mais que não seja porque, e abordando-se a questão por outro prisma, e tal qual resulta do vertido no aludido Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 4/2010, sendo o tipo legal em causa (exploração ilícita de jogo) dotado de uma certa rigidez, que o constitui como tipo de garantia, sendo essa precisamente uma das manifestações do princípio da legalidade, claramente será de excluir o jogo dos autos das previsões de punição penal decorrentes do preceituado nos arts. 1º, 3º, 4º e 108º da Lei do Jogo;
12. Pois que, para se concluir pela exploração de um qualquer jogo de fortuna ou azar terão que se ter por verificados os 3 pressupostos elencados na lei, como seja, a dependência da sorte, o desenvolvimento de temas próprios dos jogos de fortuna ou azar e, bem assim, o pagamento feito diretamente em fichas ou moedas, na medida em que, esse é o pagamento efetuado nos “jogos de casino” – cfr. arts. 1º e 4º nº 1 als. f) e g);
13. Isto sem descurar o facto de a própria “Lei do Jogo” (arts. 1º e 4º do D.L. nº 422/89 de 02 de Dezembro, na redação do D.L. nº 10/95 de 19 de Janeiro), na definição de jogos de fortuna ou azar, combinar uma fórmula generalizadora (artº 1º) com a técnica exemplificativa (artº 4º), donde resulta que os diversos tipos de jogos considerados como de fortuna ou azar e que são autorizados nos casinos são os que estão especificados na eli, e não outros;
14. Pois que, não obstante exemplificativa, a especificação dos jogos de fortuna ou azar constante da lei, sempre tal especificação é tendencialmente completa e comporta uma certa rigidez, como é próprio de um tipo legal de crime, que é um tipo de garantia;
15. Ao que acresce o facto de, nem mesmo pelas Portarias atualmente em vigor (nºs. 817/2005 de 13 de Setembro e 217/2007 de 26 de Fevereiro), relativamente às regras de execução dos jogos de fortuna ou azar, porque os tipos de jogos (bancados, não bancados e, em máquinas eletrónicas) quase totalmente coincidentes com os especificados no DL nº 422/89 de 02 de Dezembro, se poder concluir pela observância por parte do jogo da máquina dos autos das características dos denominados jogos de casino;
16. Pois que, tal como se infere do Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 4/2010, tendo o critério de distinção entre o ilícito criminal e o ilícito contra-ordenacional que ser um critério material, imposto pelo princípio da legalidade e pela função de garantia inerente a cada tipo de crime,
17. Sempre os jogos de fortuna ou azar serão aqueles que se encontram especificados no nº 1 do artº 4º e, como tal, nunca a máquina dos autos poderá ser enquadrada nesses jogos, pois que, relativamente a ela, está totalmente afastado o preceituado na al. f) do nº 1 daquele art. 4º, na medida em que, não pagava diretamente prémios em fichas ou moedas, mas tão só apresentava pontuações, as quais dependiam então da sorte e poderiam então, e alegadamente, ser convertíveis em numerário;
18. No entanto, sempre se diga que, nem essa possibilidade de conversão das aludidas pontuações em numerário poderá, por si só, fazer precludir a sua “integração” enquanto mera modalidade afim dos jogos de fortuna ou azar, mas tão só, poderá consubstanciar, ela própria, uma distinta contra-ordenação;
19. Por fim, de referir que, temos por inconstitucionala interpretação das normas contidas nos nºs. 4º, 108º e 115º do D.L. nº 422/89 de 02 de Dezembro, quando efetuada (como sucede no caso dos autos) no sentido de que um qualquer jogo desenvolvido por máquina eletrónica, cujo resultado dependa exclusiva ou fundamentalmente da sorte, mas cujos limites máximos de “prémios” a atribuir estejam já previamente definidos e delimitados e sejam do conhecimento dos utilizadores, consubstancia um qualquer jogo de fortuna ou azar;
20. Pois que, uma tal interpretação é claramente inconstitucional por violação dos princípios da “liberdade individual” e da “proporcionalidade”, designadamente, da norma constante no artº 18º da CRP e, bem assim, por clara violação do supra referido princípio da “legalidade”, na vertente de “nullum crimen sine lege certa”, logo, por violação do disposto no artº 29º da CRP (neste sentido, cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21.05.2008, proferido no Proc. nº 2491/08-1, e acessível in www.dgsi.pt);
21. Delimitando-se a pena a aplicar ao recorrente na culpa deste e, bem assim, nas exigências de prevenção geral e especial, sempre resulta que, de forma alguma se poderá compreender e aceitar a(s) pena(s) aplicada(s), na medida em que, extravasa claramente a culpa deste e as próprias necessidades de prevenção e não tem, devidamente em conta as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depõem a favor do mesmo recorrente;
22. É de todo incompreensível, porque exagerada e desproporcionada, a pena aplicada ao recorrente, ainda que mais não seja pelo facto de a atuação do recorrente passível de censura se traduzir tão só na exploração de uma única máquina, a qual permitia unicamente apostas de valor reduzido, facto que, naturalmente, sempre obstaria a um qualquer delapidar grave e sério do património dos seus utilizadores e, bem assim, sempre limitaria quaisquer benefícios económicos que para o recorrente pudessem vir a resultar de tal exploração;
23. Já no que respeita às circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depõem a favor do recorrente, é de referir que, não parece ter sido devidamente valorada a ausência de quaisquer antecedentes criminais por parte do recorrente para além da sua inserção familiar, social e profissional, e bem assim o facto de não existir uma qualquer notícia posterior da prática de quaisquer factos similares da parte do recorrente;
24. Quanto ao quantitativo diário de €8,00 da pena de multa que o Tribunal a quo julgou por adequado ao caso presente, merece a reprovação por parte do recorrente, na medida em que, ao fixar tal valor, não parece o Tribunal a quo ponderado minimamente a situação económica e financeira do recorrente e os seus encargos pessoais, ainda que para tal tivesse que efetuar o mesmo raciocínio “estimativo” que efetivou para aferir dos potenciais rendimentos, incorrendo, dessa forma, numa clara violação do disposto no artº 47º nº 2 do C.Penal;
25. Pois que, na verdade, ao se “estimar” um rendimento mensal de € 600,00 porque equivalente ao rendimento médio nacional, sempre se deveria também ter estimado um montante médio para as despesas (de um agregado de pelo menos duas pessoas – pois que o recorrente foi julgado conjuntamente com a sua esposa) que teria que suprir o ora recorrente com tal rendimento, como fossem as necessidades de habitação, vestuário e alimentação, ainda para mais com o elevado custo de vida que se verifica atualmente no nosso País;
26. Pelo que, nessa sequência, sempre será de concluir que, nunca o quantitativo diário a aplicar ao recorrente nestes autos poderia ser superior ao mínimo legal de € 5,00, montante esse, aliás, habitual em casos como o presente, de exploração de jogos de fortuna ou azar por parte de um comerciante de “café”, e em que o rendimento disponível é de carácter diminuto, daí existindo a verdadeira “necessidade” de, mediante outros meios, como seja a exploração de máquinas deste género, tentarem aqueles prover às despesas;
27. A pena aplicada ao recorrente não é de forma alguma correta e justa, revelando-se, aliás, como exagerada e desproporcionada às exigências de prevenção geral e especial aqui reclamados, não se enquadrando, por isso, de forma alguma, nos princípios legais reguladores da presente matéria, como sejam, os artºs. 40º e 71º do C.Penal;
28. De modo ainda mais acentuado, também o quantitativo diário da pena de multa se revela exagerado, e em clara violação do disposto no artº 47º nº 2 do C.Penal, por se afigurar como absolutamente desproporcional à situação económica e financeira do recorrente e aos seus encargos pessoais, ainda que a mesma seja de aferir no campo “estimativo”, tal qual sucedeu em sede dos rendimentos;
29. Donde, sempre será de concluir que, no caso presente, e atento tudo o exposto, sempre deverá decidir-se pela aplicação de pena substancialmente inferior, na medida em que, da mesma sempre resultarão perfeitamente prosseguidas as exigências de prevenção, resultando daí, por realizadas, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.
30. A douta sentença sob recurso violou os artºs. 2º, 40º, 47º nº2 e 71º nºs. 1 e 2 do C. Penal, 1º, 3º, 4º e 108º, todos do D.L. nº 422/89 de 2 de Dezembro e 18º, 29º e 32º da CRP.
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Na 1ª instância o Mº Público respondeu às motivações de recurso, concluindo pela respetiva improcedência.
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Neste Tribunal da Relação do Porto o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento, salvo no que respeita ao quantitativo diário da pena de multa que, no seu entender, deverá ser reduzido para a quantia de € 5,00.
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Cumprido o disposto no artº 417º nº 2 do C.P.P., veio o recorrente responder nos termos constantes de fls. 285 a 287.
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Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
A sentença sob recurso considerou provados os seguintes factos: (transcrição)
a) «A arguida B… é casada com o arguido C…, o qual explora, desde data não concretamente apurada mas anterior a 25/11/2011, um café denominado “E…”, sito na Rua …, nº …, em …, Gondomar.
b) Este estabelecimento estava licenciado, através da licença de utilização nº …./83, de 8/8/1983, em nome de F… e encontra-se, desde 26/9/2011 em nome da arguida B….
c) No dia 25 de Julho de 2007, pelas 17H:45m, encontrava-se a atender os clientes, no referido café, o arguido C….
d) Na mencionada data encontrava-se em funcionamento, no interior do café, uma máquina de pequenas dimensões, com a designação “D…”
e) Trata-se de um móvel portátil, de várias cores e estrutura em fórmica, tendo na parte frontal um painel protegido por um vidro acrílico. Na parte lateral direita da máquina encontramos o mecanismo de introdução e eventual devolução de moedas rejeitadas.
f) Ao centro do aludido painel situa-se um mostrador circular que se encontra dividido em sessenta e cinco pontos luminosos equidistantes, sendo que, apenas oito estão identificados pelos seguintes números: 1; 50; 2; 100; 5; 20; 200; 10.
g) Ao centro do referido círculo é possível visionar uma janela digital, onde são apresentados os pontos/créditos ganhos em cada jogada.
h) Quando o ponto luminoso pára num dos pontos acima referidos, todo o círculo se ilumina, dando conta que o jogador tem uma jogada premiada, aparecendo de imediato na janela digital já referida o valor dos pontos/créditos ganhos.
i) Ao lado do círculo acima descrito é possível visualizar uma outra janela digital com a inscrição “CRÉDITOS”, que assinala os créditos introduzidos, sendo que uma moeda de 0,50 Euros proporciona 50 créditos, sendo este o valor mínimo para se iniciar uma jogada.
j) Na parte inferior do círculo está instalado um pequeno botão de cor encarnada, que tem como função efetuar jogadas por conta dos pontos ganhos, sendo que cada ponto permite efetuar duas jogadas, ou seja, sendo o valor unitário de cada jogada 0,50€, resulta que o valor de cada ponto será 1€.
k) Na parte lateral esquerda da máquina visualiza-se o cofre protegido por uma fechadura e ainda dois pequenos parafusos metálicos que têm como única função efectuar o reset, ou seja, proceder à desmarcação de créditos de jogadas premiadas.
l) Após a introdução de uma das moedas aceites pela máquina, automaticamente é disparado um ponto luminoso que percorre num movimento circular uniformemente desacelerado os vários orifícios existentes no mostrador, iluminando-os à sua passagem. De seguida e sem que o jogador tenha qualquer interferência, o ponto luminoso inicia o seu movimento giratório animado de grande velocidade que vai perdendo gradualmente até parar ao fim de cinco ou seis voltas, fixando-se aleatoriamente num dos orifícios já mencionados. Neste ponto duas situações podem acontecer: - o orifício em que parou o ponto luminoso corresponde a um dos oito identificados pelos números já referidos e, neste caso, o jogador terá direito aos pontos correspondentes, que oscilam entre 1 e 200, pontos estes que são de imediato visualizados na janela digital acima mencionada; De realçar que por norma os pontos são convertidos em quantias monetárias, à razão de 1€ por cada ponto - o ponto luminoso pára num dos restantes orifícios, sem qualquer referência a pontos, pelo que o jogador não terá direito a qualquer prémio, restando-lhe a hipótese de tentar novamente a sua sorte, introduzindo novas moedas.
m) O jogador pode receber o prémio correspondente aos pontos ganhos, assim como pode também optar por fazer jogadas com esses pontos, acumulados na já referida janela digital. Para o efeito utiliza o botão, situado na parte frontal da máquina, que permite efetuar duas jogadas por cada ponto anteriormente ganho.
n) O ritmo (velocidade) do jogo é significativamente rápido, permitindo a realização de várias jogadas por minuto.
o) O objetivo do jogo consiste em conseguir que o ponto luminoso se imobilize num dos orifícios com direito a prémio, sendo que para tal a intervenção do jogador se limita à introdução de uma moeda no mecanismo existente para o efeito.
p) O jogo acima referido apresenta, como resultados, pontuações que são posteriormente convertidas em dinheiro, à razão de 1€ por cada ponto, sendo certo que estas pontuações são dependentes exclusivamente da sorte, ou seja, o jogador não pode por sua intervenção condicionar o resultado final.
q) Também no dia 24/10/1011, pelas 17h:00, no interior do mencionado café, estava em funcionamento outra máquina/computador, tipo vídeo, sem qualquer inscrição ou designação exterior que a identifique, inserida num móvel com estrutura em contraplacado de madeira. Na parte superior visualiza-se um monitor vídeo, abaixo do qual se encontra uma consola com dois manípulos/joysticks e dez botões.
r) Na parte inferior encontra-se instalado o mecanismo de introdução e eventual rejeição de moedas, que comunica com o cofre.
s) Através da porta localizada na parte posterior acede-se ao mecanismo eletrónico da máquina onde se encontra o computador responsável pela execução das instruções e pelo controlo do sistema, bem como o disco rígido que funciona como suporte dos jogos que a mesma poderá desenvolver.
t) Após ligação à corrente elétrica aparece no ecrã um menu com 4 jogos de diversão, não sendo possível aceder a jogos de fortuna ou azar por falta dos mecanismos de validação, uma vez que este tipo de máquinas bloqueia ao fim de algum tempo de inatividade.
u) Da análise efetuada ao disco rígido da máquina/”Disco Local (D)”, com recurso a software específico, foram identificados os ficheiros fontesh, fontesjo, fontesp e fontess, que contêm imagens que correspondem aos botões/ícones que permitem ao jogador optar por quatro jogos considerados como sendo de fortuna ou azar, sendo três de vídeo-rolos - Pantanal, Halloween, Super Dog – e um de vídeo-poker – Jolly Card,
v) A máquina referida em apreendida na posse do arguido referida em a) desenvolve jogo que em nada depende, quanto aos seus resultados, da inteligência, perícia ou intuição dos jogadores, mas unicamente do acaso/sorte. Sendo que a atribuição dos referidos prémios é feita ao acaso mediante um investimento monetário mínimo de € 1,00, € 2,00 ou € 0,50, com o intuito de ganhar mais do que o inicialmente despendido.
w) Por isso mesmo, tais jogos só podem ser explorados e praticados nos casinos ou zonas de jogo autorizadas, o que não sucede no estabelecimento referido em a).
x) O arguido C… ao promover, consentir e manter, no estabelecimento comercial que explora, a máquina referida em a), permitindo o seu acesso aos jogadores, conhecendo as características do jogo que a mesma desenvolvia; e sabendo que o não podia, nem o devia fazer por constituir crime, tudo com o propósito, concretizado, de ganhar dinheiro, agiu de forma livre, voluntária e consistentemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
y) Não se conhecem antecedentes criminais aos arguidos.
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Foram considerados não provados os seguintes factos: (transcrição)
A arguida explora o café referido em a) e que os lucros da exploração do mesmo revertem para ambos os arguidos.
A máquina referida em q) a t) desenvolvia os jogos Pantanal, Halloween, Super Dog – e um de vídeo-poker – Jolly Card, os quais eram explorados pelos arguidos.
Tal máquina desenvolvia os jogos HALLOWEEN, PANTANAL e SUPER DOG que são jogos de vídeo-rolos cujo objetivo consiste em obter combinações de símbolos premiadas, de acordo com as respetivas tabelas de prémios, dependentes exclusivamente da sorte. O sistema proporciona apostas em várias combinações/linhas. Após decisão do número de créditos que se pretende apostar numa jogada e accionado o “botão” correspondente ao “Iniciar/Start”, as 5 colunas/rolos que se encontram ao centro do ecrã começam a deslizar, simulando o funcionamento de uma máquina do tipo slot machine, sem qualquer ação do jogador, imobilizando-se após alguns segundos, aleatoriamente, podendo ocorrer uma de duas situações: 1 - Os símbolos formam uma determinada combinação premiada, prevista no Plano de Prémios, e o jogador tem direito aos respetivos pontos, que podem ser acumulados ou creditados, sendo-lhe paga a correspondente quantia em dinheiro, em regra, à razão de € 1,00 por cada ponto. 2 - Os símbolos não formam uma combinação com direito a prémio e a jogada termina.
E desenvolvia também o jogo designado “JOLLY CARD” que consiste num vídeo-poker de cartas cujo funcionamento se passa a descrever: No canto superior esquerdo surge, multiplicado em função do número de apostas (Bet), o PLANO de PRÉMIOS, correspondente às diversas combinações premiadas, características do jogo do póquer: Royal Flush; Street Flush; Poker; Full House; Flush; Street; Three of a Kind; 2 Pairs; 2 Kings Or Aces. Os vocábulos “CREDIT” e “BET”, que aparecem no canto superior direito do ecrã, correspondem, respetivamente, aos créditos introduzidos e ganhos, e ao número de apostas que o jogador pretende arriscar em cada jogada. A introdução de créditos pode ser feita introduzindo moedas no dispositivo para o efeito. Decidido o número de apostas a arriscar na jogada e premindo o botão START, os cinco retângulos iniciais são “virados” e aparecem 5 cartas alinhadas, dispostas de forma aleatória, quanto aos naipes (copas, ouros, espadas e paus) e às cartas de cada naipe, dando-se, assim, início ao jogo. O jogador pode, nesta fase e se assim o pretender, fixar (STOP) alguma das cartas através dos botões correspondentes, de modo a tentar obter uma sequência premiada. Utilizando novamente a tecla “START” a jogada prossegue, aparecendo novas cartas em detrimento daquelas que não foram fixadas conduzindo às seguintes situações: 1 - A combinação que saiu não é premiada e a jogada termina; 2 - A combinação que saiu consta do Plano de Prémios e o jogador pode optar por:- ACCREDITO - fazer a coleta dos pontos obtidos;- DOPPIO - duplicar os créditos ganhos fazendo a dobra, isto é, escolher entre uma carta de valor baixo (BASSA - 1 a 6) e uma de valor alto (ALTA - 8 a 13-Rei), sendo o 7 uma carta neutra – não se perde, nem se ganha.
Os arguidos agiram de comum acordo e em comunhão de esforços ao promoverem, consentirem e manterem, no estabelecimento comercial que exploram, as aludidas máquinas, permitindo o seu acesso aos jogadores, conhecendo as características do jogo que as máquinas desenvolviam; e sabendo que o não podiam, nem o deviam fazer por constituir crime, tudo com o propósito, concretizado, de ganhar dinheiro.
A arguida agiu de forma livre, voluntária e consistentemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
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A matéria de facto encontra-se motivada nos seguintes termos: (transcrição)
A prova resultante dos termos evidenciados supra teve por base a análise conjugada dos documentos juntos aos autos, nomeadamente os autos de notícia e apreensão de fls. 3 e 37, e 9 e 39, o relatório dos exames periciais realizado às máquinas apreendidas, o extrato das finanças de fls. 24, as informações da CMG de fls. 25 e 26, e os depoimentos do guarda da GNR, G…, que procedeu à primeira fiscalização, e do inspector da ASAE, H…, que procedeu à segunda fiscalização, os quais confirmaram na sua globalidade o teor do autos de notícia juntos aos autos. O primeiro explicou que viu a máquina de fora do café e entrou no mesmo e fez a fiscalização que teve lugar no dia 25.07.2011, estando a máquina ligada à corrente, tendo sido atendido pelo arguido que ali estava a trabalhar o qual se apresentou como responsável e sempre os acompanhou na fiscalização comportando-se como dono e explorador do estabelecimento, pois que orientou a sua visita e fiscalização pelo estabelecimento, sendo sempre colaborante, tendo inclusivamente facultado a chave da máquina em causa e referiu que desconhecia quem era o proprietário da máquina. O segundo explicou que não se recordava bem da situação e remeteu-se para o que teria relatado no auto de notícia, sendo que o que afirmou em audiência que tentou dizer de memória e sem consultar o auto se revelou diferente do que ali plasmou.
No que concerne ao facto de se considerar que o arguido sabia que o jogo é ilegal, deve-se às regras da experiência que nos indicam que os comerciantes antes de começar a explorar uma atividade se inteiram ou devem inteirar dos procedimentos a tomar e das regras a observar, nomeadamente no que concerne às máquinas e jogos que ali exploram, tanto mais que não identificou o proprietário da máquina porque o seu proprietário também seria responsabilizado por tais factos, e esta não ter qualquer referência quanto à sua propriedade ou origem.
No que concerne à ausência de antecedentes criminais dos arguidos considerou-se o teor dos CRC junto aos autos a fls. 168 e 169.
A formação da convicção do tribunal quanto aos factos não provados resultou da circunstância de nenhuma prova se ter produzido em audiência que tivesse a virtualidade de os afirmar.
Quanto ao facto da arguida F… não explorar o estabelecimento em causa e por via disso as máquinas ali encontradas, o tribunal teve em consideração que à data do primeira fiscalização referida na acusação pública a licença de utilização do café ainda não estava em nome da arguida, sendo certo que por outro lado em ambas fiscalizações quem estava a atender o público era o arguido que se apresentou aos agentes fiscalizadores como explorador do café, isto apesar do inspetor H… ter dito o contrário, o que se trata claramente de um equívoco deste pois que diz confirmar o teor do auto de notícia que relata perfeitamente o inverso.
No que concerne ao facto de se considerar que da máquina referida em q) a t) não se explorava os jogos de jogo de fortuna ou azar Pantanal, Halloween, Super Dog – e um de vídeo-poker – Jolly Card, muito embora resulte provado que se encontrou alusão aos mesmos no disco rígido encontrado na máquina que indicia que se podia aceder a tais tipos de jogos, tem-se em consideração que na verdade jamais se acedeu a tais jogos de fortuna e azar que se desenvolvesse naquela máquina, sendo que por outro, aquando da fiscalização tais jogos também nunca foram jogados pelos senhores agentes, pelo que, existe apenas uma suspeita que na mesma se pudesse explorar aqueles outros jogos de fortuna e azar, a qual por inerência permite afirmar a existência de uma dúvida séria de que tal tenha efetivamente sucedesse, a qual, atento o basilar principio da prova do in dubio pro reu, sempre deverá ser decidida a favor dos arguidos.»
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III – O DIREITO
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar[1], sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do C.P.P.[2].
Assim, as questões suscitadas pelo recorrente prendem-se com o enquadramento jurídico-penal dos factos provados e com a determinação da medida da pena, designadamente quanto ao montante diário da pena de multa aplicado na decisão recorrida.
O arguido foi condenado pela prática de um crime de exploração ilícita de jogo, conduta p. e p. pelo artigo 108º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro[3].
O crime de exploração ilícita de jogo, previsto no art. 108.º, n.º 1 do Dec.-Lei n.º 422/89, na redação introduzida pelo Dec.-Lei n.º 10/95, designada por Lei do Jogo, pune “Quem, por qualquer forma, fizer a exploração ilícita de jogos de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados …”.
A definição legal de jogos de fortuna ou azar encontra-se no art. 1.º desta Lei do Jogo, considerando-se como tal “aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte”.
Mediante este ilícito pretende-se acautelar a integridade das explorações dos jogos de fortuna e azar, circunscrevendo-as a zonas devidamente autorizadas.
Trata-se de um tipo totalmente aberto, cujo núcleo central corresponde a uma autêntica cláusula geral, que tem vindo a suscitar sérias dificuldades interpretativas, quando se pretende distinguir este ilícito criminal dos ilícitos contra-ordenacionais que correspondem a modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar e outras formas de jogo quando estas não se encontrem autorizadas, da previsão do art. 159.º e 160.º.
Para o efeito, convém ter presente que neste art. 159.º, consideram-se como modalidades afins “as operações oferecidas ao público em que a esperança de ganho reside conjuntamente na sorte e perícia do jogador, ou somente na sorte, e que atribuem como prémios coisas com valor económico”.
Como se refere no Ac. desta Relação do Porto de 21.05.2008[4] e nos dá conta o Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 4/2010[5] do Supremo Tribunal de Justiça, a jurisprudência não tem sido uniforme ao estabelecer os critérios diferenciadores destes ilícitos criminal e contra-ordencional, os quais passariam:
a) pelo carácter totalmente aleatório do resultado, considerando-se como exploração ilícita de jogo de fortuna ou azar, partindo-se essencialmente da definição legal do art. 1.º, todo aquele que dependa essencialmente do acaso e da sorte do jogador, de modo que este não tem qualquer possibilidade de influenciar ou condicionar o correspondente resultado – Ac. R. E. de 1999/Out./12 [CJ IV/296], Ac. R. P. de 1995/Mai./24 [CJ III/259], 2000/Mar./13 [CJ I/249, II/244] e mais recentemente os de 2007/Fev./21, 2007/Set./26 e 2008/Fev./27;
b) pela natureza pecuniária dos prémios atribuídos, de modo que, atento o preceituado no art. 4.º, n.º 1, al. g) e 161.º, n.º 3, parte final, da Lei do Jogo, quando tais prémios consistissem em dinheiro ou em fichas convertíveis em moeda corrente, estar-se-ia perante um ilícito criminal, ao passo que se apenas houvesse a atribuição de prémios de outra natureza, já haveria um ilícito de mera ordenação social – Ac. da R. E. de 2007/Fev./13 [CJ I/258], R. L. de 2007/Fev./07, R. C. de 2008/Abr./09;
c) pelo tipo das operações oferecidas ao público, considerando-se como modalidades afins, atento o disposto no art. 159.º, n.º 1 e a enumeração exemplificativa do seu n.º 2, aquelas que correspondem a uma interpelação ou promoção direta junto do público, enquanto que no crime de jogo de fortuna ou azar este é colocado em estabelecimentos pré-determinados – Ac. R. Porto de 1997/Fev./05 [CJ I/249], 2000/Abr./26 [CJ II/240].
d) pela pré-determinação do subsequente prémio, considerando-se como modalidades afins aquelas operações em que o prémio está pré-fixado e se dirija a um número indeterminado de pessoas, pois caso contrário tratar-se-á de uma exploração ilícita de jogo de fortuna ou azar – Ac. R. E de 1990/Nov./06 [CJ V/276], Ac. R. L. de 1990/Nov./06 [CJ V/276] Ac. R. C de 2007/Mai./16;
e) pela temática do jogo ou pela natureza dos prémios, considerando-se crime a exploração de máquinas que desenvolvam temas próprios de jogos de fortuna ou azar, independentemente do pagamento de qualquer prémio ou então aquelas que não desenvolvendo jogos com esses temas atribuem prémios em dinheiro ou convertíveis em dinheiro, situando-se fora desta descrição as modalidades de jogo afins, ainda que o seu resultado dependa exclusiva ou fundamentalmente da sorte – Ac. R. L. de 2007/Out./10; Ac. STJ de 2007/Nov./28 [CJ III/256].
f) pela temática do jogo, considerando-se apenas como jogos de fortuna ou azar aqueles cuja exploração está reservada aos casinos, pelo que apenas haveria crime de exploração desses jogos quando os mesmos fossem efetuados fora das zonas concessionadas – Ac. R. L. de 2005/Out./26 [CJ IV/147].
Entretanto, no que respeita a determinado tipo de máquinas, o AFJ nº 4/2010, veio fixar jurisprudência no sentido de que "Constitui modalidade afim, e não jogo de fortuna ou azar, nos termos do artigo 159º, nº 1, 161º, 162º e 163º do Decreto-Lei nº 422/89 de 2 de Dezembro, na redação do Decreto-Lei nº 10/95 de 19 de Janeiro, o jogo desenvolvido em máquina automática na qual o jogador introduz uma moeda e, rodando um manípulo, faz sair de forma aleatória uma cápsula contendo uma senha que dá direito a um prémio pecuniário, no caso de o número nela inscrito coincidir com algum dos números constantes de um cartaz exposto ao público.
E este acórdão realça que: «o problema reside, portanto, em saber qual o critério a adotar para a distinção dos jogos em máquinas que devem ser considerados ilícito criminal, daqueles que devem ser considerados como ilícito contra-ordenacional. […] O critério para se distinguirem os dois tipos de ilícito – ilícito criminal e ilícito de mera ordenação social – não pode deixar de ser material, no sentido de que se há-de partir das próprias categorias legais, em que assumem, quanto aos tipos legais de crime, relevo especial, na respetiva interpretação, o critério teleológico, fundamentalmente ligado à proteção de um bem jurídico, como expressão do princípio da legalidade, não só na sua feição formal, mas também na sua vertente material (nullum crimen sine lege, certa et prior) e a que estão associados princípios de matriz constitucional tão importantes como os da dignidade penal, de carência de pena e de máxima restrição penal. Destes princípios decorre que, traduzindo-se a estatuição da pena numa limitação mais ou menos grave da liberdade, a sanção só se justifica quando esteja em causa a necessidade de proteção de um relevante valor com ressonância ético-social, prévio à constituição do tipo legal de crime, ao contrário do que sucede com as contra-ordenações, que são ético-socialmente indiferentes e em que a ilicitude deriva da valoração delas pela lei como proibidas, dando origem a uma sanção de carácter não penal – uma coima. Daí que as sanções penais, enquanto atentam contra o direito fundamental à liberdade, devem limitar-se ao mínimo imprescindível para garantir a paz na vida em comunidade.
Uma das realizações do princípio da legalidade é a da definição, tanto quanto possível precisa, dos respetivos elementos do tipo legal de crime, uns dizendo respeito ao tipo objetivo do ilícito e outros, ao tipo subjetivo, pois o tipo legal de crime tem uma função de garantia dos direitos individuais das pessoas, devendo estabelecer com a máxima objetividade a conduta ou omissão que são valoradas como proibidas.
A definição do tipo legal de crime implica, por consequência, a concretização do princípio da máxima determinabilidade, ou seja, de um certo grau de determinação dos respetivos elementos, definição que, por isso, não pode ser tão genérica, que corresponda praticamente a uma indeterminação, nem tão particularista ou casuística, que dissolva na profusão de elementos o que deve ser tido como essencial. Daí que, muitas vezes, o legislador combine elementos generalizadores com elementos concretizadores, nomeadamente por meio do emprego da técnica de exemplos-regra ou exemplos-padrão. Quanto mais grave for a sanção estabelecida, maior determinação se exige na definição dos elementos do tipo legal, em obediência estrita ao princípio da legalidade, que tem ínsito nas suas implicações o princípio constitucional e, portanto, material, da proporcionalidade. O grau de exigência desta determinação é maior na definição dos tipos legais de crime, do que nos tipos contra-ordenacionais.
Uma outra consequência importante do princípio da legalidade é o de que a norma incriminadora deve ser interpretada restritivamente (odiosa restringenda), ao menos quando haja dúvida séria e firme sobre o seu sentido, e de que o direito penal não tem lacunas, forma uma ordem jurídica completa, na medida em que só as ações ou omissões nela previstas são puníveis, não sendo lícito punir outras condutas omissivas ou ativas pelo recurso à analogia (Cf. sobre toda esta problemática FARIA COSTA, «Construção E Interpretação Do Tipo Legal De Crime à Luz Do Princípio Da Legalidade: Duas Questões Ou Um Só Problema?», Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 134, n.º 3933 (1 de Abril de 2002), pp. 354 e ss. e JOSÉ DE SOUSA E BRITO, «A Lei Penal Na Constituição», Estudos Sobre A Constituição, Livraria Petrony 1978, 2.º Vol., pp. 197 e ss.).

Como vimos, a lei (art. 1.º e 4.º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro,
na redacção do Decreto-Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro), na definição de jogos de fortuna ou azar, combina precisamente uma fórmula generalizadora (art. 1.º) com a técnica exemplificativa (art. 4.º). Por meio da primeira, define os jogos de fortuna ou azar como sendo «aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte»; por meio da segunda, tipifica exemplificativamente esses jogos nas suas diversas alíneas (vários jogos bancados, concretamente determinados – alíneas a) a d); jogos não bancados, também concretamente determinados – alínea e) e jogos em máquinas (alíneas f) e g).
No que respeita a estes últimos, mencionam-se os «jogos em máquinas pagando diretamente prémios em fichas ou moedas» (alínea f) e «jogos em máquinas que, não pagando diretamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte» (alínea g).
A caracterização dos jogos de fortuna ou azar é essencial para a distinção entre os tipos de ilícito criminal e as denominadas “modalidades afins”. Ora, tendencialmente, os jogos de fortuna ou azar, de resultado contingente, por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte, segundo a formulação genérica do art. 1.º, são os que estão especificados no art. 4.º, n.º 1. […] Ora, o que a redação do preceito inculca é que os diversos tipos de jogos considerados como de fortuna ou azar e que são autorizados nos casinos são os que estão especificados na lei, embora outros possam vir a ser igualmente autorizados, por apresentarem características análogas. […] Por conseguinte, não obstante exemplificativa a especificação dos jogos de fortuna ou azar constante da lei, ela é tendencialmente completa e comporta uma certa rigidez, como é próprio de um tipo legal de crime, que é um tipo de garantia.
Todas as modalidades de jogos que não correspondam às características descritas e especificadas nos referidos artigos 1.º e 4.º do Decreto-Lei n.º 422/89, na redacção do Decreto-Lei n.º 10/95, embora os seus resultados dependam exclusiva ou fundamentalmente da sorte, revertem para as modalidades afins.
No caso das máquinas de jogos, só são de considerar como jogos de fortuna ou azar:
- os jogos em máquinas pagando diretamente prémios em fichas ou moedas;
- os jogos em máquinas que, não pagando diretamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte.
[…] Ora, os jogos nas máquinas automáticas em causa nos acórdãos em conflito, se apresentavam resultados que dependiam exclusiva ou fundamentalmente da sorte, não desenvolviam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar, nem pagavam diretamente prémios em fichas ou moedas. Por conseguinte, não podiam ser enquadradas em qualquer dos tipos de jogos de fortuna ou azar praticados em máquinas automáticas, tal como descritos nas referidas alíneas f) e g) do n.º 1 do art. 4.º do Decreto-Lei n.º 422/89, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 10/95, revertendo, antes, para as modalidades afins referidas no art. 159.º, pois constituem uma espécie de sorteio por meio de rifas ou tômbolas mecânicas.
É certo que os referidos jogos proporcionavam também prémios em coisas com valor económico e em dinheiro, ou só em dinheiro, mas tal circunstância, se não é permitida pelo art. 161.º, n.º 3 do referido diploma legal, também não é suficiente, por si só, para integrar a «específica configuração em que está definido o pagamento de prémios (pagamento direto em fichas ou moedas) nos jogos de fortuna ou azar», como se diz no acórdão-fundamento. Como vimos atrás, o tipo legal de crime é dotado de uma certa rigidez, que o constitui como tipo de garantia, sendo essa precisamente uma das manifestações do princípio da legalidade. Assim, aquela circunstância não retira aos jogos em causa a natureza de modalidade afim.
Acresce que a tutela penal adscrita à proibição dos jogos de fortuna ou azar fora dos locais autorizados encontra fundamento, como se viu, em valores de relevante ressonância ético-social, nomeadamente pelos efeitos devastadores a nível social, familiar, económico e laboral, com incremento de criminalidade grave, não só de carácter patrimonial, mas também de carácter pessoal (vida, integridade física, ameaça, coação) que a dependência de jogos de grande poder aditivo e potenciação de descontrole pode acarretar.
Tal não sucede relativamente aos jogos em máquinas automáticas que funcionam como espécies de rifas ou tômbolas mecânicas, em que o que se arrisca assume dimensão pouco significativa, pois a expetativa é limitada ou predefinida e o impulso para o jogo tem de ser renovado em cada operação, ao contrário do que sucede com os jogos de casino, mesmo em máquinas, possibilitando uma série praticamente ilimitada de jogadas, numa espécie de encadeamento mecânico e compulsivo, em que o jogador corre o risco de se envolver emocionalmente».

No caso em apreço, atenta a natureza e características da máquina apreendida ao arguido e examinada a fls. 83 a 85, apenas poderiam estar em causa, os jogos descritos nas als. f) e g), do n.º 1 do citado art. 4.º, da Lei do Jogo.
Para o efeito, importa que se trate de uma máquina, considerando-se como tal qualquer aparelho, automático, mecânico, eléctrico ou electrónico, não sendo integrável neste conceito os painéis expositores de produtos, como é o caso daqueles que correspondem à exposição de chocolates ou cujos brindes estejam aí fixados.
Por sua vez, o funcionamento desse aparelho, enquanto jogo de fortuna ou azar, deverá corresponder a um ato de jogar fundamentalmente dependente da sorte, em que existe uma total indefinição e desproporção entre aquilo que se arrisca e o resultado que se pode vir a obter (prémio).
No que concerne ao prémio a atribuir, este deverá corresponder a moedas ou a fichas que possam ser cambiadas por dinheiro, o que não se verifica no caso em apreço, como facilmente resulta da matéria de facto provada.
Relativamente ao tema do jogo, deverá a máquina desenvolver um tema próprio dos jogos de fortuna ou azar ou seja, deverá corresponder a um ato de jogar, tal como o definimos anteriormente.
Como se pode constatar, através da descrição constante do relatório pericial de fls. 83 a 85, mediante a introdução de uma moeda de € 0,50, € 1,00 ou € 2,00, é disparado automaticamente um ponto luminoso no painel frontal, que percorre num movimento circular, uniformemente desacelerado, os vários orifícios existentes no mostrador, iluminando-os à sua passagem. De seguida, e sem qualquer interferência do jogador, o ponto luminoso vai perdendo gradualmente velocidade, até parar, fixando-se aleatoriamente num dos orifícios mencionados. Se esse ponto corresponder a um dos orifícios identificados pelos números 1, 50, 2, 100, 5, 20, 200 e 10, o jogador ganha a quantia correspondente à conversão de cada ponto por € 1,00; se parar num dos restantes orifícios, o jogador não tem direito a qualquer prémio.
Pela presente descrição se conclui que o “jogo” desenvolvido pela máquina não corresponde a qualquer dos temas próprios dos jogos de fortuna ou azar, sendo antes uma modalidade afim destes jogos.
Aliás e para sermos mais impressivos, podemos afirmar que este tipo de máquinas não tem qualquer correspondência com nenhuma existente nos casinos, antes pelo contrário.
A intenção do legislador, passa pelo entendimento de se considerar que os jogos que dependem essencialmente do acaso e da sorte do jogador, são aqueles em que este não tem qualquer possibilidade de influenciar ou condicionar o resultado do respetivo jogo.
Poder-se-á definir um jogo de fortuna ou azar como aquele em que o domínio de um evento desencadeado ou induzido pela ação humana escapa à capacidade de controle e de previsão muito provável de que a uma causa sucede um determinado efeito desde que cumpridos e induzidos factores certos e conjugados. Isto é, a uma causa objetivamente estruturada com factores e elementos pré-determinados e empiristicamente testados não se segue necessária e inevitavelmente o efeito pretendido e motivado.
A concetualização bipolar utilizada pelo legislador, “fortuna ou azar”, colhe o seu fio identificador e a argamassa uniformizadora dos conceitos na definição de acaso. Afinal tanto para a fortuna como para o azar experienciados na álea do jogo intervém o factor acaso ou uma probabilidade indeterminada e não controlada da parte de quem introduz o elemento desencadeador, no caso das máquinas utilizados neste tipo de jogos, uma moeda ou peça equivalente.
Retomando o caso que nos ocupa, e considerando a matéria de facto que o tribunal recorrido considerou provada, verifica-se que, introduzida uma moeda com o valor facial de € 0,50, € 1,00 ou € 2,00, a máquina desenvolve um mecanismo circular, podendo vir a imobilizar-se num dos pontos numerados, que correspondem ao prémio a atribuir em equivalente monetário. Contudo, caso se imobilize num dos restantes pontos, o jogador não tem direito a prémio algum.
Poder-se-á questionar se o valor do prémio é correspondente ao valor da moeda introduzida. Certamente não será. E, como se vê, a máquina não corresponde sempre com um prémio ao estímulo ou impulso desencadeador do jogo. A incerteza no resultado ou na obtenção de um prémio aleatório, no sentido de descontinuado e ponteado de hiatos no desenvolvimento normal do jogo, e com uma distribuição aleatória compõe a característica estrutural da máquina em questão. Essa descontinuidade na atribuição de um prémio atribui à máquina apreendida a natureza de “fortuna ou azar”, tal como, em nossa opinião, deve ser interpretado o conceito ínsito no artigo 1º do Decreto Lei nº 422/89, de 2.12.
Convém ainda realçar que, exceptuados os casos de pura diversão – a incluir no conceito de “máquinas de diversão” ou de convívio pessoal, familiar ou social (ou seja, fora da esfera “pública”) – o que está em causa nos “jogos de fortuna ou azar” é a aposta, o ganho, o prémio. A perspetiva de, apostando pouco, ganhar muito. Por isso se chamam “jogos de fortuna ou azar”. Fortuna para o ganho (existência de prémio). Azar para a perda (ausência de prémio).
Não é, pois, compaginável um “jogo de fortuna ou azar” sem que se perspetive a possibilidade de ganho. Este só tem significado se reportado à natureza do prémio. Sem o prémio não há apelo à aposta e ao jogo.
Quanto à natureza do prémio, verifica-se que o mesmo corresponde a dinheiro, embora a própria máquina não faça a respetiva atribuição “direta”, sabendo o jogador antecipadamente que o mesmo só pode oscilar entre € 1,00 e € 200,00.
Ou seja: apesar de o jogo em causa depender exclusivamente da sorte, o certo é que, também previamente, o jogador sabia que o prémio que iria receber era necessariamente variável entre € 1,00 e € 200,00.
Para além de o tema do jogo não se assemelhar ao promovido noutra espécie de máquinas que desenvolvem temas próprios dos jogos de fortuna ou azar (cf. art. 4 nº 1-g) do citado diploma legal), o prémio não era pago diretamente pela máquina em “fichas ou moedas” (cf. art. 4 nº 1-f) do mesmo diploma legal)[6].
Mas constituirá a atribuição de prémios em dinheiro, ainda que não diretamente através da máquina, condição sine qua non para a qualificação do jogo como de fortuna ou azar?
Segundo o Ac. Rel. Coimbra de 02.02.2011[7] ao apelar à atribuição de prémios em dinheiro, imediatamente ou através da substituição de fichas ou pontos, “a ideia que está na base dos termos utilizados tem a ver com o acréscimo de compulsividade que a atribuição de fichas e de pontos confere ao jogo, o mesmo acontecendo com as moedas. Com efeito, quer as moedas quer as fichas podem ser imediatamente utilizadas para que o jogador continue indefinidamente o jogo, funcionando a atribuição de pontuações que se vão somando do mesmo modo. Mas tal ocorre porque o que caracteriza tais jogos, embora a lei não o diga, é a natureza indefinida do prémio e a possibilidade de num percurso intermédio o jogador perder tudo o que havia ganho”.
Já nas modalidades afins a que alude o artº 159º da Lei do Jogo, tal não acontece. Na verdade, nas rifas, tômbolas, sorteios, concursos publicitários, concursos de conhecimentos e passatempos, a determinação prévia do prémio a que o jogador se pode habilitar gera um elemento de compulsividade menor.
Daí que, de acordo com o citado aresto, nenhum jogo que tenha os prémios previamente definidos, ainda que atribua prémios em dinheiro ou desenvolva temas de jogos de fortuna ou azar, integra a classificação de jogos de fortuna ou azar e pode a sua exploração constituir crime.
Também no Ac. Rel. Évora de 31.05.2011[8] se entendeu que “o que caracteriza as modalidades afins e as distingue dos jogos de fortuna ou azar é a premeditação do respetivo prémio, a que acresce a pequena dimensão daquilo que o jogador arrisca, que até pode ser pura e simplesmente insignificante.
No caso dos presentes autos, a máquina apreendida e examinada é idêntica (quer nos valores a introduzir - € 050, € 1,00 ou € 2,00 -, quer quanto aos prémios a atribuir – variáveis entre € 1,00 e € 200,00) às máquinas sobre as quais se debruçaram os acórdãos supra referidos e cujo entendimento aqui vimos seguindo, sendo inclusivamente esta a tese imanente ao Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 4/2010.
Como se escreve neste AFJ “Acresce que a tutela penal adstrita à proibição dos jogos de fortuna ou azar fora dos locais autorizados encontra fundamento, em valores de relevante ressonância ético-social, nomeadamente pelos efeitos devastadores a nível social, familiar, económico e laboral, com incremento de criminalidade grave, não só de carácter patrimonial, mas também de carácter pessoal (vida, integridade física, ameaça, coacção) que a dependência de jogos de grande poder aditivo e potenciação de descontrole pode acarretar. Tal não sucede relativamente aos jogos em máquinas automáticas que funcionam como espécies de rifas ou tômbolas mecânicas, em que o que se arrisca assume dimensão pouco significativa, pois a expetativa é limitada ou predefinida e o impulso para o jogo tem de ser renovado em cada operação, ao contrário do que sucede com os jogos de casino, mesmo em máquinas, possibilitando uma série praticamente ilimitada de jogadas, numa espécie de encadeamento mecânico e compulsivo, em que o jogador corre o risco de se envolver emocionalmente”.
O tipo de máquina em causa nos presentes autos, bem como o “jogo” que desenvolvia da forma descrita - cujo resultado dependia exclusivamente da sorte nos termos acima indicados e não da perícia do jogador - como é claro não se integra em qualquer dos tipos de “jogos de fortuna ou azar” previstos no artigo 4º do cit. DL nº 422/89 (nem a qualquer deles se equipara).
Por outro lado, considerando o seu modo de funcionamento, valores da respetiva “aposta” e prémios que atribuía, fácil se torna concluir que se está perante máquina que desenvolve uma “modalidade afim”, tal como definida no art. 163º nº 1, por referência aos arts. 159º, 160º nº 1 e 161º do cit. DL nº 422/89, pelo que a sua exploração nos moldes descritos na decisão recorrida, não integra a prática do crime imputado ao arguido.
Como tal, corresponde a um ilícito contra-ordenacional, p. e p. pelo artigo 159º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 02 de Dezembro.
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Tendo chegado à conclusão de que a atividade ilícita do arguido consubstancia, não um crime, mas um ilícito de mera ordenação social, impõe-se a determinação da coima – artº 77º nº 1 do RGCC, sendo certo que, correspondendo o limite máximo da coima aplicável a € 2.493,99 (artº 163º nº 1 da Lei do Jogo), o procedimento contra-ordenacional ainda se não encontra prescrito. Com efeito, considerando a data da prática dos factos – 25.07.2011 - e o disposto no artº 27 al. b) do Dec-Lei nº 433/82, na redação introduzida pela Lei nº 109/2001, a prescrição só se completará em 25.07.2016 (cfr. artºs. 27º-A nº 2 e 28º nº 3 do mesmo diploma).
Contudo, verifica-se que a decisão recorrida padece do vício previsto no artº 410º nº 2 al. a) do C.P.P., de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, na medida em que o tribunal não curou de apurar factos imprescindíveis à obtenção de uma decisão justa, designadamente acerca da situação económico-financeira e condições pessoais do arguido, impondo-se o reenvio do processo para novo julgamento.
Como se sabe, tal vício consiste na insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito. A matéria de facto provada não permite uma decisão de direito, necessitando ser completada. A insuficiência deve existir internamente, dentro da própria sentença ou acórdão. Tem de se verificar matéria de facto insuficiente para a decisão por haver lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito[9].
Volvendo ao caso em apreço verifica-se, com efeito, que a matéria de facto provada é omissa quanto às condições pessoais do arguido e respetiva situação económico-financeira, circunstâncias imprescindíveis para a determinação da coima e cuja falta impossibilita a sua determinação por este Tribunal de recurso.
Como se disse, o vício da insuficiência da matéria de facto para a decisão (entendida esta como a decisão justa que devia ter sido proferida, e não como a decisão que efetivamente foi proferida[10]) existe quando os factos provados são insuficientes para justificar a decisão proferida, ou seja, “quando, através dos factos dados como provados, não sejam logicamente admissíveis as ilações do tribunal a quo, não estando, porém, definitivamente excluída a possibilidade de as tirar”[11], admitindo-se, num juízo de prognose, que os factos que ficaram por apurar, caso tivessem sido averiguados pelo tribunal "a quo" através dos meios de prova disponíveis, teriam sido dados como provados, determinando uma alteração da qualificação jurídica da matéria de facto, ou da medida da pena ou de ambas[12]. Para a ocorrência deste vício, “é necessário que a matéria de facto dada como provada não permita uma decisão de direito, necessitando de ser completada”[13].
Há assim que ordenar o reenvio do processo para novo julgamento, com produção de prova suplementar, restrito ao apuramento das questões supra referidas e subsequente prolação de nova sentença – artº 426º nº 1 e 426º-A do C.P.P., que imponha ao arguido a coima adequada, dentro da moldura abstrata prevista no artº 163º da Lei do Jogo.
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*
IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação do Porto em:
a) Conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido C…, condenando-o pela prática da contra-ordenação prevista no artº 163º do do Dec-Lei nº 422/89 de 02.12, na redação introduzida pelo Dec-Lei nº 10/95 de 19.01;
b) determinar o reenvio parcial do processo para novo julgamento, nos termos dos artºs. 426º nº 1 e 426º-A do C.P.P:, restrito à questão da determinação da coima aplicável, com produção da prova considerada necessária, nos termos supra referidos e prolação de nova sentença.
Sem tributação.
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Porto, 11 de Dezembro de 2013
(Elaborado e revisto pela 1ª signatária)
Eduarda Lobo
Alves Duarte
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[1] Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada).
[2] Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/95.
[3] Diploma, entretanto, alterado pela Lei n.º 28/2004, de 16 de Julho, e pelo Decreto-Lei n.º 40/2005, de 2 de Dezembro.
[4] Relatado pelo Sr. Desemb. Joaquim Gomes, disponível em www.dgsi.pt e que aqui seguiremos de perto.
[5] Publicado no DR Iª Série de 8.3.2010.
[6] Ibidem.
[7] Proferido no Proc. nº 21/08.5FDCBR.C2, rel. Pilar de Oliveira, disponível em www.dgsi.pt.
[8] Proferido no Proc. nº 100/07.6TACCH.E1, rel. Alves Duarte, disponível em www.dgsi.pt
[9] Cfr. Germano M. Silva, ob. cit., Vol. III, pág. 335.
[10] cfr. Ac. STJ de 13/5/98, CJ, Acs. do STJ, t. II, pág. 199.
[11] Tolda Pinto, A Tramitação Processual Penal, 2ª ed., pág. 1035.
[12] Cfr. Simas Santos e Leal Henriques, Código de Processo Penal anotado, 2ª ed., págs. 737-739.
[13] Germano Marques da Silva, ob. cit., pág. 334.