Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0315263
Nº Convencional: JTRP00036065
Relator: ÂNGELO MORAIS
Descritores: FRAUDE SOBRE MERCADORIA
CONTRAFACÇÃO DE MARCA
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
ERRO NA APRECIAÇÃO DAS PROVAS
ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
Nº do Documento: RP200401070315263
Data do Acordão: 01/07/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: T J BRAGANÇA 2J
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.
Área Temática: .
Sumário: Comete, em concurso real, o crime de contrafacção e uso ilegal de marca e o crime de fraude sobre mercadorias, quem pretendia vender artigos de marca contrafeita, conhecendo a natureza desses artigos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam, em audiência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

No proc. comum singular nº ../.., do -° Juízo da comarca de....., em que são arguidos “A......, LDA. E VÍTOR....., foi proferida a seguinte decisão:
«Face ao exposto, julgo a acusação púbica procedente e, em consequência, condeno, como autores materiais de dois crimes p. e p. pelo art°. 23°, n° l, al. a) e c) do Dec. Lei n° 28/84 de 20/01 e 264°, n° 2 do C.P.I., em concurso efectivo e na forma consumada:
A) O arguido Vítor....., na pena de 90 (noventa) dias de prisão, substituída por igual tempo de multa e 40 (quarenta) dias de multa, à taxa diária de 10 (dez) euros, quanto ao crime de fraude sobre mercadoria;
B) O arguido Vítor....., na pena de 40 (quarenta) dias de multa, à taxa diária de 10 euros, quanto ao crime de uso fraudulento de marcas;
C) Em cúmulo, operado com as penas referenciadas em A) e B), na pena única de 120 (cento e vinte) dias, à taxa diária de 10 (dez) euros, num total de 1.200 (mil e duzentos euros) euros;
D) A arguida “A......, Lda” nas penas parcelares de 40 (quarenta) dias de multa, à taxa diária de 50 (cinquenta) euros e na pena única, derivada da efectivação de cúmulo jurídico, de 60 (sessenta) dias de multa, a igual taxa, no valor global de 3.000 (três mil euros) e, solidariamente nas penas referenciadas em A) e C) (Artº. 2°, n° 3 do Dec. Lei 28/84 de 20/01».

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Inconformado com tal decisão, dela interpôs recurso o arguido VÍTOR....., que remata a sua motivação com as seguintes conclusões:
«1°- Incide o presente recurso sobre matéria de facto.
2º - Enferma a Douta sentença recorrida, e salvo o devido e merecido respeito, de várias contradições e ilegalidades.
3°- Os pontos de facto incorrectamente julgados foram, entre outros:
a) Considerar que a firma arguida e consequentemente o arguido não tinham autorização para produzir material com a marca Adidas e Quiksilver;
b) ter considerado que o material apreendido da marca Adidas e Quiksilver era todo igual,
c) pelo que não foram sujeitas à peritagem 56 peças da marca Adidas e 184 da marca Quiksilver;
d) assim sendo o Tribunal não poderia ter-se pronunciado sobre tais artigos igualmente apreendidos;
e) O arguido não chegou a vender o material apreendido, mas tão só limitou-se a tentar vender.
f) O arguido não induziu em erro o potencial comprador sobre o material em causa, pois este sabia que se tratava de restos de colecções já antigas.
4- Ora, compulsando as gravações dos depoimentos prestados em sede de audiência de discussão e julgamento, parece-nos que estamos perante uma efectiva insuficiência de prova para a decisão de facto proferida e para a formulação da decisão e sentença que veio a ser propalada.
5- Perante este contexto, nunca o arguido e, consequentemente a pessoa colectiva de que este era representante legal, poderia ter sido condenado pela prática dos crimes de que vem acusado, pois resultando sérias dúvidas sobre a imputação dos crimes ao agente, a decisão da sentença só poderia ser absolutória.
6- A sentença condenatória consubstancia, entre outras, uma clara violação do princípio in dubio pro reu.
7- A verdade é que o Tribunal a quo terá ultrapassado o que os elementos de prova lhe permitiam, e o que os próprios factos provados (mesmo aqueles com que não concordamos e que acima elencamos) lhe permitiam concluir.
8 - Deve ser dado PROVIMENTO ao presente recurso, sendo em consequência:
a) Revogada a sentença ora recorrida e, sequentemente, anulado o julgamento efectuado na 1ª instância;
b) Caso assim não se entenda deverá a pena aplicada ser revista, atendendo ao facto de arguido não ter consumado a prática dos crimes de que vem acusado, devendo apenas ser punido pela tentativa.»
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Na sua exaustiva resposta, o Ministério Público opina pela total improcedência do interposto recurso.
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Nesta Instância, o Senhor Procurador Geral Adjunto, em seu douto parecer, adere à resposta do Ministério Público no tribunal recorrido, sufragando a total improcedência do recurso.
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Cumprido o disposto no art° 417° n°2 do CPP, o arguido reitera as suas conclusões.
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Colhidos os legais Vistos, cumpre decidir, atenta a fundamentação e motivação da sentença sob censura, que se transcreve seguidamente:

«Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos:
O arguido foi sócio gerente da firma “A....., Ldª”, com sede em....., que exercia a actividade de confecção e fabrico de artigos de vestuário, nomeadamente, malhas, competindo-lhe, além do mais, em nome, por conta e no interesse da sociedade, decidir e orientar sobre os processos de produção e comercialização.
No dia 27/09/01, pelas 17h30m, no IP.., o arguido circulava ao volante do veículo de mercadorias de matrícula ..-..-JG, marca “Ford Transit”, fruída no sistema de leasing pela sociedade em causa.
No cruzamento de....., nesta comarca, o arguido foi interceptado por patrulha da Brigada Fiscal, da GNR de....., com vista à realização de acção de fiscalização.
Realizada a diligência, os agentes detectaram no veículo, misturadas num lote de 2.392 peças de malha, diversas camisolas de lã, de marca, em condições que motivaram a suspeita de que se tratava de mercadoria contrafeita.
Em conformidade, a Brigada Fiscal procedeu à apreensão de:
- 545 camisolas de lã ostentando a marca “Billabong”, no valor de 5.450.000$00;
- 185 camisolas de lã ostentando a marca “Quiksilver”, no valor de Esc.: 1.850.000$00
- 58 camisolas de lã ostentando a marca “Adidas” no valor de Esc.: 580.000$00;
Submetidos aos competentes exames periciais, apurou-se que tais artigos de marca “Quiksilver” e “Adidas” não eram originais, não sendo provenientes do fabrico ou do comércio dos titulares das respectivas marcas, nem de outra autorizada, sendo, no entanto, susceptíveis de induzirem em erro os consumidores, mormente, em virtude dos sinais figurativos e nominativos bordados e apostos nos mesmos, semelhantes aos dos originais.
Da marca “Quiksilver”:
Os bordados/estampados são imperfeitos e de qualidade muito rudimentar;
A qualidade dos materiais/tecidos empregues são bastante inferiores aos originais;
As peças não fazem parte de qualquer colecção apresentada pela marca;
O tamanho das peças não corresponde ao que a marca costuma usar;
As etiquetas da gola, composição e lavagem não correspondem aos que a marca costuma utilizar;
Da marca “Adidas”:
Os artigos não fazem parte de nenhuma colecção da marca;
Os modelos não são originais;
As peças não ostentam as etiquetas estampadas com as instruções de lavagem, tamanhos e origem do fabrico das mesmas, originais da marca;
O material com que foram fabricadas, assim como os acabamentos, bordados e estampados não respeitam os padrões de qualidade exigidos pela marca;
As peças não tem apostas as etiquetas de cartão com as referências, cores, tamanhos e códigos internos dos respectivos artigos e não estavam embaladas em sacos plásticos originais da marca.
Os artigos da marca “Billabong” são originais, produzidos por empresa autorizada, não o sendo a empresa “A......, Ldª”, tratando-se de restos de produção e de segunda escolha.
Conclui-se, então, pela fraude e pela utilização abusiva das marcas em causa, registadas em território nacional pelos respectivos titulares.
Os artigos que ostentavam as marcas “QuiKsilver” e “Adidas” foram confeccionadas nas instalações da “A......, Ldª”, de acordo, com as ordens, instruções e orientação do arguido, por conta e no interesse daquele.
O arguido sabia que os mesmos artigos (Adidas e Quiksilver), que destinava à venda a clientes, ostentavam marcas que eram reproduções infiéis e não autorizadas por quem de direito, no caso da Adidas e da Quiksilver.
E que, além do mais, apresentavam tecidos, bordados, acabamentos, etiquetas e estampados sem qualidade e os valores, pressupostos pelos compradores, dos produzidos e comercializados pelos titulares das marcas respectivas ou por alguém autorizado.
Por outro lado, sabia também que não estava autorizado a comercializar artigos da marca “Billabong”, que, no entanto, destinava também ao fornecimento de clientes.
Actuou, pois, com o propósito de ludibriar a clientela, a quem apresentava aqueles artigos como originais, e, assim, portadores de qualidade superior à que na realidade possuíam e de obter para si uma vantagem patrimonial a que sabia não ter direito, beneficiando, no seu negócio, da reputação das referidas marcas e lesando os respectivos titulares.
O arguido transportava os artigos em causa para o estabelecimento de Ricardo....., sito em....., com quem havia negociado o seu fornecimento, dizendo que se tratava de restos de colecção das marcas respectivas.
Agiu livre e conscientemente, bem sabendo ser a sua conduta punível por lei.
O arguido é primário, casado e pai de um filho menor.
É proprietário de, pelo menos, uma casa própria, suportando de empréstimo bancário, a quantia de 475,93 euros.
Aufere mensalmente a quantia líquida, de 981.25 euros, pelo menos.
A empresa A....., Lda foi vendida a terceiros, tendo sido submetido a processo de recuperação de empresas.
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Convicção do Tribunal:
O Tribunal fundou a sua convicção, per si e em conjugação, atendendo às regras da experiência comum e normalidade da vida, no teor dos documentos de fls. 8, 22, 36/37, exames periciais de fls. 38 e 39, fls. 41-44, registo criminal de fls. 62 e 112, fls 63 a 85, fls. 89 e 90, nas declarações do arguido, que confirmou o que transportava a carrinha, para onde ia, qual o negócio que tinha e que bem sabia não poder comercializar os artigos em apreço, não nos tendo merecido credibilidade as suas declarações na parte atinente à natureza não contrafeita dos artigos; Silvino......, perito da Adidas, subscritor de fls. 49, que confirmou, tendo explicitado que a sociedade arguida em tempos – 1994 – fabricou produtos da Adidas, não tendo autorização (que não requereram) para a sua comercialização, quer se tratassem de excedente, peças defeituosas ou protótipos; Eduardo....., cunhado do arguido e contabilista, que explicitou a situação da empresa, a razão da tentativa de venda dos produtos em apreço, que a sociedade fabricou Adidas e fabricava Billabong (através da T.....) e Quiksilver, tratando-se a mercadoria apreendida de mercadoria que se encontrava em stock; Francisco.....; agente da Brigada Fiscal que procedeu à apreensão e explicitou em que circunstâncias a mesma foi levada a cabo e o que foi apreendido, tendo confirmado o teor do auto de notícia; Albano......, pai do arguido e sócio da A......, Ldª e Alexandre....., que, no essencial, confirmaram as declarações do seu filho e irmão, referindo-se à situação da empresa, ao que produziam, para quem e à natureza dos bens apreendidos (sendo certo que quanto à natureza não contrafeita dos produtos as suas declarações não nos mereceram credibilidade), porque motivo tentavam vender os bens apreendidos e o negócio relativo à deslocação a......; Jorge....., empregado da A......, Ldª (chefe de produção), que não pode garantir que os bens aprendidos sejam os que eram fabricados na A......, Ldª para as marcas com quem trabalhavam; Faustino....., agente de têxteis e funcionário da F....., representantes em exclusividade da marca Quiksilver em Portugal, que esclareceu que a A......, Ldª produzia para a marca, qual o destino das sobras, peças defeituosas e protótipos, referindo que uma peça acabada diferencia-se do protótipo, sendo neste ainda reconhecíveis características das marcas; José....., gerente comercial a exercer funções na M....., representante da Billabong em Portugal, que referiu quem produz, se a A......, Ldª se a T....., o destino das peças excedentes, defeituosas ou protótipos e qual o processo de produção; Joaquim....., da O......, representante exclusiva da Adidas em Portugal, que referiu quem produz, qual o destino das peças defeituosas, excedentes ou protótipos, que não havia autorização para venda por parte do arguido e referiu que se distingue uma peça acabada de um protótipo e Miguel....., agente comercial da L...&..., que referiu que a C....., representante de produção da marca Quiksilver em Portugal, tem que saber, quanto a peças acabadas, quem produz, em Portugal, sendo ela quem faz os pagamentos.»
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Apreciando e decidindo:

Este Tribunal conhece de facto e de direito, impugnada que foi a decisão proferida sobre a matéria de facto, nos termos dos artºs. 364º e 428º do C. P. P., sendo determinado o âmbito do recurso pelas questões suscitadas, pelo recorrente, nas respectivas conclusões, por aplicação conjugada dos artºs. 412º, nº1 do C.P.P., 684º, nº3 e 690º do Cód. Proc. Civil e artº 4º do Cód. Proc. Penal.

São as questões suscitadas pelo recorrente, as seguintes:
a) erro na apreciação da prova;
b) insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;

No que se reporta à impugnação da matéria de direito, com absoluta omissão das normas jurídicas violadas:
a) errada subsunção jurídica dos factos provados;
b) violação do princípio in dubio pro reo.
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Pretende o arguido, especificando os pontos de facto que considera incorrectamente julgados – «no que respeita aos produtos que ostentavam a marca ADIDAS; no que respeita á existência (ou não) de autorização a favor da A......, Ldª para produzir mercadoria com a marca Adidas; no que respeita aos produtos que ostentavam a marca QUIKSILVER; no que respeita á existência (ou não) de autorização a favor da A......, Ldª para produzir mercadoria com a marca Quiksilver – questioná-los através da análise perfunctória e parcial dos respectivos suportes técnicos transcritos das testemunhas Silvino..... (perito da Adidas), Francisco..... (agente que apreendeu a mercadoria), Alexandre..... (eis sócio-gerente da arguida), Jorge..... (chefe de produção da arguida), Faustino....., Joaquim...... (da O....., representante exclusiva da Adidas em Portugal), Miguel B..... e os depoimentos dele próprio.
Curiosamente, para além da prova documental dos autos, funda o tribunal recorrido os factos provados e convicção subjacente, no depoimento crítico conjugado das mesmas testemunhas abrigo do recorrente!
Tal significa que o arguido faz tábua rasa do princípio da livre apreciação da prova consagrado no artº 127º do Cód. Proc. Penal, segundo o qual a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
Por outro lado, os vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e erro notório na apreciação da prova só constituem fundamento de recurso quando resultem do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, nos termos do artº410º, nº2 do Cód. Proc. Penal.
Ora, para a ocorrência da insuficiência da matéria de tacto para a decisão de direito torna-se necessário que a matéria de facto tida por provada não permita uma decisão de direito, por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para tal, necessitando assim de ser complementada. Sendo assim, logo se vê da matéria de tacto provada na sentença recorrida que este vício não se verifica no caso.
Quanto ao erro notório na apreciação da prova, porque violador dos dados do conhecimento público generalizado, consiste em erro de tal modo evidente que não escapa ao comum dos observadores. Estar-se-á perante tal erro quando da leitura da decisão impugnada, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, se conclua que os factos nela dados como provados não podem ter acontecido ou que os factos dados como não provados não podem deixar de ter acontecido, isto é, quando os factos dados como provados e/ou como não provados se revelam inequivocamente desconformes, impossíveis, ou seja, quando aqueles traduzem uma situação fáctica irreal ou utópica. Estaremos perante erro relevante quando se retira dum facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária, contraditória ou notoriamente violadora das regras da experiência comum.
A decisão sobre a matéria de tacto encontra-se devidamente motivada com indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal “a quo”, nenhuma delas sendo proibida por lei - artº 125º do CPP - e essencialmente de livre apreciação do julgador, segundo as regras da experiência comum e da sua convicção - art° 127°, operando a sua análise crítica – art.°374ºn°.2 do CPP., sendo inócua a alegada peritagem feita por amostragem, uma vez que se constata, pelo auto de apreensão e pedidos de exame pericial, a total identidade dos exemplares apreendidos com a amostra objecto do mesmo.
No caso vertente a decisão recorrida mostra-se convincente, sendo feita análise das várias provas produzidas, retratando exemplarmente a consagração no direito processual penal dos princípios da oralidade e da imediação no que diz respeito ao processo de formação da convicção do julgador.
Compulsados os autos e nomeadamente, ainda que com inquestionável e evidente enfadonho, as 5 cassetes e apensos da sua transcrição de 202 páginas(!), a par da análise dos demais documentos enumerados e coadjuvantes da convicção do tribunal “a quo”, é forçosa a conclusão de que a fundamentação vertida na douta decisão sob censura é uma fundamentação convincente, em que o convencimento do tribunal resultou quer da prova documental, quer dos depoimentos dos elementos policiais e demais testemunhas de acusação e do próprio arguido, cujo contributo para a formação desse convencimento se encontra devidamente individualizado e referenciado.
Sintomática, uma das respostas do arguido: «Nós fizemos um esforço para retirar todas as identificações, das marcas, nas peças, nomeadamente etiquetas, sacos plásticos, apenas os bordados, porque se não danificaria as peças, ficaria um buraco e ninguém as compraria, não foram possíveis ser retirados. E, já que a “A......, Ldª” é que, teve que dispor de todos os valores para a compra, desde o fio até às etiquetas, sacos plásticos, tudo... bordados, tudo foi comprado pela “A......, Ldª”. Logo, a propriedade do artigo era da “A......, Ldª”, logicamente a propriedade da marca era do cliente. Comercialmente era errado e não podemos fazê-lo, mas dada a situação da empresa, e dado que realmente a empresa não tinha condições de poder respeitar os compromissos que estavam, que tinha assumido e que estavam a decorrer, era uma alternativa de tentar garantir a viabilidade da produção da empresa ».
No caso vertente, as provas de que o tribunal a quo se serviu, valorando-as livremente e de acordo com as regras da experiência comum, são todas válidas, não podendo qualquer delas ser excluída do rol das atendíveis, nomeadamente a referente às peritagens efectuadas.
Pelo contrário, face as tais elementos probatórios tudo aponta no sentido de que o tribunal recorrido captou com acerto a verdade material.
Tal desiderato só é possível graças ao princípio legai da “Livre apreciação da prova” cominado no art°127° do CPP. Como acto humano e livre do julgador e potenciando impressões e convicções no seu espírito, tal apreciação não é puramente subjectiva e emocional e muito menos arbitrária. O julgador, que desde logo se deve ter como homem médio, tem como balizas, desde logo, a admissibilidade legal das provas e o seu valor probatório, intimamente associadas aos critérios da experiência comum e da lógica do homem médio. O seu raciocínio, num processo lógico-formal, deve poder impor-se à compreensão dos outros.
Os princípios informadores deste rastejar na busca da verdade material são a livre apreciação da prova, consagrada no artº. 127º.do CPP, plasmada na referida fundamentação, a imediação e a oralidade.
No entanto, o juízo valorativo do tribunal tanto pode assentar em prova directa do facto como em prova indiciaria da qual se infere o facto probando, não estando excluída a possibilidade do julgador, face à credibilidade que a prova lhe mereça e as circunstancias do caso, valorar preferencialmente a prova indiciaria, podendo esta só por si conduzir à sua convicção.
Por isso que, em sede de apreciação, não dispensa a prova testemunhal um tratamento cognitivo por parte do juiz, mediante operações de cotejo com os restantes meios de prova, sendo que a mesma, tal qual a prova indiciaria de qualquer natureza, pode ser objecto de formulação de deduções ou induções baseadas na correcção de raciocínio mediante a utilização das regras da experiência.
A liberdade da convicção aproxima-se, pois, da intimidade, no sentido de que o conhecimento ou apreensão dos factos e dos acontecimentos não é absoluto mas tem como primeira limitação a capacidade do conhecimento humano e, portanto, como a lei faz reflectir, segundo as regras da experiência humana.
Doutrina o Prof. Figueiredo Dias, in “Princípios Gerais do Processo Penal pág.160”, que só a oralidade e a imediação permitem o indispensável contacto vivo com o arguido e a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por um lado, avaliar o mais contritamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais. Tal relação estabelece-se com o tribunal de 1ª Instância, e daí que a alteração da matéria de facto fixada deverá ter como pressuposto a existência de elemento que, pela sua irrefutabilidade, não possa ser afectado pelo funcionamento do princípio da imediação.
Quanto à valoração da prova testemunhal ou por declarações, existe uma incomensurável diferença entre a apreciação da prova em 1ª instância e a efectuada no tribunal de recurso com base na transcrição dos depoimentos e mesmo audição das sua gravações. A sensibilidade à forma como a prova testemunhal se produz e que se fundamenta no conhecimento das reacções humanas e na análise dos comportamentos psicológicos, que traçam o perfil da imediação, entendendo-se este como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes, de modo a que aquele possa obter uma percepção própria do material que há-de ter como estruturante da decisão. As consequências concretas da aceitação de tal princípio definem o núcleo essencial do acto de julgar em que se afirma o senso, a maturidade, a experiência e a própria cultura daquele sobre quem recai tal responsabilidade.
Assim, quando a opção do julgador se centra em elementos directamente interligados com o princípio da imediação, o tribunal de recurso não tem a possibilidade de sindicar a aplicação concreta de tal principio, só podendo controlar a convicção do julgador da 1.ª instância quando se mostre ser contrária às regras da experiência, da lógica e aos conhecimentos científicos.
A atribuição de credibilidade, ou não, a uma fonte de prova testemunhal ou por declarações, assenta numa opção ao julgador na base da imediação e da oralidade, que o tribunal de recurso só poderá criticar demonstrando que é inadmissível face às regras da experiência comum.
O verdadeiro, primeiro, julgamento fez-se na Instância, onde aqueles princípios assumem peculiar relevo. Na Instância de recurso o que é relevante é a apreciação da regularidade do julgamento e não já um verdadeiro segundo julgamento.
Aliás, a lei – art°430° do CPP – só permite a renovação da prova quando se verificarem os vícios do art°410°, n°2, isto é, quando do texto da sentença, algo decorra (insuficiência contradição ou erro) que torne patente haver falhas graves no raciocínio lógico do primeiro julgamento. Se a decisão se impõe, pelo que acima se referiu, não pode deixar de também se impor ao Tribunal de recurso, na medida em que o exige o contacto directo com a prova, com percepções que só este pode dar.
Quer isto dizer que, ouvida e lida a transcrição dos depoimentos produzidos em audiência na primeira instância e examinada a restante prova constante dos autos, não resulta da sua análise crítica e conjugada, razão válida para que se altere o juízo valorativo expressamente formulado no sentença em apreço, não havendo nos autos provas que imponham decisão diversa da recorrida.
Cotejada nesta Instância de recurso toda a prova documentada nos autos e testemunhal, que se mostra transcrita, seguindo de perto o raciocínio do tribunal, somos forçados a concluir pela manifesta relevância, segundo as regras da experiência humana, da prova estruturante e decisiva da sua convicção, nenhuma delas sendo proibida, ou processualmente inadmissível. É que quanto à valorarão da prova testemunhal ou por declarações, existe uma intransponível diferença entre a apreciação da prova em primeira instância e a efectuada neste tribunal de recurso, com base na mera transcrição dos depoimento e mesmo audição do seu registo magnético. Escapa-se-lhe necessariamente a sensibilidade à forma como a prova testemunhal se produziu e que se estrutura no conhecimento das reacções humanas e na análise dos comportamentos psicológicos que evidenciam o perfil da testemunha, só alcançável através daquele princípio de imediação, enquanto relação de proximidade comunicante entre o tribunal e participantes, de modo a que aquele possa captar uma percepção própria do material, que há-de ter como alicerce da sua decisão.
A censura da forma de formação da convicção do Tribunal não pode consequentemente assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos, ou porque não houve liberdade na formação da convicção.
Quer dizer, a percepção dos depoimentos só é perfeitamente conseguida com a imediação das provas, sendo certo que não raras vezes o julgamento da matéria de facto não tem correspondência directa nos depoimentos concretos resultando antes da conjugação lógica de outros elementos probatórios que tenham merecido a confiança do tribunal. Assim a reapreciação das provas gravadas pelo tribunal da Relação só pode abalar a convicção acolhida pelo tribunal de 1ª instância caso se verifique que a decisão sobre a matéria de facto não tem fundamento nos elementos de prova constantes do processo, ou está profundamente desapoiada face às provas recolhidas.
O que o recorrente pretende, é que o Tribunal julgue de acordo com a sua própria versão, ou mesmo convicção, sendo que tal acto de decisão pertence em exclusivo ao Tribunal, que apreciou a prova segundo as regras da experiência e a sua livre convicção.
A conjugação dos elementos probatórios, indicados e examinados em tal sentença, impunham que o tribunal, de acordo com as regras da lógica e da experiência, concluísse sem margem para dúvidas, como concluiu, estarem provados todos os factos que catalogou, como constitutivos dos crimes em que vieram a ser condenados. Basta atentar na meticulosa fundamentação factual vertida na decisão sob censura e, sobretudo na sua cristalina convicção, para se concluir pela inoperância da motivação e conclusões dos recorrentes.
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De direito:

E não se diga que, hic et hoc, teria o Tribunal de se decidir no sentido da dúvida favorável aos arguidos.
Com efeito, o princípio in dubio pro reo, não significa dar relevância às dúvidas que as partes encontram na decisão ou na sua interpretação da factualidade descrita e revelada nos autos.
Este princípio é uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não houver a certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa. Mas daqui não resulta que, tendo havido versões díspares e até contraditórias sobre factos relevantes, o arguido deva ser absolvido em obediência a tal princípio. A violação deste princípio pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador, só podendo ser afirmada, quando, do texto da decisão recorrida, decorrer, por forma evidente, que o tribunal, na dúvida, optou por decidir contra o arguido – ac. STJ de 24-3-99 CJ-STJ, tomo I, pág. 247.
Ao contrário do que acontece no processo civil, onde às partes compete a produção dos meios de prova necessários, e sobre elas, as partes, recai todo o risco da condução do processo em matéria probatória, o ónus da prova (cfr. Manuel de Andrade, Noções ..., 196 e ss) sendo excepcional a intervenção do Tribunal (art°s.3°, 3° A, 264°, 265°A, entre outros), no processo penal é ao juiz, em último termo, que cabe, oficiosamente, instruir e esclarecer o facto sujeito a julgamento (Figueiredo Dias, Lições de Direito Processual Penal, 1988-89, 143 e ss). Não existe aqui qualquer verdadeiro ónus que recaia sobre o acusador ou sobre o arguido (ob. cit); o tribunal tem o dever de exercer uma actividade probatória no sentido de se aproximar da verdade material.
É á luz deste princípio de investigação que recai sobre o juiz que pode acontecer que, pese embora a busca de todos os factos relevantes, (quer sobre o facto criminoso, quer sobre a personalidade do arguido, quer quanto á pena) para a decisão, o juiz não consiga ultrapassar a dúvida razoável de modo a considerar o facto como provado, com a certeza que se exige para tal; desta forma e porque não pode haver non liquet tem de valorar o facto a favor do arguido.
Esta dúvida a favor do arguido, é consequente do princípio da presunção da inocência.
Ora, a dúvida do julgador tem de ficar expressa na decisão; o juiz terá de expressar que não logrou esclarecer, em todas as suas particularidades juridicamente relevantes um dado substracto de facto (F. Dias, ob. cit, 150); não já quando o juiz se convence de uma comprovação alternativa dos factos e pode encontrar um enquadramento factual num quadro constitucional e processual jurídico – penalmente aceite.
Ora, a dúvida reconverte-se na questão da formação da convicção.
Não comporta manifestamente a decisão, também nesta parte, qualquer laivo de dúvida...
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Finalmente, entende o arguido que é incorrecto o enquadramento jurídico dos factos, pois que não ocorreu a consumação dos crimes, mas tão só a sua tentativa – “o arguido não chegou a vender o material apreendido, mas tão só limitou-se a tentar vender; o arguido não induziu em erro o potencial comprador sobre o material em causa, pois este sabia que se tratava de restos de colecções já antigas”!

Comecemos por cotejar os respectivos normativos:

I – Dispõe o Dec. Lei n°28/84, de 20/1:
Art°23° (Fraude sobre mercadorias):
1. Quem, com intenção de enganar outrem nas relações negociais, fabricar, transformar, introduzir em livre prática, importar, exportar, reexportar, colocar sob um regime suspensivo, tiver em depósito ou em exposição para venda, vender ou puser em circulação por qualquer outro modo mercadorias:
a) Contrafeitas ou mercadorias pirata, falsificadas ou depreciadas, fazendo-as passar por autênticas, não alteradas ou intactas;
b) De natureza diferente ou de qualidade e quantidade inferiores às que afirmar possuírem ou aparentarem, (... )
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Comete o crime de “contrafacção e uso ilegal de marca” quem:
Contrafizer, uma marca registada, sem consentimento do proprietário; vender ou puser à venda ou em circulação produtos ou artigos com marca contrafeita... (vide, art 264º/1-a) e 2 do Código da Propriedade Industrial).
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Como bem salienta o Ministério Público na sua resposta, os crimes em causa são de natureza complexa, pois que os comete quem desenvolva qualquer uma das actividades típicas, por si só, ou conjugada com outra; e são de natureza formal, evidenciando uma estrutura análoga à dos delitos de mero empreendimento, dado que se verifica a sua consumação, pela violação típica do bem-jurídico protegido, independentemente da efectiva lesão do consumidor.
Assim sendo, dos factos provados resulta que o arguido contrafez os artigos em causa, colocando-os em circulação com destino à sua venda, como aliás é bem expresso na douta decisão recorrida: “Ora, atenta a matéria de tacto assente, duvidas não há que o arguido e a pessoa colectiva de que era legal representante, por seu intermédio, incorreram no ilícito aqui em apreço, porquanto tencionavam pôr em circulação, produtos contrafeitos, fazendo-os passar por genuínos - de segunda escolha e restos de colecção, conforme resulta da guia de fls.8 -, natureza que não desconheciam, com o propósito de enganar o consumidor (o que admitiam acontecer, sabendo que para um consumidor menos atento ou menos esclarecido tal aconteceria, sendo os artigos susceptíveis de o fazerem incorrer em tal erro, dados os sinais figurativos e nominativos apostos nos artigos.
Estatui, por seu turno, o Art°. 264°, n° 2 do CPI que (... ). Também quanto a este tipo de ilícito, não nos restam dúvidas que incorreram os arguidos na sua prática, atenta a matéria dada como provada. Na verdade, o arguido pretendia vender os artigos de marca contrafeita, conhecendo a natureza desses artigos, marcas que se encontram registadas em Portugal e beneficiam, por isso, do exclusivo da marca, bem sabendo que o fazia contra a vontade dos seus respectivos titulares, visando obter uma vantagem patrimonial a que sabia não ter direito, beneficiando da reputação de tais marcas e das garantias de melhor qualidade às mesmas inerente, lesando, assim, os seus respectivos titulares”.

Não merece a douta decisão qualquer censura, ou reparo, e inequivocamente qualquer das críticas do recorrente.

Termos em que, acordam nesta Relação, em negar provimento ao recurso, confirmando a douta sentença recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se em 5 Ucs. a taxa de justiça, sem prejuízo do concedido apoio judiciário.

Porto ,07 de Janeiro de 2004
Ângelo Augusto Brandão Morais
José Carlos Borges Martins
Élia Costa de Mendonça São Pedro
Joaquim Costa de Morais