Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
236/13.4PHMTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ CARRETO
Descritores: CRIME SEMI-PÚBLICO
CRIME PARTICULAR
LEI NOVA
APLICAÇÃO RETROACTIVA DE LEI PENAL MAIS FAVORÁVEL
Nº do Documento: RP20131218236/13.4PHMTS.P1
Data do Acordão: 12/18/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: ANULADA A ACUSAÇÃO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Com a entrada em vigor de lei nova que muda a natureza do crime de semipúblico para particular, o Ministério Público deixa de ter legitimidade para deduzir acusação sem a prévia acusação [acusação particular] do ofendido constituído assistente.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Rec nº236.13.4PHMTS.P1
TRP 1ª Secção Criminal

Acordam em conferencia os juízes no Tribunal da Relação do Porto

No Proc.C.S. nº236.13.4PHMTS do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da comarca de Matosinhos foi deduzida pelo MºPº acusação contra
B…

Remetido o processo a tribunal pelo Mº Juiz foi proferida em 8/7/2013 a seguinte decisão:
“… o tribunal declara a ilegitimidade do Ministério Público para promover o presente procedimento criminal contra a arguida acima identificada pela prática do crime de furto, p. e p. pelo art. 203.º, n.º 1, do CP, julgando extinto, por essa razão, o procedimento criminal contra a arguida.”

Recorre o MºPº o qual no final da sua motivação apresenta conclusões das quais emerge a seguinte questão:
- Se com a entrada em vigor da lei nova que mudou a natureza do crime de semi publico para particular o MºPº deixou de ter legitimidade para deduzir acusação, sem a prévia acusação do ofendido constituído assistente

A arguida não respondeu:
Nesta Relação o ilustre PGA emitiu parecer no sentido da procedência parcial do recurso e após anulação da acusação e processado subsequente com remessa ao MºPº para cumprimento do disposto no artº 246º4 e 285º1 CPP;
Foi cumprido o artº 417º2 CPP e a arguida apresentou resposta concordando com a 1ª parte do parecer, e pugnando pela manutenção da decisão por em seu entender existir caducidade do direito de queixa pelo decurso do prazo de 6 meses;

Cumpridas as formalidades legais, procedeu-se á conferência
Cumpre apreciar.
É o seguinte o despacho recorrido (transcrição):
“Da falta de legitimidade do Ministério Público:
O Ministério Público deduziu, em 20.05.2013, acusação contra a arguida B…, imputando-lhe a prática de um crime de furto, p. e p. pelo art. 203.º, n.º 1, do CP, alegando factos que traduzem a subtração de bens móveis por um único agente, em estabelecimento comercial durante o período de abertura ao público, relativamente a coisas móveis expostas de valor diminuto (não excede uma unidade de conta, que é de € 102,00) e com recuperação imediata dos bens.
Acontece que, com a entrada em vigor da Lei n.º 19/2013, de 21.02 (que, segundo o art. 6.º dessa Lei, entrou em vigor 30 dias após a sua publicação), o crime imputado à arguida nos presentes autos passou a assumir natureza particular, conforme decorre da atual versão do art. 207.º, n.º 2, do CP, onde se dispõe que: “No caso do artigo 203.º, o procedimento criminal depende de acusação particular quando a conduta ocorrer em estabelecimento comercial, durante o período de abertura ao público, relativamente à subtração de coisas móveis expostas de valor diminuto e desde que tenha havido recuperação imediata destas, salvo quando cometida por duas ou mais pessoas”.
E, na verdade, os factos da acusação preenchem todos os pressupostos exigidos pelo art. 207.º, n.º 2, do CP, para que o crime assuma natureza particular, tal como supra referido.
Assim sendo, mostrando-se a nova lei mais favorável à arguida, impõe-se a sua aplicação imediata, nos termos do art. 2.º, n.º 4, do CP (sendo que tal resultado seria o mesmo pela via da aplicação do art. 5.º, n.º 1, do CPP, caso se entendesse a alteração meramente adjectiva).
Destarte, estando já em vigor a nova Lei ao tempo em que foi deduzida a acusação dos presentes autos, era exigível a constituição como assistente do ofendido e a dedução de acusação particular, para que assistisse legitimidade ao Ministério Público para a prossecução do procedimento criminal, nos termos dos arts. 48.º e 50.º do CPP.
Nestes termos, o Ministério Público carece de legitimidade para promover o procedimento criminal sem prévia constituição como assistente e dedução de acusação particular da ofendida – o que não sucedeu nos presentes autos -, uma vez que o crime em causa tem natureza particular, o que implica a falta de uma condição de procedibilidade, com a consequente extinção do procedimento criminal.
Decisão.
Nestes termos, o tribunal declara a ilegitimidade do Ministério Público para promover o presente procedimento criminal contra a arguida acima identificada pela prática do crime de furto, p. e p. pelo art. 203.º, n.º 1, do CP, julgando extinto, por essa razão, o procedimento criminal contra a arguida.”
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É a seguinte a questão suscitada:
- Se com a entrada em vigor da lei nova que mudou a natureza do crime de semi publico para particular o MºPº deixou de ter legitimidade para deduzir acusação, sem a prévia acusação do ofendido constituído assistente
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O âmbito dos recursos é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação (Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98), e são apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar ( Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª ed., pág. 335), sem prejuízo das de conhecimento oficioso, que no caso não se suscitam nem ocorrem.
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Conhecendo:
Em 20/5/2013 o MºPº acusou a arguida da prática em 8/10/2012 cerca das 22,00 horas de um crime de furto p.p. pelo artº 203º1 CP, por nesse dia se ter apoderado no “C…” de bens alimentares no valor de 23,78 € que foram recuperados;
Em 21/3/2013 entrou em vigor a Lei 19/2013 de 21/2 (artº 6º) que alterando o artº 207º2 CP passou a dispor que ““No caso do artigo 203.º, o procedimento criminal depende de acusação particular quando a conduta ocorrer em estabelecimento comercial, durante o período de abertura ao público, relativamente à subtração de coisas móveis expostas de valor diminuto e desde que tenha havido recuperação imediata destas, salvo quando cometida por duas ou mais pessoas”.”
Dos factos e da alteração legal decorre que desde 21/3/2013 a prática de um crime de furto simples praticado por uma pessoa numa grande superfície comercial como o “C…” durante o período de funcionamento sendo esses bens de valor diminuto (“aquele que não exceder uma unidade de conta avaliada no momento da prática do facto” - artº 202ºc) CP) e recuperados de imediato passa a revestir natureza particular, estando o procedimento criminal dependente de queixa e de acusação do ofendido que se constituiu assistente;
Verifica-se assim que o facto de crime dependente de queixa (artº 203º3 CP - semi-publico) passou a estar dependente de queixa e acusação particular passando a revestir a natureza de crime particular, por virtude de uma lei nova que entre a data dos factos e a da dedução de acusação pelo MºPº entrou em vigor.
Assim se na data dos factos o MºPº tinha legitimidade (após a dedução da queixa) para promover o procedimento criminal e findo o inquérito acusar, á data em que acusou já não tinha essa legitimidade, donde importa saber o que fazer com acusação deduzida.
Estamos assim perante uma sucessão de leis, importando saber qual delas se deve aplicar e se atenta a natureza de serem leis penais se lhes aplica o princípio da retroactividade da lei penal mais favorável;
Que este é um princípio de direito penal material (ou substantivo) não sofre contestação até pela sua consagração a nível legal e constitucional (artº 2º4 CP e artº 29º4 CRP: “4. Ninguém pode sofrer pena ou medida de segurança mais graves do que as previstas no momento da correspondente conduta ou da verificação dos respectivos pressupostos, aplicando-se retroactivamente as leis penais de conteúdo mais favorável ao arguido.”, pelo que o problema se resume em saber se tal principio é também aplicável ás leis ou normais processuais penais, já que a elas é aplicável o principio “tempus regit actum” sendo-lhe aplicável a lei vigente á data da prática dos actos, sendo por isso de aplicação imediata, mantendo os actos anteriores perfeita validade, em conformidade aliás com o disposto no artº 5º 1 CPP.

Actualmente cremos que já não sofre contestação, quer a nível doutrinário quer jurisprudencial, após o Prof. Taipa de Carvalho ter reintroduzido esta matéria em discussão (in Sucessão de Leis penais, Coimbra Edit. 1990, pág. 218) a existência de normais processuais penais materiais e que por isso são de aplicação retroactiva quando forem mais favoráveis ao arguido (cfr. Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra edit. 2005, pág 661, 663 e 698 e ss; Barreiros, J. António, Processo Penal-1, Almedina Coimbra, 1991, pág. 204 e ss; Germano Marques da Silva, Curso de Proc. Penal, I Vol, Verbo 2008, pág. 106 e notas, que quer o STJ (infra) quer o Tribunal Constitucional - Ac. 523/99 de 28/9/99 www.tribunalconstitucional.pt como nos dá conta o ac. R. G. de 4/7/2005 in www.dgsi.pt/trg relator Ricardo Silva) sufragam, dado os seus “efeitos sobre a penalidade concreta aplicável ao arguido” pág. 106 cit; estando neste campo as normas sobre as condições de procedibilidade, incluindo os pressupostos processuais;
Parece assim que “… a norma que transforma o crime de particular ou semi publico em crime publico ou o crime publico em crime particular ou semi publico e aquelas que respeitam á disciplina da queixa ou da acusação particular condicionam a responsabilidade penal e têm por isso também natureza substantiva não parece ser já controverso” – Marques da Silva, Germano, ob. cit, pág 107, salientando-se no Ac. STJ 7/11/1996 in www.dgsi.pt/jstj “II - O direito de queixa, uma vez que funciona como condição de procedibilidade insere-se no campo processual; porém, dados os efeitos substantivos que decorrem do seu exercício ou da sua desistência, integram as chamadas leis processuais materiais ou normas processuais de natureza substantiva. III - A ratio político-criminal consagrada no artigo 29, n. 4, 2. parte, da CRP, conduz à aplicação retroactiva das normas processuais materiais favoráveis, como é o caso da exigência da queixa como condição objectiva de procedibilidade.” e
escrevendo-se no ac. STJ 18/12/1997 www.dgsi.pt/jstj “as normas respeitantes a queixa e acusação particular revertem uma dupla natureza, pois, por um lado, constituem condições positivas do procedimento criminal (pressupostos processuais) e, por outro, condicionam favoravelmente a responsabilidade penal do arguido, produzindo nessa medida efeitos jurídico-materiais.
Por isso, quanto a tais normas vale o princípio constitucional da obrigatoriedade da aplicação retroactiva da lei penal de conteúdo mais favorável ao arguido consagrado no n. 4 do artigo 29 da C.R.P. e regulado no n. 4 do artigo 2 do Código Penal de 1995.”

Podemos assim concluir com Taipa de Carvalho, ob. cit. pág. 242 que as normas relativas á queixa e a acusação particular, são de natureza processual penal material e por isso são-lhe aplicáveis o principio da retroactividade da lei penal mais favorável, e da irretroactividade desfavorável;

Temos assim que com a entrada em vigor da Lei 19/2013, um crime de natureza semipública (dependente de queixa), passou a revestir natureza particular (dependente de queixa e acusação particular), e atenta a natureza substantiva de tais institutos as normas reguladoras são de aplicação imediata e retroactiva (se de conteúdo mais favorável ao arguido). Ora uma norma que exibe um pressuposto adicional de procedibilidade ou prosseguibilidade, tornando mais difícil esta cremos não pode deixar de ser considerado mais favorável ao arguido, e assim sendo tal norma é de aplicação aos factos passados (retroactiva);

Vejamos os factos no caso concreto:
Os factos ocorreram em 8/12/2012, vindo a ser lavrado auto de noticia e a ofendida apresentou queixa em 26/2/2013 (na vigência da lei antiga), e estando o procedimento criminal apenas dependente de queixa do ofendido (artº 203º 3 CP), iniciou-se validamente o mesmo, detendo o MºPº legitimidade para o efeito (artº 49º CPP) pois que tudo decorreu antes da lei nova que neste âmbito não interfere;
Acontece que no momento em que o MºPº finda o inquérito, a lei já havia sido alterada (em 20/5/2013 quando o MºPº deduz acusação), e o crime denunciado dependia já de acusação particular; isto é o MºPº já não detinha legitimidade para acusar, por nos termos do artº50º CPP, ser necessário queixar-se, constituir-se assistente e acusar, não podendo o MºPº fazê-lo autonomamente, mas apenas subordinadamente nos termos do artº 285º 4 CPP;
Ora se entre a queixa e a acusação ocorre a alteração da natureza do crime deve ser-lhe aplicáveis as novas regras ou devem ser-lhe aplicáveis as antigas?
Quanto á validade dos actos anteriores e ás diligencias de inquérito / investigação a lei nova não interfere, sendo que a exigência é a mesma (apresentação de queixa e investigação oficiosa dos factos), pois nenhuma lei processual nova afecta a validade dos actos praticados validamente na vigência da lei antiga (artº 5º 1 CPP);
Quanto á dedução da acusação pelo MºPº, a lei nova já não lhe permitia a dedução da mesma, e antes á data em que o fez, a sua acusação estava dependente da dedução de acusação pelo ofendido que deveria ter-se constituído assistente, circunstancia que lhe não era exigida á data dos factos e da queixa, mas que lhe é exigida agora, ou seja o MºPº face á nova regulamentação deveria (posto que o ofendido já fosse assistente) cumprir o disposto no artº 285º CPP, notificar o assistente para que deduza em 10 dias acusação particular;
A questão tem sido solucionada tendo em conta em concreto a fase em que se encontrava o processo, face á validade dos actos anteriores e da repercussão dos actos posteriores no processo, e assim tendo em conta o supra exposto “… se o crime for particular á data da acusação não nos parece que o Ministério Publico possa deduzir acusação sem prévia acusação do assistente só porque á data da queixa o crime era de natureza semipública ou publica” – Marques da Silva, Germano, ob. cit. pág. 109, que nos parece correcto
A lei processual nova que seja mais favorável ao arguido é aplicada retroactivamente aos factos criminosos praticados antes da sua vigência, e assim exigindo a lei nova a dedução de acusação particular o processo não pode prosseguir sem ela, e no caso em apreciação não havendo essa acusação pareceria que deveria o processo terminar com o despacho sob recurso, pois o MºPº não tem legitimidade para acusar sem o assistente o ter feito;

Cremos não dever ser assim, pois que o ofendido não teve oportunidade de se expressar;
Como referem Taipa de Carvalho e Germano Marques da Silva, obras e locais citados, a possibilidade ou não de o assistente deduzir acusação em vez do MºPº acusar de imediato favorece o arguido, e no caso de crime semi publico escreve este último autor “a maior dificuldade reside em determinar o momento a partir do qual se há-de contar o prazo para apresentação de queixa quando a lei nova exige queixa e a anterior não o exigia”, seguindo a proposta de Taipa de Carvalho de contar o prazo para a prática dos os actos “a partir do momento em que entrou em vigor a lei nova” - pág. 107, raciocínio que é de aplicar á acusação particular exigida pela lei nova.

No caso, face á fase de inquérito em que se encontrava o processo aquando da entrada em vigor da lei nova cremos que esta é de aplicar sem necessidade do recurso ao principio da aplicação retroactiva da lei (nova) mais favorável ao arguido mas apenas aplicando a lei vigente á data em que a acusação foi ou devia ter sido proferida;
Temos assim que após a entrada em vigor da lei nova, o procedimento passou a exigir não apenas queixa (que ocorreu antes e sem a qual já antes não podia prosseguir o processo criminal) mas também acusação particular (novo).
Como crime particular, o procedimento não podia prosseguir sem o queixoso se constituir assistente, e neste âmbito nos termos do artº 68º2 e 246º4 CPP, o ofendido com a faculdade de se constituir assistente tem de declarar que o pretende fazer, e a autoridade judiciária tem de o advertir da obrigatoriedade de se constituir assistente, e que o deve fazer no prazo de 10 dias a contar dessa advertência;
Este acto quer de advertência quer de constituição de assistente não ocorreram, sendo que em conformidade com o Ac. Fixação Jurisprudência de nº1/2011 in DR nº 18 SÉRIE I de 2011-01-26 “Em procedimento dependente de acusação particular, o direito à constituição como assistente fica precludido se não for apresentado requerimento para esse efeito, no prazo fixado no n.º 2 do artigo 68.º do Código de Processo Penal” sem prejuízo de se entender, como cremos ser correcto e se decidiu no Ac. TRP proferido no Rec. nº 1036.12.4TDPRT que “ O prazo fixado no n.º 2 do artigo 68.º está, …. indissociavelmente ligado à norma do n.º 4 do artigo 246.º, a significar que, em caso de crime cujo procedimento depende de acusação particular, só com o cumprimento do dever de informação e advertência do denunciante se inicia o prazo fixado na lei para que o denunciante requeira a sua constituição como assistente.”
Omitiu-se assim um acto que a lei prevê e sem o qual não se inicia o prazo para se constituir assistente.
Assim após a entrada em vigor da nova lei devia o queixoso ser notificado para se constituir assistente, data a partir da qual se inicia o prazo preclusivo.

Por outro lado, o MºPº ao deduzir acusação, sem primeiro o haver feito o ofendido/assistente, como a lei actual impõe que o faça, praticou um acto que a lei não prevê.
Ora quer a omissão da prática de um acto legal obrigatório, quer a prática de um acto proibido constituem nulidade mas apenas face ao disposto no artº 118º 1 CPP, quando a lei expressamente a previr, pois caso contrário constitui mera irregularidade (nº2).
Num caso paralelo, o STJ fixou jurisprudência obrigatória ao estatuir que “Integra a nulidade insanável da alínea b) do artigo 119.º do Código de Processo Penal a adesão posterior do Ministério Público à acusação deduzida pelo assistente relativa a crimes de natureza pública ou semipública e fora do caso previsto no artigo 284º, nº 1, do mesmo diploma legal.” Ac. F. J. nº 1/2000 de 16/12/1999 in DR. 6/1/2000;
A doutrina nele expressa quer-nos parecer dever ser aplicada ao caso dos autos, porquanto estando o MºPº obrigado a “exercer a acção penal orientada pelo princípio da legalidade” e portanto “promovendo o procedimento criminal com …observância do respectivo e adequado processado” a sua inobservância ou mais que isso a sua subversão (invertendo o processo) constitui a nulidade insanável de falta de promoção do processo do artº 119º 1 b) CPP, promoção essa que devendo seguir os tramites adequados “imperativos “(cit. ac.) á nova natureza do crime sob investigação, e se iniciava, após a entrada em vigor da nova lei, com a advertência ao ofendido para no prazo legal se constituir assistente, e após isso ( caso se tivesse constituído assistente), e findo o processo, para deduzir acusação nos termos e para os efeitos do artº 285º1 CPP.
Constituindo nulidade insanável por falta de promoção do MºPº, torna-se invalido o acto, bem como os que dele dependerem e puderem afectar (artº 122º CPP) pelo que é invalida a acusação publica deduzida pelo MºPº antes da dedução da acusação particular, que por isso deve ser declarada nula e bem assim a omissão da advertência ao ofendido para se constituir assistente no prazo legal, por esta falta afectar os actos subsequentes no processo e sem ela não há lugar á notificação para deduzir acusação.
Resulta do exposto que o despacho recorrido deve ser revogado e substituído por outro que declare nula a acusação publica e determine o envio dos autos ao MºPº para sanar a nulidade decorrente da falta de cumprimento do disposto no artº 68º 2 e 246º4 (advertência ao ofendido para se constituir assistente no prazo de 10 dias) e após isso se for o caso proferir o despacho a que se refere o artº 285º CPP;

No que respeita ao exercício do direito de queixa o ofendido fê-lo em tempo, pois como assinalado supra foi exercido em 26/2/2013, pelo que no prazo de 6 meses após os factos - artº 115º1 CP- pelo que não há que falar em extinção do direito de queixa, que não tem de ser renovada face á alteração da natureza do crime, que já antes da lei nova a exigia e não a afecta;
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Pelo exposto, o tribunal da Relação do Porto decide:
Julgar procedente o recurso e
declarando a nulidade insanável do artº 119º 1 b) CPP julga nula a acusação deduzida pelo MºPº bem como a omissão da advertência ao ofendido para se constituir assistente, e
em consequência revogando o despacho sob recurso, determina a sua substituição por outro que ordene o envio do processo ao MºPº para cumprimento do disposto nos artºs 68º 2 e 246º4 CPP e após isso se for o caso proferir o despacho a que se refere o artº 285º CPP;
Sem custas
Notifique
Dn
+
Porto, 18/12/2013
José Carreto
Joaquim Gomes