Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0330142
Nº Convencional: JTRP00034214
Relator: ALVES VELHO
Descritores: PROCEDIMENTOS CAUTELARES
NATUREZA URGENTE DO PROCESSO
Nº do Documento: RP200301300330142
Data do Acordão: 01/30/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: 4 J CIV PORTO
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: .
Decisão: .
Área Temática: .
Legislação Nacional: CPC95 ART144 N1 ART382 N1.
Sumário: Sendo os procedimentos cautelares processos de natureza urgente, os actos relativos à respectiva tramitação devem praticar-se durante as férias judiciais, estendendo-se a urgência à fase de recurso, até à decisão final definitiva.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

1. - No Tribunal Cível da Comarca do ........... (.. Juízo),
ALBERTINA ................, FERNANDO .............. e MARIA ........... requereram procedimento cautelar de suspensão de deliberação social contra a “C..............., C.R.L.” que veio a ser julgada improcedente.

Os Requerentes interpuseram recurso, que foi admitido como agravo e com subida imediata, por despacho cuja notificação se reporta a 6 de Julho de 2002.

Por despacho de 29 dos referidos mês e ano, o recurso foi julgado deserto por falta de alegações dos Agravantes.

Deste despacho, logo em 31/7, interpuseram os Requerentes novo recurso, de novo admitido como agravo.

Em 28/8/002, repetiu-se o despacho de declaração de deserção, novamente por não terem sido oferecidas alegações.

E, mais uma vez, a decisão foi objecto de recurso, desta vez com seguimento.

No agravo interposto, pedem os Agravantes a alteração da decisão e a concessão de prazo para alegar sobre o recurso interposto a fls. 157.
Para tanto, levaram às conclusões:
A. - Os prazos para alegações em sede de recurso suspendem-se em férias judiciais. Mesmo sendo os autos de que se recorre uma providência cautelar, processo de carácter urgente, não existe tal carácter em sede de recurso;
B. - Se o prazo para intentar a acção de suspensão de deliberações sociais, após o decretamento da respectiva providência, se suspende em férias, por maioria de razão o prazo de alegações em sede de recurso se suspende;
C. - Mesmo que se entendesse que o prazo para alegações não se suspendia, o recurso interposto a fls. 157 já não se referia a qualquer providência cautelar e o presente recurso referia-se somente ao facto de o recurso interposto a fls. 157 ter sido julgado deserto por falta de alegações, nada versando sobre a providência cautelar.

Não houve resposta, nem alteração do despacho recorrido.

2. - Os elementos de facto relevantes para o conhecimento do objecto do recurso são os que já se fizeram constar do relatório supra.

3. - Mérito do recurso.

3. 1. - Nota preliminar.

Como bem começam por referir os Agravantes a única questão que se levanta nos autos é se o prazo para alegações corre durante o período de férias judiciais, ou se o mesmo se suspende durante esse período.
Vem isto a propósito da afirmação vertida na conclusão C. - aliás sem qualquer suporte na motivação do recurso, donde que não possa sequer considerar-se uma “conclusão”, pois nada sintetiza do anteriormente explanado (art. 690.º CPC) - de que o recurso já não versava sobre a providência cautelar, mas sobre o despacho que julgou deserto o recurso que sobre ela decidiu por falta de alegações, donde a suspensão do prazo para apresentação das respectivas alegações.

É verdade que assim foi, e que assim é.
Porém, ninguém duvida, também, que o único efeito útil do recurso é a resolução da questão subjacente ao fundamento do julgamento da deserção, qual é o do prazo para alegar. Trata-se de um recurso que visa apenas a manutenção dos efeitos de outro que, se tiver carácter urgente, há-de, dada a relação de total dependência, ser considerado com idêntica natureza, sob pena de subversão e inutilização dos valores e razões jurídicas subjacentes à opção da lei pela atribuição de carácter urgente a certos procedimentos e actos processuais.
Tudo se reconduz, ao fim e ao cabo, a saber se a decisão de deserção que recaiu sobre o recurso interposto da decisão final da acção cautelar fez a aplicação da lei processual que se tem por mais acertada.
Apesar disso, no recurso que ora se aprecia há alegações oferecidas em 2 de Dezembro no seguimento de despacho de admissão de 13/11, o que retira qualquer relevância prática ao que consta da dita conclusão C..

3. 2. - Questão principal.

3. 2. 1. - A questão cuja resolução vem proposta consiste, afinal, em saber se os prazos para a prática de actos processuais nas acções cautelares se iniciam, correm e se extinguem durante o período de férias judiciais, incluindo na fase de recurso.

3. 2. 2. - O art. 382º-1 CPC, na redacção introduzida pelo Dec.-lei n.º 329-A/95, subordinado à epígrafe “urgência do procedimento cautelar”, veio consagrar expressamente a urgência dos procedimentos cautelares, estabelecendo que «revestem sempre carácter urgente», do mesmo passo que, em seu n.º 2 se fixaram prazos para a respectiva decisão em 1ª instância.
Procurou-se, desse modo, “acentuar” uma das vertentes da justiça cautelar, contribuindo para a remoção do periculum in mora subjacente ao acautelamento do fim útil das providências, visem elas o decretamento de medidas antecipatórias ou conservatórias, adequadas a causar lesão grave e irreparável ou dificilmente reparável do direito do requerente (art. 381º-1; Cfr. Preâmbulo do DL 329-A/95).
Com efeito, o carácter urgente das acções cautelares, corolário da celeridade processual inerente à natureza desses processos, embora inferível dessa mesma natureza, não encontrava expresso acolhimento na legislação anterior à reforma de 96.

3. 2. 3. - Consagrada por lei a natureza urgente dos processos, há que retirar disso as devidas consequências no que concerne ao tempo e prazos para a prática dos actos aos mesmos respeitantes.

Assim, e desde logo, o art. 144º-1 CPC, dispondo sobre prazos para a prática dos actos, estatui que, sendo contínuo, o prazo para praticar actos em processos que a lei considere urgentes, fica excluído da regra geral de suspensão durante as férias judiciais, ou seja, o prazo corre seguidamente durante as férias e durante elas deve o acto ser praticado.

Desta norma de conteúdo excepcional decorre, a nosso ver, a ininvocabilidade do preceituado nos n.ºs 1 e 2 do art. 143º.
É que o que aqui se estabelece é uma outra regra geral, qual é a de que os actos processuais não se praticam durante o período de férias judiciais, excepto se se destinarem a evitar dano irreparável.
Porém, como regra que é, tem de ceder perante o citado inciso excepcional consagrado no art. 144º-1 que aí está a impor claramente que, porque não se suspende o prazo, tem de praticar-se durante as férias os actos relativos a processos que a lei qualifique de urgentes.
São, de resto, as faladas razões de celeridade, que constituem motivação especial para o estabelecimento para os processos cautelares de uma disciplina, também especial, oposta à que vigora para a generalidade da tramitação processual, de tal forma que, pela atribuição do carácter urgente a tais processos, o legislador equiparou, dispensando qualquer outro juízo de qualificação, os actos processuais a praticar neles aos actos que, em geral, “se destinem a evitar dano irreparável”.

3. 2. 4. - Assente que os procedimentos cautelares são processos de natureza urgente em que os actos relativos à respectiva tramitação devem praticar-se mesmo durante férias judiciais, sob pena de se produzirem os correspondentes efeitos preclusivos, resta tomar posição sobre a questão de saber se o preceituado no art. 382º-1 deve ser objecto de interpretação restritiva, no sentido de se entender que a “urgência” se esgota com a decisão da 1ª instância, ou se deve entender-se que a mesma se estende à fase de recurso, até à decisão final definitiva.

Temos como certo este segundo entendimento.

Desde logo, o argumento literal parece não deixar outro sentido: “Os procedimentos cautelares revestem sempre carácter urgente, (...)”. O advérbio sempre acarretará com certeza para o texto legal a significação de que os procedimentos têm em todos os momentos e de modo constante, contínuo ou repetido carácter urgente. Vale dizer, a urgência respeita a toda a tramitação dos processos, incluindo a fase de recursos (cfr. “Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea”, Verbo, 3377; Ac. STJ, 28/9/99, in BMJ 489º-277).

Depois, as razões de celeridade que estão na origem da consagração da «urgência», não só não se esbatem, como ainda podem revelar-se mais prementes e relevantes com o decurso do tempo, quer as providências pedidas tenham obtido provimento, quer não: - No primeiro caso, é o requerido que, discordando da decisão, e gozando do direito a vê-la reapreciada, pretende ver removidos ou minorados prejuízos que a execução imediata da medida decretada lhe possa estar a causar; na segunda situação, é evidente a manutenção dos pressupostos que, na 1ª instância justificaram a invocação do periculum in mora, donde que a razão de ser da celeridade continue a ser a mesma (vd. Ac. cit., 278; e ABRANTES GERALDES, “Temas da Reforma, III, 5-117)

3. 2. 5. - A resposta à questão inicialmente colocada é, deste modo, totalmente afirmativa, reafirmando a posição já tomada no Proc. n.º 1392/01, desta mesma Secção.

3. 3. - Improcedem, consequentemente, as conclusões do agravo, confirmando-se que se encontrava extinto o prazo para alegações à data em que foi julgado deserto o recurso interposto da decisão que conheceu do procedimento cautelar e decidindo-se que o objecto do recurso interposto (a fls. 156 e não 157, como vem referido nas alegações) e recebido a fls. 157, sendo o mesmo do ora apreciado, carece de autonomia e utilidade, não havendo lugar - por isso que não seria mais que a repetição deste recurso - à concessão de qualquer novo prazo para alegar.

4. - Decisão:

Pelo exposto, e em conformidade, decide-se:
- Negar provimento ao agravo;
- Manter os despachos impugnados; e,
- Condenar os Recorrentes nas custas.

Porto, 30 de Janeiro de 2003
António Alberto Moreira Alves Velho
Camilo Moreira Camilo
António Domingos Ribeiro Coelho da Rocha