Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0546558
Nº Convencional: JTRP00039392
Relator: ANTÓNIO GAMA
Descritores: ALTERAÇÃO NÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS
Nº do Documento: RP200607120546558
Data do Acordão: 07/12/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC. PENAL.
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.
Indicações Eventuais: LIVRO 228 - FLS. 77.
Área Temática: .
Sumário: A expressão «factos alegados pela defesa» abrange os factos relatados pelo arguido na audiência.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam, em audiência, no Tribunal da Relação do Porto:

Por decisão do Tribunal Judicial da Comarca de V N de Gaia foi a arguida B……., condenada pela prática de um crime de aproveitamento de obra contrafeita, p. e p. pelo art. 199º, n.º 1, por referência aos artºs 196°, n.º 1 e 197°, n.º 1, do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, na pena de 6 meses de prisão e 200 dias de multa, á taxa diária de €5,00.
Ao abrigo do disposto no art. 44º, n.º 1, do Código Penal, a pena de prisão foi substituída por igual tempo de multa, ou seja por 180 dias de multa à taxa diária de €5,00.
Ao abrigo do disposto no art. 6º do preâmbulo do D.L. 48/95, de 15 de Março, a arguida B……. foi condenada na pena única de 380 dias de multa à taxa diária de €5,00.

Inconformada com a condenação a arguida interpôs o presente recurso rematando a pertinente motivação com as seguintes conclusões:
1.ª Por ter sido dado como provado na sentença que “Para além daqueles fonogramas a arguida tinha ainda dentro de um saco, dentro da citada roulotte, mas livremente disponíveis para quem os quisesse adquirir, cinquenta e três fonogramas que não se encontrava autorizada a distribuir (…)”, procedeu o tribunal "a quo" a uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação;

2.ª Violou o tribunal “a quo” o disposto no artigo 358.º do CPP, por se tratarem de factos relevantes para a decisão e não resultarem de factos invocados pela defesa que se limitou a oferecer o merecimento dos autos;

3.ª A sentença é assim nula, por ter o tribunal “a quo” procedido à alteração não substancial, sem a ter comunicado à arguida, nos termos e para efeitos do artigo 358.º do CPP, da matéria de facto descrita na acusação – artigo 379.º n.º 1 alínea b) do CPP;

4.ª Se o doseamento da pena é feito em função do grau de culpa do agente e das necessidades de prevenção, já a determinação do quantitativo diário da pena deverá ser feito em função da situação económica e financeira do arguido assim como dos seus encargos pessoais – cf. artigo 47.º n.º 2 do CP;

5.ª No que aos encargos da ora Recorrente diz respeito, pelo tribunal “a quo” foi apurado o que resulta dos Factos Provados sob os n.os 10 e 12 da decisão ora censurada;
6.ª Nada apurou o tribunal “a quo” sobre a situação económica e financeira da ora Recorrente;

7.ª Pela inexistência de factos dos quais resulte qual a situação económica e financeira da ora Recorrente, estamos perante uma insuficiência da matéria de facto provada, necessária para se aferir da justeza na fixação pelo tribunal “a quo” do quantitativo diário da pena de multa aplicada àquela;

8.ª Trata – se de um vício perceptível pelo cidadão comum e que resulta do texto da decisão recorrida;

9.ª O que implica, nesta parte, a anulação do julgamento – Cf. artigos 410.º n.º 2 e 426.º n.º 1, ambos do CPP;

10.ª É entendimento do tribunal “a quo” que para o preenchimento de qualquer um dos elementos objectivos do mencionado tipo legal de crime, basta a mera disponibilidade/intenção para a venda, mesmo que a mesma não se chegue, como foi o caso, efectivamente, a ter lugar;

11.ª Em face da factualidade provada e das normas legais em apreço e directamente aplicáveis ao caso concreto, entende a ora Recorrente que, atento tal entendimento, o tribunal “a quo” fez um errado enquadramento jurídico dos factos submetidos a julgamento;

12.ª Resulta do mencionado normativo legal que para o seu preenchimento e, consequentemente, da lesão do respectivo bem jurídico, se exige a prática efectiva de actos materiais de venda, colocação à venda, exportação ou por qualquer meio distribuir ao público;

13.ª Para que a ora Recorrente possa ser condenada pela prática do imputado crime, era necessário que resultasse da matéria de facto provada que aquela tivesse praticado qualquer um daqueles actos;

14.ª Não faz parte da matéria de facto provada que a ora Recorrente vendeu, que se encontrava a vender, exportou ou por qualquer forma distribuiu ao público;

15.ª Resulta da matéria de facto provada que a ora Recorrente não chegou a vender qualquer dos aludidos fonogramas, encontrando - se somente provado que “ (…) a arguida tinha ainda dentro de um saco, dentro da citada roulotte, mas livremente disponíveis para quem os quisesse adquirir, cinquenta e três fonogramas que não se encontrava autorizada a distribuir (…)”;

16.ª A mera disponibilidade não pública para venda não faz parte dos elementos objectivos do tipo legal de crime pelo qual a mesma foi condenada;

17.ª Razão pela qual a mesma, por não se encontrar provada a prática de qualquer dos elementos objectivos do tipo legal do crime imputado, não o praticou;

18.ª Violou assim o tribunal “a quo” o disposto nos artigos 195.º e 199.º do C. D. A. D. C;

19.ª Deve ser revogada a decisão ora impugnada na parte em que condena a ora Recorrente pela prática de um Crime de Aproveitamento de Obra Contrafeita e a mesma dela absolvida;

20.ª Foi a ora Recorrente condenada pena única de 380 dias de multa à taxa diária de € 5,00;

21.ª No que á pena de multa diz respeito, sem prejuízo do por si vertido nas Conclusões 4.ª a 9.ª, a decisão ora censurada viola o disposto no artigo 47.º n.º 1 do CP ex vi do artigo 44.º n.º 1 do mesmo diploma;

22.ª A remissão do n.º 1 do artigo 44.º do CP para o artigo 47.º significa que é aplicável o regime da multa no caso de substituição;

23.ª De acordo com o artigo 47.º n.º 1 do CP que “A pena de multa é fixada em dias, de acordo com os critérios estabelecidos no n.º 1 do artigo 71.º sendo, em regra, o limite mínimo de 10 dias e o máximo de 360.”

24.ª Foi aplicada à ora Recorrente uma pena de multa – 380 dias – que ultrapassa o limite máximo fixado por aquele normativo legal – 360 dias;

25.ª Como já foi doutamente decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 19.09.96, CJ, Tomo IV, página 71 “(…) não podendo esquecer a existência de legislação avulsa a cominar cumulativamente as penas de prisão e multa, o legislador de 95 teve de encontrar uma solução para tais situações (…); daí o aparecimento do dito artigo 6.º do DL 48/95. (…) Mas fica de pé sempre o princípio geral (…artigo 44.º de 1995). (…) O dito artigo 6.º com carácter correctivo, não pode vir ele mesmo derrogar o comando do art.º 44.º (…).”

26.ª Da conjugação dos artigos 44.º n.º 1 e 47.º n.º 1, ambos do CP com o doutamente expendido no Acórdão mencionado na Conclusão 25.ª, retira - se a seguinte conclusão: sempre que um tipo legal, não previsto na parte especial do Código Penal, preveja cumulativamente pena de prisão e multa, sendo aquela não superior a seis meses e, nesse caso, substituída por igual tempo de pena de multa, do aditamento de uma à outra não poderá resultar a aplicação de uma pena de multa superior a 360 dias;

27.ª A pena de multa em que foi condenada a Recorrente – 380 dias – terá de ser reduzida ao limite máximo imposto pelo artigo 47.º n.º 1 do CP – 360 dias;

28.ª Não deverá o quantitativo diário da pena de multa aplicada à Recorrente, em qualquer dos casos, ponderados quer os critérios fixados no artigo 71.º do CP assim como os factos provados sob os n.os 7 a 15, ultrapassar os € 3,00.

Admitido o recurso o Ministério Público respondeu concluindo pela manutenção da decisão recorrida. Já neste Tribunal o Ex.mo Procurador Geral Adjunto foi de parecer que o recurso não merece provimento.
Cumpriu-se o disposto no art.º 417º n.º 2 do Código Processo Penal e após os vistos realizou-se audiência, não tendo sido suscitadas nas respectivas alegações novas questões.

Factos provados:

Cerca das 21H30 do dia 17 de Agosto de 2002, no arraial da festa que decorre anualmente na Aguda, área desta comarca, a arguida explorava a "roulotte" denominada "C……", na qual possuía expostos para venda diversos fonogramas com suporte em disco compacto (vulgo "CD") e "K7" (vulgo "cassette"), procurando atrair todos quantos procuravam o recinto da festa para adquirirem esses artigos.
Para além daqueles fonogramas a arguida tinha ainda num saco, dentro da citada “roulotte”, mas livremente disponíveis para quem os quisesse adquirir, cinquenta e três fonogramas que não se encontrava autorizada a distribuir, uma vez que a sua produção e comercialização fora feita à margem dos legítimos titulares de direitos autorais sobre obras daquela natureza, tratando-se do que vulgarmente se designa como "cópias piratas", com as seguintes características:
dois CD com o título "Clone Internacional", correspondentes a uma duplicação dos registos fonográficos contidos na obra protegida sob o mesmo nome, interpretados por diversos artistas, sendo a edição do original dessa obra da responsabilidade de "Som Livre";
um CD com o título "Clone", correspondente a uma duplicação dos registos fonográficos contidos na obra protegida sob o mesmo nome, interpretados por diversos artistas, acrescida de conteúdos adicionais para reprodução em computador, sendo a edição do original dessa obra da responsabilidade de "Som Livre";
um CD com o título "O melhor do Bar da Dona Jura", correspondente a uma duplicação dos registos fonográficos contidos na obra protegida sob o mesmo nome, interpretados por diversos artistas, sendo a edição do original dessa obra da responsabilidade de "Som Livre";
quatro CD apresentando a indicação "4Dance", correspondentes a uma duplicação dos registos fonográficos contidos na obra protegida que a "Vidisco" editou sob o mesmo nome;
um CD apresentando o título "O melhor do Bar da Dona Jura", correspondente à reprodução da obra protegida "A new day has come", da intérprete Celine Dion, sendo o original dessa obra editado por "Sony Music";
um CD com o título "Definitivo", correspondente a uma duplicação dos registos fonográficos contidos na obra protegida sob o mesmo nome, interpretados por diversos artistas, sendo a edição do original dessa obra da responsabilidade de "Sony Music";
um CD com o título "Baladas Românticas vol 2", correspondente a uma duplicação dos registos fonográficos contidos na obra protegida sob o mesmo nome, interpretados por diversos artistas, sendo a edição do original dessa obra da responsabilidade de "Vidisco";
um CD com o título "Moli Beat", correspondente a uma duplicação dos registos fonográficos contidos na obra protegida sob o mesmo nome, interpretados por diversos artistas, sendo a edição do original dessa obra da responsabilidade de "Som Livre";
um conjunto de dois CD incluídos na mesma caixa intitulada "Super Caribe 4", correspondendo à reprodução da obra protegida com o mesmo título editada por "Ovação" em disco duplo e que inclui trechos interpretados por diversos artistas;
um conjunto de dois CD incluídos na mesma caixa intitulada "Caribe Mix 2002", correspondendo à reprodução da obra protegida com o mesmo título editada por "Vidisco" em disco duplo e que inclui trechos interpretados por diversos artistas;
um CD com o título "Bomba Latina 5", correspondente a uma duplicação dos registos fonográficos contidos na obra protegida sob o mesmo nome, interpretados por diversos artistas, sendo a edição do original dessa obra da responsabilidade de "Sony Music";
um CD apresentando o título "Chayanne - Greatest Hits", correspondente à reprodução da obra protegida com o mesmo título que se reporta a registos fonográficos interpretados por Chayanne, sendo o original dessa obra editado por "Sony Music";
três conjuntos de dois CD incluídos na mesma caixa intitulada "Now 6", correspondendo à reprodução da obra protegida com o mesmo título editada por "Universal" em disco duplo e que inclui trechos interpretados por diversos artistas;
dois CD apresentando o título "Cantor de sonhos", correspondente à reprodução da obra protegida com o mesmo título que se reporta a registos fonográficos interpretados por Tony Carreira, sendo o original dessa obra editado por "Espacial";
um CD apresentando o título "Depois de você", correspondente à reprodução da obra protegida com o mesmo título que se reporta a registos fonográficos interpretados por Lucas e Mateus, sendo o original dessa obra editado por "Vidisco";
um CD apresentando o título "Festa dos insectos", correspondente à reprodução da obra protegida com o mesmo título contendo registos fonográficos interpretados por Diapasão, sendo o original dessa obra editado por "Vidisco";
dois CD identificados como "Sound of tuning", correspondendo à reprodução da obra protegida com o mesmo título editada por "InTheHouse Records", que inclui trechos interpretados por diversos artistas;
um CD com o título "Forró Brasil", correspondente a uma duplicação dos registos fonográficos contidos na obra protegida sob o mesmo nome, interpretados pelo grupo musical homónimo, sendo a edição do original dessa obra da responsabilidade de "Vidisco";
três CD identificados como "Best of dance 2002 - The rythm of life", correspondendo à reprodução da obra protegida com o mesmo título editada por "Som Livre", que inclui trechos interpretados por diversos artistas;
um CD com o título "Paixão e loucura", correspondente a uma reprodução dos registos fonográficos interpretados pelo grupo "Canta Bahia" e contidos no primeiro disco do trabalho duplo editado com o mesmo nome por "Vidisco";
um CD com o título "Morango do Nordeste", correspondente a uma reprodução dos registos fonográficos interpretados pelo grupo "Canta Bahia" segundo o alinhamento da obra original com o mesmo nome editada por "Vidisco";
um CD com o título "Recordações", correspondente a uma fonográficos interpretados pelo grupo "Bandalusa" segundo original com o mesmo nome editada por "Vidisco";
um CD apresentando o título "Only a woman like you", correspondente à reprodução da obra protegida com o mesmo título que se reporta a registos fonográficos interpretados por Michael Bolton, sendo o original dessa obra editado por "EMI -Valentim de Carvalho";
um conjunto de dois CD incluídos na mesma caixa intitulada "Romântica FM - Música e paixão", correspondendo à reprodução da obra protegida com o mesmo título editada por "Farol Música" em disco duplo e que inclui trechos interpretados por diversos artistas;
um CD apresentando o título "Encore live and direct", correspondente à reprodução da obra protegida com o mesmo título que se reporta a registos fonográficos interpretados por Scooter, sendo o original dessa obra editado por "Sheffield Tunes";
um CD com o título "Sandy & Junior", correspondente a uma reprodução dos registos fonográficos interpretados pelo grupo homónimo segundo o alinhamento da obra original com o mesmo nome editada por "Universal";
um CD apresentando o título "Border girl", correspondente à reprodução da obra protegida com o mesmo título que se reporta a registos fonográficos interpretados por Paulina Rubio, sendo o original dessa obra editado por "Universal";
um CD com o título "Spirit - Stallion of the Cimarron", correspondente a uma duplicação dos registos fonográficos contidos na obra protegida sob o mesmo nome, interpretados por Bryan Adams, sendo a edição do original dessa obra da responsabilidade de "A&M Records";
dois conjuntos de dois CD incluídos na mesma caixa intitulada "Dance Power 8", correspondendo à reprodução da obra protegida com o mesmo título editada por "Vidisco" em disco duplo e que inclui trechos interpretados por diversos artistas;
um conjunto de dois CD incluídos na mesma caixa intitulada "Nova Era DJ 4", correspondendo à reprodução da obra protegida com o mesmo título editada por "Vidisco" em disco duplo e que inclui trechos interpretados por diversos artistas;
um CD com o título "Só sucesso 12", correspondente a uma duplicação dos registos fonográficos contidos na obra protegida sob o mesmo nome, interpretados por diversos artistas, sendo a edição do original dessa obra da responsabilidade de "Vidisco";
um CD com o título "Brasil 40° - O ritmo que te aquece", correspondente a uma duplicação dos registos fonográficos contidos na obra protegida sob o mesmo nome, interpretados por diversos artistas, sendo a edição do original dessa obra da responsabilidade de "Universal Music";
um conjunto de dois CD incluídos na mesma caixa intitulada "The best of Humberto Tozzi", correspondendo à reprodução da obra protegida com o mesmo título editada em disco duplo por "Sons D/África" e que inclui trechos interpretados por Humberto Tozzi;
um CD apresentando o título "Hard tuning", correspondente à reprodução da obra protegida "N.º 1 Tuning", cujo original é edição de "Universal";
um CD com o título "Mamã saudade", correspondente a uma duplicação dos registos fonográficos contidos na obra protegida sob o mesmo nome, interpretados por Graciano Saga, sendo a edição do original dessa obra da responsabilidade de "Espacial";
um CD com o título "Disco d´ouro - 20 êxitos de música portuguesa", correspondente a uma duplicação dos registos fonográficos contidos na obra protegida sob o mesmo nome, interpretados por diversos artistas, sendo a edição do original dessa obra da responsabilidade de "Espacial";
dois CD com o título "Portugal a rir 2 - Fernando Rocha", mera duplicação dos registos fonográficos contidos na obra protegida sob o mesmo nome, consistente na sonorização de textos anedóticos, acrescida de conteúdo adicional para reprodução em computador, na circunstância, um "videoclip";
um CD apresentando capa elaborada por recurso a edição e impressão informática, com o título "DJ @ Work", correspondente a uma duplicação de registos fonográficos cujos autores e intérpretes em concreto não se apuraram, aparente reprodução de obra protegida de edição internacional;
dois CD apresentando capa elaborada por recurso a edição e impressão informática, com o título "V. Devil's", correspondentes a uma duplicação dos registos fonográficos cujos autores e intérpretes em concreto não se apuraram, aparente reprodução de obra protegida de edição internacional.
Todos os referidos fonogramas constituíam reproduções dos correspondentes fonogramas originais elaboradas sem autorização dos seus autores ou representantes, destinando-se a serem comercializados pela arguida e em benefício próprio desta.
Esses mesmos fonogramas foram fabricados por desconhecidos, por recurso a meios de duplicação artesanal e fixados em suporte de uso genérico vendidos ao público como discos compactos virgens, identificáveis na face não gravável por marca de empresa produtora deste tipo de suporte e pela cor de tonalidade verde ou azul em lugar do cinzento prateado que corresponde aos discos compactos de produção original, mostrando-se ausente a marcação ou a impressão dos títulos das obras que são características dos discos originais.
Também as caixas respectivas estavam desprovidas de "lay-card", "booklet" ou capa impressa por meios tipográficos, que se mostravam substituídas por capas simples de menor qualidade, fotocopiadas ou impressas por meios informáticos.
Os fonogramas iam ser vendidos ao preço de € 5,00 por cada disco compacto, o que apenas não sucedeu por via de uma inspecção da L.G.A.C., que procedeu à respectiva apreensão.
A arguida agiu de forma livre, consciente e deliberada, uma vez que, sabedora da necessidade de prévio consentimento dos respectivos autores produtores ou representantes legítimos de uns e outros para a produção e comercialização de fonogramas enquanto obras intelectuais protegidas por direito de autor vigente em território nacional, decidiu comercializar reproduções de fonogramas relativamente aos quais aqueles não haviam prestado tal consentimento, acto que foi efectuado como ela bem sabia contra a vontade presumível e em prejuízo patrimonial destes pela perda de proveitos que resultariam da comercialização dos originais devidamente licenciados.
Sabia a arguida que este seu comportamento era proibido e punido por lei.
A arguida é casada e tem dois filhos, menores de idade, a seu cargo.
A arguida vive em casa própria, adquirida com recurso ao crédito bancário, pelo que mensalmente paga de prestação cerca de €700,00.
O marido da arguida é feira, sendo auxiliado por aquela na sua actividade comercial.
A arguida tem ainda como encargo fixo mensal a prestação bancária de €310,00, pelo empréstimo contraído para aquisição de veículo.
A arguida confessou os factos.
À data da prática dos factos a arguida não tinha antecedentes criminais.
Por decisão de 03.06.03, transitada em julgado em 18.06.03, foi a arguida condenada na pena única de 10 meses de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos e em 50 dias de multa, á taxa diária de €2,50, pela prática em 12.11. 01 de um crime de contrafacção e de um crime de usurpação.

Factos não provados:
Não se provaram quaisquer outros factos dos alegados nos autos ou em audiência, nem outros, contrários ou incompatíveis com os provados e com interesse para a decisão da causa, nomeadamente que:
Os fonogramas apreendidos nos autos se encontrassem entre os diversos exemplares constantes dos expositores da “roulotte” da arguida.

Motivação:
O decidido fundamenta-se na análise critica e comparativa da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento e nos documentos juntos aos autos, nomeadamente:

Nas declarações da arguida que confessou os factos, referiu onde tinha os fonogramas em causa, explicando não se encontrarem os mesmos expostos na sua banca, mas antes dentro de um saco que se encontrava no interior da “roulotte”. Referiu ainda que, não obstante tal facto, os mesmos destinavam-se a ser comercializados por todos quantos solicitassem tal tipo de material, mais admitiu saber estar-lhe vedada a sua comercialização.
A acção de fiscalização foi descrita pelos inspectores D……. e E……, cujos depoimentos se mostraram sérios e credíveis, sendo certo que ambos confirmaram as declarações da arguida no que concerne ao sitio onde se encontrava o material que veio a ser apreendido.
Mais se valorou o auto de apreensão de fls. 2/3, o auto de exame directo de fls. 22 a 43, bem como no C.R.C. da arguida.
Nenhuma outra prova foi produzida.

O Direito:
Questões a decidir:
Nulidade da sentença por alteração não substancial dos factos, não comunicada à arguida.
Insuficiência da matéria de facto provada, necessária para se aferir do quantitativo diário da pena de multa;
Da correcta ou errada subsunção dos factos ao direito;
Se podia ser aplicada pena de multa superior a 360 dias;

A – Segundo a recorrente a sentença é nula, porque o tribunal procedeu a alteração não substancial da matéria de facto descrita na acusação, artigo 379.º n.º 1 alínea b) do Código Processo Penal, sem a ter comunicado à arguida, nos termos e para efeitos do artigo 358.º do CPP. Segundo a recorrente constava da acusação que entre os diversos exemplares constantes dos expositores a arguida mantinha, livremente disponíveis para quem os quisesse adquirir, cinquenta a três fonogramas que não se encontrava autorizada a distribuir. Constando como provado na sentença que para além daqueles fonogramas a arguida tinha ainda dentro de um saco, dentro da citada roulotte, mas livremente disponíveis para quem os quisesse adquirir, cinquenta e três fonogramas que não se encontrava autorizada a distribuir, entende a arguida que o tribunal procedeu a uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação, violando o disposto no artigo 358.º do CPP, por se tratarem de factos relevantes para a decisão e não resultarem de factos invocados pela defesa que se limitou a oferecer o merecimento dos autos.
Dispõe o art.º 358º do Código Processo Penal:
Se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação (...) com relevo para a decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa.
Ressalva-se do disposto no número anterior o caso de a alteração ter derivado de factos alegados pela defesa.
A definição legal da alteração substancial dos factos consta do art.º 1º al. f) do Código Processo Penal. Da conjugação dos dois dispositivos legais – art.º 358º e art.º 1 - conclui-se que ocorre alteração não substancial quando há uma modificação dos factos que constam da acusação ou da pronúncia, que não implique a imputação de um crime diverso, nem a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.
Uma primeira precisão: a invocação de factos pela defesa referido no art.º 358º n.º2 do Código Processo Penal, não tem o âmbito restrito que a recorrente lhe outorga – apenas os constantes da contestação -, abrange também os factos resultantes das declarações que a arguida presta em audiência. Isso resulta, com evidência, da consideração do n.º1 do art.º 358º do Código Processo Penal: se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial.
Que a alteração derivou de factos alegados pela defesa resulta da motivação, aí se referindo que o decidido se fundamenta (...) nomeadamente nas declarações da arguida que confessou os factos, referiu onde tinha os fonogramas em causa, explicando não se encontrarem os mesmos expostos na sua banca, mas antes dentro de um saco que se encontrava no interior da “roulotte”. Referiu ainda que, não obstante tal facto, os mesmos destinavam-se a ser comercializados por todos quantos solicitassem tal tipo de material, mais admitiu saber estar-lhe vedada a sua comercialização. Depois a correcção da motivação resulta e é confirmada pela transcrição das declarações prestadas pela arguida:
Vejamos:
Arguida, B………:
Só tenho uma coisa a dizer senhora doutora, eles não estavam expostos à frente da banca para venda ao público, eles tavam metidos numa saca no interior da rolote sob a banca.

Juiz de Direito:
Portanto, é verdade que a senhora tinha…

Arguida, B……..:
É verdade.

Juiz de Direito:
Todos estes CDs que estão aqui numerados…

Arguida, B………:
É verdade senhora doutora, é verdade.

Juiz de Direito:
Na… na… na sua banca na sua… na sua rolote…

Arguida, B……….:
Só…

Juiz de Direito:
Digamos assim?

Arguida, B……….:
É verdade.

Juiz de Direito:
Pronto.

Arguida, B………..:
Só não estavam era expostos ao público…

Juiz de Direito:
Sim senhor.

Arguida, B……….:
Estavam guardados para quem os viesse procurar a gente não dizer não… não é quem não tivesse não estavam eram expostos, o que estava… todo o material que estava exposto era original como foi para… comprovado pelos inspectores da fiscalização. O material contrafeito estava no interior da rolote.

Assim, sem sequer se questionar se a alteração em causa configura alteração não substancial, cfr. art.º 1º n.º1 al. f) e art.º 358º do Código Processo Penal - sendo nosso entendimento que nem sequer se está perante alteração não substancial, pois não há modificação dos factos, há apenas um relato diverso dos mesmos factos – dando de barato que se está perante alteração não substancial, improcede a questão suscitada pela recorrente, já que essa alteração derivou de factos alegados pela defesa, não padecendo a sentença da alegada nulidade.

B - Entende a recorrente que se verifica insuficiência da matéria de facto provada, pois nada se apurou sobre a sua situação económica e financeira, o que implica, a anulação do julgamento, artigos 410.º n.º 2 e 426.º n.º 1, do Código Processo Penal.
Liminarmente se dirá que a recorrente parte de um conceito erróneo de insuficiência de matéria de facto. Ocorre o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, quando a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito, ou quando o tribunal deixou de investigar toda a matéria com interesse para a decisão final [Simas Santos e Leal Henriques, Recursos..., 5ª ed. pág. 62.]. A insuficiência releva em sede de pressupostos de aplicação da pena. Quanto às circunstâncias relevantes para a medida da pena, não configura a referida insuficiência a circunstância de findo o julgamento não se ter apurado, na perspectiva da recorrente, a sua situação económica. A existir essa mingua de factos, que não se verifica como se verá, só pode ter uma leitura: pro reo, é o que resulta da aplicação do princípio in dubio pro reo. Como ensina F. Dias, um nom liquet na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido: é com este sentido e conteúdo que se afirma o princípio in dubio pro reo [F Dias, Direito Processual Penal, 1974, pág. 213].
Mas não é o caso; a situação económica apurada é suficiente para ancorar o montante diário fixado, que se nos afigura proporcionado. Nesta matéria não se pode perder de vista que se impõe acabar com a ideia de que a pena de multa é, em certa medida, uma absolvição [F. Dias Código Penal, actas e projecto da comissão de revisão, pág. 15], A pena de multa deve ser credível, e só o é aquela que inflija penosidade, que se traduza num sacrifício financeiro e tenha um efectivo efeito sancionatório.

C. – Da subsunção jurídica.
Sustenta a arguida que o tribunal fez errado enquadramento jurídico dos factos submetidos a julgamento, pois o normativo legal exige a prática efectiva de actos materiais de venda, colocação à venda, exportação ou por qualquer meio distribuir ao público e não faz parte da matéria de facto provada que a recorrente vendeu, que se encontrava a vender, exportou ou por qualquer forma distribuiu ao público.
Exige o art.º 199º n.º1 do CDADC a venda, o pôr à venda, exportar ou por qualquer modo distribuir ao público obra usurpada ou contrafeita ou cópia não autorizada de fonograma ou videograma.
Resulta da matéria de facto provada que a recorrente tinha num saco dentro da «roulotte» disponíveis para quem os quisesse adquirir, cinquenta e três fonogramas. Conclui-se assim que a recorrente tinha os fonogramas à venda com as cautelas usuais: como se tratava de fonogramas ilegais estavam mais recuados. São as regras e práticas habituais neste tipo de comércio, conhecidas de vendedores e compradores.

D – Dias de multa.
Na óptica da recorrente a decisão recorrida ao aplicar a pena única de multa deveria ter respeitado os limites impostos pelo art.º 47º n.º1 do Código Penal não podendo por isso ter sido condenada numa pena única superior a 360 dias de multa.
O equívoco da recorrente parece-nos flagrante. O crime em causa era punível com pena de prisão e multa. A arguida foi condenada em 6 meses de prisão e 200 dias de multa. Por se ter entendido que a execução da pena de prisão não era necessária para satisfazer as exigências de prevenção foi substituída a pena de prisão por igual tempo de multa, art.º 44º n.º 1 do Código Penal. É certo que o art.º 44º remete para o 47º do Código Penal. De acordo com o artigo 47.º n.º 1 do CP que “A pena de multa é fixada em dias, de acordo com os critérios estabelecidos no n.º 1 do artigo 71.º sendo, em regra, o limite mínimo de 10 dias e o máximo de 360. Esquece a recorrente que o normativo diz «em regra». Só que essa regra geral está excepcionada por uma disposição especial, o art.º 6º do Decreto Lei n.º 48/95, que impõe, no caso de vigorarem normas que prevejam penas cumulativas de prisão e multa, sempre que a pena de prisão for substituída por multa – o que aconteceu no caso – a aplicação de uma só pena equivalente à soma da multa directamente imposta e da que resultar da substituição da prisão. Foi o que se fez na decisão recorrida pelo que nada há a censurar à decisão recorrida.
Não vislumbramos como da conjugação dos artigos 44.º n.º 1 e 47.º n.º 1, ambos do Código Penal se possa concluir, como o faz a recorrente, que sempre que um tipo legal, não previsto na parte especial do Código Penal, preveja cumulativamente pena de prisão e multa, sendo aquela não superior a seis meses e, nesse caso, substituída por igual tempo de pena de multa, do aditamento de uma à outra não poderá resultar a aplicação de uma pena de multa superior a 360 dias. Para nós da conjugação dos dispositivos legais em causa com o art.º 6º do Decreto Lei n.º 48/95, resulta precisamente o contrário.
Vejamos:
Em primeiro lugar o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 19.09.96, CJ, XXI, Tomo IV, página 71, citado pela recorrente em abono da sua tese não diz, quer no seu sumário, quer no seu texto aquilo que a recorrente afirma. Nesse Acórdão decidiu-se que só as penas de prisão até seis meses podem ser substituídas por multa [o Acórdão abordou a questão da possibilidade de substituir por multa uma pena de prisão por dez meses, tendo respondido negativamente].
Conhecendo a génese do art.º 6º Decreto Lei n.º 48/95, resulta claro a sem razão da recorrente. A Reforma de 1995 do Código Penal acabou com as penas cumulativas, de prisão e multa, mas como existia legislação extravagante onde subsistia a previsão de cumulação de penas a Comissão, avisadamente, introduziu no Anteprojecto o art.º 6º que se manteve no Decreto Lei n.º 48/95, de 15 de Março. Ora foi o abandono da indesejável prescrição cumulativa das penas de prisão e multa na parte especial por uma solução de alternatividade que levou a um agravamento do limite máximo geral para a pena de multa de 360 para 600 dias [Ponto 4. Da proposta de Lei n.º 92/VI, Reforma do Código Penal, Trabalhos preparatórios, AR, Vol. I p. 15]

Concluímos, assim, que a multa de substituição aplicada via art.º 6º do Decreto Lei n.º 48/95, não está condicionada aos limites regra do art.º 47º do Código Penal [limite mínimo de 10 dias e o máximo de 360], mas apenas ao limite máximo geral de 600 dias.
Do exposto resulta a total improcedência do recurso.

Decisão:
Na improcedência do recurso mantém-se a decisão recorrida.
Custas pela recorrente fixando-se a taxa de justiça em 8 UC.

Porto, 12 de Julho de 2006
António Gama Ferreira Ramos
Alice Fernanda Nascimento dos Santos
Luís Eduardo Branco de Almeida Gominho
Arlindo Manuel Teixeira Pinto