Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
5090/05.7TDPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ALVES DUARTE
Descritores: SUSPENSÃO DO PROCESSO PENAL TRIBUTÁRIO
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
QUESTÃO PREJUDICIAL
Nº do Documento: RP201301235090/05.7TDPRT.P1
Data do Acordão: 01/23/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Para a suspensão do processo penal tributário não releva saber se a impugnação judicial foi previamente intentada ao processo criminal ou o seu contrário, mas apenas que se encontre pendente quando o tribunal tenha de decidir acerca da suspensão deste.
II - A pendência de impugnação judicial no Tribunal Administrativo e Fiscal não determina, ipso facto, a suspensão do processo penal tributário, sendo necessário que a questão nela suscitada seja prejudicial relativamente ao objeto deste processo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 5090/05.7TDPRT.P1
Tribunal Judicial da Comarca de Cinfães

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

I - Relatório.
B… recorreu da decisão do Mm.º Juiz do Tribunal Judicial da Comarca de Cinfães que indeferiu a sua pretensão de ver declarada a suspensão do processo por virtude de pendência de impugnação judicial no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, pedindo que seja ordenada a suspensão do presente processo penal tributário até decisão final a proferir na referida impugnação judicial, rematando a motivação com as seguintes conclusões:
1 - O Recorrente apresentou Impugnação Judicial de fls., com fundamento em nulidades, atempadamente junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, pelo que nesse seguimento requereu a suspensão provisória do processo penal tributário, tal como dispõe o artigo 47.º do RGIT.
2 - O Meritíssimo Juiz a quo considerou que o expediente da Impugnação Judicial fora usado apenas com o intuito de suspender o processo penal tributário em causa pelo que indeferiu o requestado, violando o disposto no artigo 47.º do RIT, bem como o artigo 212.º, n.º 3 da C. R. P..
3 - Referindo liminarmente, sem fundamentação de facto ou de direito que, “a aplicação do disposto no artigo 47.º, n.º 1 do RGIT apenas terá aplicação nos casos em que já está pendente um processo em que vai ser apreciada a questão prejudicial, (sublinhado e negrito nossos), contrariando o que vem sendo Jurisprudência dominante, cfr. por todos, Ac. RPorto, de 14.06.2005, disponível em www.dgsi.pt.
4 - Acresce que na Impugnação Judicial interposta pelo Recorrente, constante de fls., e que se dá por reproduzida por razões de economia processual, resultam os seguintes pedidos:
a) Reconhecer que o Instituto de Segurança Social, IP, nunca notificou a representada do Impugnante, nos termos e para efeitos do disposto no n.º 4 do art.º 105.º do RGIT, declarando que a falta de notificação equivale, como referido, à falta de fundamentação, violando-se o disposto no art.º 123.º, n.º 2 alínea d), art.º 124.º e 125.º, todos do CPA;
b) Declarar que as cotizações alegadamente devidas e reclamadas pelo Instituto de Segurança Social, I.P, ao Impugnante e à sociedade C… que se reporta ao período compreendido entre Fevereiro de 2004 e Agosto de 2004, mostram-se prescritas;
c) Declarar que, a notificação a que alude o disposto na alínea b) do n.º 4 do art.º 105.º do RGIT, deverá observar o disposto no art°.38 n’5 e 6, e art.º 192.º, todos do CPPT, o que não sucedeu no caso sub judice, determinando a respectiva nulidade;
d) Declarar que a “notificação” vertida no doc. 4, não se mostra fundamentada de facto e de direito, inquinando a mesma com nulidade insanável, por violação do disposto no art.º 123.º, n.º 2 alínea d), art.º 124.º e 125.º, todos do CPA;
e) Declarar que a “notificação” vertida no doc. 4, não se mostra fundamentada de facto e de direito, inquinando a mesma com nulidade insanável, por violação do disposto no art.º 123.º, n.º 2, alínea d), art.º 124.º e 125.º, todos do CPA, uma vez que imputa obrigações ao Impugnante, correspondente a período em que o Impugnante não era gerente da sociedade C…, Ld.ª.
5 - São, as questões vertidas nos diversos pedidos prejudiciais, uma vez que tendo natureza não penal, a sua resolução é necessária para o conhecimento da existência do facto criminoso.
6 - Portanto, a qualificação criminal dos factos em apreciação no presente processo depende da definição da situação tributária que se discute naquele processo de impugnação judicial.
7 - O que justifica nos termos do disposto no artigo 47.º do RGIT, a suspensão do presente processo, sem o que se violará o disposto naquela norma, bem como no art.º 7.º, n.º 3, e art.º 374.º, ambos, do CPP, art.º 47.º. do RGIT e artigo 212.º, n.º 3 da C.R.P..

Ao recurso respondeu o Ministério Público, pedindo que lhe seja negado provimento, sustentando a sua opinião na seguinte ordem de razões.
Os factos imputados ao arguido/recorrente reportam-se a Agosto de 2004 e consubstanciam a prática de um crime de abuso à Segurança Social, na forma continuada, p. e p. pelo art.º 107.º, n.os 1 e 2, do RGIT.
O despacho de acusação foi proferido a 27/03/09, tendo sido requerida a abertura da instrução, que finalizou com a pronúncia do arguido, constante de decisão instrutória de 15/07/11.
A acusação foi recebida por despacho de 24/11/11, tendo sido designado o dia 27/03/12 para a realização da audiência de discussão e julgamento.
Em 22/03/12 o arguido dá entrada no TAF do Porto, de impugnação judicial dos factos tributários subjacentes à acusação e pronúncia proferidas nos presentes autos.
Em 23/03/12, vem o arguido dar entrada em requerimento, no qual alega a prescrição do procedimento criminal — que manifestamente ainda não havia ocorrido — a omissão da notificação prevista no art.º 104.º, n.º 2, ai. b), do RGIT — que não havia sido efectuada à sociedade arguida, mas apenas aos seus legais representantes, pelo que veio o Tribunal a ordená-la, tendo assim sido desconvocada a data designada para a realização da audiência de julgamento -, a dispensa de pena, nos termos do disposto no art.º 22.º, do RGIT — cuja decisão veio a ser relegada para ulterior momento — e requer a suspensão dos presentes autos, por se encontrar pendente impugnação fiscal sobre os factos tributários subjacentes à acusação proferida nos presentes autos, nos termos do disposto no art.º 47.º, do RGIT.
O Mm.º Juiz a quo, quanto à questão objecto do presente recurso — a da suspensão dos presentes autos —, profere despacho de indeferimento, fundamentando-o “atendendo ao estado dos presentes autos e à data da instauração do processo invocado pelo arguido, considera-se que a aplicação do disposto no art.º 47.º, n.º 1, do RGIT apenas terá aplicação nos casos em que já está pendente um processo em que vai ser apreciada a questão prejudicial (...)”.
Não se conformando com o douto despacho, vem o arguido dele interpor o presente recurso.
Desde já se nos afigura não assistir qualquer razão ao recorrente.
Na verdade, apesar de termos por certo que, como o recorrente bem alega, citando diversa jurisprudência, não é necessário que a causa prejudicial seja intentada antes da instauração da causa dependente (o que aplicando-se ao causa dos autos significa que a impugnação judicial junto do TAF não tem de ser interposta antes do início do processo penal), afigura-se-nos, salvo melhor opinião, que a partir do momento em que tal acção é proposta, não resulta automática a suspensão do processo penal.
Pelo contrário, afigura-se-nos que tal suspensão não deve ser determinada quando seja manifesto que a impugnação fiscal apenas foi intentada como meio de obter a referida suspensão do processo penal.
A assim não ser estava encontrada a forma de, a qualquer momento, suspender o processo penal.
No caso dos autos, o processo penal estava já em fase de julgamento, aliás, a meros 4 dias da sua realização, sendo que resulta manifesto o interesse do recorrente em suspender os presentes autos, o que se extrai do momento escolhido para a referida interposição, conjugado com o estado dos presentes autos e do tempo que o recorrente havia tido para fazê-lo.

Nesta Relação, o Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que:
1. Por despacho proferido em 26.03.2012 (cf. 1186-1187) com os fundamentos que melhor se evidenciam da sua leitura, foi decidido, ao demais, não deferir a pretensão do arguido B…, de nos termos do art.º 47.º, n.º 1 do RGIT, ser decretada a suspensão do procedimento penal tributário.
Com tal decisão mostrou-se inconformado, o arguido, que dele traz recurso a esta Relação, concluindo as suas motivações nos termos documentados a págs. 1216-121 8.
2. O MP veio responder a págs.1228-1230, começando por calendarizar, as principais datas que assinalam a marcha dos autos. Temos, assim:
• 27.03.2009 - dedução de acusação pública;
• 15.07.2011 - Despacho de pronúncia;
• 24.11.2011 - Despacho a marcar julgamento, para o dia 27.03.2012
• 22-03-2012, — entrada de uma acção de impugnação judicial no TAFP, movida pelo recorrente, alegadamente, referente aos factos tributários, objecto do processo.
• 22-03-2012, isto é, na mesma data, veio o mesmo ao processo, alegar a verificação da prescrição do procedimento criminal, e omissão de notificação prevista no art.º 104.º, n.º 2, alínea b), do RGIT que apenas havia sido feita aos legais representantes da sociedade arguida. Requereu a suspensão do procedimento criminal fiscal, nos termos do art.º 47.º do RGIT.
Ainda que se sustente na peça (ao contrário do que vem entendido no despacho «sub censura») que para que seja determinada a suspensão do procedimento criminal fiscal, não é necessário que se tenha intentado, previamente a este, impugnação judicial junto do TAF, entende-se que, a interposição de tal acção, não tem a impetrada suspensão, como consequência necessária ou automática.
Pelo contrário, deve ser sempre indeferida tal pretensão, quando resulte com clareza que in casu a impugnação fiscal, pelo momento em que é deduzida e pelo seu conteúdo, apenas visa a introdução de dilações no procedimento criminal fiscal.
Entendendo, ser esse, manifestamente o caso, pronuncia-se pela improcedência do recurso.
A jurisprudência no referente á aplicabilidade do art.º 47.º, n.º 1 do RGIT (Suspensão do processo penal tributário) tem vindo a pronunciar-se, tanto quanto sabemos, em sentido uniforme. Assim, tal norma do RGT, consagra um desvio ao princípio da suficiência do processo penal, consagrado no art.º 7.º do CPP.
Todavia, deve entender-se que a suspensão do processo penal tributário, apenas se perfila como obrigatória, sempre que «se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados» cf. o texto do inciso penal tributário, supra referido. No fundo, tal suspensão só deverá ter lugar, a nosso ver, quando estivermos perante uma questão prejudicial que releva de saber se os factos objecto do processo integram ou não crime tributário.
Afigura-se-nos que tal pressuposto de aplicabilidade do art.º 47.º, n.º 1 do RGIT, não ocorre «in casu», tudo se resumindo, como a própria cronologia da tramitação processual evidencia, ao desenvolvimento pelo recorrente, de uma estratégia, de última hora, para em cima do julgamento, evitar a sua realização.
Quanto á omissão da notificação prevista no art.º 105.º, n.º 4, alínea b) do RGIT, no atinente à sociedade arguida, já se mostra ordenada a efectivação da mesma na pessoa do administrador da insolvência, como melhor se colhe do despacho documentado a págs. 1187.

Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, tendo o recorrente vindo dizer o seguinte:
1. O Recorrente confessa surpresa compulsada a promoção objecto de Resposta.
2. A calendarização vertida no artigo 2 do Parecer objecto de Recurso, parece olvidar que antes da plasmada acção de impugnação impetrada no TAFP, datada de 22.03.p.p., o Recorrente constitui novo Mandatário nos autos, (12.01.2012).
3. Requereu confiança do processo, (12.01.2012).
4. Deferida por despacho de 2501.2012,
5. Notificada na pessoa do Mandatário do Recorrente em 02.0220.12.
6. O Recorrente foi Notificado da data de audiência de julgamento em 16.01.2012,
5. Cujo prazo para Contestação terminou em 05.02.2012,
6. E Excepcionou.
7. E depois de meticuloso estudo dos autos e diversos autos conexos, nomeadamente a complexa Insolvência da Co-Arguida, optou por deduzir a dita impugnação Fiscal, 5 dias antes da audiência de julgamento.
8. A qual foi adiada por falta de notificação da sociedade Co-Arguida, sem que o Recorrente alvitre qualquer Juízo de valor ou evidencia sobre tal "falha", irregularidade” "omissão" ou “distracção” processual.
9. Isto posto, com relevo efectivo, o Parecer objecto de resposta refere que “quando resulte com clareza que iii casu a impugnação fiscal pelo momento em que é deduzida e pelo seu conteúdo, apenas....”
10. Não pode o Recorrente ser limitado pelo facto da lei não determinar prazo para impetrar a Impugnação Judicial Fiscal,
11. A qual no limite, até poderia decorrer depois de iniciada a audiência de julgamento, se factos dali resultassem para tanto,
12. Uma vez que nenhuma disposição legal o impede (s.m.o. as nulidades são invocáveis a todo o tempo - o que, aliás, foi invocado na impugnação sub judice).
13. E sem que daí se possa suscitar qualquer evidência dilatória - não fundamentada no Parecer em causa - que não se pode confundir com o legitimo recurso a expedientes processuais para defesas dos direitos do Recorrente.
14. Porém, e como se impunha, não concretiza nem refuta o conteúdo da aludida Impugnação, alegando apenas que “pelo seu conteúdo, apenas visa a introdução de dilações, sem concretizar o que seja sobre o conteúdo, quando, é manifesto que a proceder terá influencia sobre a situação tributária em discussão com reflexo directo na suposta situação penal do Recorrente.
15. Em tudo o mais se mantém o alegado em sede de Recurso.

Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, cumpre agora apreciar e decidir.
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II - Fundamentação.
1.1. A decisão recorrida:
Atendendo ao estado dos presentes autos e a data da instauração do processo invocado pelo arguido, considera-se que a aplicação do disposto no artigo 47.º, n.º 1 do RGIT apenas terá aplicação nos casos em que já está pendente um processo em que vai ser apreciada a questão prejudicial, justificando-se, então, que se aproveite essa situação, atribuindo-se aos tribunais fiscais competência exclusiva para decidir a questão[2] — sob pena de estar encontrada a fórmula para suspender qualquer processo penal tributário pois, a qualquer momento e independentemente da tempestividade e do mérito da instauração do processo fiscal, sempre implicaria, automaticamente, a suspensão do processo penal, com as consequências que essa suspensão acarretaria para o procedimento criminal.
Nestes termos indefere-se o requerido.

1.2. Outros factos relevantes:
Na acção de impugnação judicial tributária interposta pelo recorrente, foram formulados os seguintes pedidos:
a) Reconhecer que o Instituto de Segurança Social, I. P., nunca notificou a representada do Impugnante, nos termos e para efeitos do disposto no n.º 4 do art.º 105.º do RGIT, declarando que a falta de notificação equivale, como referido, à falta de fundamentação, violando-se o disposto no art.º 123.º, n.º 2 alínea d), art.º 124.º e 125.º, todos do CPA;
b) Declarar que as cotizações alegadamente devidas e reclamadas pelo Instituto de Segurança Social, I. P, ao Impugnante e à sociedade C… que se reporta ao período compreendido entre Fevereiro de 2004 e Agosto de 2004, mostram-se prescritas;
c) Declarar que, a notificação a que alude o disposto na alínea b) do n.º 4 do art.º 105.º do RGIT, deverá observar o disposto no art.º 38.º, n.os 5 e 6 e art.º 192.º, todos do CPPT, o que não sucedeu no caso sub judice, determinando a respectiva nulidade;
d) Declarar que a “notificação” vertida no doc. 4, não se mostra fundamentada de facto e de direito, inquinando a mesma com nulidade insanável, por violação do disposto no art.º 123.º, n.º 2 alínea d), art.º 124.º e 125.º, todos do CPA;
e) Declarar que a “notificação” vertida no doc. 4, não se mostra fundamentada de facto e de direito, inquinando a mesma com nulidade insanável, por violação do disposto no art.º 123.º, n.º 2, alínea d), art.º 124.º e 125.º, todos do CPA, uma vez que imputa obrigações ao Impugnante, correspondente a período em que o Impugnante não era gerente da sociedade C…, Ld.ª.
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2. Poderes de cognição desta Relação e objecto do recurso.
2.1. A abrir diremos que o âmbito do recurso é definido pelas conclusões formuladas pelo recorrente que culminam as suas motivações e é por elas delimitado.[3] Mas porque as conclusões são um resumo das motivações,[4] não pode conhecer-se de questões constantes daquelas que não tenham sido explanadas nestas. Daí que a questão a apreciar neste recurso sejam apenas a seguinte:
A aplicação do disposto no artigo 47.º, n.º 1 do RGIT apenas terá aplicação nos casos em que já esteja pendente um processo em que vai ser apreciada a questão prejudicial?
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2.2. Vejamos então a questão atrás enunciada.
O art.º 47.º, n.º 1 do Regime Geral das Infracções Tributárias estabelece que «se estiver a correr processo de impugnação judicial ou tiver lugar oposição à execução, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, em que se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados, o processo penal tributário suspende-se até que transitem em julgado as respectivas sentenças.» Trata-se, inquestionavelmente, de um entorse ao princípio da suficiência do processo penal, no sentido em que nele devem ser conhecidas todas as questões relevantes para o conhecimento do seu objecto.[5] Mais ainda, consubstancia um regime especial relativamente ao que em geral a lei processual penal prevê para os casos de prejudicialidade de questões não penais em processo penal uma vez que aqui a suspensão é decretada ope judicis[6] e além ope legis,[7] ali prevê-se prazo, prorrogável, é certo, para a suspensão,[8] findo o qual a questão será decidida no processo penal mas aqui não. Em geral, a causa da questão prejudicial não tem que estar pendente quando se inicia a causa dependente, exigindo-se, outrossim, que já tenha sido instaurada quando se suscite a questão dependente, conforme sustenta a generalidade da jurisprudência que se pronunciou sobre o tema.[9] E aqui também não se vê razão para ser de modo diferente, como referem tanto o recorrente como o Ministério Público junto da instância recorrida.[10] Aliás, se tivermos em conta que, sendo regra, não é forçoso que o processo tributário preceda o processo criminal,[11] o entendimento sufragado no despacho recorrido poderia levar a inevitáveis decisões contraditórias,[12] com o tribunal tributário a afirmar que ao Estado não existia o direito de cobrar certo imposto ao contribuinte e o tribunal criminal a condená-lo por não ter pago algo que não era devido.
Por isso e em jeito de conclusão propendemos a considerar que para a suspensão do processo penal tributário não releva saber se a impugnação judicial foi previamente intentada ao processo criminal ou o seu contrário mas apenas que se encontre pendente quando o tribunal tenha que decidir acerca da suspensão deste.

Mas a pendência de impugnação judicial no Tribunal Administrativo e Fiscal não determina, ipso facto, a suspensão do processo penal tributário, pois que é ainda necessário que a questão nela suscitada seja prejudicial relativamente ao objecto desse processo. Isto mesmo se extrai do art.º 47.º, n.º 1 do Regime Geral das Infracções Tributárias quando refere a situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados.
Sabemos que em geral se entende que «uma causa depende do julgamento de outra quando na causa prejudicial se esteja a apreciar uma questão cuja resolução por si só possa modificar uma situação jurídica que tem de ser considerada para a decisão de outro pleito.»[13] Ou dizendo o mesmo de doutro modo, «uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão da primeira pode destruir o fundamento ou razão de ser da segunda.»[14] Concretizando, vale por dizer, como vem decidindo esta Relação do Porto, «a suspensão do processo penal fiscal (47.º, n.º 1 do RGIT) em consequência de uma impugnação judicial só reveste carácter obrigatório se a mesma for absolutamente necessária para a decisão da questão prejudicada (crime fiscal ou tributário), de modo que se lhe apresente como um antecedente lógico-jurídico, com carácter autónomo e condicionante do conhecimento da questão principal.»[15]
Também a doutrina afina por este diapasão. Com efeito, referem os Cons.os Jorge Lopes de Sousa e Simas Santos que «… neste artigo 47.º do RGIT tem-se por assente que as questões que são objecto de apreciação no processo de impugnação judicial ou de oposição à execução, nos termos do CPPT, constituem questões não penais que não podem ser convenientemente resolvidas no processo penal. Naturalmente que a suspensão só se justificará nos casos em que a existência de infracção criminal depende da resolução de uma questão de natureza fiscal … Infere-se do regime previsto neste artigo que existe uma opção legislativa no sentido da primazia da jurisdição fiscal para apreciação de questões tributárias, o que tem plena justificação no carácter especializado das questões desta natureza, que está subjacente à atribuição constitucional de competência para o seu conhecimento a uma jurisdição especializada e não à jurisdição comum, em que se inserem os tribunais criminais.»[16]
Também assim opina o Prof. Germano Marques da Silva. Com efeito, incisivamente defende «… que, salvo nos casos em que o apuramento da situação tributária ou contributiva não tenha qualquer relevância para a decisão no processo penal, o apuramento administrativo da situação tributária é condição necessária para o encerramento do Inquérito e se ocorrer impugnação ou oposição para a suspensão do processo penal tributário.»[17] E aí explica porquê: a reposição da verdade tributária releva para efeitos da apreciação do arquivamento do processo ou da suspensão provisória do processo ou, mais adiante, da suspensão da execução da pena de prisão ou da dispensa da pena, nos termos dos art.os 22.º e 14.º do Regime Geral das Infracções Tributárias e 280.º e 281.º do Código de Processo Penal. Donde que para que isso possa ser apreciado «… importa que a sua situação tributária ou contributiva seja previamente apurada, donde a necessidade de conclusão prévia, antes do encerramento do Inquérito, do procedimento de liquidação (art. 59.º do CPPT).» E mais se impõe esse apuramento pela Administração Tributária, acrescentamos nós, pois que disso depende a definição da condição objectiva de procedibilidade ínsita no art.º 105.º, n.º 4, alínea b) do Regime Geral das Infracções Tributárias.
Daqui resulta, portanto, uma última e relevante conclusão: o juiz do tribunal comum não deve avaliar da probabilidade da procedência da impugnação judicial, pois que essa é matéria subtraída à sua jurisdição e atribuída à do tribunal tributário. No entanto, pese embora sua opinião sobre o mérito da impugnação judicial seja irrelevante e por isso a não deva manifestar, cumpre ao juiz da jurisdição comum como que formular um juízo de adequação formal acerca dela, sob pena de aí, sim, a sua dedução poder servir fins não considerados na lei. Não que lhe caiba cotejar o objecto da impugnação judicial com o do processo penal tributário à procura de uma identidade absoluta entre ambas pois que isso raramente encontrará e não é, de resto, exigência legal para decidir da suspensão deste. O que terá que averiguar é se, atendendo ao objecto da impugnação, a procedência desta importará a não responsabilidade criminal do arguido no processo penal tributário ou até uma menos intensa responsabilização dele nesse processo.
Releva ainda saber que, além do mais, constitui fundamento de impugnação judicial qualquer ilegalidade, designadamente, a ausência ou vício da fundamentação legalmente exigida,[18] sendo certo que a decisão de qualquer procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.[19] Por outro lado, se o fundamento da impugnação judicial for a nulidade, a impugnação pode ser deduzida a todo o tempo.[20]
Para além disso, não poderemos deixar de dizer que vistas as coisas assim fica claro que a prescrição das obrigações tributárias, não contendendo com a legalidade stricto sensu, mas com a exigibilidade do imposto, é uma excepção peremptória e por isso causa de causa de pedir para a oposição à execução fiscal e não para a impugnação judicial.[21] Acontece, porém, que a prescrição deve ser conhecida oficiosamente pelo juiz se o órgão da execução fiscal que anteriormente tenha intervindo o não tiver feito.[22] Daí que e também porque a procedência da prescrição torna inútil o seu prosseguimento, a jurisprudência administrativa há muito tem vindo a admitir que o juiz tributário dela também deva conhecer na impugnação judicial e não apenas na oposição à execução fiscal.[23]

Baixando ao caso sub iudicio, sabemos que o recorrente invocou questões na impugnação judicial que redundaram nos seguintes pedidos:
a) Reconhecer que o Instituto de Segurança Social, I. P., nunca notificou a representada do Impugnante, nos termos e para efeitos do disposto no n.º 4 do art.º 105.º do RGIT, declarando que a falta de notificação equivale, como referido, à falta de fundamentação, violando-se o disposto no art.º 123.º, n.º 2 alínea d), art.º 124.º e 125.º, todos do CPA;
b) Declarar que as cotizações alegadamente devidas e reclamadas pelo Instituto de Segurança Social, I. P, ao Impugnante e à sociedade C… que se reporta ao período compreendido entre Fevereiro de 2004 e Agosto de 2004, mostram-se prescritas;
c) Declarar que, a notificação a que alude o disposto na alínea b) do n.º 4 do art.º 105.º do RGIT, deverá observar o disposto no art.º 38.º, n.os 5 e 6 e art.º 192.º, todos do CPPT, o que não sucedeu no caso sub judice, determinando a respectiva nulidade;
d) Declarar que a “notificação” vertida no doc. 4, não se mostra fundamentada de facto e de direito, inquinando a mesma com nulidade insanável, por violação do disposto no art.º 123.º, n.º 2 alínea d), art.º 124.º e 125.º, todos do CPA;
e) Declarar que a “notificação” vertida no doc. 4, não se mostra fundamentada de facto e de direito, inquinando a mesma com nulidade insanável, por violação do disposto no art.º 123.º, n.º 2, alínea d), art.º 124.º e 125.º, todos do CPA, uma vez que imputa obrigações ao Impugnante, correspondente a período em que o Impugnante não era gerente da sociedade C…, Ld.ª.

Assim sendo as coisas, ainda que aparentemente a Administração Tributária pareça já ter efectuado a notificação cuja falta o recorrente assinalou, sobram ainda várias questões que abstractamente contendem com a legalidade da obrigação tributária e até mesmo com a sua exequibilidade. Daí que, mesmo descontando o caso da assinalada em último lugar, pois que embora contenda directamente com a responsabilidade criminal do recorrente sempre o Tribunal recorrido dela poderia conhecer sem qualquer embaraço,[24] quanto às restantes representam factos da obrigação tributária e simultaneamente factos do tipo de crime imputado ao recorrente. E porque assim são factos a conhecer pela jurisdição tributária, impunha-se que o Mm.º Juiz a quo tivesse declarado a suspensão do processo penal tributário até que transitasse em julgado a sentença a proferir processo de impugnação judicial e ordenar que isso fosse comunicado ao Tribunal Administrativo e Fiscal (contencioso tributário), nos termos e para os efeitos do art.º 47.º, n.º 2 do Regime Geral das Infracções Tributárias.
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III - Decisão.
Termos em que se concede provimento ao recurso e se determina a suspensão do presente processo penal tributário até que transite em julgado a decisão a proferir na impugnação judicial que corre termos no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (contencioso tributário) e que o Tribunal recorrido isso lhe comunique nos termos e para os efeitos do art.º 47.º, n.º 2 do Regime Geral das Infracções Tributárias.
Sem custas (art.os 513.º, n.º 1, a contrario sensu, do Código de Processo Penal).
*
Porto, 23-01-2013.
António José Alves Duarte
José Manuel da Silva Castela Rio
_________________
[1] Apenas na parte relevante para o conhecimento do recurso.
[2] Cf. Jorge Lopes de Sousa e Simas Santos, citados no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17/03/2009, processo n.º 30/98.0IDCBR.C1, www.dgsi.pt.
[3] Art.º 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal.
[4] Idem. Na linha, aliás, do que desde há muito ensinou o Prof. Alberto dos Reis, no Código de Processo Civil, Anotado, volume V, reimpressão, Coimbra, 1984, página 359: «Para serem legítimas e razoáveis, as conclusões devem emergir logicamente do arrazoado feito na alegação. As conclusões são as proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação.»
[5] Art.º 7.º, n.º 1 do Código de Processo Penal.
[6] O art.º 7.º, n.º 2 do Código de Processo Penal refere que «… pode o tribunal suspender o processo para que se decida esta questão no tribunal competente.» Neste sentido, vd. o acórdão da Relação do Porto, de 22-09-2010, no processo n.º 209/99.8TAVCD.P1, publicado em http://www.dgsi.pt.
[7] Já aqui o art.º 47.º, n.º 1 do RGIT refere que «… o processo penal tributário suspende-se até que transitem em julgado as respectivas sentenças.»
[8] Art.º 7.º, n.º 4 do Código de Processo Penal.
[9] Assim foi o caso, por exemplo, dos acórdãos da Relação do Porto, de 18-12-1984, no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 342, página 447 e de 14-06-2005, no processo n.º 0422753, publicado em http://www.dgsi.pt e da Relação de Coimbra, de 18-12-1984 e na Colectânea de Jurisprudência, ano de 1984, tomo V, página 101 e de 14-07-1981, 27-03-1984, 02-10-1985 e 17-11-1987, publicados, respectivamente, no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 311, página 442, n.º 335, página 351, n.º 350, página 399 e n.º 371, página 560.
[10] Convém esclarecer que, ao contrário do que se escreveu no douto despacho recorrido, nem mesmo o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17-03-2009, no processo n.º 30/98.0IDCBR.C1, publicado em http://www.dgsi.pt, que cita em abono da sua tese os Cons.os Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, no Regime Geral das Infracções Tributárias, Anotado, 2008, pág. 399 a 405, sustenta o contrário disso, como pode ver-se do passo relevante dele extraído: «Quer o artigo 50.º, n.º 1 (RJIFNA), quer o n.º 1 do artigo 47.º (RGIT) consagram um desvio ao princípio da suficiência do processo penal, consagrado no artigo 7.º do CPP, acentuando a competência exclusiva da jurisdição fiscal para decidir questões de natureza tributária - o que tem justificação no carácter altamente especializado das referidas matérias -, que está subjacente ao normativo do artigo 212.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa. Assim, a suspensão do processo penal tributário em consequência de processo de impugnação judicial ou de oposição à execução é obrigatória e não facultativa como no processo penal comum se se mostrar absolutamente necessária para a decisão da questão prejudicada (verificação do crime fiscal tributário), de modo que se lhe apresente como um antecedente lógico-jurídico, com carácter autónomo e condicionante do conhecimento da questão principal, ou seja, nos casos em que a existência de infracção criminal e bem assim a natureza e quantum da pena dependem da resolução de uma questão fiscal.» É que e ao contrário do que parece ter sido entendido no douto despacho recorrido, o antecedente lógico-jurídico que se refere nesse aresto não é propriamente a precedência temporal do processo da causa prejudicial relativamente ao dependente mas sim a precedência lógica de decisão da questão jurídica objecto do processo tributário (ou seja, a estabilização do facto constitutivo da relação tributária) sobre a decisão da questão jurídica do processo penal. Ou seja, a lógica manda que primeiro se apure a existência daquele facto (tributário), o que compete à jurisdição tributária (na impugnação judicial), pois que sem estar afirmada a sua realidade de nada vale a jurisdição criminal (no processo criminal) apurar a ocorrência de outros (o dolo, verbi gratiæ) que, com ele concatenados, eventualmente (pois poderá existir, por exemplo, uma causa de exculpação) constituirão um crime tributário.
[11] A notícia do facto tributário que constitua crime tributário pode ser presenciada por um órgão de polícia criminal exterior à Administração Tributária que, observados os requisitos gerais, procede à detenção, iniciando-se com isso o processo criminal, como resulta do art.º 36.º do RGIT; necessariamente depois disso é que poderá ser intentada impugnação judicial uma vez que o prazo de 90 dias estabelecido para isso se conta a partir da data da notificação para pagamento voluntário ou de qualquer dos actos referidos na lei (art.º 102.º, n.º 1 do Código de Procedimento e Processo Tributário) ou, sendo o caso de nulidade, a todo o tempo (n.º 2 desse preceito legal). E da oposição à execução fiscal nem vale a pena falar, pois que a sua dedução pressupõe uma execução fiscal pendente (cfr. art.º 203.º, n.º 1 do Código de Procedimento e Processo Tributário) e, por conseguinte, a prévia definição da obrigação tributária. Nem se diga que estaria descoberta a forma de paralisar o processo criminal, pois que o que releva previamente saber é se o imposto (ou outra prestação tributária lato sensu) é ou não devido ao Estado (o que terá que ser decidido pela jurisdição tributária) e, só se for, averiguar se disso correspondeu a prática de um crime.
[12] Porque seria impossível evitar colocar ambos os tribunais a decidir a mesma questão no mesmo tempo.
[13] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26-05-1994, Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano de 1994, tomo II, página 116.
[14] Acórdão da Relação de Coimbra, de 06-10-1993, na Colectânea de Jurisprudência, ano de 1993, tomo IV, página 51.
[15] Acórdãos da Relação do Porto, de 06-06-2012, no processo n.º 36/08.3IDPRT.P1 e de 28-03-2012, no processo n.º 22/07.0IDAVR-A.P1, ambos publicados em http://www.dgsi.pt. No mesmo sentido se pronunciara o Acórdão da Relação do Porto, de 19-11-2008, processo n.º 0841639, publicado em http://www.dgsi.pt, ao decidir que «se os arguidos condenados por crime de fraude fiscal impugnaram judicialmente perante o tribunal administrativo e fiscal as liquidações dos impostos de que depende a existência daquele crime, pedindo a respectiva anulação, deve suspender-se o processo penal em que ocorreu aquela condenação até ao trânsito em julgado da sentença que decida a impugnação.»
[16] No Regime Geral das Infracções Tributárias Anotado, 3.ª edição, Áreas Editora, 2008, página 400 e seguintes.
[17] Prof. Germano Marques da Silva, in Direito Penal Tributário (Cátedra Professor Doutor António de Sousa Franco, apontamentos policopiados, Universidade Católica Portuguesa, Escola de Dieito do Porto, Mestrado em Direito Penal, ano escolar 2009-2010, sem numeração de páginas, ponto 16.7.1.).
[18] Art.º 99.º, alínea c) do Código de Procedimento e Processo Tributário.
[19] Art.º 77.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária.
[20] Art.º 102.º, n.º 3 do Código de Procedimento e Processo Tributário.
[21] Art.º 204.º, n.º 1, alínea d) do Código de Procedimento e Processo Tributário.
[22] Art.º 175.º do Código de Procedimento e Processo Tributário.
[23] Neste sentido se pronunciaram os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte, de 25-06-2010, no processo n.º 00232/01 - BRAGA e do Tribunal Central Administrativo Sul, de 21-02-2012, no processo n.º 04948/11, ambos publicados em http://www.dgsi.pt.
[24] É que se tais obrigações não foram assumidas no tempo em que o recorrente geriu a sociedade principal devedora, é seguro que jamais poderia ser criminalmente perseguido por as não ter cumprido, fosse qual fosse a decisão do Tribunal Tributário acerca dessa matéria.