Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0335127
Nº Convencional: JTRP00036554
Relator: OLIVEIRA VASCONCELOS
Descritores: REGISTO DA ACÇÃO
Nº do Documento: RP200310300335127
Data do Acordão: 10/30/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: T J LAMEGO
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Área Temática: .
Sumário: É de interpretar extensivamente o disposto no n.3 do artigo 3 do Código de Registo Predial no sentido de abranger também a situação de o Conservador recusar o registo por dúvidas e a sua remoção não podem ser imputada ao registante.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

Em 99.02.25, no Tribunal Comarca de Lamego, António... e mulher Maria... instaurou a presente acção com processo ordinário contra Manuel... e esposa Emília..., Maria Ainda... e marido Manuel da Conceição..., Manuel Eduardo... e esposa Gracinda...

pedindo
- o reconhecimento do seu alegado direito de propriedade sobre a fracção B de um prédio urbano e seu logradouro a norte cm a área de 34 m2;
- o reconhecimento de que logradouro total do prédio tem a área global de 102 m2 e que está indiviso;
- o reconhecimento de que o logradouro a norte do prédio, com a área de 34m2 é o que. está afecto à fracção "B" dos autores;
- a rectificação das áreas do prédio urbano e seu logradouro a norte, de molde a que a área coberta da fracção "B" seja de 69mc e a do logradouro a norte seja de 34.m2 ou outra que venha a ser determinada;
- o reconhecimento da compensação entre a área a menos da fracção B e a maior área do seu logradouro;
- o reconhecimento que autores adquiriram por escritura publica, o logradouro a norte tal como está configurado no local e com a área de 34m2;
- a rectificação da escritura publica de constituição de propriedade horizontal, do registo e as escrituras de compra e venda em conformidade;
- a condenação dos RR. numa indemnização a favor dos autores de 100.000$00 por toda a situação que criaram, de forma malévola e insidiosa na base dos 50$/diã e desde 17 de Julho de 1993 até ao trânsito em definitivo da sentença.

Os Réus contestaram.

Em 00.09.20, por despacho de fls.81, foi ordenada a suspensão da instância até que se mostrasse inscrita no registo a presente acção.
Requerido o registo, foi o pedido, a que coube a apresentação ... recusado pelo senhor Conservador por entender que a identidade do prédio tinha que ser verificada quanto à área e composição - cfr. certidão de fls.100.

Por despacho de 01.12.04, proferido a fls.102, foi mantida a suspensão por se entender que o registo não tinha sido recusado com o fundamento de que a acção a ele não estava sujeito e, portando, inaplicável era o disposto no nº3 do art.3º do Código do Registo Predial.

Posteriormente, o registo veio a ser feito provisoriamente por natureza e por dúvidas - apresentação ....

Por despacho de 03.03.06, proferido a fls.158, foi mantida a suspensão da instância.

Inconformados, os autor deduziram o presente agravo, apresentando as respectivas alegações e conclusões.

Não houve contra alegações.

O Sr. Juiz manteve tabelarmente a sua decisão.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

As questões

Tendo em conta que
- o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas - arts. 684º, nº3 e 690º do Código de Processo Civil;
- nos recursos se apreciam questões e não razões;
- os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido
a única questão proposta para resolução consiste em determinar se a presente acção deve continuar suspensa.

Os factos

Os factos a ter em conta são os acima assinalados, decorrentes da tramitação processual.

Os factos, o direito e o recurso

Vejamos, então, como resolver a questão.

Cremos que os agravantes têm razão.

Por duas razões.

Eis a primeira.

Em 96.05.31 foi publicado o DL 67/96, em vigor a partir do dia seguinte ao da sua publicação, que aditou ao art.3º do Código do Registo Predial (CRP) o nº3, com o seguinte teor:
“Sem prejuízo da impugnação do despacho do conservador, se o registo for recusado com fundamento em que a acção a ele não está sujeita, a recusa faz cessar a suspensão da instância a que se refere o artigo anterior”.

Uma interpretação meramente literal deste texto levar-nos-ia à conclusão que o levantamento da suspensão da instância se verificaria apenas quando o conservador recusasse o registo com o fundamento que a acção a registar não faz parte do elenco das enumeradas nos arts.2º e 3º do CRP.

Porém, pode acontecer que o interprete se aperceba que o legislador foi infeliz no modo como se exprimiu, que o seu pensamento foi atraiçoado pelos termos utilizados na redacção da lei, dizendo menos do que pretendia.

Quando tal ocorrência acontecer, ter-se-á de alargar o seu conteúdo até onde o legislador desejava ter querido chegar.

O interprete concluirá, assim, fazendo recurso aos elementos racional ou lógico (a lei que permite o mais permite o menos) e teológico (a razão de ser da norma).

A letra da norma em apreço está muito aquém da ideia que o legislador nela queria incutir.

Expressou-se com assinalável rigor literal de molde a abranger a ocorrência que mais frequentemente se lhe deparava, que era a situação incomoda de o juiz ordenar o registo da acção e o conservador recusar a inscrição com fundamento em que a acção não era registável.

Mas o legislador teria estendido essa mesma disciplina legal, por ser esta a sua vontade, também para o caso de o conservador recusar o registo por não estarem removidas as dúvidas inicialmente detectadas e não puder se imputada ao registante negligencia na manutenção dessa factualidade.

Neste caso, também se torna imperioso que se não tolha o prosseguimento da acção, pois que esse evento só prejudicaria o A. da acção e sem que nisso possa ter qualquer responsabilidade.

Sendo assim, pode-se dizer que a norma do nº3 do art.3º do CRP se deve interpretar extensivamente de modo a nela se compreender também a situação de o conservador recusar o registo por dúvidas e em que a sua remoção não pode ser imputada ao registante.

Ora, no caso concreto em apreço, verificamos que uma das duvidas levantadas no registo predial diz respeito à área e composição da fracção do prédio que os autores reivindicam.

Questão esta que, precisamente, os autores com a presente acção intentam ver resolvida.

Pelo que se impõe que a acção prossiga para o seu esclarecimento.

Vejamos agora a segunda razão para o prosseguimento da acção.

Decorre ela do disposto no nº2 do art.3º do Código do Registo Predial.

Nele se determina que as acções sujeitas a registo terão seguimento após os articulados “se o registo depender da respectiva procedência”.

Conforme s refere no acórdão desta Relação de 98.02.26, proferido no processo 250/98 e relatado pelo mesmo relator deste agravo e cuja cópia está junta a fls.148 e ss., a razão deste preceito é idêntica à que à que explica que o registo das acções seja sempre provisório por natureza: ainda não existir um julgamento sobre o facto a registar.

Conforme ficou assinalado, umas das duvidas referidas no registo provisório incide sobre a identidade da fracção que os autores reivindicam.

Ora estes, ao pedirem que o seu direito de propriedade sobre a fracção seja reconhecido, pedem também que esta seja reconhecida com a natureza, área e confrontações referidas na sua petição inicial.

Estamos, pois, em face de questões controvertidas, ainda por resolver.

Só depois de haver uma decisão nesta acção sobre a identificação da fracção em causa é que o registo eventualmente se poderá efectuar.

Desta forma, não se justifica que a presente acção não tenha seguimento.

A decisão

Nesta conformidade, acorda-se em conceder provimento ao presente agravo e assim, em revogar o despacho recorrido, que deve ser substituído por outro que assegure os ulteriores termos processuais.
Custas pelos agravados.

Porto, 30 de Outubro de 2003
Fernando Manuel de Oliveira Vasconcelos
José Viriato Rodrigues Bernardo
João Luís Marques Bernardo