Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0852236
Nº Convencional: JTRP00041377
Relator: ANABELA LUNA DE CARVALHO
Descritores: TRIBUNAL ARBITRAL
CONSIGNAÇÃO EM DEPÓSITO
Nº do Documento: RP200805260852236
Data do Acordão: 05/26/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: LIVRO 341 - FLS 264.
Área Temática: .
Sumário: Cai fora do alcance do Tribunal Arbitral, de qualquer compromisso arbitral celebrado pelas partes, a acção especial de consignação em depósito.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: AGRAVO Nº 2236/08-5
5ª Secção


Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I
B………., SA, com sede em Estarreja veio propor contra C………. e D………. residentes no Concelho de ………., acção com processo especial de Consignação em Depósito, nos termos dos artºs 1024º e ss do CPC e nºs 1 e 2 do artº 1042º do CC, pedindo que seja admitida a consignação em depósito da quantia de 250€.
Fundamenta a sua pretensão no facto de, enquanto arrendatária de um prédio rústico, e estando obrigada ao pagamento de uma renda anual de 100€, envidou esforços para proceder ao pagamento da renda referente ao ano de 2006, não o tendo conseguido.
Em 23/08/2006 foi informada pelos locadores da resolução do contrato em causa, o que, constituindo preterição do Tribunal Arbitral necessário, nos termos do contrato de arrendamento, conduz à manutenção do mesmo.
Assim, pretendendo consignar em depósito as rendas que se encontram em atraso, bem como a respectiva indemnização legal, o que foi recusado pelo locador, procedeu ao depósito das mesmas em agência bancária da CGD.
O processo deu entrada em Tribunal em 01/02/2007.

Regularmente citados os réus, apresentaram contestação na qual alegam a excepção de preterição do compromisso arbitral.
A Autora não respondeu à mesma.
Pelo Mmº Julgador a quo foi então proferido o seguinte despacho:

“Nos presentes autos é invocado um contrato de arrendamento que consta de fls. 26, que na cláusula Décima contém a seguinte redacção:
1 Qualquer litígio ou diferendo entre as partes outorgantes relativo à interpretação ou execução do presente contrato que não seja amigavelmente resolvido, será decidido por arbitragem.
2 A arbitragem será realizada por um tribunal constituído nos termos da presente cláusula e, supletivamente, de acordo com o disposto na Lei nº 31/86, de 26.08.
De tal cláusula retira-se que os litígios emergentes do contrato deverão ser submetidos, antes da sujeição ao tribunal, a arbitragem.
Tal configura uma convenção sobre arbitragem que é, nos termos do artigo 494º al. J) uma excepção dilatória, que por ter sido invocada pela parte, é passível de conhecimento pelo tribunal – artigo 495º do Código do Processo Civil.
Nos termos do artigo 288º, nº 1 al. e) as excepções dilatórias determinam a absolvição da instância.
Porque os réus vão ser absolvidos da instância, deverá a autora suportar as custas do processo – artigo 446º do Código de Processo Civil.
Decisão:
Por tudo o exposto declaro procedente a excepção dilatória de preterição do tribunal arbitral, e consequentemente absolvo da instância os réus.”

Inconformada com tal decisão dela veio recorrer a Autora, concluindo do seguinte modo as suas alegações de recurso:
1) A presente acção tem como finalidade cessar eventual mora dos credores, ora recorridos, que se recusaram a receber a renda depositada,
2) Diferentemente da questão do Arrendamento que terá de ser decidido, como já se requereu em sede de Tribunal Arbitral ora em constituição, ao qual
3) Se encontra subtraído o poder de aceitar ou não a consignação em depósito que, é
4) Matéria inteiramente reservada aos Tribunais comuns.
5) Violou o despacho recorrido o artº 66º do CPC.
A final requer que o agravo seja considerado procedente e, em consequência, revogado o despacho recorrido, substituindo-se por um outro em que se julgue como competente o Tribunal da Comarca de Cinfães.

Contra-alegou a agravada, com as seguintes conclusões:
1) Ao ter dado entrada da acção que ora se contesta, a Agravante admitiu a existência de um litígio adveniente da execução do contrato de arrendamento celebrado com os Réus em 26 de Julho de 2005;
2) De acordo com a Cláusula Décima daquele contrato, junto aos autos como doc. 1 da p.i.: “qualquer litígio ou diferendo entre as partes Outorgantes relativo à interpretação ou execução do presente contrato que não seja amigavelmente resolvido será decidido por arbitragem”.
3) O artigo 841º do Código Civil estabelece uma relação directa entre a consignação em depósito e a obrigação assumida pelo devedor, neste caso o contrato de arrendamento celebrado entre as partes;
4) A acção de consignação em depósito está, assim, sujeita à convenção de arbitragem referida em 2 supra.
5) Decidiu bem o tribunal “a quo” na presente acção, absolvendo os Réus da instância com base no artigo 494º alª j) do Código de Processo Civil.
Finalizam com pedido de manutenção da decisão.
II
A factualidade a considerar insere-se no relatório supra.
III
O objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações, não podendo este Tribunal conhecer das matérias não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (artº 684 nº 3 e 690 do CPC).

É a seguinte a questão a decidir:
Se, - tendo as partes convencionado, no âmbito de um contrato de arrendamento, que qualquer litígio ou diferendo entre as partes outorgantes relativo à interpretação ou execução do contrato que não seja amigavelmente resolvido, será decidido por arbitragem - cai fora do alcance do Tribunal Arbitral, o recurso ao processo especial da consignação em depósito.

Nos presentes autos é invocado um contrato de arrendamento que contém uma cláusula com a seguinte redacção: “1 Qualquer litígio ou diferendo entre as partes outorgantes relativo à interpretação ou execução do presente contrato que não seja amigavelmente resolvido, será decidido por arbitragem. 2 A arbitragem será realizada por um tribunal constituído nos termos da presente cláusula e, supletivamente, de acordo com o disposto na Lei nº 31/86, de 26.08”.
É sabido que o arrendatário pode proceder ao depósito de renda quando ocorram os pressupostos da consignação em depósito, previstos no artigo 841º C.Civ., quando lhe seja permitido fazer cessar a mora e ainda quando esteja pendente acção de despejo (artº 17º, 1 da Lei 6/2006 de 27.02, Novo Regime do Arrendamento Urbano).
No caso que se aprecia a agravante alega como pressupostos da consignação em depósito, a necessidade de fazer cessar a mora no seu pagamento e a dificuldade em concretizar esse pagamento.
A questão que se coloca é a de ajuizar da adequação desse incidente na esfera de competência de um Tribunal Arbitral.
A Lei 31/86, de 29 de Agosto (Lei de Bases da Arbitragem Voluntária), enuncia no art. 1.º, sob a epígrafe “Convenção de arbitragem” as condições genéricas a que pode ser submetido a um tribunal arbitral voluntário, a solução de um litígio.
Assim, estabelece:
“1. Desde que por lei especial não esteja submetido exclusivamente a tribunal judicial ou arbitragem necessária, qualquer litígio que não respeite a direitos indisponíveis pode ser cometido pelas partes, mediante convenção de arbitragem, à decisão de árbitros.”
Excluída está pois, a solução de litígios referentes a direitos indisponíveis ou outros que por lei devam ser necessariamente submetidos a tribunal judicial ou a arbitragem necessária.
Por sua vez, o art. 30.º, refere: “A execução da decisão arbitral corre no tribunal de 1.ª instância, nos termos da lei do processo civil”, pelo que, excluída está também, da competência dos tribunais arbitrais a execução das próprias decisões.
O art.1º n.º 2 da mesma Lei, reportando-se ao objecto, estabelece que “A convenção de arbitragem pode ter por objecto um litígio actual, ainda que se encontre afecto a tribunal judicial (compromisso arbitral), ou litígios eventuais emergentes de uma determinada relação jurídica contratual ou extracontratual (cláusula compromissória)”
E o n.º 3, por sua vez, enuncia que as “As partes podem acordar em considerar abrangidas no conceito de litígio, para além das questões de natureza contenciosa em sentido estrito, quaisquer outras, designadamente as relacionadas com a necessidade de precisar, completar, actualizar ou mesmo rever os contratos ou as relações jurídicas que estão na origem da convenção de arbitragem.”
Admissível, é assim, a solução de litígios ou diferendos relativos à interpretação ou execução dum contrato de arrendamento, mediante arbitragem.

O que ora importa apreciar é se o incidente de consignação em depósito, pelas suas características procedimentais pode integrar a esfera de competência de um tribunal arbitral voluntário.
A consignação em depósito é um dos modos de extinção das obrigações que consiste no depósito judicial da coisa devida, feito à ordem do credor, com o fim de liberar definitivamente o devedor do vínculo obrigacional (artigo 841º do C.C.).
A sua tramitação prevista no Código de Processo Civil, Livro III - Do processo Título IV - Dos processos especiais revela-se no Artigo 1024.º - (Petição), com o seguintes normativos:
1. Quem pretender a consignação em depósito requererá, no tribunal do lugar do cumprimento da obrigação, que seja depositada judicialmente a quantia ou coisa devida, declarando o motivo por que pede o depósito.
2. O depósito é feito na Caixa Geral de Depósitos, salvo se a coisa não puder ser aí depositada, pois nesse caso é nomeado depositário a quem se fará a entrega; são aplicáveis a este depositário as disposições relativas aos depositários de coisas penhoradas.
(…)”.
De acordo com tal procedimento resulta claro que este é um daqueles casos em que Estado não abdicou ou admitiu ceder o seu poder jurisdicional, e que por isso se encontra excluído da competência dos tribunais arbitrais.
A determinação da Caixa Geral de Depósitos, entidade bancária sob a tutela do Estado, como entidade depositante e, a referência expressa a um “depósito judicial” são factos demonstrativos de que o processo especial de consignação em depósito é da esfera de competência exclusiva do tribunal judicial e, por isso cai fora do alcance do Tribunal Arbitral.
Impõe-se, por isso a revogação da decisão que negou a competência do tribunal judicial.
IV
Termos em que, acorda-se em conceder provimento ao agravo, revogando a decisão recorrida, que se substitui por outra que julgue competente o Tribunal da Comarca de Cinfães, para conhecer da presente consignação em depósito.
Custas do recurso pelos agravados.

Porto, 26 de Maio de 2008
Anabela Figueiredo Luna de Carvalho
Maria de Deus Simão da C. Silva D. Correia
António Augusto Pinto dos Santos Carvalho