Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0432601
Nº Convencional: JTRP00036954
Relator: FERNANDO BAPTISTA
Descritores: AVAL
AVALISTA
RELAÇÃO CAMBIÁRIA
Nº do Documento: RP200405270432601
Data do Acordão: 05/27/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: .
Sumário: I - O co-avalista que pagou uma livrança não tem uma acção cambiária contra os outros co-avalistas;
II - O aval, sendo uma garantia, não é rigorosamente uma fiança.
III - Entre os avalistas vigoram, porém, as regras de direito comum, designadamente as do regime jurídico da fiança, como mais afins, onde se presume a comparticipação em partes iguais na dívida.
IV - O modo de regular as relações internas entre os co-avalistas depende, em primeira mão, do que tenham convencionado; Se nada convencionaram, opera a regra da divisão proporcional da dívida.
V - Porém, mesmo à falta da aludida convenção em contrário entre os co-avalistas, só depois de excutidos os bens do emitente do título é que é admissível o direito de regresso contra os co-avalistas para ressarcimento da parte da dívida que proporcionalmente lhes incumbe satisfazer.
VI - No entanto, para a verificação do requisito da existência do “crédito” de que fala o artigo 406, n.1, do Código do Processo Civil, basta a provável existência do mesmo, sendo irrelevante para o decretamento da providência cautelar de arresto a forma e/ou tempestividade de tornar efectivo esse crédito.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

I. RELATÓRIO:

No Tribunal Judicial da Comarca da Maia de Família Porto veio A.................................. instaurar procedimento cautelar de arresto contra B................... e mulher e C.................... e mulher, pedindo se decrete o arresto de um prédio urbano e seu recheio pertença dos requeridos B.......... e mulher, bem como do recheio da habitação dos demais requeridos.
Alega que liquidou integralmente a dívida exequenda na execução que o "Banif" a todos moveu (requerente e requeridos) enquanto avalistas de uma livrança.
Assim, porque a dívida é da responsabilidade de todos, pretende o requerente, em via de regresso, exigir dos requeridos condevedores a liquidação da sua quota parte, o que por via da presente providência cautelar procura assegurar, procurando demonstrar a verificação de todos os respectivos requisitos.
O Mmº Juiz inferiu o requerido por entender que, além de outras deficiências de alegação, se não alegam factos de onde se possa extrair a existência do crédito do requerente.
Inconformado com tal despacho, dele veio o requerente interpor recurso de agravo, apresentando alegações onde formula as seguintes
CONCLUSÕES:
"A) O recorrente não invocou o título ou a relação cambiária nos termos do artº 32° da LULL, para legitimar o seu direito de crédito mas sim as relações solidárias existentes entre co-avalistas;
B) Para regular os direitos entre os co-avalistas há que recorrer ao direito comum e assim às regras da fiança e consequentemente das obrigações solidárias onde se presume a comparticipação de cada um, em partes iguais, no pagamento da dívida;
C) O Recorrente ao liquidar a totalidade da dívida à entidade credora ficou sub-rogado nos direitos desta contra os restantes co-avalistas, de acordo com as regras da fiança e das relações solidárias;
D) Como tal encontra-se plenamente verificado nos presentes autos a existência do crédito;
E) Ao não ter tal entendimento, o Mmº Juiz "a quo"violou o disposto nos arts, 650°, nº1, 519° e 524° do Código Civil e o artº 406°, nº1, do C PC;
F) Estão preenchidos e alegados todos os factos concretos donde se possa concluir pelo fundado receio de perda de garantia patrimonial quanto ao Requerido C............. e Mulher.
G) Devendo assim e em consequência ser revogado o Douto Despacho ora recorrido e, em consequência, prosseguir a ulterior tramitação da presente providência cautelar, com as demais consequências legais."
O Mº Juiz a quo sustentou o despacho recorrido (fls. 45).
Foram colhidos os vistos.
Cumpre apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO
II. 1. AS QUESTÕES:
Tendo presente que:
- o objecto dos recursos é baliza do pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (arts. 684°, nº3 e 690º, nºs 1 e 3, do C. P. Civil);
- Nos recursos se apreciam questões e não razões;
- Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,

a única questão a resolver neste recurso consiste em saber se, in casu, o co-avalista que liquidou a totalidade da dívida, pode exigir dos co-devedores o pagamento da sua quota parte na dívida - o que implica a apreciação da verificação ou não do preenchimento de todos os requisitos do arresto, maxime, a existência do crédito sobre os requeridos.

II. 2. OS F ACTOS:

A factualidade a ter em conta é, no essencial, a que resulta do relatório supra, que, como tal, nos dispensamos de repetir, acrescentando-se apenas o seguinte:
- A aludida execução que foi movida pelo "Banif" tinha como título a livrança com cópia a fls. 14, subscrita pela 1ª executada "D....................., Lda"

III. OS F ACTOS E O DIREITO:

Como vimos, pretende o requerente - que, conjuntamente com os requeridos avalizaram a livrança dada à execução pelo Banco Banif - arrestar bens dos co-avalistas a fim de assegurar o pagamento da parte que a estes compete naquela dívida que liquidou integralmente na dita execução.
Quid juris ?

A questão, como é bom de ver, gira essencialmente à volta da natureza do aval e das relações entre co-avalistas no caso de ressarcimento da dívida por um (ou mais) deles.
Vejamos.

O artº 30º da Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças - diploma a que nos referiremos sempre que outro se não mencione -, aplicável ex vi do artº 77º do mesmo diploma, dispõe que o pagamento de uma livrança pode ser no todo ou em parte garantido por aval.
Por sua vez o artº 32° dispõe que o dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada, mantendo-se a sua obrigação mesmo no caso de a obrigação que ele garantiu ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma.
O fim específico do aval é o de garantir o cumprimento pontual do direito de crédito cambiário. É uma garantia prestada à obrigação cartular do avalizado ( Ac. STJ, Bol. M. Just., n° 279º, pág. 214).
Como escreve o Professor Ferrer Correia, in Letra de Câmbio", pág. 196, "o fim próprio, a função específica do aval é garantir ou caucionar a obrigação de certo subscritor cambiário".
O aval integra, assim, uma obrigação de garantia, dada por uma pessoa a favor de outra que já é obrigada na letra ou livrança, obrigação que ela pode ser chamada a cumprir independentemente de excussão prévia dos bens da pessoa por quem se vinculou, uma vez que, por expressa disposição do art. 44º, os sacadores, aceitantes, endossantes ou avalistas são todos "solidariamente" responsáveis para com o portador, e este tem o direito de accioná-las individual ou colectivamente, sem estar adstrito a observar a ordem por que elas se obrigaram.
Sendo uma garantia pessoal apresenta os traços da fiança, ocorrendo inclusivamente que, como o fiador, o avalista também fica sub-rogado nos direitos da pessoa que garante.
Assegurando o cumprimento de uma concreta obrigação, a obrigação do aval será assim acessória dessa obrigação principal; mas, por outro lado, não obedece à regra accessorium sequitur principale pois, como se viu, ela mantém-se, mesmo no caso de a obrigação garantida ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma.
É, no fundo, uma garantia objectiva do próprio pagamento da letra, ou livrança, uma especifica obrigação cambiaria de garantia, com regime próprio e que só num ou noutro aspecto se assemelhará à fiança do direito comum.
Por outro lado, o aval há-de ser puro e simples, não sendo permitido o aval condicional, pois de contrário postergar-se-ia o principio da literalidade e o avalista não ficaria adstrito às mesmas obrigações do avalizado (ver o Ac. da R.L. de 27/06/95, publicado na C.J. T III, pág. 141).
É preciso que o portador do titulo possa saber com toda a segurança, por simples inspecção do mesmo, quais os direitos que lhe competem contra cada um dos respectivos signatários, sem necessidade de ter em conta quaisquer elementos exteriores (vd. Conselheiro Pereira Delgado, in "Lei Uniforme", pág. 11 e Prof. Manuel Andrade, in "Teoria Geral da Relação Jurídica lI", págs. 361 e 362).
Assim e pela responsabilidade emergente do aval respondem todos os bens dos avalistas - sendo irrelevante, v.g., o facto o avalista ser ou não sócio da sociedade avalizada (eventualmente executada), bem assim, o facto de ter cedido a quota que eventualmente nela possua.

Pergunta-se, então, quais os direitos do avalista que paga a letra ou livrança?

A este respeito rege o artº 32°, § 3, da LULL :
“......
Se o dador de aval paga a letra, fica sub-rogado nos direitos emergentes da letra contra a pessoa a favor de quem foi dado o aval e contra os obrigados para com esta em virtude em virtude da letra".
Sub-rogação é, como se sabe, a substituição do credor, na titularidade do direito a uma prestação fungível, pelo terceiro que cumpre em lugar de devedor, ou que faculta a este os meios necessários ao cumprimento (A Varela, Das Obrigações em Geral, 2a ed., 2º-295 e 3ª ed., 2°-298).
Ora, pagando pelo signatário garantido, o avalista, ao mesmo tempo que adquire o direito que tinha contra o avalizado, o portador ou a pessoa a quem pagou fica investido nos próprios direitos cambiários que o garantido tinha, dada a sua posição na letra ou na livrança (ver Gonçalves Dias, Letra e Livrança, 7º, 561 e Ver. dos Trib. 78°-239).

A questão sub judice, porém, tem a ver com o chamado aval colectivo.
De facto, o aval pode ser dado por mais do que uma pessoa; trata-se de garantia multiplicada, em que todos os avalistas respondem solidariamente e como obrigados autónomos.
O aval colectivo estamos é, como se sabe, coisa bem diferente do chamado aval sucessivo (o aval do aval) em que um avalista garante o outro, como se houvesse uma abonação.
No aval colectivo (o co-aval) só há co-avalistas.
In casu preocupamo-nos, não com as relações dos co-avalistas com o portador, ou com as do co-avalista com o avalizado e obrigados precedentes, mas, sim, com os direitos que assistem ao avalista que paga, contra os outros avalistas.
É a questão das relações internas entre os co-avalistas.
De facto é esse pagamento que o agravante pretendia acautelar através da providência cautelar de arresto requerida.

Ora, de duas uma: ou atribuímos ao co-avalista uma acção cambiária contra os outros co-avalistas, ou se não aceita a existência de tal acção cambiária e vai-se pelas regras da fiança, em especial pelo estatuído no artº 650º do CC.

Parece manifesto que o co-avalista que pagou não tem uma acção cambiária contra os outros co-avalistas. É que a não se entender assim, teríamos uma situação que nos conduzia àquilo a que Gonçalves Dias (ob. cit., vol. VII, 2ª parte, pág. 584) designa por "sistema de «alcatruzes», ao moto contínuo. De facto, se o avalista que paga pudesse demandar cambiariamente, ou outros, também estes podiam demandar aquele, repetindo-se esta ofensiva e contra-ofensiva, sem nunca mais terminar".
Neste sentido - de que, além da acção cambiária consentida pelo are citado 32°, o avalista que paga a letra tem, ainda acção não cambiária contra os outros avalistas da mesma pessoa, havendo-os para com eles repartir a parte não cobrada, nos termos daquele artº 32°, dos devedores principais -, pode ver-se, ainda, o Ac. STJ de 22.04.54, Bol. 43 - 536 e de 16.03.56, Bol. 55-299).
Portando, entre os co-avalistas não há relações cambiárias - daí, desde logo, que lhe não seja aplicável o artº 2° da LULL (lugar do pagamento)-, mas somente de direito comum, pelo que tem de recorrer-se às normas reguladoras do instituto da fiança, como mais afim (Rel. do Porto, Ac. de 29.04.1964, in Jur. Rel., 10-411).
Cfr. Consideração 75 do Relatório da Conferência de Genebra.
No entanto, como escreveu o STJ, em Ac. de 27.11.1962, Bol. 121-355), o co-avalista do sacador que pague a totalidade da letra só tem direito de regresso contra os outros co-avalistas se o pagamento lhe houver sido pedido judicialmente ou o devedor principal tiver sido declarado falido.
Já Gonçalves Dias, ob. e loc. cits., pág. 586, escrevia que às relações internas dos co-avalistas se aplicam os princípios que regem a solidariedade das obrigações de direito comum. "por exemplo, se são dois os co-obrigados, cada um pagará metade, excepto acordo em contrário. Esta regra, inspirada na consideração do aval conjunto ou sucessivo, deve ampliar-se a todos os casos de co-subscrição, para abranger os co-emitentes, os co-endossantes e a co-aceitação".
Assim, após considerações várias, remata este autor: " O modo de regular as relações internas depende da convenção entre os co-avalistas. Se nada convencionaram, opera a regra da divisão proporcional,...” (pág. 589) - sublinhado nosso.
Isto não significa, porém, que se deva equiparar o aval à fiança, pois são realidades bem diferentes.
De facto, se é certo que como o fiador comum, que paga a divida, tem regresso contra o devedor, assim o tem o avalista contra o avalizado, o certo é, também, que diferentemente do que sucede na fiança, pode também o avalista accionar em via de regresso os subscritores anteriores ao avalizado.
"Temos, portanto, de concluir que o aval, sendo uma garantia, não é rigorosamente uma fiança" (Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, 1966, págs. 197 e segs.).
No entanto- como já referimos supra- entre os avalistas vigoram as regras de direito comum, designadamente as do regime jurídico da fiança (Ac. STJ de 1999.07.07, in Col. Jur., Acs. STJ, 1999, T. III, pág. 14)".
Assim se prescreveu; de facto, no Ac. do STJ de 24.10.2002, Col. Jur., Acs. STJ, 2002, T. III, pág. 120: "Para regular os direitos entre os co-avalistas há que recorrer ao direito comum e, neste, à fiança, onde se presume a comparticipação em partes iguais na dívida".
Efectivamente, o artº 650º, nº1, do CC, respeitante à fiança, remete a situação para as regras das obrigações solidárias. E face a estas, é de presumir a comparticipação em partes iguais da dívida, (cfr. arts. 516°, 524° e 525°, nº1, do CC- destes se concluindo, assim, também, que, nas relações entre os avalistas, à falta de alegação (e prova) de qualquer facto de que possa resultar diferença entre os eles quanto à sua quota de responsabilidade ou que foi acordado que só este ou aquele avalista se responsabilizou pelo pagamento, todos comparticipam em partes iguais na dívida.
Efectivamente, se, v.g., estivesse alegado ou já indiciáriamente apurado que os demandados se não vincularam à supra referida co-responsabilização no pagamento da dívida que a livrança titulava, a solução seria bem diferente.
Só que nada vem alegado, sequer- a prova de factualidade que eventualmente possa afastar a aludida co-responsabilização dos demandados pode sempre ser feita na fase da oposição a que se refere a al. b) do n° 1 do artº 388° do CPC.
E assim sendo, tem, de facto, o requerente- assim se presume- direito de crédito sobre os demais avalistas (demandados) na medida da sua apontada quota de responsabilidade pelo pagamento da dívida exequenda.

Presume-se, como dissemos, a comparticipação em partes iguais da dívida, (cits. arts. 516°, 524° e 525°, nº1, do CC).

No despacho recorrido - tal como da sua sustentação (fls. 45) - sustenta-se que ainda não é "admissível" " o direito de regresso que o artº 650°, nº3 concede", face à ausência de alegação sobre o que foi acordado entre os co-avalistas quanto à responsabilidade pelo pagamento da dívida e ausência de excussão dos bens da devedora. Mas cremos que se confundem as coisas: uma coisa é a existência do crédito, outra - bem diferente - é a sua exigibilidade. E o que com o arresto se pretende mais não é do que acautelar ou garantir o pagamento do crédito que aparentemente existe. E, como vimos, esse crédito existe (pois se presume que os requeridos devem ao requerente a aludida quota parte da dívida que a livrança que avalizaram titula). Trata-se de presunção que os requeridos podem elidir. Mas até aqui não o fizeram. E tanto basta para que se não deva - não possa- impedir o requerente de acautelar o deu aludido direito de crédito.

É certo que para exigir dos co-avalistas o pagamento - bem diferente de assegurar a existência de património para satisfação do pagamento que posteriormente venha a exigir- da sua parte na dívida que satisfez ao credor, tinha que previamente excutir todos os bens do devedor (in casu, da subscritora da livrança).
É o que claramente resulta do artº 650º, nº3, do CC.
Diz o Ac. do STJ de 7.7.99, que o agravante cita, que “havendo pagamento da livrança por um dos co-obrigados, fica este sub-rogado nos direitos do credor contra os restantes em termos analógicos aos estabelecidos para o regime de fiança”.
A forma de tomar efectiva ou de concretizar essa sub-rogação vem plasmada no citado are 650°,CC.

O Prof. Vaz Serra (Ver. Leg. Jur., Ano 103°-111), interpreta o aludido nº 3 do artº 650° da seguinte forma: "... Se o fiador pagou mais do que a sua quota, espontaneamente ou depois de pedido extrajudicialmente, porque motivo não há-de pode exigir as quotas dos outros no que pagou a mais, embora o devedor esteja solvente, se provar que o credor não teria deixado de reclamar dos outros as suas quotas? Se o fiador pagou a totalidade da dívida, ou uma parte superior à sua quota, evitando, assim, que o credor exigisse aos outros as respectivas quotas, não será excessivo que o solvens tenha de excutir todos os vens do devedor antes de poder exercer o direito contra os confiadores?
Pode, porventura, mediante interpretação da lei, chegar-se à solução de que, em tal caso, não é aplicável o n° 3 do artº 650°."
Os confiadores a quem o solvens exija as suas quotas no que pagou a mais podem, naturalmente, opor a este o beneficio da excussão, se dele se não valeu e o tiverem contra o credor".
Tal solução parece-nos perfeitamente aceitável.
Parece, também, porém, que a aludida posição do Prof. Vaz Serra de certo modo esbarra com a letra da lei (cfr. Artº 650º, nº3, CC).
Os Prof.s Pires de Lima e Antunes Varela, Cód. Civ. Anotado, vol.1°, págs. 484 e 485, escreveram o seguinte: "Se o avalista cumpriu voluntariamente a obrigação, o seu regresso contra os co-avalistas só é admissível depois de excutidos os bens do emitente do título e, só depois de accionado o subscritor da livrança, é que poderá exigir dos outros co-avalistas, de harmonia com as regras das obrigações solidárias, as partes que proporcionalmente lhes cabem na dívida".
Cremos, porém, que esta posição deve ser vista com uma ressalva: funciona apenas à falta de convenção em contrário entre os co-avalistas.
Em suma, entendemos que, à falta de convenção em contrário entre os co-avalistas - convenção esta a regular as relações entre eles -, só depois de excutidos os bens do devedor é que é que é admissível exigir dos demandados os co-avalistas o ressarcimento da parte da dívida que proporcionalmente lhes incumbe satisfazer.
Neste sentido, ver, também, o Ac. desta Rel. de 1.11.2002, proc. n° 0221140, que se encontra disponível na internet, na base de dados da DGSI.

Ora - e aqui tem razão o despacho de sustentação de fls. 45 - é certo que na petição de arresto se não menciona qualquer acordo entre os avalistas. E não vem demonstrado - nem, sequer, alegado - que tenha havido excussão prévia do património da sociedade devedora, pois nada se diz a respeito da sua situação patrimonial.
Mas - com o devido respeito por diferente opinião - não cremos que isto nos permitisse chegar à conclusão a que se que se chegou na decisão recorrida: que falta um dos requisitos essenciais para a procedência da providência cautelar do arresto, qual seja a existência do direito de crédito sobre os requeridos co-avalistas (cfr. Artº 406°, nº1, do CPC), o qual - segundo a decisão recorrida- só existirá se e quando forem excutidos os bens da subscritora da sociedade livrança e por essa via se não lograr obter o pagamento.
De forma alguma: uma coisa é a existência do crédito - que se provou existir - outra é a forma e/ou tempestividade da sua exigência ou admissibilidade.
In casu, o crédito existe; só é, porém, admissível depois de prévia excussão dos bens do devedor, salvo demonstração de ter havido convenção que afastasse tal excussão.

Resulta do artº 381º do CPC que o decretamento de uma providência cautelar depende da concorrência dos seguintes requisitos (gerais): a) que muito provavelmente exista o direito tido por ameaçado- objectivo da acção declarativa -, ou que venha a emergir de decisão a proferir em acção constitutiva, já proposta ou a propor ; b) que haja fundado receio de que outrem antes de proferida decisão de mérito, ou porque a acção não está sequer proposta ou porque ainda se encontra pendente, cause lesão grave e dificilmente reparável a tal direito; c) que ao caso não convenha nenhuma das providências tipificadas nos arts. 393° a 427º do C PC; d) que a providência requerida seja adequada a remover o periculum in mora concretamente verificado e a assegurar a efectividade do direito ameaçado; e) que o prejuízo resultante da providência não exceda o dano que com ela se quis evitar.

Como elementos constitutivos do seu direito, ao requerente incumbe a alegação e prova dos aludidos requisitos (artº 342° do CC).
Ora, dos factos alegados parece-nos resultar o preenchimento de tais elementos.
Saliente-se que tais requisitos devem ser apreciados à luz de uma “sumario cognitivo”, ou seja, não se visa com a providência uma antecipação da decisão da sentença, mas, sim, o reconhecimento de um juízo de probabilidade séria da existência do direito, de um “fumus bonis juri”.

Dispõe o artº 406°, nº1, do CPC - em sintonia com o artº 619º do CC - que "O credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor".
"Para que se verifique o fundamento de arresto da alínea a) do artº 403° do Cód. Proc. Civil" - actual artº 406, nº1 -, “basta que o credor tenha fundado motivo para recear que a garantia patrimonial se perca, nomeadamente por temer uma próxima insolvência do devedor, ou uma sonegação ou ocultação de bem, que impossibilite ou dificulte a realização coactiva do crédito” (Prof. Almeida Costa, Direito das Obrigações, p. 311).
Por outro lado, como escreveu a Rel. de Coimbra, Ac. de 13.11.79, Bol. M.J. 293°-441), A procedência do pedido de arresto preventivo depende da prova de 1) que: «é provável a existência do crédito», isto é, não que o seu crédito é certo, indiscutível, mas antes que há grandes probabilidades de ele existir; 2) se justifique o seu receio de perder a garantia patrimonial, isto é, que qualquer pessoa de são critério, em face do modo de agir do devedor, colocado no seu lugar, também temeria vir a perder o seu crédito não se impedindo imediatamente o devedor de continuar a dispor livremente do seu património".

Como supra já referimos, na factualidade alegada - a provar, naturalmente- vêm referidos os requisitos necessários para o decretamento da providência cautelar, ou seja, a probabilidade da existência do direito de crédito da titularidade do requerente - fumus boni juris - e o risco sério da perda por ele da respectiva garantia patrimonial; ou, ou dizendo de outra forma, a aparência do direito de crédito e o perigo da sua não realização (cfr. Ac. Rel. de Lisboa de 01.07.1999, in BMJ, 489, a págs. 393) - cfr., v.g., arts. 10º e 12° e segs. do requerimento inicial.
Não temos dúvidas, efectivamente, que os factos concretos alegados são de molde a que o titular do crédito receie ver frustrado o pagamento do mesmo por banda dos co-avalistas (ver, neste sentido, o Ac. STJ de 1.6.2000, citado por Abílio Neto, in Cód. Proc. Civil Anotado, 17º Edição Actualizada, pág. 570).
Como tal, desde que provados tais factos, assistir-lhe-á o direito a ver decretado o requerido arresto.

CONCLUINDO:
1. O co-avalista que pagou uma livrança não tem uma acção cambiária contra os outros co-avalistas;
2. O aval, sendo uma garantia, não é rigorosamente uma fiança.
3. Entre os avalistas vigoram, porém, as regras de direito comum, designadamente as do regime jurídico da fiança, como mais afins, onde se presume a comparticipação em partes iguais na dívida.
4. O modo de regular as relações internas entre os co-avalistas depende, em primeira mão, do que tenham convencionado; Se nada convencionaram, opera a regra da divisão proporcional da dívida.
5. Porém, mesmo à falta da aludida convenção em contrário entre os co-avalistas, só depois de excutidos os bens do emitente do título é que é admissível o direito de regresso contra os co-avalistas para ressarcimento da parte da dívida que proporcionalmente lhes incumbe satisfazer.
6. No entanto, para a verificação do requisito da existência do “crédito” de que fala o art° 406°, nº1, do CPC, basta a provável existência do mesmo, sendo irrelevante para o decretamento da providência cautelar de arresto a forma e/ou tempestividade de tornar efectivo esse crédito.

IV. DECISÃO:

Termos em que acordam os Juizes da Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em, concedendo provimento ao agravo, revogar o despacho recorrido que deverá ser substituído por outro que permita o prosseguimento da providência requerida (cfr., artº 408° do CPC).

Custas pelo agravante.

Porto, 27 de Maio de 2004
Fernando Baptista Oliveira
Manuel Dias Ramos Pereira Ramalho
António Domingos Ribeiro Coelho da Rocha