Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
613/13.0YYPRT-E.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DE JESUS PEREIRA
Descritores: CUSTAS
ISENÇÃO SUBJECTIVA DE CUSTAS
COOPERATIVA
Nº do Documento: RP20131119613/13.0YYPRT-E.P1
Data do Acordão: 11/19/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Quando actua na defesa dos interesses que lhe estão concedidos, por lei ou pelos estatutos, a cooperativa de habitação / construção beneficia de isenção subjectiva de custas no contexto do RCP.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Pc.613/13.0YYPRT-E.P1
(Apelação)
Relatora Maria de Jesus Pereira
Adjuntos: Des. Maria Amália Santos
Des. José Igreja Matos

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

1-Relatório.
Nos Juízos de execução do Porto, 2º Juízo, correm termos uns autos de execução com vários apensos em que é executada B…, CRL e exequente C…, Lda.
No apenso A) a embargada – executada nos autos de execução comum –, notificada para juntar aos autos o comprovativo do pagamento da taxa de justiça em falta, veio dizer que está isenta do pagamento da mesma, nos termos do artigo 4 do RCP.
Na sequência do requerido, os autos foram com vista ao Mº Pº que promoveu o indeferimento.
Conclusos os autos ao Juiz titular este, por despacho datado de 11-07-2013, indeferiu a requerida isenção de custas peticionada pela embargada/executada.
Inconformada a embargada/ executada interpôs recurso de apelação.
No apenso B a reclamante/executada veio requerer a aplicação do preceituado no artigo 4 alínea f), do RCP o que também foi indeferido por despacho datado de 14-06-2013.
Inconformada a executada /reclamada também interpôs recurso.
Ao abrigo do dever de gestão processual o Juiz a quo ordenou a subida dos dois recursos interpostos num só apenso.
A recorrente nas suas doutas alegações formulou as seguintes conclusões:
A. Nos termos do disposto no nº 1 do artigo 8° da Lei nº 7/2012, de 13 de Fevereiro a este recurso aplica-se o Regulamento das Custas Processuais pelo que nos termos da alínea f) do artigo 4° do Regulamento das Custas Processuais (Decreto-Lei n.º 34/2008 de 26 de Fevereiro) está a Executada, aqui Recorrente, isenta de custas.
B. Isto porque é uma Cooperativa de Construção e Habitação que visa, através da cooperação e entreajuda dos seus membros a satisfação, sem fins lucrativos, das necessidades habitacionais dos seus membros e que tem como objecto principal a promoção da construção ou a aquisição de fogos para a habitação dos seus membros (vide artigos 4°, 5º e 17º dos Estatutos da Executada).
C. E ainda porque, citando a decisão de que se recorre, «A situação em causa nos autos resulta dessa actividade» (…) «de construção ou da aquisição de fogos para a habitação dos eus membros – como sucede no caso vertente».
D. O Tribunal de cuja decisão se recorre decidiu indeferir a pretensão da Executada baseado em que, no seu entender, não há isenção de custas no âmbito do exercício da actividade de construção ou da aquisição de fogos para a habitação dos seus membros e que a situação em causa nos autos resulta dessa actividade e não de quaisquer outros com fins não lucrativos.
E. Ao assim decidir não fez a correcta subsunção dos factos nas normas jurídicas aplicáveis ao caso contrariando o disposto no n º 1 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 502/99, de 19 de Novembro, os Estatutos da Executada, nomeadamente os artigos 4º, 5º e 17º, e fundamentalmente os termos da alínea f) do artigo 4° do Regulamento das Custas Processuais (Decreto-Lei n.º 34/2008 de 26 de Fevereiro).
F. Assim o fazendo o Tribunal de cuja decisão se recorre não decidiu bem ao negar à Executada, aqui Recorrente, a isenção legal de custas de que é beneficiária tendo, com a sua interpretação, denegado justiça à Executada, aqui Recorrente, violando assim o artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, ficando a sua decisão ferida de inconstitucionalidade, com todas as consequências daí derivadas.
NORMAS JURÍDICAS VIOLADAS
Alínea f) do artigo 4° do Regulamento das Custas Processuais (Decreto-Lei n.º
34/2008 de 26 de Fevereiro)
N º 1 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 502/99, de 19 de Novembro Artigos 4º, 5º e 17º dos Estatutos da Executada
Artigo 20º da Constituição da República Portuguesa.
TERMOS EM QUE,
e com o Douto suprimento deste Tribunal, deverá conceder-se provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida julgando a Executada, aqui Recorrente, isenta de custas nos termos da alínea f) do artigo 4.do Regulamento das Custas Processuais (Decreto-Lei n.º 34/2008 de 26 de Fevereiro).

O Ministério Público contra-alegou em cujas contra-alegações formulou as seguintes conclusões:
Apenso A
1-A executada embargada visa, através da cooperação e entreajuda dos seus membros, a satisfação sem fins lucrativos, das necessidades habitacionais e ainda o fomento da cultura em geral e, em especial, dos princípios e prática do cooperativismo.
2-A mesma tem por objecto principal a promoção da construção ou aquisição de fogos para a habitação dos seus membros e a gestão, reparação, manutenção ou remodelação dos mesmos.
3-Os presentes autos consistem em embargos de terceiro e têm por finalidade o levantamento da penhora de um dos imóveis penhorados na execução á embargada B…, CRL, sobre o qual os embargantes reclamam o direito de retenção.
4-O objecto do processo nos presentes embargos não tem por base as especiais atribuições da embargada, nem se destina a defender os interesses que lhe são conferidos pelo estatuto.
5-Nesta medida não se verificam os pressupostos referidos no artº 4 al. f) do RCP para a isenção de custas.
6-A decisão recorrida não viola qualquer disposição legal, nem merece qualquer reparo.
No apenso B.
7-Com o recurso interposto pugna a recorrente pela revogação da decisão proferida pelo mmº Juiz “a quo”, em 14-06-2013, que determinou o pagamento pela mesma de taxa de Justiça, por entender que a presente execução e a reclamação de créditos que constitui seu apenso, não se incluem no âmbito dos fins não lucrativos da mesma.
8-A recorrente alega que a situação em causa nos autos resulta dos fins não lucrativos que persegue.
9-Constata-se, que bem decidiu o Mmº Juiz “a quo” pois “só há isenção de custas no âmbito do exercício destas especiais atribuições ou interesses, e não no âmbito da actividade de construção ou da aquisição de fogos para habitação dos seus membros – como sucede no caso vertente –”.
10-Nesta conformidade, o Mmº juiz decidiu explicando a fundamentação em conformidade com factos objectos dos autos e os preceitos legais aplicáveis, pelo que, observadas estas premissas, outro resultado não pode ser obtido que não seja a justeza da decisão objecto de recurso.

Nestes termos – e nos demais de facto e de Direito que Vªs. Exa. D. suprirão – devem manter-se as doutas decisões recorridas, com o que se fará JUSTIÇA.

2-Objecto do recurso.
Nas conclusões das doutas alegações que circunscrevem o âmbito do recurso a apelante coloca a questão de saber se beneficia da isenção de custas, nos termos do artigo 4,nº1, alínea f), do RCP.

3-Os factos atendíveis para a apreciação do presente recurso são os constantes do relatório desta decisão, bem como os seguintes:
-A executada é uma Cooperativa de Construção e Habitação que visa através da cooperação e entreajuda dos seus membros, a satisfação, sem fins lucrativos, das necessidades habitacionais.
-No requerimento executivo a exequente – C… - invocou um contrato de empreitada celebrado com a executada para a execução de infra-estruturas do conjunto habitacional … no Porto – .ª fase pelo preço total de 853.133,24 euros - para concluir pelo pagamento no montante de 88.631,10 euros.
-Por apenso à execução, o D… veio reclamar créditos no montante de 12.054,483,75 euros invocando um contrato de abertura de crédito com hipoteca, o qual foi objecto de várias alterações.
- A executada impugnou o crédito reclamado (apenso B)
-Em virtude de ter incidido uma penhora sobre o imóvel descrito sob a verba nº30, foram deduzidos embargos de terceiro por E… e F…, que a executada – aqui apelante – contestou. (apenso A)

4-Fundamentação de direito.
O tribunal recorrido considerou-se que “ a isenção de custas prevista no artigo 4, nº1, alínea f), do RCP não abrange a actividade desenvolvida pela executada na prossecução do seu objecto, designadamente a construção ou a aquisição de fogos para a habitação dos seus membros (…)” – cfr. despacho de fls. 271-
Insurge-se a apelante por considerar que o tribunal recorrido não “ fez correcta subsunção dos factos nas normas jurídicas aplicáveis ao caso contrariando o disposto no nº1 do artigo 2 do D-L 502/99, de 19 de Novembro, os Estatutos da executada, nomeadamente os artigos 4º, 5º e 17º e fundamentalmente os termos da alínea f)) do artigo 4 do RCP”.
Vejamos.
De acordo com o disposto no artigo 4,nº1, alínea f), do RCP, aprovado pelo D-L nº 34/2008, de 26/2, e vigente desde 20-4-2009” Estão isentos de custas, as pessoas colectivas privadas sem fins lucrativos, quando actuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto ou nos termos da legislação que lhes seja aplicável”.
Nos termos do seu estatuto” a cooperativa – aqui apelante – visa, através da cooperação e entreajuda dos seus membros, a satisfação, sem fins lucrativos, das necessidades habitacionais e ainda o fomento de cultura em geral e, em especial, dos princípios e prática do Cooperativismo, não sendo permitida a distribuição de dividendos – cfr. artigo 4 e 17 do Estatuto –
Por sua vez, o artigo 2,nº1, do D-L nº 502/99, de 19 de Novembro, diz-nos que: “ São cooperativas de habitação e construção as que tenham por objecto principal a promoção, construção ou aquisição de fogos para habitação dos seus membros, bem como a sua manutenção, reparação ou remodelação”.
Como se escreve no Acórdão do STA de 14-03-2013, proc. 01166/12 – Pleno da Secção do CA – in site DGSI -, o artigo 4,nº1, alínea f), do RCP faz “ depender a isenção subjectiva em matéria de custas no tocante às pessoas colectivas privadas sem fins lucrativos da verificação de dois pressupostos de legitimidade processual:
1.Quando actuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições”, ou, 2.Para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto ou nos termos da legislação que lhe seja aplicável”.
No caso dos autos, o litígio está relacionado com o financiamento das obras e seu pagamento e com a ofensa de posse invocada pelos embargantes e, ainda, com o incumprimento do contrato-promessa de compra e venda celebrado entre os embargantes e a embargada – aqui apelante – o que significa, salvo sempre o devido respeito, que a reclamante/embargada integrada no ramo habitação/construção do sector cooperativo actua na defesa dos interesses que lhe estão concedidos, quer pela lei, quer pelo seu estatuto e, como tal, deve beneficiar da isenção prevista no mencionado normativo legal.
Mas mesmo que se entendesse que o contrato de concessão de crédito foi celebrado com o fim de obter meios para o exercício das atribuições da reclamada/embargada para se concluir que o objecto da reclamação é “ instrumental aos fins estatutários” da reclamante “ sempre seria de “considerar” que a referida acção” está abrangida pela isenção de custas” – cfr. Salvador da Costa, RCP anotado, Almedina, 2ª ed. pág. 153.
Isto sem prejuízo, porém, de incorrer em responsabilidade pelo pagamento das custas nos termos dos nºs 5 e 6 do referido normativo legal – cfr. Salvador da Costa, ob. citada, pág. 153 e Acórdão do STA, de 14-03-2013 tb já citado –
Aqui chegados impõe-se concluir pela procedência dos recursos.
Decisão
Nestes termos, os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação do Porto acordam julgar procedentes os recursos determinando que a recorrente beneficia de isenção de custas nos termos sobreditos e, em consequência, revogam as decisões recorridas.
Sem custas.

Porto, 19-11-2013
Maria de Jesus Pereira
Maria Amália Santos
José Igreja Matos