Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0545151
Nº Convencional: JTRP00038999
Relator: PINTO MONTEIRO
Descritores: CONTRAFACÇÃO DE MARCA
Nº do Documento: RP200603290545151
Data do Acordão: 03/29/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 221 - FLS. 60.
Área Temática: .
Sumário: A importação de produtos contrafeitos é abrangida pela fórmula "puser em circulação" usada pelo artº 324º do Código da Propriedade Industrial.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam, em audiência, no Tribunal da Relação do Porto:

No Tribunal Judicial de Matosinhos, foram os arguidos B………., C………. e "D……….., Lda.", todos devidamente identificados nos autos a fls. 718, condenados: os arguidos B………. e C………., pela prática, cada um, de um crime de contrafacção, imitação e uso ilegal de marca, na forma continuada, p. e p., pelo artigo 264°, n.ºs 1 e 2, do Código da Propriedade Industrial, aprovado pelo D/L nº 16/95, de 24 de Janeiro, e actualmente, previsto e punido pelo artigo 324° do mesmo diploma, na redacção introduzida pela Lei n.º 36/2003, de 5 de Março, na pena de 70 dias de multa, à razão diária de €7,00; a arguida "D………., Lda.", pela prática do mesmo crime de contrafacção, na pena de 70 dias de multa, à razão diária de €15,00, nos termos do art.º 258° do CPI aprovado pelo DL 16/95 de 24/JAN, ora art.º 320° do CPI aprovado pelo D/L 36/2003 de 05.03.2003.
Inconformados com a decisão, recorreram os arguidos, tendo concluído a motivação nos termos seguintes:
I – Foram os arguidos condenados pela prática de um crime de contrafacção, imitação e uso ilegal de marca, previsto e punido pelo art. 324.º do Código da Propriedade Industrial, na pena de 70 dias de multa, à razão diária de €7,00 para os primeiros e à razão diária de €15,00 para a terceira arguida e ainda nas custas criminais.
II – Dos autos e da audiência de julgamento não resultaram elementos suficientes para o tribunal poder dar por provados os factos como fez, havendo por isso manifesta insuficiência de prova e, por outro lado, a matéria dada por provada é também manifestamente insuficiente para a decisão condenatória, tendo ainda ficado efectivamente provados factos que, devida e concretamente valorados, deveriam ter levado o tribunal, necessariamente, a decidir de forma diferente, sendo estes os fundamentos legais do presente recurso (art. 410.º, n.º2, als. a) e b) do CPP).
III – Por isso, com o presente recurso, para além de se não conformarem com a decisão de direito e respectiva matéria, os arguidos pretendem impugnar expressamente a decisão proferida sobre matéria de facto.
IV – Os arguidos consideram que foram incorrectamente julgados os poontos de facto, a saber:
- que os 169 relógios e 1210 estojos e porta-moedas apreendidos, foram importados pela arguida D………, Lda, representada pelos arguidos;
- que os arguidos agiram de modo voluntário, livre, concertado e consciente;
- que quiseram adquirir para a sociedade que representavam tal mercadoria o que fizeram, importando-a e colocando-a assim em circulação, bem sabendo que se tratava de mercadoria anómala, contrafeita e imitada;
- que actuaram com intenção de obter para si benefícios ilegítimos.
V – Entendem os arguidos que não há nos autos qualquer prova, nem a mesma foi produzida em audiência de julgamento, relativamente a estes pontos de facto e que permita dá-los por provados.
VI – Os arguidos negaram que alguma vez tivessem encomendado qualquer mercadoria contrafeita e analisada a prova documental, nada permite retirar qualquer indício de que, naquelas encomendas e por ordem de qualquer dos arguidos, estivessem incluídas quaisquer mercadorias contrafeitas.
VII – A prova testemunhal produzida é totalmente omissa quanto a este ponto: ouvido na íntegra o registo magnético dos respectivos depoimentos, nenhuma testemunha afirma ou sequer insinua que os arguidos tenham encomendado mercadoria contrafeita.
VIII – De igual forma, nenhuma prova foi produzida ou consta dos autos de que, nesta encomenda, os arguidos tenham agido de forma concertada, livre e consciente para importar mercadoria contrafeita.
IX – Os arguidos, ao importarem a mercadoria contrafeita, não a colocaram em circulação.
X – As mercadorias foram detectadas na Alfândega, antes do seu desalfandegamento, tendo sido apreendidas, não chegaram à posse de nenhum dos arguidos para que qualquer um deles pudesse sequer tentar colocá-las no circuito comercial e à disposição de quem quer que fosse.
XI – O acto de importação não integra ou preenche o conceito de colocação em circulação e os arguidos tão pouco importaram, de forma voluntária, livre e consciente, qualquer mercadoria ou artigo contrafeitos.
XII – Verifica-se pois que há manifesta insuficiência de prova para a decisão de facto proferida, insuficiência esta que resulta da própria decisão ora recorrida e da fundamentação.
XIII – Com base na matéria dada por provada, o tribunal decidiu que “…temos de forma clara que os arguidos, com a sua apurada conduta se constituíram na autoria material de um crime de contrafacção, verificando-se os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal.” e “Deste modo, verifica-se o cabal preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime de contrafacção, na forma continuada, inexistindo quaisquer causas de exclusão da ilicitude, bem como de desculpação dos arguidos”.
XIV – Os arguidos entendem que se verifica uma insuficiência manifesta da matéria de facto dada por provada para a decisão proferida e o tribunal erra totalmente na subsunção dos factos ao direito, interpreta erradamente a norma do art. 324.º do CPI e, ao condenar os arguidos fá-lo em clara violação desta mesma norma jurídica.
XV – Sempre com o devido respeito e salvo melhor opinião, parece aos arguidos que, perante os elementos e factos dados por provados e face ao tipo legal de crime em causa (art. 324.º do CPI), a decisão correcta é a de absolvição.
XVI – Esta norma pune o agente que venda, ponha em circulação ou oculte produtos contrafeitos, por qualquer dos modos e nas condições referidas nos artigos 321.º a 323.º e com conhecimento dessa situação.
XVII – São elementos objectivos do tipo legal as acções a desenvolver pelo agente para praticar o crime: vender, pôr em circulação ou ocultar produtos contrafeitos.
XVIII – Está provado que os produtos contrafeitos nunca chegaram a estar na posse de qualquer dos arguidos, que nunca tiveram sequer a possibilidade material de vender, pôr em circulação ou ocultar qualquer deles.
XIX – Há por isso uma absoluta impossibilidade física e material da prática de qualquer das acções tipificadoras do crime.
XX – Quanto ao elemento subjectivo, a disposição legal é clara e expressa: o agente tem de praticar alguma das acções previstas de vender, pôr em circulação ou ocultar produtos contrafeitos, com conhecimemto dessa situação.
XXI – As mercadorias foram encomendadas previamente em Hong Kong, foram fabricadas na China, país de onde provinham e onde foram carregadas nos contentores e nenhum dos arguidos esteve presente ou controlou o carregamento dos contentores.
XXII – Nenhum dos arguidos teve conhecimento de que dentro dos contentores se encontravam produtos contrafeitos e praticaram nenhuma das acções previstas, com conhecimento de que se tratava de produtos contrafeitos.
XXIII - A douta senteça decidiu que a conduta dos arguidos preenche os elementos objectivos e subjectivos daquele tipo legal, tendo-se por isso constituído como autores materiais do crime de contrafacção, muito embora não diga expressa e concretamente porquê e como esse preenchimento ocorre.
XXIV – Em cumprimento expresso do disposto no n.º2 do art. 412.º do CPP, parece aos arguidos que o tribunal entende ou interpreta aquela norma no sentido de que o acto de importação de mercadorias configura ou corresponde de alguma forma às acções de “quem vender, puser em circulação ou ocultar produtos contrafeitos…”.
XXV – Sempre com o devido respeito e salvo melhor opinião, esta interpretação é errada e carecida de fundamento, uma vez que a importação de mercadorias, que nunca chegaram a estar na posse dos arguidos, não cabe em nenhuma das acções taxativamente previstas no tipo legal.
XXVI – Assim, a douta sentença ora recorrida, para além de violadora do disposto no art. 324.º do CPI, de errada e profundamente injusta, é ainda altamente penalizadora para os arguidos, cidadãos estrangeiros residentes em Portugal há muitos anos, com vidas exemplares a todos os títulos, que agora se vêem condenados sem qualquer fundamento e sem terem cometido qualquer acto ilícito.
XXVII – Sendo certo que a ausência de antecedentes criminais no registo criminal é muito relevante para os arguidos, uma vez que têm nacionalidade indiana, residem/trabalham em Portugal há cerca de 25 anos e os seus filhos já possuem nacionalidade portuguesa.
XXVIII – Pelo que aspiram também eles obter a nacionalidade portuguesa, para o que é determinante a inexistência de antecedentes no respectivo registo criminal.
Nos termos do disposto no n.º4 do art. 412.º do CPP, uma vez que a prova produzida em audiência de julgamento foi gravada, há lugar à transcrição daquelas que os arguidos entendem impor decisão diversa da ora recorrida.
Tal como ficou expresso na motivação do recurso, os arguidos entendem que dos depoimentos das testemunhas E………., F………., G………., H………. e I………., sendo correctamente, (sic) demonstram a incorrecção do julgamento da matéria de facto e impõem uma decisão diversa.
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Na 1.ª instância respondeu o M.º P.º pronunciando-se pelo não provimento do recurso, sendo no mesmo sentido o parecer do Ex.mº Procurador Geral Adjunto neste tribunal.
Cumprido o disposto no n.º2 do art. 417.º do C. P. Penal, responderam os arguidos reiterando a posição já assumida na motivação do recurso.
Foram colhidos os vistos legais.
Procedeu-se à audiência de julgamento de harmonia com o formalismo legal, como consta da respectiva acta.
Cumpre decidir.
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Na 1.ª instância procedeu-se à gravação da prova oralmente produzida na audiência de julgamento, que se encontra transcrita, pelo que, nos termos dos arts. 364.º, n.º1, e 428.º, n.º2, ambos do C. P. Penal, este tribunal conhece de facto e de direito.
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Tendo em conta as conclusões da motivação do recurso e que estas delimitam o seu objecto, são três as questões suscitadas pelos arguidos a merecer apreciação, a saber: a) a sentença padece dos vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e da contradição insanável da fundamentação e entre esta e a decisão; b) houve erro de julgamento da matéria de facto provada; e c) foi feito um errado enquadramento jurídico da matéria de facto provada.
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a) Decorre do disposto no n.º2 do art. 410.º do C. P. Penal e é jurisprudência praticamente unânime que os vícios nele elencados têm de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sem recurso a quaisquer elementos externos, mesmo que presentes nos autos.
Da análise do conjunto de toda a motivação e, nomeadamente, das conclusões n.ºs 2 e 11 a 14, conclui-se que os arguidos, embora invocando os vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e da contradição insanável da fundamentação e entre esta e a decisão, não os colocam no âmbito da disposição legal em que os mesmos estão previstos, estando antes, por um lado, a pôr em causa a forma como o tribunal apreciou a prova produzida na audiência de julgmento, para chegarem à conclusão de que determinados factos provados o não deviam ter sido, por não ter sido produzida prova do seu cometimento (aqui residindo a contradição insanável da fundamentação e entre esta e a decisão), e por outro lado, a pôr em causa o seu enquadramento jurídico-penal, ou seja, alegando que, face à matéria de facto provada, outra devia ser a decisão de direito, qual seja, a sua absolvição (aqui residindo a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada), questões que também suscitaram e sobre as quais nos vamos pronunciar.
Do texto da decisão recorrida não resultam aqueles apontados vícios nem qualquer outro.
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b) Estabelece o n.º3 do art. 412.º do C. P. Penal que, quando impugnar a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar os pontos de facto que considera incorrectamente julgados e as provas que impõem decisão diversa da recorrida.
Por sua vez o n.º4 da mesma disposição legal estatui que, quando as provas tiverem sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência aos suportes técnicos, havendo lugar a transcrição.
Os arguidos indicaram os pontos de facto que consideram incorrectamente julgados.
Quanto às provas que impõem decisão diversa da recorrida, indicaram os depoimentos de algumas das testemunhas ouvidas na audiência de julgamento, contrapondo assim a sua própria apreciação daqueles depoimentos à apreciação que dos mesmos foi feita pelo tribunal recorrido.
Não fez qualquer referência aos suportes técnicos. Tal facto, porém, atendendo a que a prova se encontra toda transcrita, não nos impede de conhecer do recurso na parte em que põe em causa a matéria de facto provada, o que vamos fazer a seguir.
Na 1.ª instância foi considerada provada a seguinte matéria de facto:
Os arguidos B………. e C………. são os sócios-gerentes da sociedade "D………., L.da" - pessoa colectiva n° ……… - desde Junho de 2001.
A sociedade arguida tem como objecto, nomeadamente, o exercício de importação e exportação de vestuário, bijuterias e brinquedos, tendo por actividade, entre outras, a importação da China de mercadorias destinadas para revenda no comércio nacional, designadamente, de relógios, estojos e porta-moedas para crianças.
No dia 23 de Outubro de 2002, na Alfândega de Leixões, a Direcção Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, ao efectuar, conforme procedimento habitual, a fiscalização do contentor com a referência …. ……/., detectou que entre os 3000 relógios analógicos, que o mesmo continha, provenientes da China, declarados para livre prática, em Roterdão, 1960 dos mesmos ostentavam desenhos, fundos gráficos, nomes e letras, pertencentes às seguintes entidades conforme a seguir se discrimina:
- 388 relógios, ostentavam a marca - "J………." - pertencente à "L………., Lda", regularmente registada em Portugal;
- 492 relógios, ostentavam a marca registada - "M………." - a favor da N………., Ltd.";
- 587 relógios, ostentavam a marca registada - "O………." – a favor da “P………., Ltd.”;
- 493 relógios, ostentavam a marca registada - "Q………." em nome de S………., L.da".
No dia 31 de Dezembro de 2002, também na Alfândega de Leixões, a Direcção - Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, ao realizar nova verificação, desta feita, ao contentor com a referência …. ……/., constatou que o mesmo continha mercadoria, igualmente, proveniente da China, declarada para livre prática em Roterdão, sendo que, entre a mesma, foram encontrados, 1210 estojos e porta moedas de criança com desenhos pertencentes às seguintes marcas:
- 114, com desenhos do "T……….", marca registada a favor da "U………., LP ";
- 97, com desenhos da "M……….", marca registada em nome da "N………., Ltd";
- 504, com desenhos do "X……….", marca registada a favor da "Z……….";
- 69, com desenhos do "BA……….", marca registada em nome de "BB……….";
- 31, com desenhos do "BC……….", marca com registo comunitário em nome de "BC1……….";
- 395, com desenhos do "BD……….", marca com registo comunitário em nome de "BD1……….".
Todos os referidos 1960 relógios e 1210 estojos e porta-moedas foram importados pela sociedade "D………., L.da", representada pelos arguidos, não possuindo esta, no entanto, para nenhum destes produtos a competente autorização ou licença para o seu fabrico, venda, uso ou qualquer forma de exploração.
E foram importados pela empresa arguida sem qualquer licença ou autorização das legítimas detentoras da marca.
Toda essa mercadoria, que foi apreendida, apresentava diferenças dos produtos originais comercializados pelos legítimos titulares das respectivas marcas, conforme consta dos relatórios de exames periciais efectuados a fls. 85 a 86, 133 a 135, 223 a 224, 230 a 231, 256 a 257, 278 a 279 e 351 a 353, dos autos, cujo teor se dá aqui por reproduzido para todos os efeitos legais, tratando-se, assim, de mercadoria contrafeita.
Os arguidos agiram de modo voluntário, livre, concertado e consciente, bem sabendo serem as suas condutas proibidas e punidas por lei.
Quiseram adquirir para a sociedade que representavam tal mercadoria o que fizeram, importando-a e colocando-a, assim, em circulação, bem sabendo que se tratava de mercadoria anómala, contrafeita e imitada e, assim, não original.
Actuaram ainda com intenção de obter para si e para a sociedade de que são sócios-gerentes beneficios ilegítimos.
No caso dos presentes autos, as mercadorias foram encomendadas pelo Arguido B………. numa feira, em Hong-Kong.
Os arguidos auferem, respectivamente, 1.900,00€ pelo exercício das funções de gerente.
O arguido B………. é casado e tem três filhos menores a cargo. Concluiu a escolaridade equivalente ao 11º ano nacional.
O arguido C………. é casado e tem dois filhos menores a cargo. Concluiu a escolaridade equivalente ao 10º ano nacional.
Os arguidos são irmãos e ambas as famílias residem na mesma casa, pagando cada um deles metade da prestação do empréstimo bancário para aquisição da habitação, no valor global de 1.000,00€.
Não têm antecedentes criminais.
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Foi considerado não provado:
- Que os arguidos tivessem agido com intenção de enganar os futuros compradores a quem pretendiam vender tal mercadoria como se fosse autêntica.
- Que a sociedade arguida, por intermédio dos seus sócios gerentes aqui arguidos, bem como dos seus funcionários responsáveis pela importação, tenha a maior cautela em frisar junto dos seus fornecedores chineses que não quer que lhe sejam fornecidos quaisquer objectos com indicação de marca.
- Que, os fornecedores e exportadores chineses destes produtos destinados a crianças encham os respectivos contentores com artigos sem marca ou com marca, numa total confusão e desrespeito pelos direitos de propriedade industrial.
- Que tal tenha acontecido com a mercadoria apreendida nos autos.
- Que, por esse motivo, apesar de todos os esforços, seja impossível à sociedade arguida e aos seus sócios-gerentes, aqui arguidos, evitar que, por vezes, sejam expedidos contentores da China com produtos contrafeitos.
- Que, sempre que assim acontece, a sociedade arguida, por decisão e instrução dos co-arguidos seus sócios-gerentes, procede à devolução dos produtos contrafeitos ao fornecedor, para que os produtos com marca sejam substituídos por produtos sem marca.
- Que a sociedade arguida, por deliberação dos seus sócios-gerentes, deixe de efectuar encomendas com os fornecedores que sejam reincidentes no desrespeito dos produtos com falsa marca.
- Que as amostras dos produtos encomendados não ostentassem qualquer marca.
- Que os arguidos B………. e C………. sempre actuaram pessoalmente, e instruíram os seus empregados, organizando a actuação da sociedade arguida, no sentido de esta cumprir estrita e pressurosamente as suas obrigações legais, em particular, a não importação de produtos contrafeitos.
- Que os produtos apreendidos na Alfândega não seriam nunca por si colocados nos circuitos comerciais de venda ao público e que, logo que detectassem a contrafacção procederiam à sua imediata devolução aos produtores e exportadores chineses.
- Que os arguidos sejam completamente alheios e lhes seja completamente impossível evitar o envio de mercadoria contrafeita pelos fornecedores e exportadores chineses.
- Que os arguidos não tenham encomendado e pretendido importar as mercadorias contrafeitas apreendidas.
- Que a demandante N………., LTD, sociedade japonesa, tenha sofrido diminuição do volume de vendas, em consequência da conduta dos arguidos.
- Que tenha havido desvio de consumo para os produtos contrafeitos.
- Que tenha havido afectação da imagem e do bom nome da demandante.
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Pretendem os arguidos que sejam retirados da matéria de facto provada os factos seguintes:
- que os 1960 relógios e 1210 estojos e porta-moedas apreendidos, foram importados pela arguida D………., Lda, representada pelos arguidos;
- que os arguidos agiram de modo voluntário, livre, concertado e consciente;
- que quiseram adquirir para a sociedade que representavam tal mercadoria o que fizeram, importando-a e colocando-a assim em circulação, bem sabendo que se tratava de mercadoria anómala, contrafeita e imitada;
- que actuaram com intenção de obter para si benefícios ilegítimos.
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Fundamentou o tribunal recorrido a decisão de facto nos termos que passamos a transcrever:
O tribunal formou a sua convicção probatória na apreciação crítica e articulada de toda a prova produzida em julgamento, segundo as regras da experiência e da ordem natural das coisas (art. 127º, do CPP).
Assim, e para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos, nos depoimentos prestados, em função das razões de ciência, das certezas e incertezas e ainda das lacunas, contradições e demais inverosimilhanças, que transpareceram nesses mesmos depoimentos.
Os arguidos dizem que não encomendaram a mercadoria contrafeita que lhes foi enviada, que os chineses é que a incluíram no contentor, pois eles pretendiam era receber mercadoria sem marca, sendo que quando tomassem conhecimento de que tinha vindo mercadoria contrafeita, iriam proceder à sua devolução.
Explicaram que a sociedade arguida só vende a outros comerciantes e que já chegaram a fornecer aos hipermercados ……….. e ………., mas que actualmente vendem é para as “lojinhas” do tipo bazar, vulgarmente denominadas, lojas dos trezentos.
A versão dos arguidos de que ignoravam que os artigos que importaram eram, alguns deles, contrafacções de marcas protegidas não convenceu minimamente o Tribunal. Na verdade, não é credível que o arguido tenha feito encomendas das quais adiantou 20% do preço de produtos sem marca e que os exportadores chineses tivessem enviado produtos de marca contrafeitos.
Como é sabido, o produto contrafeito é, por regra, vendido a um preço mais barato que o original mas é mais caro que um produto com as mesmas características, que não aluda a uma marca. De facto, a produção e comercialização de artigos contrafeitos, embora não tenha os custos referentes aos direitos das marcas, implica maiores riscos e os produtos são vendidos a preços superiores a idênticos produtos sem referência a marcas.
Ou seja, não é plausível que os exportadores enviassem produtos mais caros quando os acordados, e cujo preço fora parcialmente adiantado, eram mais baratos.
As testemunhas E………. e F………., técnicos verificadores da Alfândega, relataram que, na fiscalização do contentor supra aludido, depararam com caixas que transportavam relógios que veio a confirmar-se serem contrafeitos.
G………., inspector do IGAE, orientou o processo, após as apreensões, referindo a existência de várias denúncias por contrafacção contra esta empresa, num estado inconclusivo, tendo referido a existência de um processo anterior em que foi apreendida mercadoria contrafeita, processo esse de que os arguidos terão certamente sido absolvidos.
Por outro lado, ao contrário do que os arguidos afirmaram, a testemunha BE………., funcionária dos arguidos, afirmou que continuaram a ser feitas encomendas a pelo menos um dos fornecedores que tinha enviado os produtos contrafeitos aqui em causa.
Os funcionários vendedores da empresa arguida H………. e I………. referiram que a empresa não comercializava artigos de marcas registadas mas acabaram por demonstrar pouco conhecimento sobre o que era comercializado e sobre quais eram os artigos de marcas protegidas.
Os depoimentos das testemunhas foram articulados com a apreciação crítica de toda a documentação junta aos autos, bem como da análise dos relatórios periciais.
A convicção probatória negativa referente à factualidade não provada derivou da ausência de produção de prova, tendente a concluir de modo seguro, pela sua verificação.
Designadamente, no que tange à imputada intenção de enganar os futuros compradores e vender-lhes tal mercadoria como se fosse autêntica, foi a actividade probatória inconcludente, pois destinando-se as mercadorias a ser vendidas a outros comerciantes que, por seu turno, as comercializam em lojas do tipo “loja dos trezentos”, não se vislumbra que quem compra um artigo de marca nesse tipo de estabelecimento possa ser iludido e levado a pensar que está a comprar um artigo original, quando é do conhecimento geral que essas lojas vendem justamente imitações e contrafacções. E porque é assim, também não se compreenderia que os arguidos tivessem a veleidade de querer enganar os destinatários dos produtos.
No que concerne aos antecedentes criminais tomou-se em conta o respectivo CRC junto aos autos e quanto ao circunstancialismo pessoal as declarações dos arguidos.
X X X
A fundamentação de facto da sentença recorrida é uma reprodução sintética e fiel da prova oralmente produzida na audiência de julgamento.
Àquela fundamentação, porque posta em causa, impõe-se referir mais alguns pormenores e comentários da prova produzida na audiência de julgamento e que ajudam a corroborar a bondade da sentença no sentido em que decidiu esta questão.
Vejamos.
O arguido B………. referiu que as mercadorias dos dois contentores foram adquiridas a fornecedores diferentes.
Ora, seria coincidência a mais que, não pretendendo os arguidos adquirir mercadorias contrafeitas, como declararam, os dois fornecedores lhes tivessem enviado mercadorias contrafeitas dissimuladas no meio das outras mercadorias.
A testemunha E………., verificador das alfândegas e que procedeu à inspecção do contentor onde foram encontrados os relógios, declarou, para além do mais, que a L………., Lda já tinha feito um pedido de intervenção com vista à apreensão de artigos da sua marca contrafeitos. Declarou mais que a mercadoria contrafeita não vinha logo à entrada do contentor, mas a uma profundidade de cerca de um metro, um metro e meio, sendo necessário proceder à retirada de algumas caixas para a mesma poder ser encontrada.
A testemunha F………., com a mesma profissão da anterior, procedeu também à inspecção do contentor onde foram encontrados os relógios, nada de interesse acrescentando relativamente ao depoimento por esta prestado.
A testemunha G………., inspector adjunto principal, procedeu ao exame pericial às mercadorias apreendidas. Com interesse, para além do mais, declarou que tem conhecimento de outros casos da mesma natureza em que os arguidos estão envolvidos, não adiantando muito por, segundo alegou, ainda estarem em investigação e, consequentemente, em segredo de justiça, e que o estabelecimento dos arguidos foi objecto de inspecções, algumas delas na sequência de denúncias. Referiu mais que em geral vem muita mercadoria contrafeita no meio da outra.
A testemunha BE………., escriturária dos arguidos, de importante para a decisão nada mais disse do que aquilo que vem referido na fundamentação de facto.
A testemunha H………., vendedor da arguida, tendo-lhe sido exibidas algumas das mercadorias apreendidas e sendo-lhe perguntado se as conhecia, começou por responder que as conhecia de ver lá amostras, tudo indicando que seria no estabelecimento dos arguidos. Depois de as examinar acabou por dizer que não as conhecia, mas também declarou que, por vezes, chegam artigos que já estão vendidos, pelo que não chegam a andar no mostruário, e que nos contentores já têm vindo mercadorias contrafeitas, misturadas com as outras, pensando que nesse caso são devolvidas.
A testemunha I………., também vendedor dos arguidos, declarou que já vendeu artigos do género dos que foram apreendidos.
Estabelece o art. 127.º do C. P. Penal que, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
Na sentença recorrida foi feita uma apreciação crítica da prova, tendo esta sido valorada segundo as regras da experiência.
De sublinhar, quanto a este aspecto, a circunstância de se ter referido na fundamentação de facto não ser crível que os arguidos desconhecessem a vinda de produtos contrafeitos, nomeadamente porque não é plausível que os exportadores enviassem produtos mais caros, que não foram encomendados, quando o preço da mercadoria encomendada, que foi parcialmente adiantado, era inferior.
É das regras da experiência que os exportadores chineses não iriam enviar a mercadoria contrafeita se esta não lhes tivesse sido encomendada e que, no caso, só o podia ter sido pelos arguidos, pois eram os únicos que iriam beneficiar de tal facto.
Acresce que na livre apreciação da prova a que alude aquela disposição legal cabem as chamadas provas por presunção, situação muito comum no que diz respeito ao elemento subjectivo dos crimes que, regra geral, a menos que haja confissão, se infere dos elementos objectivos; caso contrário, muitos crimes ficariam impunes.
Na verdade, como referem Leal-Henriques e Simas Santos no Código de Processo Penal Anotado, vol. I, pág. 684, citando um Ac. do STJ, “É legítimo o recurso à prova por presunção, aquela que, partindo de determindo facto, chega por mera dedução lógica à demonstração da realidade de um ou outro facto. A presunção consiste na dedução, na inferência, no raciocínio lógico por meio do qual se parte de um facto certo, provado ou conhecido e se chega a um facto desconhecido”.
Ora, a prova produzida na audiência de julgamento conduz-nos à conclusão de que as mercadorias contrafeitas encontradas nos contentores foram importadas pelos arguidos e que estes agiram nos moldes e com os fins constantes dos factos que puseram em causa.
X X X
Deste modo, considera-se definitivamente assente a matéria de facto provada constante da sentença recorrida.
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c) Fundamentou o tribunal recorrido a qualificação jurídica da matéria de facto provada nos termos seguintes:
Antes de analisarmos o tipo legal do crime em apreço, importa tecer algumas considerações sobre as marcas.
A tutela jurídica das marcas é basicamente assegurada pelo direito interno de cada país. Na maioria dos países entende-se que faz parte do direito da concorrência, aplicando-se subsidiariamente às marcas a concorrência desleal. Actualmente com a globalização da economia, mercado mundial, o princípio da territorialidade coloca graves entraves práticos. Superadas ou pelo menos minimizadas pela finalização das negociações do GATT, pela institucionalização da Organização Mundial do Comércio, dos “TRIPS” (sistema de directivas para todos os países da OMC), sendo regras directamente aplicáveis, não são normas auto-executivas, nos conflitos particulares, obrigam-se os Estados a interiorizar essas regras no seu direito interno. E, maxime, pelos Acordos de Madrid e de Paris.
O Acordo de Madrid relativo ao registo internacional das marcas de fábrica ou de comércio, de 14 de Abril de 1891, revisto em Bruxelas em 14 de Dezembro de 1900, em Washington em 2 de Junho de 1911, em Haia em 6 de Novembro de 1925, em Londres em 2 de Junho de 1934 e em Nice em 15 de Junho de 1957. Este Acordo foi ratificado em Portugal pelo Decreto-Lei n.º 47.734, de 16 de Julho de 1958.
Estatui o Artigo 1º, nº 1 que: “Os Países aos quais se aplica o presente Acordo constituem uma união particular para o registo internacional das marcas.”; no n.º 2 que: “Os nacionais de cada um dos países contratantes poderão assegurar a protecção, em todos os outros países partes do presente acordo, das suas marcas aplicáveis aos produtos ou serviços registados no país de origem, por meio do depósito das referidas marcas na Secretaria Internacional para a protecção da propriedade industrial, feito por intermédio da Administração do dito país de origem.”; e no n.º 3 que: “Será considerado país de origem o país da União particular em que o depositante tenha um estabelecimento industrial ou comercial efectivo e idóneo; se o depositante não possuir tal estabelecimento num país da União particular, o país da União particular em que ele tiver o seu domicilio; se não tiver domicílio na União particular, o país da sua nacionalidade, se for súbdito de um país da União particular.”
Estipula no seu Artigo 4º que a partir do registo feito nos termos daquele Acordo, a protecção da marca em cada um dos países contratantes interessados será a mesma que a marca teria se neles tivesse sido directamente registada. Qualquer marca que tenha sido objecto de um registo internacional, gozará do direito de prioridade estabelecido no Artigo 4º da Convenção de Paris para a protecção da propriedade industrial.
Quando uma marca registada em um ou vários países contratantes, for posteriormente registada na Secretaria internacional em nome do mesmo titular ou do seu sucessor, o registo internacional considerar-se-á em substituição dos registos nacionais anteriores, sem prejuízo dos direitos adquiridos pelo facto destes últimos (Artigo 4º - bis). O registo de uma marca é feito por um período de 20 anos, embora expirado o prazo de 5 anos, a contar da data do registo internacional, este torna-se independente da marca nacional previamente registada no país de origem.
Com este Acordo pretendeu-se dar resposta à “vexata quaestio” de escolher entre a existência ou, mais correctamente, a coexistência de um registo para diversos países (membros do Acordo), ou extensão do registo existente a outros países. Optou-se pela Segunda solução, já que com um pedido único, centralizado, simples, obtém-se um registo de marca que é válido para todos esses países membros. Para ser possível o registo internacional basta a prova do pedido de registo nacional, obstando-se assim ao problema do “ataque central” e à dependência do destino da marca nacional.
Este Acordo é como que um complemento da Convenção de Paris de 1883 (Convenção da União de Paris), sendo esta conhecida e tratada como a convenção quadro da propriedade industrial. Sofreu sucessivas revisões, maxime a Revisão de Estocolmo de 14 de Julho de 1967, em vigor em Portugal desde 1975.
Esta Convenção é norteada por dois princípios fundamentais, que são respectivamente o princípio da assimilação ou trato internacional e o da tutela mínima. Significa o 1º que um qualquer cidadão que esteja estabelecido num país membro da Convenção terá o mesmo tratamento que aquele dado aos seus nacionais, também eles membros. Outra preocupação foi a de obrigar os Estados membros a concederem àqueles que se acolheram à legislação de um deles uma série de regras mínimas de protecção, sendo este o conteúdo do 2º daqueles princípios.
Consagra para as patentes e para as marcas a “regra da prioridade unionista”: durante 12 meses desde a primeira solicitação do direito o titular do pedido pode invocar em qualquer país da União onde faça esse pedido, a data do primeiro pedido, portanto regista no outro país a data do primeiro pedido. No entanto esta solução apresentava e apresenta graves problemas de impraticabilidade.
Mas a sua inovação está na consagração da protecção das marcas notórias e das marcas telquelle. Decidiu-se neste sentido para fazer face às velhas práticas de pirataria por parte de empresários, como directa consequência da expansão das empresas. A segunda daquelas marcas estipula que nenhum país poderá recusar protecção, recusar o registo de uma marca ao abrigo de normas internas que consagrem limites a essas marcas, tendo, no entanto que estar registado no país de origem.
Tecida esta breve introdução ao instituto, passemos à análise do tipo de ilícito criminal de contrafacção plasmado no Código da Propriedade Industrial nacional.
O Artigo 264º, nº 1, do CPI, tipifica como contrafacção, imitação e uso ilegal de marca, o comportamento daquele que com intenção de causar prejuízo a outrem ou de alcançar um benefício ilegítimo: a) contrafizer, total ou parcialmente, ou reproduzir por qualquer meio, sem consentimento do proprietário; b) imitar, no todo ou em parte, uma marca registada; c) usar as marcas contrafeitas ou imitadas; d) usar, contrafizer ou imitar as marcas notórias ou de grande prestígio e cujos pedido de registo já tenham sido requeridos em Portugal; (…), punindo-o com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.
Por seu turno, o nº 2, do mesmo artigo preceitua que quem vender ou puser à venda ou em circulação produtos ou artigos com marca contrafeita, imitada ou usada nos termos do número anterior com conhecimento dessa situação será punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias.
Aquele que tiver apresentado, em qualquer dos países da União, ou em qualquer organismo intergovernamental com competência para registar marcas, que produzam efeitos em qualquer dos países da união, pedido de registo de marca gozará, para apresentar o mesmo pedido em Portugal, do direito de prioridade estabelecido na Convenção da União de Paris. Reconhece-se aquele direito a qualquer pedido com valor de pedido nacional regular, formulado nos termos da lei interna de cada país da União. Em consequência o pedido apresentado ulteriormente em Portugal antes de expirado o prazo de prioridade não poderá ser invalidado por factos verificados nesse intervalo, designadamente por outro pedido, exploração da marca ou qualquer outro facto de terceiro. Este é o conteúdo do artigo 170º do CPI.
Uma marca considera-se imitada ou usurpada, no todo ou em parte, por outra quando, cumulativamente, a marca registada tiver prioridade, sejam ambas destinadas a produtos idênticos ou de afinidade manifesta, tenham tal semelhança gráfica, figurativa ou fonética que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação com a marca anteriormente registada, de forma que um consumidor médio não possa distinguir as duas marcas senão depois de exame atento ou confronto. (vide artigo 193º do CPI).
A duração do registo é de 10 anos, indefinidamente renovável por períodos iguais, implicando uma mera presunção jurídica de novidade ou distinção de outra anteriormente registada. Poderá o seu titular impedir terceiros de, sem o seu consentimento, usarem, na sua actividade económica, qualquer sinal idêntico ou confundível com essa marca para produtos idênticos ou afins àqueles para os quais aquela foi registada, ou que, em consequência da identidade ou semelhança entre os sinais ou da afinidade dos produtos, cria, no espírito do consumidor um risco de confusão que compreenda o risco da associação entre o sinal e a marca - (Artigos 204º, 205º e 207º, todos do CPI). O sistema de registo é constitutivo, mesmo nas marcas notórias que têm protecção anterior - (Artigo 167º do CPI).
A marca é um bem imaterial perceptível quando se materializa em bens tangíveis. Terá que haver a adopção de um símbolo que por sua vez, terá que estar relacionado com um produto ou serviço, princípio da especialidade, tendo, por fim, de existir uma representação mental pelo público consumidor. A marca será a união entre o símbolo e o produto, quando essa união é representada na mente do consumidor, sendo indispensável, condição sine qua non, que o símbolo possua capacidade distintiva, originalidade não no sentido subjectivo, mas no sentido de não ser banal.
São quatro as funções económicas e jurídicas que se reconhecem às marcas. Respectivamente, a função de indicação de proveniência, que como a mesma diz, indica a proveniência do produto, distinguindo-os no mercado em razão da sua proveniência; função indicadora de qualidade, em que há ónus daquele que concede uma licença de marca de controlar a qualidade do produto do licenciatário, no sentido de haver uma constância das características do produto; função condensadora de “goodwill “dado que a capacidade lucrativa da empresa tem tendência a fixar-se, evidenciar-se nas marcas. Estas condensam a capacidade lucrativa das empresas em virtude do chamado “selling power”; por último a função publicitária.(Art.191º do CPI).
Analisemos agora o crime de fraude sobre mercadorias.
De acordo com o referido art. 23º, 1, “quem, com intenção de enganar outrem nas relações negociais, fabricar, transformar, introduzir em livre prática, importar, exportar, reexportar, colocar sob um regime suspensivo, tiver em depósito ou em exposição para venda, vender ou puser em circulação por qualquer outro modo mercadorias:
a) Contrafeitas ou mercadoria pirata, falsificadas ou depreciadas, fazendo-as passar por autênticas, não alteradas ou intactas;
b) De natureza diferente ou de qualidade e quantidade inferiores às que afirmar possuírem ou aparentarem,
será punido com prisão até 1 ano e multa até 100 dias, salvo se o facto for previsto em tipo legal de crime que comine pena mais grave”.
Ora revertendo as considerações tecidas ao caso vertente, temos de forma clara que os arguidos, com a sua apurada conduta se constituíram na autoria material de um crime de contrafacção, verificando-se os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal.
Nos termos do art. 30º, nº1, do CP, estamos perante a prática de um único crime de contrafacção, não obstante o preenchimento sucessivo dos elementos objectivos e subjectivos do tipo legal.
Dispõe o art. 30º, nº1, do C.P. que “O número de crimes determina-se pelo número de tipos efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente”.
O legislador consagrou um critério teleológico, referido à negação de valores, para a determinação do número de crimes praticados pelo agente, deitando por terra os critérios naturalísticos O que decide do número de crimes há-de ser o número de acções entendidas teleologicamente, recorrendo a um critério normativo-valorativo, porquanto a infracção é a negação, pelo agente, dos valores protegidos pelo ordenamento jurídico.
Ensina o Prof. Eduardo Correia que “O número de infracções determinar-se-á pelo número de valorações que, no mundo jurídico criminal, correspondem a uma certa actividade.” “Pelo que, se diversos valores ou bens jurídicos são negados, outros tantos crimes haverão de ser contados, independentemente de no plano naturalistico, lhes corresponder uma só actividade, isto é, de estarmos perante um concurso ideal.”(Direito Criminal, II, p. 197).
Nesta esteira, dispõe o n.º 2 do art. 30º que “Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.”
São, assim, os pressupostos do crime continuado:
- realização plúrima do mesmo tipo legal de crime (ou de vários tipos que protejam essencialmente o mesmo bem jurídico);
- pluralidade de resoluções criminosas;
- homogeneidade da forma de execução;
- proximidade temporal das respectivas condutas;
- unidade do dolo, no sentido de que as diversas resoluções criminosas devem conservar-se dentro de uma linha psicológica continuada;
- persistência de uma situação exterior que facilita a execução e que diminua consideravelmente a culpa do agente.
Assim, o pressuposto, primordial, da continuação criminosa consiste na existência de uma relação, que de fora, e de maneira considerável, facilita a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que paute a sua conduta de acordo com o direito.
Como tem sido entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência, no crime continuado tem de haver pluralidade de desígnios ou resoluções criminosas, sem o que esta figura não pode verificar-se (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20 de Janeiro de 1994, Jurisprudência Penal, 1995, pág. 80).
No caso em apreço, podemos concluir que a actividade dolosa dos arguidos se desenrolou de forma homogénea, sendo sempre violado o mesmo bem jurídico; existiu um quadro circunstancial idêntico, favorável à repetição dos factos; o meio manteve-se apto para realizar o delito; a determinação criminosa renovou-se e foi praticada da mesma maneira e com os mesmos pressupostos e fins, em ambas as encomendas.
Em conclusão, constitui a conduta dos arguidos um só crime continuado.
Por outro lado, resulta patente que tal comportamento é social e eticamente censurável, dada a existência legal de comandos de censurabilidade dirigidos à pessoa do agente, bem como à sua atitude interna - consciente -, de antijuricidade, revelada na não conformação e desatendimento dos valores socialmente instituídos.
Deste modo, verifica-se o cabal preenchimento dos elementos objectivos e subjectivo do tipo de crime de contrafacção, na forma continuada, inexistindo quaisquer causas de exclusão da ilicitude, bem como de desculpação dos arguidos.
Cumpre esclarecer que entre o crime de contrafacção e o crime de fraude sobre mercadorias se verifica uma relação de consumpção, devendo o facto ser punido como crime de fraude, em caso de concurso aparente, pois a norma que prevê este tipo de ilícito promove a defesa de bens jurídicos mais extensos – Acs da R:P, de 2/6/99, CJ, ano 99, t. III, p. 237, e de 12/07/00, CJ, ano 2000, t. IV, p. 223 (este último considerando também verificar-se um concurso aparente).
Da leitura comparada dos dois normativos, ressuma a conclusão de que, numa zona ampla de abrangência, são elementos constitutivos da fraude sobre mercadorias os elementos típicos da contrafacção e de que a intenção de enganar emerge como o elemento diferenciador.
É o interesse mais amplo da defesa do património que subjaz a ambos os normativos e que particulariza, na contrafacção, na pessoa de quem fez o registo da marca, na fraude, indirectamente nessa mesma pessoa e, directamente, no consumidor em não se ver enganado na aquisição de um património menos valioso.
Porém, a apurada conduta dos arguidos não preenche a tipicidade subjectiva do crime de fraude sobre mercadorias, p. e p. pelo art. 23º, nº 1, do DL nº 28/84, de 20/01, na redacção introduzida pelo DL nº 20/99, de 28/01.
No caso vertente, não se apurou que os arguidos tivessem agido com intenção de enganar os futuros compradores a quem pretendiam vender tal mercadoria como se fosse autêntica, pelo que os arguidos são apenas responsáveis pelo crime de contrafacção.
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Pune o n.º2 do art. 264.º do Código da Propriedade Industrial (disposição legal que foi aplicada por ser a que se encontrava em vigor à data da prática dos factos e os seus elementos constitutivos e moldura penal serem os mesmos do art. 324.º daquele código, na redacção que lhe foi dada pelo D/L n.º36/2003, de 5 de Março) a actuação do agente que vender, puser à venda ou em circulação produtos ou artigos com marca contrafeita, imitada ou usada, nos termos do número 1, com conhecimento dessa situação.
Os arguidos não puseram em causa que os produtos referidos na matéria de facto provada são contrafeitos, mas tão só que a sua actuação não preenche os elementos do tipo legal de crime previsto no n.º2 do art. 264.º do Código da Propriedade Industrial, nomeadamente o elemento “pôr em circulação”, por a importação de produtos contrafeitos não preencher este conceito.
Da matéria de facto considerada provada resulta de forma clara que os arguidos tinham conhecimento de que os produtos por eles importados eram contrafeitos.
Como assinala a Ex.mª magistrada do M.º P.º junto da 1.ª instância na sua resposta, citando Carlos Codesso in Delitos Económicos, edição Almedina, 1986, pág. 114, o legislador, ao falar em pôr em circulação “produtos ou artigos com marca contrafeita, imitada ou usada”, emprega uma fórmula ampla e genérica, de maneira a abarcar todos os modos possíveis de entrada de mercadorias nos circuitos económico-sociais, tais como expedir pelos CTT, transportar, trazer consigo etc..
Ora, não fora o facto de os arguidos terem adquirido em Hong Kong os artigos contrafeitos e os mesmos não teriam sido expedidos para Portugal.
É evidente, assim, que a actuação deles integra o conceito de “por em circulação”, tal como este deve ser entendido.
E não se diga, como alegam os arguidos, que não chegaram a estar na disponibilidade de tais artigos, uma vez que estes foram apreendidos antes de serem desalfandegados.
É que a mercadoria, depois de ter sido expedida em Hong Kong, não se transformou propriamente numa “res nullius” ou numa “res derelicta”, sem ninguém que pudesse responder por ela.
Tendo entrado em Portugal, dirigida aos arguidos, estava à disposição deles, só os mesmos, ou alguém a seu mando, podendo levantá-la.
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Deste modo, nega-se provimento ao recurso.
Condena-se cada um dos arguidos na taxa de justiça que se fixa em 10 (dez) Ucs.
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Porto, 29 de Março de 2006
David Pinto Monteiro
José João Teixeira Coelho Vieira
António Gama Ferreira Gomes