Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
257/07.6IDPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CASTELA RIO
Descritores: FRAUDE FISCAL
FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO
CONCURSO APARENTE DE CRIMES
PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE
PRINCÍPIO DA SUBSIDARIEDADE
PRINCÍPIO DA CONSUMPÇÃO
CONCURSO REAL DE CRIMES
Nº do Documento: RP20130206257/07.6IDPRT.P1
Data do Acordão: 02/06/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Pelo «princípio da especialidade», o (facto tipicamente ilícito e culpável conforme norma incriminadora do) RGIT afasta a aplicação (do facto tipicamente ilícito e culpável conforme norma incriminadora) do Código Penal, assim subsumindo-se os factos provados apenas a crime (doloso) previsto no RGIT via disso ocorrendo apenas concurso legal (aparente ou impuro) de mero concurso de normas com o crime (doloso) previsto no Código Penal cuja aplicação se concretiza:
II - Quando o RGIT exceciona a inaplicação do «princípio da consumpção», naquele caso subsumindo-se os factos provados aos crimes (dolosos) previstos no RGIT e no Código Penal (v.g. art. 87º n.º 4-II e 104-3-ll) ocorrendo concurso efetivo (verdadeiro ou puro) que importa quantificação da pena única com um critério mais ou menos benevolente conforme a medida da «sobreposição» dos desvalores ético-jurídicos violados ex vi os factos objetivos e subjetivos concretamente praticados, em vez de se subsumirem os factos provados apenas a crime (doloso) previsto no RGIT (v.g. art. 87º n.º 4-I e 104º n.º 3-l);
III - Quando o RGIT determina a aplicação do «princípio da subsidiariedade», então subsumindo-se os factos provados ao crime (doloso) previsto no Código Penal (v.g. a «Associação Criminosa» in art. 299º) ou Legislação Extravagante (v.g. as «Organizações terroristas» in Lei n.º 52/2003 de 22/8) em vez do crime (doloso) previsto no RGIT (v.g. a «Associação Criminosa» in art. 89º).
IV - Estabelecidas as correlações abstratamente possíveis entre RGIT e Código Penal, a absolvição da pronunciada prática de um crime (doloso) de fraude fiscal qualificada, p.p. pelos art. 103º n.º 1 al. a) e b), 2 e 3 e 104º n.º 2 do RGIT, não impede a condenação do arguido pela prática dos factos provados constitutivos de um crime (doloso) de falsificação documento, p.p. pelo art. 256º n.º 1 al. a) do Código Penal que se encontrava em concurso legal (aparente ou impuro) ou mero concurso de normas com aquele, mercê da cessação do «princípio da especialidade».
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Na 1ª Secção Judicial / Criminal do TRP acordam em
Conferência os Juízes no Recurso Penal nº 257/07.6IDPRT.P1:

Submetido B… [1] a JULGAMENTO por Tribunal SINGULAR no Processo COMUM 257/07.6IDPRT/1 do 2JCMAI [29, a AUDIÊNCIA culminou na SENTENÇA [3] que o ABSOLVEU do pronunciado crime (doloso) de fraude fiscal qualificada da p.p. dos arts 6, 103-1-a-b-2-3 e 104-2 do RGIT e que (após comunicação de factos e novo Direito aplicável este comunicado ex vi art 358-3 do CPP) o CONDENOU em 180 dias de multa a 12 € diários a pagar em 8 prestações mensais sucessivas de 270 € pela prática de um crime (doloso) de falsificação de documento simples p.p. pelo art 256-1-a do Código Penal e na acessória responsabilidade tributária processual penal crime.

Inconformado com o decidido de Direito por e-mail de 18 jun o ARGUIDO interpôs RECURSO conforme Declaração de interposição com MOTIVAÇÃO a fls. 1277-1285 /V rematada com 3 CONCLUSÕES delimitadoras [4] de objecto do Recurso e poderes de cognição deste TRP, as quais seguidamente se transcrevem ipsis verbis [5]:

1. A) Dando a douta sentença como provado que a conduta do recorrente visou a obtenção de vantagens fiscais, sem que lhe seja associada outra motivação, atento o princípio da especialidade das normas de direito fiscal relativamente às normas de direito criminal comum, tal conduta só poderia ser objecto de incriminação no âmbito dos crimes previstos no RGIT

2. B) A conduta imputada ao recorrente não preenche, assim, os elementos típicos do crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256º, nº 1, al. a), do Código Penal

3. C) A douta sentença sob recurso, ao subsumir a factualidade dada como provada à prática do crime de falsificação de documento, incorreu em erro de julgamento

4. Nestes termos e nos demais de direito, deve ser concedido provimento ao presente recurso com a consequente revogação da douta sentença recorrida e a final absolvição do recorrente, como é de JUSTIÇA.

NOTIFICADO nos termos e para os efeitos dos arts 411-6 e 413-1 do CPP o MINISTÉRIO PÚBLICO, o Sr Procurador Adjunto RESPONDEU a fls. 1288-1290 /V a final que …a douta sentença … não deverá merecer qualquer censura, pelo que deve ser negado provimento ao recurso … e mantida aquela decisão nos seus precisos termosapós
ter concluído [6] que:

1. Só existe concurso aparente entre os crimes de Fraude fiscal e de Falsificação de documentos, quando este último seja contemporâneo daquele e sirva para levar a cabo a referida fraude fiscal, ou seja, em que a falsificação tenha o único objectivo de realizar a fraude fiscal. Esgotando a sua danosidade social no âmbito dessa infracção.

2. Só nessas circunstâncias é que se verifica uma relação de especialidade, em que o crime de Fraude Fiscal consome o crime de Falsificação de documento.

3. No caso destes autos, a falsificação verificou-se posteriormente à consumação da fraude fiscal, autonomizando-se relativamente a esta.

4. Com efeito, a falsificação das facturas …… e …… teve como único objectivo ocultar uma fraude já realizada anteriormente.

5. Nestas circunstâncias, não se encontra qualquer relação de consumpção entre estes dois crimes, não havendo, pois, qualquer concurso aparente de infracções”.

ADMITIDO o Recurso a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo do processo para este TRP ex vi arts 399, 401-1-b, 406-1, 407-2-a, 408-1-a e 427 do CPP por Despacho a fls 1201 /V notificado aos Sujeitos Processuais,

Em Vista ex vi art 416-1 do CPP a Sra Procuradora da República servindo como Procuradora Geral Adjunta emitiu a fls 1298-1301 /VI o PARECER:

1. Quanto à questão prévia que inovatoriamente suscitou, pela … notificação do recorrente para proceder ao pagamento da referida multa acrescida de penalização, sem o que não poderá ser apreciado o recursopor entender [7] que:

O recurso não merece reparo quanto à admissibilidade, legitimidade e interesse em agir. | Foi, porém, interposto no primeiro dia após o termo do prazo legal para o efeito, sem que tivesse sido paga a taxa devida pela interposição tardia.

Dispõe o artigo 411° nºs 1 e 4 do Código de Processo Penal que o prazo para interposição do recurso é de 20 dias contados a partir da notificação da decisão ou, no caso da sentença, do respectivo depósito na secretaria, sendo de 30 dias o prazo para interposição do recurso que tenha por objecto a reapreciação da prova gravada.

É inequívoco que o recurso é restrito a matéria de direito e, portanto, o prazo de interposição é de 20 dias.
A sentença condenatória foi lida no dia 29/05/2012, na presença do arguido — cfr. acta de fls. 1272 — e nessa mesma data foi depositada — fls. 1274, termos em que o referido prazo de 20 dias terminou no dia 18/06/2012 (2 feira).

A motivação de recurso foi apresentada no Tribunal Judicial da Comarca da Maia em 19/06/2012, ou seja no primeiro dia após o termo do prazo, termos em que a validade do acto ficava dependente do pagamento imediato de multa, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 107° n° 5 do Código de Processo Penal e 145° n° 5 al. a) do Código de Processo Civil,

Compulsados os autos não se constata o pagamento imediato da multa nem deles resulta que a secretaria tenha procedido à notificação para o pagamento daquela multa, acrescida de uma penalização de 25 % do respectivo valor nos termos do n° 6 do citado artigo 145°”;

2. Quanto ao mérito, … que o recurso … deve ser julgado improcedentepor entender [8] que:
Restringe-se o recurso apenas à subsunção jurídica dos factos e concretamente à questão de saber se os factos provados são susceptíveis de preencher a prática de um crime de falsificação de documento da previsão do artigo 256° n° 1 al a) do Código Penal.

Segundo o recorrente, estando demonstrado que com a sua conduta visou a obtenção de vantagens fiscais, sem que lhe seja associada outra motivação, a incriminação apenas poderia fazer-se pelo direito criminal fiscal, dada a especialidade destas normas relativamente ao direito penal comum, termos em que conclui pedindo a absolvição.

Respondeu o Ilustre Magistrado do Ministério Público na primeira instância no sentido de não assistir razão ao recorrente.

Também se nos afigura não poder proceder a pretensão do arguido, por não ter acolhimento nem na matéria de facto nem no invocado princípio da especialidade.

O princípio da especialidade das normas tributárias obviamente não afasta a punição das condutas que, não sendo subsumíveis às previsões dos crimes tributários, o são a tipos de ilícito comuns. Cumpre notar que o arguido foi absolvido da prática de um crime de fraude fiscal, pelo que se não discute questão atinente a concurso efectivo ou aparente de normas.

Dispõe-se no artigo 10º do RGIT que Aos responsáveis pelas infracções previstas nesta lei são somente aplicáveis as sanções cominadas nas respectivas normas, desde que não tenham sido efectivamente cometidas infracções de outra natureza.

Ora, conforme, em síntese, decorre da factualidade provada o arguido fez com que fossem emitidas no ano de 2006 duas facturas datadas de 3 1/12/2005, as quais não correspondiam a qualquer prestação de serviços efectivamente ocorrida, antes sendo quer quanto à sua forma, quer quanto ao seu conteúdo, resultado de meras manipulações de dados destinadas a simular supostas prestações de serviços. Estas facturas apesar de datadas de 2005, apenas foram emitidas em 2006 e já após o envio, em 17/02/ 2006, da declaração periódica do IVA do período do último trimestre de 2005, tendo o valor das mesmas originado a entrega em 29/06/2006, de declarações de substituição do IVA relativo ao último trimestre de 2005.

Com tal comportamento, o arguido simulou custos e proveitos não ocorridos, mediante a relevação de supostas prestações de serviços, utilizando facturas cruzadas de prestação de serviços de igual valor de uma à outra sociedade de forma a não alterar o resultado líquido das duas empresas.

Com tal operação fictícia, o arguido visou alterar factos com relevância fiscal, tendo como principal objectivo obter vantagens fiscais decorrentes do reenquadramento das sociedades no regime geral de tributação do lucro tributável.

Vista a matéria de facto é inequívoco que a mesma preenche a totalidade dos elementos típicos do crime de falsificação de documento, mas não os requisitos de crime tributário. Os factos não integram, em simultâneo, a previsão do crime de fraude fiscal e a previsão do crime de falsificação de documento.

Na verdade, as facturas em causa respeitam a operações económicas inexistentes sendo, portanto, falsas e constituindo, portanto, documentos falsos. Foram falsificadas e usadas com o propósito de obter vantagens fiscais decorrentes do reenquadramento das sociedades de que o arguido era gerente no regime geral de tributação, ou seja com o propósito de prejudicar o Estado — Administração Tributária, sem que, contudo, tenha sido praticado crime tributário”.

NOTIFICADO o Il Mandatário do ARGUIDO para, querendo, responder em 10 dias seguidos ex vi art 417-2 do CPP, NÃO o fez.

Na oportunidade efectuado EXAME PRELIMINAR e colhidos os VISTOS LEGAIS os autos foram submetidos à CONFERÊNCIA.

Como FACTOS PROVADOS o Tribunal a quo enumerou [9] que:

1. A sociedade C…, Lda., NIPC ………, Doravante designada C…, foi constituída em 28 de Outubro de 1999, com o objecto social de gestão de serviços de comunicação e imagem, nomeadamente a nível de relações publicas, formação, estudos e planeamentos estratégicos, representações e comerciais e actividades afins, tendo sido registada em 20 de Abril de 2000 na 2ª Conservatória do Registo Comercial da Maia;

2. Na qualidade de sujeito passivo de obrigações fiscais encontrava-se colectada, em sede de IRC, para o exercício da actividade a que corresponde o CAE ”Outras Actividades Serviços Prestação n.e.”, pelos Serviços de Finanças da Maia-1, e enquadrada para efeitos de IVA no regime normal de periodicidade trimestral;

3. Parte da facturação desta sociedade era também dirigida à sociedade arguida D…;

4. A sociedade arguida D…, Lda., NIPC ………, doravante designada D…, com sede na Rua …, .., ., Sala ., ….-… Maia, foi constituída em 1.08,1996, com o objecto social de organização de contabilidade, gestão, recursos humanos, estudos e organização de empresas, marketing e actividades afins, tendo sido registada em 6.08.1996 na 2° Conservatória de Registo Predial e Comercial da Maia;

5. Na qualidade de sujeito passivo de obrigações fiscais mostrava-se enquadrado em IVA no regime normal de periodicidade trimestral, e tributada em IRC para o exercício de “Actividades de Contabilidade, auditoria e consultoria fiscal” - CAE ….. -, pelos Serviços de Finanças da Maia-1;

6. Parte da facturação desta sociedade era também dirigida à sociedade arguida C…;

7. As duas sociedades, C… e D…, têm em comum a sede e o sócio-gerente, o arguido B… que desempenhou simultaneamente as funções de Técnico Oficial de Contas em ambas as sociedades;

8. Desde a respectiva constituição até à presente data, o arguido B… foi gerente, no plano jurídico e factual, da sociedade arguida C…, decidindo as escolhas a realizar no dia a dia, nomeadamente contratação de pessoal, contactos com fornecedores e as orientações quanto ao cumprimento dos normativos fiscais;

9. Igualmente, desde a constituição até ao presente, o arguido B… é gerente, de direito e de facto, da sociedade arguida D…, competindo-lhe, em exclusivo, todas as decisões relativas à orientação e gestão comercial e financeira da empresa;

10. Enquanto gerente das referidas sociedades, o arguido tinha conhecimento da existência e incidência de impostos sobre a actividade desenvolvida por essas sociedades, tendo pleno conhecimento não só da obrigação legal de facturar as vendas realizadas pelos valores que lhes correspondessem, como da obrigatoriedade de cumprir as demais normas legais que definem as obrigações de qualquer agente económico perante a administração fiscal, aí se incluindo a atempada feitura das declarações legalmente exigiveis, e o pagamento dos tributos devidos, desde logo em sede de IRC quando verificados lucros tributáveis;

11. Como a sociedade C… declarou pela primeira vez o recebimento no ano de 2005 de subsídios à exploração no valor de 90.276,77€, no âmbito do Programa Fordesq (Formação para Desempregados Qualificados), o arguido, pelo facto de tal sociedade se encontrar enquadrada no regime simplificado, formulou um plano de alteração do respectivo regime de tributação para o regime geral;

12. Em execução de tal desígnio, o arguido B…, no âmbito das funções de gerente das sociedades C…, Lda., e D…, Lda., que exercia quer tanto no plano jurídico como no plano factual, fez com que fossem emitidas no ano de 2006 as seguintes facturas:

a) Factura nº……, no valor global de €: 105.270,00, emitida com data de 31/12/2005 pela sociedade C… em nome da sociedade D…;

b) Factura nº……, no valor global de €: 105.270,00, emitida com data de 30/12/2005 pela sociedade D… em nome da sociedade C…;

13. Esta facturas foram incluídas na contabilidade das sociedades C… e D… relativa ao exercício de 2005, tendo os seus valores sido considerados na declaração modelo 22 de IRC das sociedades que foram apresentadas à administração fiscal em Maio de 2006, assim sendo efectuada uma facturação cruzada entre as duas empresas arguidas, conforme quadro que se segue:


14. A descrição do serviço ou despesa mencionado como estando na base destas facturas foi “Prestação de Serviços Diversos”, mas não existia nas facturas qualquer discriminação do conteúdo desses serviços;

15. Tais facturas não correspondiam a quaisquer prestação de serviços efectivamente ocorrida, antes sendo, quer quanto à sua forma, quer quanto ao seu conteúdo, resultado de meras manipulações de dados destinadas a simular supostas prestações de serviços entre as duas sociedades;

16. Estas facturas apesar de datadas de Dezembro de 2005, apenas foram emitidas em 2006 e já após o envio, em 17/02/2006, da declaração periódica do IVA do período do último trimestre de 2005, tendo o valor das mesmas originado a entrega, em 29/06/2006, de declarações de substituição do IVA relativo ao segundo trimestre de 2005;

17. No que diz respeito à empresa arguida C…, da primeira declaração entregue para a segunda, o campo 03 sofreu um acréscimo de 87.000,00 €uros e os campos 04 e 24 de 18.270,00 €uros (representava 21% de IVA de €:87.000,00) onde, por um lado foi liquidado o IVA da factura n°…… da C… e deduzido o IVA da factura n°…… da D…;

18. Quanto à arguida D…, também aqui se verificou que da primeira declaração entregue para a segunda, o campo 03 sofreu um acréscimo de 87.000,00 €uros e os campos 04 e 24 de 18.270,00 €uros (representava 21% de IVA de €:87.000,00) onde, por um lado foi liquidado o IVA da factura n°…… da D… e deduzido o IVA da factura n°…… da C…;

19. Com tal comportamento, o arguido simulou custos e proveitos não ocorridos, mediante a relevação de supostas prestações de serviços, utilizando facturas cruzadas de prestação de serviços de igual valor de uma à outra sociedade de forma a não alterar o resultado líquido das duas empresas;

20. Com tal operação fictícia, o arguido visou alterar factos com relevância fiscal, tendo como principal objectivo obter vantagens fiscais decorrentes do reenquadramento das sociedades C… e D… no regime geral de tributação do lucro tributável;

21. O arguido assumiu tal conduta de forma livre e consciente, animado pelo intuito de obter vantagens fiscais ilegítimas decorrentes do enquadramento das sociedades C…, Lda., e D…, Lda., no regime geral de determinação do lucro tributável em vez do enquadramento em que se encontravam no regime simplificado de tributação previsto no artigo 53º do CIRC, tendo pleno conhecimento de que a criação e aproveitamento de tais facturas para efeitos fiscais permitia ocultar a real dimensão da matéria colectável daquelas sociedades que deveria ser revelada à administração fiscal e estando ciente de que declarava negócios inexistentes e pagamentos que nunca ocorreram, inflacionando artificialmente os custos e os proveitos declarados, bem sabendo também que os seus actos eram idóneos para determinar a administração fiscal em erro;

22. O arguido actuou em nome e em representação das sociedades C… e D…, e conhecia o carácter proibido e punível criminalmente dos comportamentos acima descritos;

23. O arguido recorria, para os serviços contabilísticos e fiscais das sociedades C… e D…, à colaboração de um Técnico Oficial de Contas, ao tempo o Dr. E…;

24. O arguido dedicava-se ao ensino, à formação profissional e à consultoria nas áreas de gestão e de marketing;

25. Em 12 de Agosto de 2009, foi registada na Conservatória do Registo Comercial a dissolução e o encerramento da liquidação das sociedades D… e C…;

26. O arguido possui um bacharelato em contabilidade, uma licenciatura em Gestão e Empresas e um mestrado em comércio internacional e Marketing, e trabalha como docente universitário e ainda como consultor de projectos de formação e formador em associações e empresas;

27. O arguido não possui antecedentes criminais.
Como FACTOS NÃO PROVADOS o Tribunal a quo enumerou [10] que:

1. Com base nos conhecimentos referidos em 10) dos Factos Provados, logo no início do ano de 2005, o arguido apercebeu-se da possibilidade de vir a resultar inevitável sobrecarga fiscal dos moldes lucrativos em que as sociedades C… e D… desenvolviam as suas actividades económicas;

2. Perante tal perspectiva, que pretendia evitar a todo o custo, o arguido decidiu logo nessa altura recorrer aos expedientes que se revelassem necessários em ordem a privar a administração fiscal dos tributos que resultariam da aplicação da lei, nem que isso implicasse ficcionar custos mediante o expediente vulgarmente conhecido como “facturas falsas”, meios que anteviu idóneos em ordem a concretizar a evasão fiscal que se propunha consumar;

3. Assim determinado, logo no início de 2005, o arguido B… procurou ludibriar a administração fiscal quanto à receita devida, atitude que fez perdurar até ao final de 2005 dada a ausência, no imediato, de consequências que desincentivassem o seu proceder;

4. Devido à emissão e inclusão das facturas melhor identificadas em 12) dos Factos Provados na contabilidade de 2005 das sociedades C… e D…, o arguido obtive para estas uma vantagem patrimonial, em sede de IRC, no montante de 16.007,99 €uros e de 2.820,40 €uros, respectivamente;

5. O arguido não tinha efectiva intervenção na elaboração da contabilidade e das declarações fiscais das sociedades C… e D… ou de clientes;

6. Foi o Dr. E… quem, por falta da atempada apresentação das declarações de alterações que permitissem fazer a opção pelo regime geral de contabilidade, disse ao arguido que regularizaria a situação através de um expediente de que, ao tempo, o próprio arguido não tomou conhecimento;

7. Foi o referido Dr. E… quem procedeu à emissão das facturas cruzadas e à apresentação das declarações fiscais, sem que, quando isso aconteceu, o arguido soubesse em concreto que procedimentos tinham sido por ele adoptados;

8. Só aquando da inspecção tributária é que o arguido tomou conhecimento do que concretamente tinha sido feito pelo Dr. E…;

9. O arguido não sabia quais as rigorosas consequências do enquadramento ou da falta de enquadramento num dois regimes de determinação do lucro tributável em IRC (regime simplificado e regime geral de contabilidade) e não tinha, nomeadamente, consciência de quais as diferenças dos valores de imposto (IRC) por um e por outro dos regimes;

10. O arguido não tinha consciência de que, ao consentir que um seu colaborador procedesse à emissão cruzada de facturas e sua relevação contabilística e nas declarações fiscais, estivesse a adoptar conduta proibida e muito menos conduta lesiva da Administração Tributária.

Como «MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO» o Tribunal a quo exarou [11] que:
A convicção do tribunal para fixar os factos provados e não provados baseou-se na análise crítica dos depoimentos das testemunhas ouvidas na audiência de julgamento em articulação com o teor dos inúmeros documentos existentes nos autos, entre os quais, desde logo, se atendeu, aos documentos registrais e societários de fls. 326 a 345 e às certidões permanentes de fls. 1167 a 1172 (referentes à constituição, registo e dissolução das sociedade D… e C…), bem como às cópias das facturas nº …… e nº …… que constam de fls. 546 e 547 dos autos.

Relativamente à inexistência das prestações de serviços aludidas nestas duas facturas, existiu prova extremamente forte, já que, conforme foi explicado pelas inspectoras tributárias F… (que efectuou a acção de fiscalização das sociedades C… e D… relativas aos exercícios de 2003 e 2004) e G… (que efectuou idêntica acção de fiscalização relativa aos exercícios de 2005 e 2006), foram recolhidos inúmeros elementos que suportam tal conclusão (cfr. documentos anexados à informação de fls. 4 e seguintes, ao auto de notícia de fls. 196 e seguintes e à informação de fls. 402 e seguintes), designadamente em virtude de, analisada a contabilidade das sociedades C… e D… relativa ao exercício de 2005 se verificar que:

- estas duas facturas não constarem das listagens/extractos de conta, nem das contas correntes de fornecedores, nem da facturação que terminava no número de facturas imediatamente anterior (situação esta que pode ainda ser confirmada pelas cópias de segurança existentes nos vários CD’s apreendidos, na sequência da busca e apreensão cujo auto consta de fls.96 e seguintes);

- a estrutura das facturas emitidas pelas duas empresas foi alterada, havendo duas versões arquivadas, uma nas pastas da contabilidade e outra nas pastas de arquivo da facturação (apenas duas facturas, no ano de 2005, se apresentam em apenas uma das versões - a 2 versão: a factura n° …… da C… e a factura n° …… da D…);

- existiam facturas entre ambas as sociedades C… e D… que se encontram arquivadas nas respectivas pastas (custos) mas não estavam contabilizadas (não possuíam número de documento e não constavam das contas correntes);

- as facturas emitidas pelas duas empresas, arquivadas na contabilidade e nas pastas de arquivo da facturação, eram diferentes no que diz respeito à sua estrutura/disposição dos campos;
- a informação contabilística das duas empresas apenas continha dados de Janeiro a Setembro de 2005, e os balancetes disponíveis ao mês de Setembro de 2005 não se encontravam balanceados;

- as contas de IVA não foram saldadas trimestralmente, aquando do apuramento do IVA trimestral, tendo sido só saldadas no mês de Dezembro de 2005;

- as entradas de dinheiro pelos sócios foram lançadas ora a crédito da conta sócios, ora a crédito da conta “outros devedores e credores”, não havendo critério uniforme;

- as duas empresas arguidas emprestavam dinheiro, directamente, uma à outra; no entanto, o registo contabilístico não coincidia nas duas empresas;

- no mês de Dezembro, no Diário 60 - Operações Diversas, foi lançado um conjunto de operações que podem ser designadas de “limpeza de saldos”, uma vez que se saldaram contas (como subcontas da conta 15 - títulos negociáveis, 23 - empréstimos, 2611 – fornecedores de imobilizado e 268 - outros devedores e credores) em contrapartida da conta caixa, sem qualquer justificação em anexo;

- ao nível dos registos contabilísticos não existiu correspondência nos lançamentos efectuados entre as duas empresas, como clientes e fornecedores, nem nos seus saldos de contas;
- as facturas não foram todas lançadas, algumas encontravam-se simplesmente arquivadas no fim de cada mês contabilístico e qualquer uma das empresas pagava dívidas por conta de outra, não sendo registado o respectivo movimento contabilístico, de igual forma, nas duas empresas;

- inexistiam entre as sociedades saldos devedores e credores correspondentes;

- não é coerente ou conforme com regras de normalidade e experiência comum que as duas empresas debitem durante o ano uma série de serviços uma à outra, mas deixem para debitar no último dia do ano “serviços diversos” em valor que ultrapassava o dobro do já facturado;

- Da análise efectuada pela inspecção tributária aos elementos informáticos-cópias de segurança existentes nos vários CD’s apreendidos (fis. 423/424) verificou-se ainda que: relativamente à sociedade C…, a última factura que constava da facturação era a n°……, de ………. e da contabilidade era a n°……, lançada em 30/09/2005; relativamente à sociedade D…, a última factura que constava da facturação era a n°……, de 30/12/2005 e da contabilidade era a n°……, lançada em 29/09/2005. Estes factos demonstram que, à data em que foram efectuadas as cópias de segurança pela inspecção tributária, a numeração das facturas terminava no número imediatamente anterior ao das facturas cruzadas entre as empresas, pelo que as facturas cruzadas entre estas duas empresas foram emitidas muito depois das datas nelas mencionadas.
Para além disso, o próprio arguido B… admitiu que, efectivamente, as facturas em causa não traduziam serviços prestados por uma sociedade à outra e que as mesmas apenas foram emitidas depois de, no ano de 2006, o Dr. E… se ter apercebido que, devido ao recebimento no ano de 2005 pela sociedade C… de subsídios à exploração de elevado valor, no âmbito do Programa Fordesq, seria vantajoso que tal sociedade se encontrasse enquadrada no regime geral de tributação em vez do regime simplificado em que se encontrava.

Neste contexto, e porque na realidade todos os elementos probatórios foram coincidentes quanto ao facto de o estratagema de que o arguido lançou mão ter sido congeminado e levado a cabo no ano de 2006, aquando da preparação da declaração de IRC das sociedades C… e D… (altura em que houve percepção das vantagens que haveria na inclusão da sociedade C… no regime geral de determinação do lucro tributável), não se provou a factualidade acusatória que situava o desenvolvimento do plano criminoso ao longo do ano de 2005.

Por outro lado, também não se demonstrou minimamente que a emissão cruzada das facturas nº…… e nº…… tivesse originado, em sede de IRC, as vantagens patrimoniais mencionadas na acusação, pois, como inclusive foi referido pelas sras. inspectoras tributárias, tais vantagens patrimoniais (referentes ao exercício de 2005) decorreriam, sim, da emissão cruzada (também ocorrida na mesma ocasião) de facturas datadas dos anos de 2003 e 2004, e incluídas na contabilidade das sociedades C… e D… relativa aos exercícios fiscais de 2003 e 2004, emissão essa que, fazendo aumentar de forma muito relevante os proveitos societários nos dois anos anteriores a 2005, permitiriam que neste exercício de 2005 as sociedades fossem incluídas no regime geral de tributação. Assim, a contabilização das aludidas facturas nº …… e nº …… apenas poderia ter reflexos nos anos subsequentes a 2005, impondo-se concluir, em tal contexto, que a sua emissão apenas se destinava a assegurar uma lógica de continuidade que, por uma banda, desse consistência à anterior facturação entre as duas empresas e, por outra banda, assegurasse a manutenção de um nível de proveitos que permitisse a permanência das sociedades (especialmente da C…) no regime geral de determinação do lucro tributável.

Quanto à responsabilidade do arguido B…, não se afigurou minimamente credível a versão apresentada pelo próprio no sentido de que todo o estratagema foi feito à sua revelia por um colaborador próximo com quem mantinha uma relação de confiança total que faziam com que delegasse nele todas as decisões respeitantes aos assuntos contabilísticos das sociedades C… e D…. Na verdade, mesmo ponderando-se o testemunho de H…, secretária administrativa da C… que referenciou a colaboração que, na verdade, era prestada pelo T.O.C. Dr. E…, e mesmo atendendo-se ao facto de as declarações modelo 22 serem apresentadas por via electrónica (cfr. fls.1220), não havendo assim a aposição pelo arguido de uma assinatura física, contraria todas as regras da lógica e experiência comum, que um sócio-gerente de duas sociedades da área contabilística e financeira, ele próprio possuidor de formação de nível superior nessas áreas, não tenha qualquer comando decisório em relação às matérias contabilísticas e fiscais das empresas. Na verdade, as referidas normas da lógica e da normalidade apontam justamente no sentido contrário, aquele que se encontra vertido nos factos provados e de cuja realidade se entendeu existir prova consistente e segura, designadamente se atendermos a que a própria testemunha H… aludiu à existência de reuniões entre o arguido e o Dr. E… e, principalmente, ao facto de o próprio arguido ter referido que, no ano de 2006, durante a preparação das declarações de IRC relativas ao exercício fiscal de 2005, o Dr. E… transmitiu-lhe que se havia deparado com um “problema” decorrente do enquadramento da sociedade C… no regime simplificado da tributação, mas que iria diligenciar por resolvê-lo. Ora, sendo o arguido alertado para uma questão como esta, de todo inverosímil é que ele se tenha alheado de perceber os contornos do “problema em causa”, bem como de se inteirar dos passos encetados com vista à sua resolução ...

Referência ainda para o facto de, ao nível da fixação da factualidade provada e não provada, não se ter olvidado o testemunho de I…, que descreveu a intervenção que teve no caso ao nível da realização de cópias informáticas dos elementos recolhidos na base de dados da facturação das empresas inspeccionadas, bem como de J…, sem prejuízo desta testemunha não ter revelado qualquer conhecimento directo que se mostrasse importante.

Finalmente, no que diz respeito à situação profissional e às condições de vida do arguido B…, atendeu-se às suas próprias declarações, bem como, relativamente aos respectivos antecedentes criminais, ao teor do certificado do registo criminal de fls. 1200”.

APRECIANDO:

Quanto à questão prévia suscitada no Parecer:

A Sentença recorrida foi prolatada e depositada em 29.5.2012. O prazo normal de 20 dias a contar do depósito conforme art 411-1-b do CPP atingiu-se na 2ª feira 18.06.2012. A Motivação a fls. 1277-1285 /V foi expedida por e-mail das 21:02 de 18.6.2012 doc a fls. 1286 /V. Por isso, a entrada da Motivação na Central do TJMAI foi carimbada no dia seguinte 19.6.2012 como doc na folha de rosto da Motivação a fls. 1277/V. Assim, não há lugar à notificação do art 145-5 do CPC ex vi art 107-5 do CPP para o Recorrente pagar a multa por interposição no primeiro dia útil.

Quanto ao mérito do Recurso do Arguido:

O Acórdão 3/2003 de 07.5.2003 in DR I S 157 de 10.7.2003 resolveu dissensão jurisprudencial de anos ao fixar como Jurisprudência que Na vigência do Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 20-A/90, de 15 de Janeiro, com a redacção original e a que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.° 394/93, de 24 de Novembro, não se verifica concurso real entre o crime de fraude fiscal, previsto e punido pelo artigo 23° daquele RJIFNA, e os crimes de falsificação e de burla, previstos no Código Penal, sempre que estejam em causa apenas interesses fiscais do Estado, mas somente concurso aparente de normas com prevalência das que prevêem o crime de natureza fiscal»” [12].

Ciente daquela dissensão jurisprudencial de anos e mais colhendo os benefícios da sistemática da investigação doutrinal [13], o Legislador fez constar do RGIT [14] não só o art 10 epigrafado «Especialidade das normas tributárias e concurso de infracções» conforme o qual Aos responsáveis pelas infracções previstas nesta lei são somente aplicáveis as sanções cominadas nas respectivas normas, desde que não tenham sido efectivamente cometidas infracções de outra naturezamas também o nº 4 do art 87 epigrafado «Burla tributária» conforme o qual As falsas declarações, a falsificação ou viciação de documento fiscalmente relevante ou a utilização de outros meios fraudulentos com o fim previsto no n.° 1 [15] não são puníveis autonomamente, salvo se pena mais grave lhes coubere o nº 3 do art 104 epigrafado «Fraude qualificada» conforme o qual Os factos previstos nas alíneas d) [16] e e) [17] do n.° 1 do presente preceito com o fim definido no n.° 1 do artigo 103.° [18] não são puníveis autonomamente, salvo se pena mais grave lhes couber”.

Ora o art 10 do RGIT tem de ser interpretado em conjugação com o art 2 do RG IT epigrafado «Conceito e espécies de infracções tributárias» [19] bem como com o art 3 do RGIT epigrafado «Direito subsidiário» [20] e ainda com o art 8 do Código Penal desde 01.01.1983 epigrafado «Aplicação subsidiária do Código Penal» [21], por unidade da Ordem Jurídica considerando que o Código Penal de 01.10.1995 incriminou [22]:

1. Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo: [redacção até 15.9.2007]
1. Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime: [redacção desde 15.9.2007]

a) Fabricar documento falso, falsificar ou alterar documento ou abusar da assinatura de outra pessoa para elaborar documento falso; [redacção até 15.9.2007]
a) Fabricar ou elaborar documento falso, ou qualquer dos componentes destinado a corporizá-lo; [redacção desde 15.9.2007]
b) Falsificar ou alterar documento ou qualquer dos componentes que o integram; [redacção desde 15.9.2007]
c) Abusar da assinatura de outra pessoa para falsificar ou contrafazer documento falso; [redacção desde 15.9.2007]

b) Fizer constar falsamente de documento facto juridicamente relevante; ou [redacção até 15.9.2007]
d) Fizer constar falsamente de documento ou de qualquer dos seus componentes facto juridicamente relevante; [redacção desde 15.9.2007]

c) Usar documento a que se referem as alíneas anteriores, fabricado ou falsificado por outra pessoa; [redacção até 15.9.2007]
e) Usar documento a que se referem as alíneas anteriores; ou [redacção desde 15.9. 2007]
f) Por qualquer meio, facultar ou detiver documento falsificado ou contrafeito [redacção desde 15.9.2007]

é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa”.

Ora quanto à articulação (daquelas normas) do RGIT (qual repositório primacial do Direito Penal Tributário) com o Código Penal (qual compêndio normativo base do Direito Penal Clássico ou de Justiça) esclareceu GERMANO MARQUES DA SILVA:

Em sede de «O RGIT como legislação de carácter especial», que:

A ressalva do art 10 in fine do RGIT quer dizer … desde que não sejam cometidas infracções de natureza diversa da tributária. A natureza tributária da infracção é definida formalmente em função da norma violada, conforme o art 1º que delimita o âmbito de aplicação do regime (lex speciallis derogat legi generali). | Com a proclamação formal do carácter especial do RGIT procurou resolver-se uma questão que no domínio da legislação anterior tinha suscitado larga controvérsia jurisprudencial e doutrinária [23]. O legislador, consciente das dificuldades da delimitação do regime especial e porventura insatisfeito com a redacção alcançada para o art. 10º, já em fase final dos trabalhos preparatórios introduziu na Proposta de Lei expressas previsões de consumpção dos crimes meio pelo crime tributário: arts. 87°, n° 4, e 104°, n° 3. Não resolveu todas as dificuldades, nem podia, porque o regime é necessariamente dinâmico e dinâmicas são as formas de criminalidade, mas pro-curou clarificar de modo pragmático alguns casos discutidos pela doutrina e jurisprudência, embora nos pareça que o fez de modo excessivo ou deslocado” [24];

Em sede de «Concurso de crimes tributários e de crimes de outra natureza», que:

I. A regra do nº 1 do art. 30º [25] sofre duas importantes limitações: os casos de concurso aparente de infracções e de crime continuado [26]. (…)

II. Se o agente, além da infracção tributária, comete efectivamente infracção de outra natureza, teremos concurso de crimes de natureza diferente, salvo se ocorrer a consumpção, como sucede na previsão dos arts. 87°, n° 4, e 104°, n° 3.

As normas dos arts. 87°, n° 4, e 104°, n° 3, criadas com o intuito claro de resolver dificuldades que no passado recente tinham surgido, não resolvem, porém, todos esses problemas e suscitam até dificuldades acrescidas face ao teor do art. 10°. Com efeito, aquelas normas, ao consagrarem expressamente a consumpção podem sugerir uma interpretação restritiva, no sentido de só serem aplicáveis quando há norma expressa que o preveja. Não cremos que seja assim.

O artigo 10º refere-se ao concurso entre ordenamentos distintos: o direito penal clássico ou comum e outros regimes especiais, por um lado, e o direito penal tributário, por outro. Estando em causa apenas interesses tributários, ou seja, desde que o facto não seja pré-ordenado à violação de outros interesses que não os do sistema tributário, é a norma do Direito Penal Tributário a aplicável, com exclusão de quaisquer outras. Se, porém, o facto lesa efectivamente outros interesses que não sejam tutelados pelo direito penal tributário, então teremos situações de concurso real de crimes ou aparente de normas.

III. Sucede, aliás, que há crimes em que o mesmo facto viola bens jurídicos comuns e tributários. É o que pode suceder, nomeadamente, com a associação criminosa e com a frustração de créditos, crimes cuja especialidade tributária reside tão-só no fim visado pelo agente, que pode ser a prossecução cumulativa de um fim tributário (ofensa do bem jurídico tributário), e nessa medida previsto no RGIT, e outro ou outros de diversa natureza (previstos no Código Penal). Parece que neste caso, atenta a especialidade do RGIT, valeria inteiramente o art. 30º: o agente cometeria tantos crimes quantos os bens jurídicos ofendidos.

O art. 89° do RGIT [27] parece, porém, afastar a solução que resulta da aplicação do art. 30° do Código Penal, ao ressalvar no nº 1 a aplicação de pena mais grave que lhe couber, nos termos de outra lei penal. Cremos que aqui se consagra expressamente o princípio de subsidiariedade, sempre que o mesmo facto viole normas diversas, constantes de leis penais diversas. A especialidade do RGIT cede então perante a norma que para o mesmo facto comine pena mais grave na medida em que a punição por esta norma tutela já também o bem jurídico tutelado pela norma incriminadora constante do RGIT.

IV. As normas dos arts. 87°, nº 4, e 104°, nº 3, têm um alcance diverso. Limitam-se a reafirmar um princípio geral — o da consumpção — segundo o qual o crime meio ou instrumental é consumido pelo crime fim, salvo se o meio for mais gravemente punível que o crime a que serve de instrumento. Só assim se entende que o legislador tenha disposto o art. 104°, n° 3, e não tenha formulado norma idêntica para o art. 103°, relativamente ao qual idêntica situação pode ocorrer” [28].

Vale dizer: pelo «princípio da especialidade» conforme o qual … um dos tipos aplicáveis (tipo especial) incorpora os elementos essenciais de um outro tipo também aplicável abstractamente (tipo fundamental), acrescendo elementos suplementares ou especiais referentes ao facto ou ao próprio agente. Por força do princípio lex speciallis derogat legi gene-rali só se deve aplicar o tipo especializado” [29], o (facto tipicamente ilícito e culpável conforme norma incriminadora do) RGIT afasta a aplicação (do facto tipicamente ilícito e culpável conforme norma incriminadora) do Código Penal, assim subsumindo-se os factos provados apenas a crime (doloso) previsto no RGIT via disso ocorrendo apenas concurso legal (aparente ou impuro) de mero concurso de normas com o crime (doloso) previsto no Código Penal cuja aplicação se concretiza:

Quando o RGIT excepciona a inaplicação do «princípio da consumpção» conforme o qual … o preenchimento de um tipo legal (mais grave) inclui o preenchimento de outro tipo legal (menos grave) devendo a maior ou menor gravidade ser encontrada na especificidade do caso concreto. Por força dos princípios ne bis idem e lex consumens derogat lex consumate só se aplica o tipo mais grave. Pode, no entanto, acontecer o caso inverso e o crime mais grave acompanhar um crime menos grave - consumpção impura - aplicando-se, então, a norma mais leve” [30], naquele caso subsumindo-se os factos provados aos crimes (dolosos) previstos no RGIT e no Código Penal (vg arts 87-4-II e 104-3-II) ocorrendo concurso efectivo (verdadeiro ou puro) que importa quantificação da pena única com um critério mais ou menos benevolente conforme a medida da «sobreposição» dos desvalores ético-jurídicos violados ex vi os factos objectivos e subjectivos concretamente praticados, em vez de se subsumirem os factos provados apenas a crime (doloso) previsto no RGIT (vg arts 87-4-I e 104-3-I);

Quando o RGIT determina a aplicação do «princípio da subsidiariedade» conforme o qual … só se aplicam subsidiariamente certas normas quando o facto não é punido por uma outra norma mais grave. Casos há em que a lei expressamente condiciona a aplicação de um preceito à não aplicação de outra norma mais grave e noutros ter-se-á de ver onde se dá tal relação, como acontece, v.g., com os actos acessórios puníveis e as infracções cujo preenchimento visam” [31], então subsumindo-se os factos provados ao crime (doloso) previsto no Código Penal (vg a «Associação Criminosa» in art 299) ou Legislação Extravagante (vg as «Organizações terroristas» in Lei 52/2003 de 22/8) em vez do crime (doloso) previsto no RGIT (vg a «Associação Criminosa» in art 89).

Precisadas as possíveis correlações entre RGIT e CP, in casu concretiza-se que:

1. Os Sujeitos Processuais não questionaram a subsunção dos inquestionados Factos a quo julgados Provados ao crime (doloso) de fraude fiscal qualificada da p.p. dos arts 6, 103-1-a-b-3 e 104-2 do RGIT do qual o Recorrente foi absolvido a quo pelo (único) motivo do art 103-2 do RGIT conforme o qual Para efeitos do disposto nos números anteriores não são puníveis se a vantagem patrimonial ilegítima for inferior a € 15.000”, porque … no caso sub judice, facilmente se verifica que a factualidade apurada é manifestamente insuficiente para se poder imputar ao arguido a prática de qualquer conduta concreta da que tenha resultado uma vantagem patrimonial ilegítima superior a 15.000,00 €uros, pois, apesar de se ter apurado que foram integradas na contabilidade do exercício de 2005 das sociedades C… e D… duas facturas “cruzadas” de igual valor (uma emitida por cada uma das sociedades) relativas a serviços que nunca se verificaram, não se demonstrou (pelos motivos já explicados na motivação da decisão de facto) que tal facto se tenha repercutido nos resultados tributários das empresas. | Assim sendo, verifica-se que não estão preenchidos os elementos necessários para que possa ser imputada ao arguido a prática do crime de fraude fiscal pelo qual foi pronunciado, impondo-se que, nesta parte, o mesmo seja absolvido”,

Como bem foi pela Mma Juiz a quo em conformidade com as diferentes fundamentações (para as quais se remete) no ARC de 19.01.2011 de Maria Pilar Pereira de Oliveira com José Eduardo Fernandes Martins no Processo 1036/06.3TAAVR.C1 in www.dgsi.pt, sumariado O limite de € 15.000,00 do art. 103 nº 3 do RGIT, abaixo do qual os factos que integram o crime de fraude fiscal não são puníveis, é aplicável à fraude fiscal qualificada, prevista no art. 104 do mesmo RGIT”, no ARP de 16.3.2011 nesta 1ª Secção de Joaquim Arménio Correia Gomes com José Manuel Baião Papão no Processo 65/05.9IDPRT.P1 in www.dgsi.pt, sumariado “O limite de € 15000 do nº 2 do artigo 103º do RGIT é aplicável ao crime de fraude fiscal qualificada” bem como no ARP de 23.3.2011 nesta 1ª Secção de Élia Costa de Mendonça São Pedro com Pedro Álvaro Donas Botto Fernando no Processo 70/05.5IDAVR.P1 in www.dgsi.pt, sumariado “Por razões literais, sistemáticas e teleológicas, o limite de € 15.000 do nº 2 do artigo 103º do RGIT é aplicável à fraude fiscal qualificada prevista no artigo 104º do mesmo RGIT”;

2. Mais, os Sujeitos Processuais igualmente não questionaram a subsunção dos inquestionados Factos a quo julgados Provados ao crime (doloso) de falsificação de documento simples praticado em 2006 p.p. pelo art 256-1-a do Código Penal de 01.10.1995 e de 15.9.2007 efectuada pela Mma Juiz a quo porque:

No caso dos autos, demonstrou-se que o arguido B…, no âmbito das funções de gerente das sociedades C…, Lda., e D…, Lda., que exercia quer tanto no plano jurídico como no plano factual, fez com que fossem emitidas e incluídas na contabilidade de tais sociedades as facturas nº …… e nº ……, as quais não correspondiam a quaisquer prestação de serviços efectivamente ocorrida.

Nestes termos, considera-se indiscutível que, sob o ponto de vista objectivo, o arguido preencheu os elementos constitutivos da autoria do crime de falsificação de documento previsto na al. a) do nº 1 do artigo 256º do Código Penal, quer à luz da actual, quer da sua anterior redacção. É que, ainda que não se possa afirmar categoricamente que foi o arguido quem, em termos materiais, executou de forma directa, isso não afasta que o mesmo haja sido autor de tais factos, pois, de acordo com o artigo 26º do Código Penal, tanto é autor quem executa o facto por si mesmo, como quem executa o facto por intermédio de outrem, ou ainda quem toma parte directa na execução do facto por acordo ou juntamente com outro ou outros e quem dolosamente determina outra pessoa à prática do facto.

Para que tal crime se concretize, porém, é ainda necessário que, no plano subjectivo, o arguido aja com o propósito de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou com o intuito de obter benefício ilegítimo. Acresce, como facilmente se infere da conjugação do disposto no artigo 256º com a regra do artigo 13º do Código Penal, que a conduta negligente não é punida, por isso se impondo que o arguido actue com conhecimento do quadro fáctico existente, assumindo voluntariamente os respectivos actos.

Ora, na situação em apreço, também se logrou provar que o arguido, com a sua conduta que teve, visou obter vantagens fiscais ilegítimas decorrentes do enquadramento das sociedades C…, Lda., e D…, Lda., no regime geral de determinação do lucro tributável em vez do enquadramento em que se encontravam no regime simplificado de tributação previsto no artigo 53º do C.I.R.C., assim assumindo de forma perfeitamente livre e voluntária uma conduta que sabia ser ilegal, isto sem beneficiar de qualquer causa de justificação ou de exclusão da culpa. Como tal, sem necessidade de mais desenvolvimentos, se conclui no sentido do preenchimento de todos os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal acima referido, devendo B…, face ao juízo de censura que se impõe efectuar, ser punido em conformidade”;

3. Não se questiona (como o Recorrente motiva) que:

6. A douta sentença, na não sindicada matéria factual, dá como assente que o recorrente formulou um plano de alteração do respectivo regime de tributação para o regime geral, a concretizar mediante a emissão e contabilização de facturação cruzada entre as duas sociedades, simulando custos e proveitos não ocorridos e tendo como objectivo obter vantagens fiscais decorrentes do reenquadramento das sociedades no regime geral de tributação do lucro tributável.

7. Ou seja, de acordo com a douta sentença, a conduta do recorrente foi pre-ordenada à obtenção de vantagens fiscais, independentemente de, relativamente a essa conduta, se terem ou não por preenchidos todos os elementos do crime de fraude fiscal qualificada pelo qual vinha pronunciado.

8. Ora, se os factos imputados ao arguido visaram a obtenção de vantagens fiscais, sem que lhes esteja associada a violação de um qualquer outro bem jurídico que não tutelado pela incriminação fiscal, não fica outro “espaço” para incriminação que não seja o tutelado pelo direito criminal fiscal.

9. Com efeito, é aqui aplicável o princípio da especialidade das normas de direito criminal fiscal relativamente às normas de direito penal comum, como é pacificamente defendido pela doutrina e pela jurisprudência.

10. Já era esta a doutrina aceite na vigência do RJIFNA, com a importante clarificação feita pelo acórdão n.o 3/2003 do STJ (restrito a este diploma), sendo de destacar as posições dos Professores Figueiredo Dias, Costa Andrade e Germano Marques da Silva.
11. E o RGIT é suficientemente claro na consagração de tal princípio, nomeadamente nos art.°s 10º e 104.°, nº 3.

14. Todos os dados do regime legal, com o amplo apoio da doutrina e da jurisprudência, apontam no sentido de toda a conduta ilegítima que vise a obtenção de vantagens fiscais - isto é, toda a conduta apta a violar bens jurídicos tutelados por normas criminais fiscais - só poder ser sancionada no âmbito das normas de direito criminal fiscal, estando arredada a aplicação das normas de direito penal comum sempre que aquela conduta não vise outros objectivos que não sejam os que aquelas normas visam”;

4. Porém, não se reconhece razão ao Recorrente ao motivar que

12. A douta sentença sob recurso tenta, de certa forma, passar ao lado do problema ao sustentar que, “por não se ter provado a comissão de qualquer outro tipo criminal, inexiste qualquer problema de concurso de crimes que cumpra apreciar e resolver”. | 13. Mas, ressalvado o devido respeito, o problema não se coloca necessariamente em termos de concurso de crimes, colocando-se, sim, no plano do concurso aparente de normas

Como argumentou pela absolvição por revogação da condenação a quo pelo cri-me (doloso) de falsificação de documento simples p.p. pelo art 256-1-a do Código Penal de 01.10.95 e 15.9.2007 por erro de compreensão do efeito da aplicação do «princípio da especialidade» no caso do RGIT versus CP:

Caso se tivessem provado factos integradores do art 103-2 aplicável ex vi citados ARC e ARP à fraude fiscal qualificada p.p. pelo art 104-2 do RGIT, o «princípio da especialidade» permitiria a condenação do Arguido apenas pelo crime (doloso) de fraude fiscal qualificada p.p. pelos arts 103-1-a-b-2-3 e 104-2 do RGIT com 1 a 5 anos de prisão, estando a condenação vedada pelos arts 10 e 104-3 do RGIT pelo crime (doloso) de falsificação de documento simples p.p. pelos arts 256-1-a, 41-1 e 47-1 do CP com 1 mês a 3 anos de prisão ou multa entre 10 e 360 dias que se encontra em concurso legal (aparente ou impuro) de normas pelo que,

Quando não se demonstram facto/s integrador/es de um dos elementos objectivo ou subjectivo do tipo legal de (dolosa) fraude fiscal qualificada mas apenas os facto/s integrador/es dos elementos objectivo ou subjectivo do tipo legal de (dolosa) falsificação de documento simples, inexiste o obstáculo do «princípio da especialidade» à condenação por este crime como judiciosamente efectuada a quo após cumprimento dos arts 358-1-3 do CPP porque a Pronúncia de 20.11. 2011 a fls 1174-1183/v fora pelos factos e conforme o Direito da Acusação de 22.4.2010 a fls. 1025-1040 /V que imputara apenas o crime (doloso) de fraude fiscal qualificada p.p. pelos arts 6, 103-1-a-b-2-3- e 104-2 do RGIT da Lei 15/2001 referindo os 12 diplomas legais que a alteraram [32] mas já não o aditamento «em concurso aparente com o crime (doloso) de falsificação de documento simples p.p. pelo art 256-1-a do Código Penal de 01.10.1995 e de 15.9.2007» que competia prevenindo tal hipótese plausível de Direito correlativa do julgamento «não provado» de algum dos elementos objectivo ou subjectivo do crime (doloso) acusado e pronunciado;

5. Apesar de vir provado que Estas facturas apesar de datadas de Dezembro de 2005, apenas foram emitidas em 2006 e já após o envio, em 17/02/2006, da declaração periódica do IVA do período do último trimestre de 2005, tendo o valor das mesmas originado a entrega, em 29/06/2006, de declarações de substituição do IVA relativo ao segundo trimestre de 2005(FPV 16), não é caso de fundamentar a ratio da condenação a se pelo crime (doloso) de falsificação de documento simples p.p. pelo art 256-1-a do Código Penal de 01.10.1995 e 15.9.2007 no motivo querido pelo MP … não se encontra[r] qualquer relação de consumpção entre estes dois crimes, não havendo, pois, qualquer concurso aparente de infracçõesestribado no entendimento do … crime [de falsificação] com um percurso autónomo do crime de Fraude Fiscalpelos argumentos Os documentos forjados pelo arguido foram-no não para realizar a fraude mas sim, unicamente, para a ocultar, para a encobrir. Por essa razão, este último crime de Falsificação de documento, por não ser contemporâneo do crime de Fraude fiscal, que se havia já consumado independentemente daquela falsificação de documento, não estabelece qualquer conexão com o crime de Fraude Fiscal, consumindo-se nele

Porque dos factos a quo julgados provados 17 [33], 18 [34] 19 [35] e 20 [36] emerge que o Arguido ora Recorrente se limitou, a criar numa data não apurada de 2006, a papelada que tinha de ter no ano de 2006 e seguintes nas Contabilidades de C… e de D…, em conformidade com o teor da Declaração da data certa de 17.02.2006 de IRC de 2005, para lograr alteração do regime simplificado de tributação do art 53 do CIRC para o regime geral de tributação do lucro tributável do CIRC, não se vendo como é que a aleatoriedade pura e simples da data da criação (e, eventualmente, da data da inserção) nas Contabilidades de C… e D… das duas «facturas falsas» (que «co-corporizam» com a Declaração de IRC a mesma «fraude fiscal qualificada») possam fundamentar critério legal (suportável constitucionalmente) de determinação do tipo legal objectivo e subjectivo dos crimes que foram efectivamente cometidos pelo agente para sua condenação em penas principais de prisão ou de multa ou de substituição daquela.

TERMOS EM QUE:
1. Nega-se provimento ao Recurso do Arguido B….
2. Decaído in totum condenam-o em 5 UC da taxa de justiça ex vi art 513-1 do CPP
3. Notifiquem-se os Sujeitos Processuais conforme art 425-6 do CPP.
4. Transitado, remeta-se ao 2JCMAI para execução do transitadamente decidido.

TRP, 06 de Fevereiro de 2013
José Manuel da Silva Castela Rio
Lígia Ferreira Sarmento Figueiredo
______________
[1] Nascido a 07.6.1965, docente universitário, consultor de projectos de formação e formador.
[2] Como infra se designará o 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca da Maia.
[3] De 29.5.2012 a fls. 1253-1271 /V depositada naquela data ex vi declaração a fls 1274.
[4] Conforme consabidas Jurisprudência reiterada dos Tribunais Superiores (vg STJ 28.4.1999, CJS 2/99 pág 196) e Doutrina processual penal (vg GERMANO MARQUES DA SILVA, Curso de Processo Penal, III, 3ª edição, Verbo, 2000, pág 347).
[5] Conforme copy paste pelo Relator do suporte digital da Motivação oportunamente enviado.
[6] Conforme copy paste pelo Relator do suporte digital oportunamente enviado com o PCS.
[7] Conforme scanerização pelo Relator.
[8] Conforme scanerização pelo Relator.
[9] Cfr copy paste pelo Relator do suporte digital da Sentença oportunamente enviado com o PCS.
[10] Cfr copy paste pelo Relator do suporte digital da Sentença oportunamente enviado com o PCS.
[11] Cfr copy paste pelo Relator do suporte digital da Sentença oportunamente enviado com o PCS.
[12] Pela fundamentação que inclui recensão doutrinal e jurisprudencial para a qual se remete para simplificação de exposição.
[13] Mormente JOSÉ DE FARIA COSTA, GERMANO MARQUES DA SILVA, JORGE DE FIGUEIREDO DIAS com MANUEL DA COSTA ANDRADE e HELENA MONIZ como reflectido na fundamentação do citado Acórdão 3/2003 do STJ.
[14] Vigente desde 06.7.2001 ex vi arts 1-1 e 13 da Lei 15/2001 de 5/6 que o aprovou após trabalhos preparatórios de anos ut Resolução do Conselho de Ministros 119/97 de 14/7, art 52 da Lei 87-B/98 de 31/12 e Proposta de Lei 53/VIII com base em revisão de anteprojecto.
[15] Qual seja: ... determinar a administração tributária ou a administração da segurança social a efectuar atribuições patrimoniais das quais resulte enriquecimento do agente ou de terceiro …por isso dir-se-á, como compreensão estrutural da previsão, «receber» além ou em vez de «não pagar» a lógica caracterizadora, posto que, determinante, das condutas incriminadas.
[16] Quais sejam: O agente falsificar ou viciar, ocultar, destruir, inutilizar ou recusar entregar, exibir ou apresentar livros, programas ou ficheiros informáticos e quaisquer outros documentos ou elementos probatórios exigidos pela lei tributária”.
[17] Quais sejam: O agente usar os livros ou quaisquer outros elementos referidos no número anterior sabendo-os falsificados ou viciados por terceiro”.
[18] Quais sejam: ... que visem a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias …”, por isso dir-se-á, como compreensão estrutural da previsão, «não pagar» a lógica caracterizadora, posto que, determinante, das condutas incriminadas.
[19] Conforme o qual 1 - Constitui infracção tributária todo o facto típico, ilícito e culposo declarado punível por lei tributária anterior. 2 - As infracções tributárias dividem-se em crimes e contra-ordenações. 3 - Se o mesmo facto constituir simultaneamente crime e contra-ordenação, o agente será punido a título de crime, sem prejuízo da aplicação das sanções acessórias previstas para a contra-ordenação”.
[20] Conforme o qual São aplicáveis subsidiariamente: a) Quanto aos crimes e seu processamento, as disposições do Código Penal, do Código de Processo Penal e respectiva legislação complementar; b) Quanto às contra-ordenações e respectivo processamento, o regime geral do ilícito de mera ordenação social; c) Quanto à responsabilidade civil, as disposições do Código Civil e legislação complementar; d) Quanto à execução das coimas, as disposições do Código de Procedimento e de Processo Tributário”.
[21] Conforme o qual As disposições deste diploma são aplicáveis aos factos puníveis … pela restante legislação de carácter especial, salvo disposição em contrário”.
[22] Ao que ora importa relevar a decisão do Recurso do Arguido absolvido a quo do pronunciado crime (doloso) de fraude fiscal qualificada da p.p. dos arts 6, 103-1-a-b-2-3 e 104-2 do RGIT e condenado a quo (após comunicação de factos e novo Direito aplicável este comunicado ex vi art 358-3 do CPP) pela prática de um crime (doloso) de falsificação de documento simples p.p. pelo art 256-1-a do CP.
[23] Cf. Ac. do STJ de 15.12.93 (in Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano II, Tomo 2, pag 203 sgs e Scientia Jurídica, tomo XLIII, 1994, pgs 141 segs – nota do Relator).
[24] GERMANO MARQUES DA SILVA, Direito Penal Tributário – Cátedra Professor Doutor António de Sousa Franco, lições policopiadas ao ano escolar 2009-2010 de Mestrado em Direito Penal na Escola de Direito do Porto da Universidade Católica Portuguesa, Fevereiro de 2009, pág 33.
[25] Conforme o qual O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente”.
[26] Caso que não importa considerar in casu por não relevar de modo algum.
[27] Epigrafado «Associação criminosa» conforme o qual:
1. Quem promover ou fundar grupo, organização ou associação cuja finalidade ou actividade seja dirigida à prática de crimes tributários é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave não lhe couber, nos termos de outra lei penal.
2 — Na mesma pena incorre quem fizer parte de tais grupos, organizações ou associações ou que os apoiar, nomeadamente fornecendo armas, munições, instrumentos de crime, armazenagem, guarda ou locais para as reuniões, ou qualquer auxílio para que se recrutem novos elementos.
3 — Quem chefiar ou dirigir os grupos, organizações ou associações referidos nos números anteriores é punido com pena de prisão de dois a oito anos, se pena mais grave não lhe couber, nos termos de outra lei penal.
4 — As penas referidas podem ser especialmente atenuadas ou não ter lugar a punição se o agente impedir ou se esforçar seriamente para impedir a continuação dos grupos, organizações ou associações, ou comunicar à autoridade a sua existência, de modo a esta poder evitar a prática de crimes tributários”.
[28] GERMANO MARQUES DA SILVA, Direito Penal Tributário – Cátedra Professor Doutor António de Sousa Franco, lições policopiadas ao ano escolar 2009-2010 de Mestrado em Direito Penal na Escola de Direito do Porto da Universidade Católica Portuguesa, Fevereiro de 2009, pgs 34-35.
[29] JORGE LOPES DE SOUSA, MANUEL SIMAS SANTOS, Regime Geral das Infracções Tributárias Anotado, 3ª edição, Rei dos Livros, Abril de 2008, pág 117.
[30] JORGE LOPES DE SOUSA, MANUEL SIMAS SANTOS, Regime Geral das Infracções Tributárias Anotado, 3ª edição, Rei dos Livros, Abril de 2008, pág 117.
[31] JORGE LOPES DE SOUSA, MANUEL SIMAS SANTOS, Regime Geral das Infracções Tributárias Anotado, 3ª edição, Rei dos Livros, Abril de 2008, pág 117.
[32] «… lei n.° 109-B/2001, de 27.12, Dec.- Lei nº 229/2002, de 31.10, Lei n.° 32-B/2002, de 30.12, 107-B/2003, de 31.12, lei n.° 55-B/2004, 30.12, Lei 39-A/2005, de 29.07, Lei n° 60-A/2005, de 30.12, Lei n.° 53-A/2006, de 29.12, Lei n.° 22-A/2007, de 29.06, Dec.-Lei n.° 307- A/2007, de 31.08, Lei 67-A/2007, 31.12 e Lei n.° 64-A/2008, de 31.12).».
[33] Com o teor No que diz respeito à empresa arguida C…, da primeira declaração entregue para a segunda, o campo 03 sofreu um acréscimo de 87.000,00 €uros e os campos 04 e 24 de 18.270,00 €uros (representava 21% de IVA de €:87.000,00) onde, por um lado foi liquidado o IVA da factura n°….. da C… e deduzido o IVA da factura n°…… da D…”.
[34] Com o teor Quanto à arguida D…, também aqui se verificou que da primeira declaração entregue para a segunda, o campo 03 sofreu um acréscimo de 87.000,00 €uros e os campos 04 e 24 de 18.270,00 €uros (representava 21% de IVA de €:87.000,00) onde, por um lado foi liquidado o IVA da factura n°…… da D… e deduzido o IVA da factura n°…… da D…”.
[35] Com o teor Com tal comportamento, o arguido simulou custos e proveitos não ocorridos, mediante a relevação de supostas prestações de serviços, utilizando facturas cruzadas de prestação de serviços de igual valor de uma à outra sociedade de forma a não alterar o resultado líquido das duas empresas”.
[36] Com o teor Com tal operação fictícia, o arguido visou alterar factos com relevância fiscal, tendo como principal objectivo obter vantagens fiscais decorrentes do reenquadramento das sociedades C… e D… no regime geral de tributação do lucro tributável”.