Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0535796
Nº Convencional: JTRP00038510
Relator: GONÇALO SILVANO
Descritores: JUSTIFICAÇÃO NOTARIAL
IMPUGNAÇÃO
Nº do Documento: RP200511170535796
Data do Acordão: 11/17/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA.
Área Temática: .
Sumário: I- Dentro desta orientação, esta acção de impugnação de justificação notarial, configura-se como uma acção declarativa de simples apreciação negativa, pois que a A. pretende, não o reconhecimento da sua qualidade sucessória, nem obter uma sentença de condenação na restituição do prédio em causa, mas tão só atingir o direito real que os justificantes se arrogaram na escritura de justificação, ou seja, o que querem é impugnar o teor das declarações constantes dessa escritura, no sentido de esta ficar sem efeito.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:

I- Relatório

B............ intentou acção declarativa de simples apreciação negativa, com processo sumário, contra C......., e D......... e marido E........., pedindo que o tribunal:
a) declare validamente impugnados e sem qualquer efeito os factos e a escritura de justificação notarial junta, decidindo-se que os aí justificantes, C........., D......... e marido, E........., não adquiriram por usucapião o direito de propriedade sobre o prédio identificado no artigo 4º da petição inicial;
b) declare que tal prédio não é propriedade de C........., D........ e marido E...........;
c) determine o cancelamento de todo e qualquer registo que tenha por base a referida escritura de justificação notarial, relativamente a tal imóvel.
Para tanto, alegou, em síntese, que em 16 de Outubro de 1997 foi celebrada escritura de justificação notarial no Cartório Notarial de Valpaços em que foram justificantes os RR, e que declararam ser donos e legítimos possuidores com exclusão de outrem, na proporção de metade para cada um, do prédio urbano inscrito na respectiva matriz sob o artigo 516, o qual lhes veio à posse por partilha de herança de seu pai e sogro F..........., não reduzida a escritura, justificando o seu direito de propriedade por usucapião; os RR levaram ao registo tal facto.
Tais declarações não correspondem à verdade porquanto F............ deixou como únicos e universais herdeiros a sua esposa e a A., sendo que esse imóvel faz parte da herança aberta por seu óbito, que adquiriu o direito de propriedade sobre ele por usucapião, direito esse que se transmitiu para a ora A. e sua mãe; nunca teve lugar qualquer partilha; nem os RR tiveram a posse sobre tal prédio, sendo a A e sua mãe reconhecidas como suas donas e legitimas possuidoras.

Em contestação os RR sustentaram o seu direito sobre o prédio em causa conforme consta da escritura de justificação notarial.
Para tanto os réus alegam que só por lapso consta o nome do pai da A. F......... na escritura de justificação.
No mais alegam factos da aquisição da propriedade sobre o referido imóvel por usucapião, a favor dos RR.
Na resposta a A. impugnou a matéria da contestação e pediu a condenação dos réus como litigantes de má-fé e a pagar indemnização à autora.

A acção veio a ser julgada totalmente improcedente, por não provada, e, em consequência foram os réus absolvidos dos pedidos.

Inconformada com o decidido a autora recorreu, tendo concluído as suas alegações ,pela forma seguinte:
1º - Para facilidade de compreensão irá ser proceder a análise da douta sentença ora em crise, da seguinte forma:
A) Da extemporaneidade da contestação;
B) Herdeiros de F..........;
C) Da Doação do imóvel constante na escritura de justificação;
D) Da aquisição por Usucapião
A – Da extemporaneidade da contestação
2º - A citação para os presentes autos foi efectuada em 25 e 26 de Setembro de 2002, em pessoa diversa do citandos em relação aos réus C.......... e D.............. .
3º - Ora, uma vez que a citação foi efectuada por carta registada com aviso de recepção, esta considera-se feita no dia em que se mostrar assinado o aviso de recepção, no caso em concreto nos dias 25 e 26 de Setembro de 2002
4º - Sendo que, tendo sido efectuada a citação dos réus no dias acima referidos, o prazo para apresentação da contestação inicia-se no dia seguinte, ou seja, no dias 26 e 27 de Setembro de 2002, nos termos da alínea B do artigo 179.º do C.C.
5º - Ora, no caso concreto, o prazo para apresentação da contestação era de 20 dias ao qual acresce uma dilação de 5 dias, nos termos do disposto nos artigos 783.º e alíneas A e B do artigo 252.º-A do C.P.C.
6º - Verifica-se, então que dispunham as rés C.......... e D.......... de um prazo continuo de 25 dias e o réu E.......... de um prazo continuo de 20 dias para apresentarem a suas contestações.
7º - Contudo, na pendência da acção, vieram os réus apresentar requerimento de apoio judiciário com pedido de nomeação de patrono, cujos documentos comprovativos da apresentação do requerimento foram juntos aos autos em 9 de Outubro de 2002, cfr. fls. 34.8º - Tendo decorrido entre a data de citação e a data de junção dos documentos comprovativos da apresentação do requerimento 14 dias para os réus E......... e D........ e 13 dias para a ré C.......... .
9º - Pelo que beneficiariam ainda os réus E......... de um prazo de 6 dias, D........ de um prazo de 11 dias e a ré C........... de um prazo de 12 dias respectivamente, para apresentar a sua contestação.
10º - Prazo esse que se interrompeu mas que se reiniciaria, no caso concreto, a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação, nos termos e para os efeitos da alínea A do n.º 5 do artigo 25.º da Lei n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro.
11º - Verifica-se pelos documentos juntos a fls 42, 44, 45 que a notificação ao patrono nomeado da sua designação ocorreu em 15 de Novembro de 2002, data a partir da qual se reinicia o prazo judicial que estava em curso para apresentação da contestação por parte dos réus.
12º - Sendo que esse mesmo prazo terminaria a 27 de Novembro de 2002, para a ré C.........., sendo este igualmente o terminus do prazo para apresentar a contestação quanto aos outros réus tendo em conta o disposto nos artigos 463.º n.º 1 e 486.º n.º 2 do C.P.C.
13º - Porém, os mesmos só apresentaram a sua contestação, via fax, em 12 de Dezembro de 2002, sendo os documentos originais entregues em 13 de Dezembro de 2002.
14º - Assim, é manifesta a extemporaneidade da contestação apresentada por parte dos réus, pelo que deveria a mesma ter sido recusada e ordenada a sua devolução aos apresentantes.
CONTUDO,
15º - Caso V.ª Exas. assim não o entendam, certo é que a contestação foi apresentada fora do prazo, senão vejamos:
16º - Caso se entenda que com a notificação do patrono nomeado se inicia um novo prazo continuo, ou seja 25 dias no caso da ré C......... o qual aproveita aos restantes, cfr. 486.º n.º 2 do C.P.C.
17º - Sendo o ilustre mandatário notificado em 15-11-2002, cfr. fls 42, 43 e 44, então o terminus do prazo ocorreria a 10 de Dezembro de 2002.
18º - Porém, não obstante o terminus do prazo para apresentação da contestação por parte dos réus ser o dia 10 de Novembro de 2002, os mesmos só apresentaram a sua contestação, via fax, em 12 de Dezembro de 2002, sendo os documentos originais entregues em 13 de Dezembro de 2002.
19º - Assim, é manifesta a extemporaneidade da contestação apresentada por parte dos réus, pelo que deveria a mesma ter sido recusada e ordenada a sua devolução aos apresentantes.
ORA,
20º - A apresentação da contestação fora do prazo é de conhecimento oficioso, cfr. A. Baltazar Coelho, RT, 91.º-247 a 255.
Neste sentido:
“O oferecimento da contestação fora do prazo legal constitui nulidade principal de conhecimento oficioso” Ac. RP, de 3.2.1983: Col. Jur., 1.º - 223.
“O prazo para apresentar a contestação é peremptório e o seu decurso extingue o direito de praticar esse acto (salvo caso de justo impedimento), pelo que a apresentação tardia da contestação integra uma nulidade principal de que o juiz deve conhecer oficiosamente “Ac. RC. De 16.4.1985: BMJ, 346.º - 314.
21º - Nulidade essa que desde já se invoca para todos os efeitos legais, sendo que este é o momento próprio para arguir a nulidade em causa.
22º - Uma vez que o presente mandatário só tomou conhecimento do conteúdo dos presentes autos após a sua nomeação como defensor oficioso, o que ocorreu em 15-04-2005, conforme notificação da delegação da Ordem dos Advogados que ora se junta como documento n.º 1.
B – Herdeiros de F........... .
23º - Não se pode afirmar e dar como provado, como fez o ilustre magistrado A Quo, que a sua esposa – G........... fosse, à data da morte de F.......... herdeira do mesmo, senão vejamos:
24º - F........... faleceu em 22/06/1972 (vide doc. n.º 1 e seu averbamento, junto com a P.I.), na vigência do Código Civil de Seabra.
25º - Na vigência deste diploma o cônjuge não figurava no número dos herdeiros legitimários, o qual contemplava apenas os descendentes e os ascendentes, apenas e só com a reforma de 1977, na nova redacção do artigo 2157.º do C.C., o cônjuge foi enquadrado na categoria de herdeiros legitimários
26º - Sendo que em relação aos herdeiros legítimos, na vigência do Código de 1867, o cônjuge sobrevivo só era chamado como herdeiro legítimo a recolher toda a herança, na falta de descendentes, ascendentes, irmãos ou sobrinhos do falecido.
27º - “Com a reforma de 1977, a posição sucessória do Cônjuge sobrevivo deu um salto espectacular, bem podendo dizer-se que, na escala dos sucessíveis legítimos, ele trepou do modesto 4.º lugar que ocupava no Código de 1867 e manteve no Código de 1966, para o 1.º lugar que a nova redacção do artigo 2133.º lhe deu” – Pires de Lima e Antunes Varela, Cód. Civil anotado, vol. VI, 1998, pág 216.
28º - Assim, face ao Assento de Casamento já junto aos autos como doc. n.º 1 verifica-se que, à data da morte de F..........., a única e universal herdeira do decujus é a sua filha B.........., ora recorrente.
29º - Pelo que se requer a V.º Exas. que B........... seja reconhecida como única e universal herdeira de F........ .
C – Da Doação do imóvel constante na escritura de justificação.
30º - B........... é filha única de F....... .
31º - Ficou também provado, na douta sentença, que foi F....... quem a mais de 50 anos construiu o imóvel em causa e foi sempre ele que usufruiu de todas as vantagens que o mesmo proporcionava até à sua morte, tendo-o também habitado.
32º - Ora, tendo F.......... casado em 1952 com G............, segundo o regime da comunhão geral de bens, cfr. doc. n.º 1., transmitiu a mesma metade do seu património.
33º - Pelo que passou a G.......... a ser titular de metade dos bens do casal, tendo como consequência que, à morte do seu cônjuge é desde logo titular da sua meação, na qual estaria incluída o direito a metade indivisa do imóvel em causa.
34º - Após a morte de F......... ficou a viúva a habitar o referido imóvel, mas esta tinha consciência plena de que só era “dona” de metade.
35º - Ora, não tendo se tendo procedido as partilhas, a G......... só poderia doar as suas filhas (rés) a sua parte e não a totalidade do referido imóvel, como alegam os réus..
ACRESCE QUE,
36º - Esclarece o Exmo Magistrado A Quo, na sua motivação, que:
“No que tange à doação em questão, ela foi evidenciada pelas testemunhas H........ e I.........., presentes na Reunião e que esclareceram devidamente o tribunal quando solicitadas”
37º - No entanto, verifica-se que a doação do imóvel em causa foi efectuada por G........... para as rés, numa reunião familiar, através de conversas perante terceiros.
38º - Ora, salvo o devido respeito, não é esta a forma válida que se encontra preceituada no C.C. para a doação de coisas imóveis, nomeadamente no artigo 947.º do C.C., o qual exige a celebração de um escritura pública para que o bem imóvel possa ser validamente transmitido.
39º - O que não aconteceu no caso em apreço, sendo que a falta de escritura pública conduz à nulidade da doação, o que desde já se requer.
40º - Aliás, não se vislumbra como a referida doação pode estar, como efectivamente está, incluída na matéria de facto provada, uma vez que, “A doação manual pode provar-se por testemunhas. Não a de imóveis, nem as de móveis não acompanhadas de tradição” cfr. nota 1 artigo 947.º do C.C. anotado, Abílio Neto, 13.ª edição, pág. 933.
41º - Assim, estamos perante uma doação que não respeita os requisitos de forma exigidos por lei, pelo que deverá a mesma ser declarada nula e sem qualquer efeito.
42º - Ficou também provado que:
“tal doação é do conhecimento da autora, a qual esteve presente nesse dia de reunião de família em que Diamantina fez tal liberalidade e a que nunca se opôs;”
43º - A autora não se opôs a doação verbal, porque nada tinha que opor, a sua mãe dava o que era seu, a sua parte entenda-se, e podia fazê-lo, desde que respeita-se os requisitos legais de forma exigidos por lei, o que no caso concreto, nunca se verificou.
44º - Assim, estamos perante um negócio abstractamente idóneo para tal transferência – contrato de doação (artº. 940º. nº. 1 do C.C.) – é formalmente inválido, porque verbal – artº.s 219º.e 220º. do C.C e 80º. nº. 1 do Código do Notariado - sendo que “a lei prescinde apenas da validade substancial do negócio jurídico” (Antunes Varela, anotação ao referido artº. 1259º. do C.C.).
45º - Validade essa que não existe no caso dos autos, uma vez que a G........... (mãe das rés), enquanto simples comproprietária, não podia doar parte pertencente ao falecido, sendo tal acto havido como disposição de coisa alheia e, por isso, nulo (artºs. 1408º. e 956º. nº. 1 do C.C.).
46º - Assim, e perante a ausência dos requisitos de forma exigidos por lei, não pode a recorrente deixar de invocar a nulidade da doação referida na escritura de justificação notarial ora em crise, pelo que, deverá a mesma seja declarada nula e sem qualquer efeito.
D – Da aquisição por Usucapião
47º - Segundo o art.º 1287º do Cód. Civil, “a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação: é o que se chama usucapião”.
48º - Esta forma de aquisição do direito tem como requisitos essenciais a posse e a subsistência desta durante certa dilação temporal. A posse, por sua vez, analisa-se em dois elementos: o “corpus” e o “animus”, traduzindo-se o primeiro na prática de actos materiais sobre a coisa possuída e o segunda na intenção de exercer um poder de verdadeiro proprietário sobre a coisa.
49º - Com interesse para a pretensão da recorrente provou-se, em resumo, que a Diamantina (mãe das rés) deu em meados de 1976 o prédio constante na escritura de justificação notarial.
50º - Sendo que este facto, dado como provado, está em contradição com o declarado, pelos réus, na escritura de justificação, pois nesta refere: “que o identificado prédio veio à posse dos justificantes por volta do ano de mil novecentos e setenta e seis, por partilha da herança de seu pai e sogro F............, residente que foi no mencionado lugar e freguesia de São João de Corveira, feita com os demais interessados....”.
51º - Porém, não lograram os réus provar, como seria sua obrigação, que os factos declarados na escritura de justificação ora em crise, fossem verdadeiros, pois são estes os factos de que os réus se valem, na referida escritura, para invocar a aquisição por usucapião.
52º - Ora, não tendo os réus logrado provar os factos descritos na referida escritura de justificação ora em crise, ou seja, “que o identificado prédio veio à posse dos justificantes por volta do ano de mil novecentos e setenta e seis, por partilha da herança do seu pai e sogro F............ ...”
53º - O que, sempre se diga em abono da verdade, nunca o lograriam fazer uma vez que estes não eram herdeiros, ao contrário do declarado pelos réus na escritura de justificação notarial.
54º - Ora, não tendo os réus logrado provar os factos descritos na referida escritura de justificação, coloca-se a seguinte questão:
55º - Se os factos invocados na escritura de justificação notarial não estão dados como provados e é através desses mesmos factos que os réus invocaram a aquisição por usucapião, como poderiam os justificantes, ora réus, exercer conscientemente o poder de verdadeiros proprietários, sobre o imóvel objecto da referida escritura, com o ânimo de quem exerce um direito próprio?
56º - Como poderão lograr convencer que desde a suposta data de aquisição não lesam direitos de outrem, se os factos que invocam na escritura de justificação não foram, nem poderiam ser como bem sabiam os réus, dados como provados?
57º - A resposta, em nossa humilde opinião, só poderá uma: A que os justificantes bem sabiam que os factos declarados na escritura de justificação e pelos quais pretendem justificar o direito de que se arrogam são falsos, conforme ficou demonstrado na douta sentença.
58º - Motivo pelo qual, não se encontra preenchido, na nossa humilde opinião, um dos elementos da posse o “animus”, ou seja, o exercício de um poder de verdadeiro proprietário sobre o imóvel, pois bem sabiam os réus que não eram os verdadeiros proprietários do imóvel objecto da escritura de justificação notarial.
59º - Pelo que a posse exercida pelos justificantes, ora réus não poderá deixar de ser uma posse precária pela falta de um dos elementos que a compõem, o “animus”.
60º - Assim, verifica-se que se aproveitaram da tolerância do titular do direito da herança de F.........., ou seja da recorrente, para se arrogar de um direito que manifestamente sabem que não lhes assiste.
61º - Ora, prescreve o art.º 1253.º do cód. Civil, na sua alínea B que são havidos como detentores ou possuidores precários “os que simplesmente se aproveitem da tolerância do titular do direito”.
62º - E o art.º 1290.º do Cód Civil que: “os detentores ou possuidores precários não podem adquirir para si, por usucapião, o direito possuído...”.
63º - Assim, não podem os réus adquirir por usucapião, como o pretendiam fazer pela escritura de justificação exarada, pelo que se requer a V.ª Exas que:
A) Declararem validamente impugnados e sem qualquer efeito os factos e a escritura de justificação notarial elaborada no dia 16 de Outubro de 1997, no Cartório Notarial de Valpaços, exarada a fls 29 a 30 V. do livro de escrituras diversas n.º 17 – D, em que foram justificantes os ora réus, por os mesmos não corresponderem a verdade;
B) Declararem que tal prédio não é propriedade dos ora réus;
C) Determinem o cancelamento de todo e qualquer registo que tenha por base a escritura de justificação notarial elaborada no dia 16 de Outubro de 1997, no Cartório Notarial de Valpaços, exarada a fls 29 a 30 V. do livro de escrituras diversas n.º 17 – D, em que foram justificantes os ora réus, por os mesmos não corresponderem a verdade.

Houve contra-alegações onde se sustenta o decidido em sentença.

Corridos os vistos, cumpre decidir:

II- Fundamentos
a)- A matéria de facto provada.
Por via da admissão por acordo das partes e dos documentos juntos aos autos, ficou considerou-se provado que:
1º) F.......... faleceu em 22-6-1972, no estado de casado com G...........;
2º) F.......... deixou como seus únicos e universais herdeiros a ora A., sua filha, e G...........;
3º) Encontra-se inscrito na matriz predial sob o artigo 516 - urbano, o prédio urbano composto de casa térrea com pátio e quintal, com a superfície coberta de 85 m2 e quintal de 80 m2, sito no lugar de ....., freguesia de S. João da Corveira, concelho de Valpaços, que confronta do Norte com caminho, Sul com terrenos públicos, Nascente e do Poente com J..........;
4º)Em 16 de Outubro de 1997, no Cartório Notarial de Valpaços, foi exarada de fls. 29 a 30 v do livro de escrituras diversas nº 17-D, escritura de justificação notarial em que foram justificantes os ora RR, os quais declararam ser donos e legítimos possuidores com exclusão de outrem, e na proporção de metade para cada um, de um prédio urbano composto de casa térrea, com a superfície coberta de oitenta e cinco metros quadrados e quintal com oitenta metros quadrados, no lugar de ....., freguesia de S. João da Corveira, concelho de Valpaços, que confronta de Norte com caminho, Sul com terrenos públicos, Nascente com L........ e do Poente com J........., inscrito na respectiva matriz predial em nome das justificantes na indicada proporção sob o artigo 516;
5º) Nessa escritura, os RR declararam ainda que o identificado prédio veio à posse dos justificantes por volta do ano de mil novecentos e setenta e seis, por partilha da herança de seu pai e sogro F........., residente que foi no mencionado lugar e freguesia de S. João da Corveira, feita com os demais interessados, não reduzida a escritura pública, pelo que não são detentores de qualquer título formal que legitime o domínio e posse do referido imóvel.
6º) Mais acrescentam que desde então, até ao presente, logo por mais de vinte anos, sem interrupção e sem oposição de ninguém, possuem o mencionado prédio, com o ânimo de quem exerce direito próprio, com o conhecimento da generalidade das pessoas, sendo reconhecidas como seus donos, usufruindo-o, gozando todas as utilidades por ele proporcionadas, conservando-o com benfeitorias diversas, pagando as contribuições, plenamente convencidos desde a data da sua aquisição que não lesam direitos de outrem;
7º) Afirmando finalmente que esta posse em nome próprio, pacífica, contínua e pública, conduziu à aquisição do referido prédio por usucapião, que invocam, justificando assim o seu direito de propriedade, dado que esta forma de aquisição não é susceptível de ser comprovada pelos meios extrajudiciais normais;
8º) As justificantes e ora Rés C......... e D....... são filhas de M......, também conhecido por M1...... e de G......., sendo irmãs uterinas da ora Autora;
9º) O justificante E....... casou com D........;
10º) Por Ap 01/200898, encontra-se inscrita a aquisição de ½ a favor da Ré C........... e de ½ a favor da Ré D......... e marido E.........., por usucapião, sobre o referido prédio urbano, sito na ..... .
Das respostas do Tribunal à matéria de facto controvertida, resultou provado que:
11º- O prédio inscrito na matriz predial sob o artigo 516 - urbano, o prédio urbano composto de casa térrea com pátio e quintal, com a superfície coberta de 85 m2 e quintal de 80 m2, sito no lugar de ......, freguesia de S. João da Corveira, concelho de Valpaços, que confronta do Norte com caminho, Sul com terrenos públicos, Nascente e do Poente com J......... era pertença de F........;
12º -Foi ele quem há mais de 50 anos o construiu;
13º- E foi sempre o F............ que dele usufruiu todas as vantagens que proporcionava até à sua morte, tendo-o também habitado;
14º -E tal posse era mantida à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, com a consciência de que tal prédio urbano lhe pertencia em propriedade plena e exclusiva e que não ofendia direitos de terceiros;
15º -As pessoas de S. João da Corveira têm conhecimento de que as Rés não eram filhas do F.........;
16º-A referida G.......... veio a utilizar, habitar, usar e fruir quando e como entendia o prédio, desde 1973, continuamente, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, pensando que não estava a lesar ninguém, como coisa sua;
17º- Nomeadamente agindo como proprietária de tal imóvel sendo reconhecida pela generalidade das pessoas como proprietária daquela casa;
18º- Até que a G......... o deu em meados de 1976 às suas filhas ora Rés;
19º- A G.......... já habitava a casa até 1973;
20º- Após tal doação, a referida casa foi toda reconstruída pelas Rés em 1976;
21º-Tal doação é do conhecimento da Autora, a qual esteve presente nesse dia de reunião de família em que a G........... fez tal liberalidade e a que nunca se opôs;
22º-Desde 1976 e até hoje apenas as Rés têm habitado, usado e fruído o prédio, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, continuamente, conscios que não estavam a lesar ninguém, como coisa sua;
23º-Como proprietárias de tal imóvel, sendo desde então reconhecidas pela generalidade das pessoas de S. João da Corveira como únicas e legítimas proprietárias do referido prédio;
24º-Fazendo, em consequência de tal doação, todas as obras necessárias, reconstruindo, restaurando, murando, utilizando aos fins-de-semana, e durante períodos das férias de Natal, da Páscoa, férias de Verão e ainda sempre que lhes apetecia e necessitassem vir para S. João da Corveira;
25º- De resto, desde aí que a A. nunca habitou ou utilizou tal imóvel sem ser em visita e por cortesia das Rés, o que aconteceu apenas neste último ano;
26º -Quem habita, usa e utiliza continuamente o prédio desde há 26 anos são as Rés;
27º-Não tendo nem nunca teve a A. durante este período qualquer chave própria daquele prédio para o poder habitar e utilizar.

b) - O recurso de apelação.

É pelas conclusões que se determina o objecto do recurso (arts. 684º, nº 3 e 690º, nº1 do CPC), salvo quanto às questões de conhecimento oficioso ainda não decididas com trânsito em julgado.
Vejamos, pois, do seu mérito.

A apelante centra a sua argumentação em quatro questões, a saber:
A) Da extemporaneidade da contestação;
B) Herdeiros de F..........;
C) Da Doação do imóvel constante na escritura de justificação;
D) Da aquisição por Usucapião

1 - Quanto à primeira questão, por ser de cariz processual,vamos abordá-la de imediato:
Entende a apelante, através do seu actual mandatário (o terceiro a intervir na acção como mandatário da autora na fase pós julgamento) que face aos elementos dos autos relativos à citação dos réus, a contestação por estes apresentada é extemporânea.
Refere a apelante que, tratando-se de nulidade de conhecimento oficioso, deve o tribunal agora conhecê-la ainda, perante a invocação agora feita, sendo que este é o momento próprio para arguir a nulidade em causa, uma vez que o presente mandatário só tomou conhecimento do conteúdo dos presentes autos após a sua nomeação como defensor oficioso, o que ocorreu em 15-04-2005, conforme notificação da delegação da Ordem dos Advogados .

Este entendimento de que o mandatário ora em funções pode exercer de novo todos os direitos processuais da autora (como se nada tivesse a ver com o que os anteriores mandatários tinham obrigação de fazer), inclusive o de suscitar as nulidades que se foram verificando ao longo do processo, não tem, como é obvio, qualquer suporte legal.
Todos os actos que foram sendo praticados no processo por acção ou omissão dos anteriores mandatários são válidos e ao novo mandatário resta apenas prosseguir no processo nos termos que até aí foram sendo praticados, salvo o caso de se tratar de nulidades ainda possíveis de ser conhecidas oficiosamente e que não tenham sido sanadas.
A eventual nulidade de apresentação da contestação fora de prazo está, neste caso, desde logo votada ao insucesso ,por sanada, nos termos dos artºs 201º, nº 1 e 205º, nº 1 do CPC, porquanto a própria ré teve oportunidade de apresentar resposta à contestação, conforme articulado de fls.56,sem que tenha suscitado então a intempestividade da contestação como agora se pretende.
Perante a não invocação da autora de qualquer nulidade a esse respeito o tribunal no despacho saneador considerou inexistirem quaisquer nulidades ou excepções, prosseguindo o processo para julgamento com a intervenção da autora em todos os actos processuais, sem que tivesse sido interposto recurso daquela decisão.
Deste modo e perante a sanação de eventuais nulidades do processo, fica prejudicada desde logo a apreciação da nulidade invocada quanto à intempestividade da contestação, só agora suscitada em sede de recurso.
“As nulidades do processo hão-de ser arguidas, em principio, no tribunal em que foram cometidas e nele julgadas, devendo a sua arguição ser produzida no prazo geral estabelecido de acordo com o nº 1 do artº 205º do CPC-cfr Ac. STJ de 13-12-1990 BMJ,nº 402º, pág.518” (cfr também Manuel de Andrade_Noções Elementares de Processo Civil-1993, pág. 183 e Rodrigues de Bastos –Notas ao CPC, I, pág. 405 e Ac RE de 16.02.1995 - BMJ, nº 444º, pág.732).

2-A segunda terceira e quarta questões relaciona-as a apelante com a identificação dos(1) de herdeiros de F......... e da (2) Doação do imóvel constante na escritura de justificação para efeitos de concluir que, no caso, não podia ocorrer a(3) aquisição por usucapião por parte do réus.

Antes de entrarmos nesta problemática, entendemos oportuno referir, para além do que já consta na sentença relativamente à prova da aquisição originária de um direito real, o seguinte:

A A., ao intentar esta acção, invoca a escritura de justificação notarial celebrada pelos RR., pondo em causa os factos em que estes baseiam o direito de propriedade que se arrogam nessa escritura.

3-Nos termos do art. 101º, nº 1 do Cód. do Notariado, prevê-se que qualquer interessado possa impugnar em juízo uma justificação notarial do tipo da dos autos.

As acções de simples apreciação destinam-se a obter unicamente a declaração da existência (acções positivas) ou inexistência (acções negativas) de um facto ou de um direito (cfr.Ac. STJ- de 20.10.1999 - BMJ, nº 479º, pág.238)

A acção de impugnação de justificação notarial é de simples apreciação negativa (Cfr. Ac STJ de 17-06-199 - Processo: 99B277 - nº Convencional: JSTJ00037524).

Dentro desta orientação, esta acção dos autos, configura-se como uma acção declarativa de simples apreciação negativa, pois que a A. pretende, não o reconhecimento da sua qualidade sucessória, nem obter uma sentença de condenação na restituição do prédio em causa, mas tão só atingir o direito real que os justificantes se arrogaram na escritura de justificação, ou seja, o que querem é impugnar o teor das declarações constantes dessa escritura, no sentido de esta ficar sem efeito.

Nestas acções de simples apreciação negativa, compete aos réus justificantes, nos termos do artº 343º nº 1 do CC, o ónus da prova dos factos em que baseavam a invocação do seu direito real sobre o prédio em causa (cfr.também Ac. RC de 23.04.2002 – CJ - ano 2002, tomo II, pág. 33 e Ac. STJ de 10-10-2002 - Ver nº 1919/02-/ª-Sumários, 10/2002).

No casos dos autos, tendo sido os réus quem afirmou na escritura de justificação notarial a aquisição por usucapião do seu direito de propriedade, cabia-lhe a prova dos factos constitutivos desse direito (cfr. Ac STJ de 3-3-1998, CJ-STJ - tomo I, pág.114)

4-Depois de definidos os termos em que o ónus de prova se deve verificar nestas acções tenhamos também em conta,como aliás é referido na sentença, que o art. 1287º do CC dispõe que “A posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação é o que se chama usucapião”.
Esta posse conducente a usucapião, tem de ser pública e pacífica, influindo as características de boa ou má-fé, justo título e registo de mera posse, na determinação do prazo para que possa produzir efeitos jurídicos.
É uma posse que, face ao que se dispõe no art. 1251º do CC, tem de se revestir de dois elementos: o “corpus e o “animus”.
No nosso direito prevalece a concepção subjectiva da posse (Savigny) que integra aqueles dois elementos - o corpus, que consiste no domínio de facto sobre a coisa, e o animus, que é a intenção de exercer sobre a coisa, como seu titular, o direito real correspondente àquele domínio de facto (cfr. M.Henrique Mesquita, Direitos Reais, 1967, pág. 67).
O mesmo professor na obra citada, pág. 71,especifica mesmo que “Não pode pôr-se em dúvida, pois, que a nossa lei consagra, em matéria de posse, a concepção subjectiva. Possuidor é apenas aquele que, actuando por si ou por intermédio de outrem (art 1252º, nº 1 do C.C.), além do corpus possessório, tenha também o animus possidendi - a intenção de exercer sobre a coisa um direito real próprio… Saliente-se, no entanto, que a lei (no nº 2 do art. 1252º do C.C.) estabelece uma importante presunção destinada a facilitar esta prova”.
O Prof. Mota Pinto (Direitos Reais, Lições de 1970-71, pág. 191) refere também por sua vez que “O facto de a lei exigir o “corpus” e o “animus para efeito de haver posse implica que o possuidor tenha de provar a existência dos dois elementos – um material, outro psicológico – para poder, por exemplo, adquirir por usucapião ou lançar mão das acções possessórias.
Sendo difícil a prova do elemento “animus” –, dado que se trata de um elemento psicológico, a lei estabelece a presunção de que, em caso de dúvida, a posse se presume naquele que exerce o poder de facto – artº 1252º, nº 2. – Foi neste sentido que se pronunciou também o Acórdão do S.T.J., de 14.05.96, publicado no Diário da República, II série, de 24.06.96, assim:
“O acto de aquisição da posse que releva para a usucapião terá assim de conter os dois elementos definidores do conceito de posse: o corpus e o animus. Se só o primeiro se preenche, verifica-se uma situação de detenção, insusceptível de conduzir à dominialidade.

Esse poder de facto decorrido certo lapso temporal converte o possuidor, por prescrição aquisitiva(conceito anterior) ou por usucapião(conceito actual), em verdadeiro proprietário.
As razões que explicam esses efeitos favoráveis da posse segundo o entendimento geral da doutrina, sintetizam-se,assim:
(1) – Quem possui são normalmente os titulares de direitos definitivos sobre as coisas possuídas;(2) – Se não houvesse certa protecção possessória judicial, o indivíduo cuja posse fosse ameaçada recorreria à auto-defesa e, por isso, a lei, para evitar a anarquia que resultaria da auto-tutela dos direitos liga à posse – vista como sinal exterior, visível, do direito – certos efeitos favoráveis;(3) – O interesse geral em que se estabilizem situações correspondentes à posse, ou seja, que quem esteja, durante muito tempo, a comportar-se em relação à coisa, como titular de um direito sobre ela, se torne titular desse direito.
No que se refere à posse do direito de propriedade, mantida durante certo lapso de tempo, faculta ao possuidor a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação, retroagindo os efeitos à data do início da posse – artºs 1287º e 1288º.
O lapso temporal varia consoante a posse é de boa ou má fé, titulada ou não titulada, sendo considerada não titulada quando o negócio jurídico donde resultou a situação de posse é nulo por vício de forma, já que a lei prescinde apenas da validade substancial do negócio jurídico.
A posse diz-se de boa fé quando o possuidor ignorava, ao adquiri-la, que lesava o direito de outrem, ou seja, o possuidor, quando começa a gozar a coisa, não merece que seja apodado de malfazejo se actua na convicção de que não está a prejudicar outrem, presumindo-se a posse não titulada de má fé, sendo o momento em que deve existir a boa fé o da aquisição da posse - artº 1260º.
O conceito de boa fé é de índole psicológica (embora não esteja divorciado dum fundamento de carácter ético), possuindo de boa fé quem ignora que está a lesar os direitos de outrem – cfr. P. Lima – A. Varela, CCAnotado, III Vol., pág. 20.
Menezes Cordeiro (Direitos Reais, 1979, pág. 316) afirma que, é de boa fé a posse que, não sendo, na sua origem, violenta, se tenha constituído pensando o possuidor:
- que tinha, ele próprio, o direito;
- que ninguém tinha direito algum sobre a coisa”.

Importa finalmente realçar aqui que no nosso direito a prevalência é a da usucapião sobre o registo – cfr. Ac. da Relação de Coimbra, de 26.4.94, in CJ. 1994, II, 34.
Neste sentido Oliveira Ascensão, in “Direitos Reais”, 5ª edição, pág.382, refere:- “É preciso não esquecer que a base de toda a nossa ordem imobiliária não está no registo, mas na usucapião. Esta em nada é prejudicada pelas vicissitudes registrais; vale por si. Por isso, o que se fiou no registo passa à frente dos títulos substantivos existentes mas nada pode contra a usucapião”.
Com efeito o art. 7º do Código de Registo Predial apenas estabelece, em relação aos actos registados uma presunção, a de que “o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”.

5 - Tendo presente esta súmula de doutrina e jurisprudência e fazendo aplicação da mesma ao caso dos autos, podemos dizer desde já que a escritura de justificação notarial em causa contém factos que não correspondem à realidade, no aspecto formal que aí foi declarado, de que o prédio veio à posse dos justificantes apelados por partilha do pai e sogro dos réus de nome F........... .

Da prova produzida, que não é posta em causa no recurso, constata-se contudo que existe uma sequência de factos, que aqui vamos destacar,que nos permite compreender que algo existe relacionado com a herança do referido F..........., a que se fez referência na escritura de justificação notarial.
Tais factos provados, já acima descritos e que aqui nos importa destacar, são os seguintes:
O F.......... faleceu em 22-6-1972, no estado de casado com G......... e que deixou como seus únicos e universais herdeiros a ora A., sua filha, e G.......... .
Contudo as justificantes e ora Rés C........ e D.......... (esta casou com o justificante E......) são filhas de M....., também conhecido por M1........ e de G..........., sendo irmãs uterinas da ora Autora;
O prédio em causa era pertença de F......... e foi ele quem há mais de 50 anos o construiu e dele usufruiu todas as vantagens que proporcionava até à sua morte, tendo-o também habitado e tal posse era mantida à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, com a consciência de que tal prédio urbano lhe pertencia em propriedade plena e exclusiva e que não ofendia direitos de terceiros;
A referida G.......... veio a utilizar, habitar, usar e fruir quando e como entendia o prédio, desde 1973, continuamente, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, pensando que não estava a lesar ninguém, como coisa sua, nomeadamente agindo como proprietária de tal imóvel sendo reconhecida pela generalidade das pessoas como proprietária daquela casa, até que a G......... o deu em meados de 1976 às suas filhas ora Rés;
A G........... já habitava a casa até 1973 e após tal doação, a referida casa foi toda reconstruída pelas Rés em 1976 e tal doação é do conhecimento da Autora, a qual esteve presente nesse dia de reunião de família em que a G........... fez tal liberalidade e a que nunca se opôs;
Desde 1976 e até hoje apenas as Rés têm habitado, usado e fruído o prédio, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, continuamente, conscios que não estavam a lesar ninguém, como coisa sua, como proprietárias de tal imóvel, sendo desde então reconhecidas pela generalidade das pessoas de S. João da Corveira como únicas e legítimas proprietárias do referido prédio, fazendo, em consequência de tal doação, todas as obras necessárias, reconstruindo, restaurando, murando, utilizando aos fins-de-semana, e durante períodos das férias de Natal, da Páscoa, férias de Verão e ainda sempre que lhes apetecia e necessitassem vir para S. João da Corveira; De resto, desde aí que a A. nunca habitou ou utilizou tal imóvel sem ser em visita e por cortesia das Rés, o que aconteceu apenas neste último ano;26º -Quem habita, usa e utiliza continuamente o prédio desde há 26 anos são as Rés, não tendo nem nunca teve a A. durante este período qualquer chave própria daquele prédio para o poder habitar e utilizar.

6 - Ora se o prédio não chegou à posse dos réus por partilha directa (à face da lei em vigor a G.......... e a A. eram as suas únicas e universais herdeiras, sendo efectivamente só a A. a única herdeira legitimária do F......... falecido em 22.06.1972, relativamente a metade indivisa do prédio, já que o casamento era em comunhão de bens) o certo é que o prédio em causa, no seu todo, a partir da morte do F..........., passou a ser utilizado, usado e fruído pela referida G.......... quando e como entendia desde 1973, continuamente, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, pensando que não estava a lesar ninguém, como coisa sua, nomeadamente agindo como proprietária de tal imóvel, sendo reconhecida pela generalidade das pessoas como proprietária daquela casa.
E foi nestas circunstâncias que a G.......... (mulher do F.........) o deu em meados de 1976 às suas filhas ora Rés (irmãs uterinas da A.) e após tal doação a referida casa foi toda reconstruída pelas Rés em 1976 e tal doação é do conhecimento da Autora, a qual esteve presente nesse dia de reunião de família em que a Diamantina fez tal liberalidade e a que nunca se opôs;

7 - A partir desta data de 1976 são os réus, tal como fizeram constar da escritura que, sem interrupção e sem oposição de ninguém, possuem o mencionado prédio, com o ânimo de quem exerce direito próprio, com o conhecimento da generalidade das pessoas, sendo reconhecidas como seus donos, usufruindo-o, gozando todas as utilidades por ele proporcionadas, conservando-o com benfeitorias diversas, pagando as contribuições, plenamente convencidos desde a data da sua aquisição que não lesam direitos de outrem.
Provou-se, assim, que desde 1976 e até hoje apenas as Rés têm habitado, usado e fruído o prédio, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, continuamente, conscios que não estavam a lesar ninguém, como coisa sua; Como proprietárias de tal imóvel, sendo desde então reconhecidas pela generalidade das pessoas de S. João da Corveira como únicas e legítimas proprietárias do referido prédio; Fazendo, em consequência de tal doação, todas as obras necessárias, e construindo, restaurando, murando, utilizando aos fins-de-semana, e durante períodos das férias de Natal, da Páscoa, férias de Verão e ainda sempre que lhes apetecia e necessitassem vir para S. João da Corveira;
De resto, ficou também provado que desde aí (1976) que a A. nunca habitou ou utilizou tal imóvel sem ser em visita e por cortesia das Rés, o que aconteceu apenas neste último ano. Quem habita, usa e utiliza continuamente o prédio desde há 26 anos são as Rés. Não tendo nem nunca teve a A. durante este período qualquer chave própria daquele prédio para o poder habitar e utilizar.

8 - Nestas circunstâncias podemos concluir que a posse invocada pelos apelados tem mais de 20 anos ,tendo embora de considerar-se não titulada porquanto o título pelo qual a receberam não é válido (tratou-se de doação verbal de imóvel) e não se presume-artº 1259º do CC.

Estes factos provados revelam-nos indubitavelmente que os réus, tal como fizeram constar da escritura em causa, praticaram desde 1976 actos materiais reiteradamente exercidos sobre o imóvel, com a convicção de exercício do direito de propriedade e uma posse continua, pública e pacífica que fundamenta a aquisição do direito de propriedade por usucapião, direito este que se sobrepõe a tudo o restante, tendo em conta o disposto nos arts. 1259º, 1261º, 1262º 1294º a 1297º, todos do Código Civil.
Ocorre aqui mesmo a circunstância de (não obstante ter ocorrido que parte das declarações constantes da escritura de justificação não estarem explicitas quanto à forma como o prédio foi parar à posse dos réus) os factos provados demonstrarem que os réus receberam a posse da G....... (esta sim herdeira do F..........) em condições que indiciam a sua boa fé, já que o prédio lhes foi doado na totalidade, nele passando afazer obras desde logo, sem oposição de quem quer que fosse.
O acto de doação verbal foi do conhecimento da própria autora que a ele não se opôs, pelo que, admitindo-se que à data da morte do F........ a A. era herdeira de metade desse prédio, reconheceu contudo aí, tacitamente, que havia permitido a inversão do título da posse (artº 1265º do CC) do prédio (na metade que lhe pertencia) a favor da G........... que após a morte do marido o ocupou sem oposição da A. (cfr Ac. RC de 7.07.2004 - CJ-ano 2004-tomo III, pág.36).

Por isso tratando-se embora de posse não titulada a presunção de má fé dos réus derivada do artº 1260, nº 2 do CC, poder-se-á mesmo configurar como estando afastada neste caso (o que implicaria que o lapso de tempo para a usucapião passaria para os 15 anos), sendo que a conduta da autora ao intentar esta acção, perante o que ficou provado(conheceu a doação e não se lhe opôs), se mostra eivada de abuso de direito (artº 334º do CC).

Por tudo o exposto concluímos que está correcta a sentença ao decidir que, no caso, ficou claramente demonstrado o facto aquisitivo do direito de propriedade por usucapião a favor dos réus, direito que está na base de toda a nossa ordem imobiliária e a que se deve dar prevalência dentro dos princípios acima enunciados(cfr Ac. STJ de 9-01-1997 - Tomo I, pág.37).

III- Decisão.
Pelo exposto acorda-se em julgar improcedente o recurso de apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela apelante.

Porto, 17 de Novembro de 2005
Gonçalo Xavier Silvano
Fernando Manuel Pinto de Almeida
Trajano A. Seabra Teles de Menezes e Melo