Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1881/12.0TBPNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: INSOLVÊNCIA
DECISÃO HOMOLOGATÓRIA DO PLANO DE INSOLVÊNCIA
ENCERRAMENTO
PROCESSO
VERIFICAÇÃO
GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
Nº do Documento: RP201310151881/12.0TBPNF.P1
Data do Acordão: 10/15/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O trânsito em julgado da decisão homologatória do plano de insolvência só não determina o encerramento do processo quando do plano resulte a existência de bens a liquidar e de pagamentos a efetuar no âmbito do processo de insolvência.
II - Não prevendo a liquidação de quaisquer bens a efetuar no processo de insolvência, o facto de à sua data não ter sido proferida sentença de verificação de créditos não obsta ao encerramento do processo por aprovação do plano.
III - A homologação de um plano de insolvência não importa a inutilidade do processo de verificação de créditos ou das ações ulteriores de créditos: a sentença de verificação a proferir continua a manter interesse como meio de estabilização do passivo do devedor, servindo como título executivo juntamente a sentença de homologação de um plano de insolvência, e ainda para efeitos de incumprimento do plano.
IV - O encerramento do processo de insolvência por aprovação do plano não acarreta a extinção da instância do processo de verificação e graduação de créditos (nem das ações ulteriores de créditos), devendo prosseguir até final, ainda que não tenha sido proferida sentença de verificação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 1881/12.0TBPNF.P1 – Apelação

Relator: Maria João Areias
1º Adjunto: Maria de Jesus Pereira
2º Adjunto: Maria Amália Santos

Acordam no Tribunal da Relação do Porto (2ª Secção):
I – RELATÓRIO
Nos presente processo especial de insolvência, declarada que foi a insolvência da requerente B…, Lda., e homologado um plano de recuperação, pelo Juiz a quo foi proferido o seguinte despacho:
Tendo transitado em julgado a decisão de homologação do plano de recuperação, ao abrigo do disposto na al. b), do nº1, do art. 230º do CIRE, declara-se o encerramento do processo de insolvência (importando, no caso concreto, a extinção do apenso da reclamação de créditos), retomando a sociedade requerida a sua actividade, nos termos do nº1 do art. 234º do CIRE.
Notifique a devedora e os credores, procedendo-se à publicação e registo da presente decisão, nos termos do art. 38º, com indicação da razão determinante do encerramento – art. 230º, nº2 do CIRE.
Oportunamente, remetam-se os autos à conta.
Inconformados com tal despacho, vieram os credores reclamantes, C…, e outros, dele interpor recurso de apelação, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões:
1. A decisão de encerramento do processo foi proferida sem que previamente tivesse havido no apenso de reclamação de créditos uma sentença de verificação e graduação dos créditos dos requerentes (e outros trabalhadores) créditos esses que, apesar de terem sido reconhecidos na lista de créditos definitivos apresentada pelo administrador de insolvência, foram impugnados por impugnação dessa lista por outro credor exatamente no que respeita aos créditos dos trabalhadores.
2. Prevendo o Plano de Insolvência aprovado e homologado o pagamento aos credores cujos créditos tenham sido reconhecidos, não podem os requerentes como credores apesar de constarem da lista de créditos reconhecidos apresentada pelo Administrador de Insolvência, ter a segurança quanto à certeza do reconhecimento e verificação dos seus créditos e de que obterão pagamento no âmbito do plano homologado sem que seja proferida uma decisão definitiva quanto a esses mesmos créditos.
3. A decisão do tribunal viola por isso o princípio da segurança e certeza jurídicas, previsto no art. 2º da CRP.
4. Ademais, prevendo o plano de insolvência o pagamento dos credores privilegiados, trabalhadores, de forma distinta dos comuns, resulta por isso necessário haver uma decisão dos autos quanto ao reconhecimento e verificação desses mesmos créditos que foram alvo de impugnação, e que neste momento não existe.
5. A decisão proferida pelo tribunal viola por isso a norma jurídica prevista na al. b), do nº1 do art. 230º do CIRE.
Conclui pela revogação da decisão recorrida.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Cumpridos que foram os vistos legais, há que decidir.
II – APRECIAÇÂO DO OBJECTO DO RECURSO.
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr. cfr., artºs. 684º, nº3 e 685º-A, do Código de Processo Civil, na redação introduzida pelo DL 303/2007, de 24 de Agosto[1], a questão a decidir é uma só:
1. Se transitado o despacho de homologação do plano de insolvência pode o processo de insolvência ser encerrado sem que tenha sido proferida sentença de verificação e graduação de créditos, no caso de existência de impugnações.
São os seguintes, os factos com interesse para a decisão recorrida:
1. Os créditos dos credores reclamantes, ora apelantes, embora reconhecidos pelo Administrador de insolvência, constando, como tal, da lista de credores por este apresentada nos termos do nº1 do art.129º do CIRE – enquanto créditos privilegiados –, foram objeto de impugnação por parte do credor reclamante, D….
2. Pela devedora insolvente, foi apresentada a “Proposta de Plano de Recuperação” junta a fls. 378 e ss.), prevendo a forma de pagamento respeitante a cada um das categorias de créditos e, quanto aos créditos privilegiados, o respetivo pagamento na sua totalidade, em prestações mensais, com perdão de juros vencidos e vincendos.
3. No dia designado para a Assembleia de Credores de Apreciação do Relatório seguida de discussão e votação da proposta do plano de insolvência, os credores aqui recorrentes vieram, ao abrigo do art. 73º nº4 do CIRE, requerer que lhes fosse concedido 1 voto por cada euro e fração reconhecido pelo administrador de insolvência (fls. 616 a 618).
4. A 18 de Dezembro de 2012 teve lugar a assembleia de credores de Apreciação do Relatório, no decurso da qual o credor D… se absteve quanto ao requerido pelos trabalhadores aqui recorrentes, deixando expresso que tal não significava uma renúncia tácita a impugnar os créditos deduzidos nos autos, “não exprimindo qualquer juízo relativamente à probabilidade da verificação da existência do montante de tais créditos”.
5. Tendo sido proferido despacho a deferir o requerimento dos ora recorrentes, admitindo-os a votar, a assembleia prosseguiu com a votação do plano apresentado, que obteve o voto favorável de todos os presentes, com exceção dos credores D… e Instituto de Segurança Social, que requereram a concessão do prazo de 10 dias para votarem por escrito, o que lhes foi deferido.
6. Os credores D…[2] e ISS, IP, vieram juntar requerimento no qual manifestaram o seu voto favorável ao plano de insolvência (fls. 673 e 677 e 678).
7. Tendo sido proferido despacho a considerar aprovado o plano apresentado, o mesmo foi objeto de homologação por despacho proferido a 21.03.2013, já transitado em julgado (fls. 746).
8. A 18 de Abril de 2013 foi, então, proferido o despacho a declarar o encerramento do processo de insolvência, que aqui se encontra em recurso, (depreendendo-se) sem que tenha sido proferida sentença no apenso de verificação e graduação de créditos.
Insurgem-se os apelantes contra a decisão de encerramento do processo de insolvência, com fundamento em que, prevendo o Plano de Insolvência o pagamento dos credores privilegiados, trabalhadores, de forma distinta dos comuns, e tendo os seus créditos sido objeto de impugnação, se torna necessária a prolação de uma decisão nos autos quanto ao reconhecimento e verificação desses mesmos créditos. Ou seja, apesar de constarem da lista de créditos reconhecidos, tendo os mesmos sido objeto de impugnação, não poderão ter a segurança quanto à certeza do reconhecimento e verificação dos seus créditos e de que obterão pagamento no âmbito do plano homologado, sem que seja proferida decisão definitiva sobre tais créditos.
A resposta à pretensão dos Apelantes, passará pela tomada de decisão em relação a cada uma das seguintes questões essenciais, que analisaremos em seguida:
1. Se o facto de não ter sido ainda proferida sentença de verificação de créditos obsta ao encerramento do processo por aprovação do plano;
2. Se a aprovação do plano importa a inutilidade do apenso da verificação de créditos (ou de eventuais ações ulteriores de créditos);
3. Se o encerramento do processo por aprovação do plano acarreta, ou não, a extinção do processo de verificação de créditos, no caso de neste não ter sido ainda proferida sentença.
1. Se o facto de não ter sido ainda proferida sentença de verificação de créditos obsta ao encerramento do processo por aprovação do plano.
Segundo o art. 230º, nº1, al. b) do CIRE, após o trânsito em julgado da sentença de homologação do plano, o juiz deve declarar o encerramento do processo de insolvência, se a isso não se opuser o conteúdo deste.
O trânsito em julgado da sentença de homologação do plano acarreta, em termos de normalidade, o encerramento do processo de insolvência, o que só não acontecerá isso se opuser o plano de insolvência, isto é, se o seu conteúdo “se revelar incompatível com o encerramento do processo, caso em que o trânsito em julgado da respetiva sentença homologatória não produz o efeito comum de o fazer terminar[3]”.
Como esclarecem Carvalho Fernandes e João Labareda[4], constituindo o plano de insolvência uma via alternativa de satisfação do interesse dos credores, em relação ao regime supletivo do código[5], é natural que, quando tenha sido apresentada proposta de plano, o processo de insolvência encerre, normalmente, com a sua homologação.
Independentemente do princípio da liberdade na fixação do conteúdo do plano previsto no art. 192º, nº1, in fine, e reconhecendo, embora, a atipicidade quanto às concretas medidas de recuperação, Catarina Serra[6] assinala a existência de quatro modalidades de plano – a) o plano de liquidação da massa insolvente; b) o plano de recuperação; c) o plano de saneamento por transmissão da empresa a outra entidade; d) e o plano misto, resultante da liberdade de combinar todas ou algumas das modalidades anteriores.
E tendo em consideração a liberdade concedida aos credores da definição do conteúdo do plano, segundo Carvalho Fernandes e João Labareda [7], o legislador terá condescendido com a continuação do processo apesar da homologação do plano de insolvência, nos seguintes casos:
- sempre que o plano preveja a satisfação dos credores através de uma forma alternativa de liquidação do património do devedor ou a liquidação de apenas uma parte da massa segundo o modelo geral, liquidação a efetuar no próprio processo de insolvência;
- quando os credores aprovem um plano de insolvência já em fase mais adiantada dos autos, quando se encontrem vendidos alguns bens integrantes da massa, sem, contudo, se encontrar feita a distribuição do saldo pelos credores.
Como referem tais autores, “em tal eventualidade, pela própria natureza da situação, o trânsito em julgado da decisão homologatória do plano não pode, por si só, determinar o encerramento do processo, que precisa de continuar para que, sendo o caso, se proceda à verificação dos créditos, e, em qualquer dos casos, se processe o rateio das somas encaixadas por quem tiver direito a recebê-las[8]”.
Em tais casos, o processo de insolvência será encerrado, não com o trânsito em julgado da homologação do plano, mas somente após o rateio do saldo apurado na liquidação de bens efetuada no processo.
Ou seja, a ressalva feita na lei, para o não encerramento do processo de insolvência na sequência da homologação do plano, respeitará unicamente aos casos em que do plano de insolvência resulte a existência de bens a liquidar e de pagamentos a efetuar no processo de insolvência[9].
Analisemos, então, o plano de insolvência aprovado nos autos e devidamente homologado com transito em julgado.
O plano de insolvência aqui aprovado e homologado, objetiva-se num “Plano de Recuperação” da devedora insolvente, através da manutenção da sua atividade, sem que aí se preveja a liquidação de qualquer bem e o pagamento do respetivo produto aos credores no âmbito do processo de insolvência (embora contemple a entrega de alguns bens a determinados credores)[10].
Não consagrando a liquidação, ainda que parcial, do património da devedora, consistindo o plano de recuperação numa mera reestruturação do seu passivo, dele não consta qualquer medida cuja execução imponha a continuação do processo de insolvência.
Como tal, o conteúdo do plano não obstaria, em princípio, ao encerramento do processo de insolvência após o trânsito em julgado da sua homologação.
2. Se a aprovação do plano importa a inutilidade do apenso da verificação de créditos (ou de eventuais ações ulteriores de créditos).
Questão diversa passará por determinar se a aprovação do plano importa a inutilidade do prosseguimento do apenso da verificação e graduação de créditos.
Defendem os apelantes (trabalhadores) que, tendo os respetivos créditos, embora reconhecidos, sido objeto de impugnação (quanto ao respetivo montante e privilégio de que gozam), só a prolação da sentença de verificação lhes assegurará a certeza de que obterão pagamento no âmbito do plano homologado.
E, nesta parte, teremos de lhes dar razão quanto à manutenção do interesse dos credores na continuação do apenso de verificação, embora divergindo quanto às consequências por si defendidas relativamente ao encerramento do processo principal de insolvência.
Embora a prolação da sentença de verificação e graduação de créditos não se nos afigure necessária à execução do plano tendo em conta o respetivo teor, nos termos já expostos, os credores que hajam reclamado os seus créditos no processo de insolvência poderão manter interesse em ver aí verificados os seus créditos.
O credor/reclamante que não possua título executivo a incorporar o seu crédito, pode continuar a manter todo o interesse em obter o respetivo reconhecimento judicial, uma vez que, com o encerramento do processo pela aprovação de um plano de insolvência, não só se extinguem todos os efeitos que resultam da declaração de insolvência, como pode mesmo fazer prosseguir ou instaurar ação executiva contra a sociedade devedora, que poderá mesmo prosseguir a sua atividade, em conformidade com os termos previstos no plano art. 233º, nº1, als. a) a c), do CIRE).
E, embora os credores/Apelantes tenham reclamado os seus créditos nos presentes autos, constando da lista de créditos reconhecidos elaborados pelo Administrador de Insolvência, o certo é que, tendo os mesmos sido objeto de impugnação por parte do D… – quanto aos seus montantes e qualificação –, mantém-se a incerteza não só quanto à existência e montantes dos créditos reclamados, mas igualmente quanto à questão de saber se se encontram abrangidos pelo plano e em que termos (como créditos comuns, privilegiados?), sendo que, as condições de pagamentos aí previstas, como é natural, variam em função da classe de créditos em que se inserem.
Ou seja, a prolação da sentença nesta fase, continuaria a manter interesse como meio de estabilização do passivo do devedor, relevantes para efeitos do plano de insolvência[11].
E o interesse no prosseguimento não se esgotará na função de definição do passivo, uma vez que, para efeitos de cobrança dos créditos após o encerramento do processo de insolvência, a al. c) do nº1 do art. 233º atribui expressamente a natureza de título executivo à sentença de verificação de créditos ou decisão proferida em ação ulterior de créditos em conjugação com a sentença homologatória do plano de insolvência.
Por outro lado, embora a sentença de homologação tenha o efeito de produzir as alterações dos créditos da insolvência introduzidas pelo plano, independentemente de tais créditos terem sido, ou não, reclamados ou verificados (nº1 do art. 217º), ou seja, se a modificação se dá mesmo relativamente aos créditos não verificados ou não reclamados, haverá que atentar-se em que a lei atribui direitos fundamentais aos credores que vejam os seus créditos reconhecidos através de uma sentença de verificação de créditos.
Com efeito, o legislador veio a restringir os efeitos do incumprimento do plano previstos na al. a) do nº1 do art. 218º, “aos créditos reconhecidos por sentença de verificação de créditos ou por outra decisão judicial, ainda que não transitadas em julgado”.
Dispõe, então, o citado art. 218º:
“1 – Salvo disposição expressa do plano de insolvência em sentido diverso, a moratória ou perdão ficam sem efeito:
a) Quanto a crédito relativamente ao qual o devedor se constitua em mora, se a prestação, acrescida dos juros moratórios, não for cumprida no prazo de 15 dias após interpelação escrita pelo credor.
b) Quanto a todos os créditos se, antes de finda a execução do plano, o devedor for declarado em situação de insolvência em novo processo.
2 – A mora do devedor apenas tem os efeitos previstos na al. a) do número anterior se disser respeito a créditos reconhecidos pela sentença de verificação de créditos ou por outra decisão judicial, ainda que não transitadas em julgado.
3 – (…).”
A produção dos efeitos definidos na al. a) do nº1, decorrentes da mora do devedor por incumprimento do plano – perda da moratória ou do perdão concedidos pelo plano, se a prestação acrescida dos juros moratórios não for satisfeita no prazo de 15 dias a contar da interpelação – encontra-se expressamente limitada em relação aos créditos reconhecidos pela sentença de verificação e graduação ou outra decisão judicial, apesar de se exigir que ela haja transitado em julgado[12].
Assim sendo, com a aprovação do plano, não só o credor/reclamante poderá manter o interesse em ver reconhecido o seu crédito, sobretudo se o mesmo for litigioso – quer quanto ao respetivo montante quer quanto à sua categoria em que se insere (comum, privilegiado ou garantido), para cabal esclarecimento do modo como irá ser pago em conformidade com os demais termos estabelecidos no plano –, como, mesmo não se tratando de crédito litigioso (por ter sido reconhecido pelo administrador e não ter sido objeto de impugnação), só se o seu crédito for reconhecido por sentença de verificação se poderá valer dos efeitos previstos na al. a) do nº1 do art. 218º para o caso de mora do devedor.
Ou seja, não só se manterá para o credor reclamante a utilidade geral de reconhecimento judicial do seu crédito (utilidade que poderia, eventualmente, lograr com a propositura de uma nova ação declarativa comum), como a sentença de verificação lhe permitirá o reconhecimento ou exercício de um direito só por essa via alcançável.
Para além do reconhecido interesse para os credores na continuação do processo de verificação, entende-se que o legislador previu e quis o respetivo prosseguimento no caso de no mesmo não ter sido proferida sentença de verificação à data da homologação do plano.
Na sua versão original, o CIRE exigia como requisito para a realização da assembleia de credores convocada para deliberar sobre a proposta de plano de insolvência, a prévia prolação de sentença de verificação e graduação de créditos, exigência que veio a cair com o DL 200/2004, que aprovou o atual Código[13].
Contudo, apesar de a lei atual admitir que a assembleia para aprovação do plano reúna sem que tenha sido proferida a sentença de verificação e graduação de créditos, tal não significa que, aprovado o plano de insolvência sem que a sentença de verificação tenha sido ainda proferida, o legislador tenha, em tais casos, pura e simplesmente, prescindido da prolação da mesma.
Com efeito, o nº3 do art. 209º, na sua redação atual, prevê que o plano de insolvência aprovado antes do trânsito em julgado da sentença de verificação e graduação de créditos deverá acautelar os efeitos da eventual procedência das impugnações da lista de credores reconhecidos ou dos recursos interpostos dessa sentença, de forma a assegurar que nessa hipótese, seja concedido aos credores controvertidos o tratamento devido.
Ou seja, da redação dada pelo legislador ao nº3 do art. 209º, com o DL 200/2004, conclui-se que o mesmo não só admite como pressupõe o prosseguimento do apenso da verificação de créditos após a aprovação do plano até decisão final, independentemente de, à data da sua aprovação, ter sido ou não proferida sentença de verificação e graduação de créditos (pelo menos no caso de existência de impugnações à lista de credores reconhecidos).
3. Se o encerramento do processo por aprovação do plano acarreta, ou não, a extinção do processo de verificação de créditos no caso de neste não ter sido ainda proferida sentença.
De qualquer modo, o facto de a homologação do plano de insolvência não implicar a inutilidade do prosseguimento do processo de verificação de créditos não constituirá, a nosso ver, um óbice ao encerramento do processo de insolvência.
Da conjugação dos artigos 209º, nº2 e 230º, nº1º, do CIRE, retira-se que o plano de insolvência pode vir a ser aprovado e homologado e, em consequência, encerrado o processo de insolvência, sem que tenha sido proferida sentença de verificação de créditos.
Com efeito, o art. 230º do CIRE apenas prevê os factos determinantes do encerramento do processo de insolvência no caso de ele prosseguir após a declaração de insolvência, sem pretender regulamentar as consequências de tal encerramento e o destino dos apensos.
Quanto aos efeitos do encerramento do processo de insolvência, nomeadamente sobre os respetivos apensos e ações que corram na sua dependência, encontram-se antes previstos no art. 233º, distinguindo este entre os feitos gerais do encerramento do processo e os que derivam do encerramento ocorrido antes do rateio final.
Dispõe o nº2 do artigo 233º do CIRE[14], quanto aos efeitos do encerramento do processo de insolvência antes do rateio final:
“2 – O encerramento do processo de insolvência antes do rateio final determina:
(…)
b) A extinção da instância dos processos de verificação de créditos e de restituição e separação de bens já liquidados que se encontrem pendentes, exceto se já tiver sido proferida sentença de verificação de créditos prevista no artigo 140º, ou se o encerramento decorrer da aprovação do plano de insolvência, caso em que prosseguem até final os recursos interpostos dessa sentença e as ações cujos autores assim o requeiram, no prazo de 30 dias.”
Reconhecendo-se que tal norma apresenta uma redação dúbia, e analisando as decisões que têm vindo a ser proferidas sobre tal matéria, encontramos três interpretações distintas sobre a mesma:
- No Acórdão de 29-11-2011[15], deste tribunal e secção, entendeu-se que o encerramento do processo por aprovação do plano de insolvência, não acarreta a extinção do apenso da verificação e graduação de créditos, que deverá continuar até decisão final.
- No Acórdão de 19-02-2013[16], do Tribunal da Relação de Guimarães, considerou-se que o encerramento do processo de insolvência antes do rateio final, importará sempre a extinção da instância nos processos de verificação e graduação de créditos em que não tenha sido proferida sentença;
- No Acórdão de 16-04-2013[17], do Tribunal da Relação de Coimbra, considerou-se que, em tal caso – encerramento do processo de insolvência antes do rateio final sem que tenha sido proferida sentença de verificação –, o prosseguimento das ações de verificação só terá lugar mediante requerimento dos respetivos autores no prazo de 30 dias.
Analisando a atual redação al. c) do nº2 do art. 233º, resultante da alteração que lhe foi introduzida pelo DL 200/2004, de 18 de Agosto, e motivada pela circunstância de se passar a permitir que a assembleia de aprovação do plano se reúna para aprovação do plano de insolvência logo após o termo do prazo para a impugnação da lista de credores – teremos de concluir que a mesma resulta necessariamente de um lapso do legislador.
É a seguinte a versão original da citada al. b), do nº2 do art. 233º do CIRE (aprovado pelo DL nº 53/2004, de 18 de março):
“2 – O encerramento do processo de insolvência antes do rateio final determina:
(…)
b) A extinção da instância dos processos de verificação de créditos e de restituição e separação de bens já liquidados que se encontrem pendentes, excepto se tiver já sido proferida a sentença de verificação e graduação de créditos prevista no artigo 140º, caso em que prosseguem até final os recursos interpostos dessa sentença e as acções cujos autores assim o requeiram, no prazo de 30 dias;”
Antes de mais, há que salientar que se encontram em causa as consequências do encerramento do processo de insolvência, ocorrido antes do rateio final, relativamente a dois tipos de apensos do processo de insolvência[18]: a) verificação e graduação de créditos; b) restituição e separação de bens já liquidados.
Face à referida redação, seria líquido que o encerramento do processo de insolvência antes do rateio final determinaria, em regra, a extinção quer dos processos de verificação de créditos, quer de restituição e separação de bens já liquidados, excecionando o legislador as duas seguintes situações:
a) ter sido já proferida a sentença verificação e graduação de créditos prevista no art. 140º, caso em que prosseguem até final os recursos interpostos dessa sentença;
b) as ações cujos autores assim o requeiram, no prazo de 30 dias.
Ora, pretendendo o legislador, com a nova redação, excecionar o encerramento decorrente da aprovação do plano, submetendo-o a um regime distinto do previsto em geral para os demais casos de encerramento do processo após o rateio final, ao entrelinhar tal exceção “encerramento por aprovação do plano de insolvência” no meio da 1ª exceção aí anteriormente consagrada, entre “ter já sido proferida a sentença de verificação de créditos prevista no art. 140º” e “caso em que os recursos prosseguem até final”, tornou tal norma ininteligível e sujeita às mais diversas interpretações.
É certo que, se já tiver sido proferida sentença de verificação e graduação de créditos, não haverá dúvidas de que, quer o encerramento decorra de outras causas, quer decorra da aprovação de um plano de insolvência, a solução manter-se-á mesma: os recursos dessa sentença prosseguirão até final.
As dúvidas suscitam-se, tão só, no caso de encerramento do processo de insolvência antes do rateio final sem que tenha sido proferida sentença de verificação de créditos.
Face à ausência de clara tomada de posição por parte do legislador, autores há, como Luís Carvalho Fernandes e João Labareda que defendem que “no caso de o processo judicial ter terminado na decorrência de um plano de insolvência, não estando, como é pressuposto, proferida sentença de verificação de créditos, apenas se salvaguarda a continuação das ações pendentes de restituição e separação de bens já liquidados cujos autores assim o requeiram, no prazo de 30 dias[19]”.
Concorda-se com tais autores, na parte em que defendem que a exceção referente às “ações cujos autores assim o requeiram, no prazo de 30 dias”, respeita unicamente à continuação das ações de restituição e separação de bens.
Restar-nos-á, contudo, atribuir algum sentido útil à entrelinhada exceção respeitante ao “encerramento decorrente da aprovação do plano”, e, uma vez que, na hipótese de ter sido proferida sentença de verificação de créditos o respetivo prosseguimento já se encontrava assegurado pela 1ª exceção constante de tal alínea, o aditamento introduzido só pode ter o significado de, com o mesmo, se pretender a continuação do processo de verificação (ou de ação ulterior de créditos) até à decisão final[20], interpretação que melhor se compagina com os efeitos que à sentença de verificação são atribuídos no caso de aprovação de um plano de insolvência.
Concluindo, e não obstando o conteúdo do plano aprovado ao encerramento do processo, restará, tão só, a revogação da decisão na parte em que nela se determina que tal encerramento importa, no caso em apreço, a extinção do apenso da reclamação de créditos.
A apelação será de proceder quanto ao resultado prático pretendido pelas apelantes – obstar à extinção do apenso da reclamação de créditos.
III – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente o recurso, revogando-se a decisão recorrida, apenas na parte em que determina que o encerramento do processo de insolvência importa a extinção do apenso da reclamação de créditos.
As apelantes suportarão apenas ½ das custas devidas pela apelação.

Porto, 15 de Outubro de 2013
Maria João Areias
Maria de Jesus Pereira
Maria Amália Santos
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[1] Tratando-se de decisão proferida antes da entrada em vigor do novo código, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, aplicar-se-á o regime de recursos vigente à data da sua prolação – cfr., neste sentido, António Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina 2013, pág. 15, e João Correia, Paulo Pimenta e Sérgio Castanheira, “Introdução ao Estudo e à Aplicação do Código de Processo Civil de 2013”, Almedina, pág. 118.
[2] A 20.12.2012, ou seja, dois dias depois da referida Assembleia, o credor D…, veio, “ao abrigo do disposto no art. 131º do CIRE” e respondendo aos documentos juntos pelos credores/trabalhadores – cópia do despacho homologatório dos acordos celebrados nos processos pendentes no tribunal de trabalhado – alegar que tendo tal despacho sido proferido já depois da apresentação das reclamações de créditos, “motivo pelo qual não podia o requerente ter do mesmo conhecimento quando impugnou as reclamações apresentadas nos autos, sendo certo que tal facto motivou a impugnação apresentada”.
[3] Carvalho Fernandes e João Labareda, “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, 2ª d., QUID JURIS 2013, pág. 874.
[4] “Código da Insolvência (…), pág. 875.
[5] Com a configuração dada pelo CIRE ao processo de insolvência, pondo fim à dicotomia processo de recuperação/processo de insolvência, e implicando o reconhecimento da situação de insolvência do devedor, sempre e necessariamente, a sua declaração de insolvência, o legislador prevê que os interesses dos credores possam vir a ser satisfeitos por duas formas distintas: a) Liquidação do património do devedor insolvente e repartição do respetivo produto pelos credores, em conformidade com o determinado na sentença de verificação e graduação de créditos. b) Satisfação dos direitos credores pela forma prevista no plano de insolvência aprovado pelos credores no âmbito do processo, passando nomeadamente pela recuperação da empresa compreendida na massa insolvente.
[6] “O Regime Português da Insolvência”, 2012, 5ª ed., Almedina, págs. 146 e 147.
[7] Obra citada, págs. 875 e 876, pontos 7 e 8.
[8] Obra citada, pág. 876, ponto 8.
[9] Ou, como afirma Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, “em princípio, o encerramento do processo apenas ocorrerá no caso de o plano de insolvência se traduzir em medidas de recuperação da empresa insolvente, dado que, se este consistir antes num meio alternativo de liquidação, o processo não poderá ser encerrado” – “Direito da Insolvência”, Almedina 2009, pág. 292; em igual sentido, cfr. igualmente, E. Santos Júnior, “O Plano de Insolvência. Algumas Notas”, in “O Direito”, Ano 138, III, pág. 589, nota 49. A tal respeito se pronunciam ainda Ana Prata, Jorge Morais Carvalho e Rui Simões: “Como regra, a homologação de um plano de insolvência tem como efeito o fim do processo. Mas, apesar do encerramento, o plano pode prever que a sua execução consista numa forma de liquidação da massa – ou de parte dela –, que, não se regendo exatamente pelas regras gerais do CIRE, implique o prosseguimento do processo” – “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, Anotado”, Almedina 2013, pág. 634.
[10] Como consta da pág. 69 do Plano, “Em síntese, o pagamento aos credores é feito por recurso a capitais próprios, obtidos por rendimentos gerados pela manutenção em atividade da empresa, reestruturado o seu passivo e prevenidas as ruturas de tesouraria”.
[11] Como expressamente reconhecem Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, embora por outros motivos que referiremos mais adiante, acabem por concluir que o legislador não terá consagrado a possibilidade do prosseguimento do apenso de verificação – obra citada, pág. 888, ponto 11.
[12] Cfr., neste sentido, Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, defendendo ainda tais autores que se tiver sido proferida sentença de verificação e graduação de créditos transitada em julgado, só ela releva, não podendo ser invocados créditos nela não contemplados, para efeitos da referida norma: “É este, com efeito, um corolário que se extrai da interseção de dois vetores fundamentais: o ónus da reclamação de créditos (ex vi do art. 128º), só temperado pela possibilidade de o administrador da insolvência reconhecer, motu proprio, créditos que constem dos elementos da contabilidade do devedor, ou sejam por outra forma do seu conhecimento (art. 129º, nº1), e a eficácia do caso julgado” - Obra citada, pág. 844, ponto 13.
[13] Na redação inicial do CIRE, aprovado pelo DL nº53/2004, de 18 de março, o nº2 do art. 209º previa que tal assembleia não se poderia reunir “antes de proferida sentença de verificação de créditos e de esgotado o prazo para a interposição de recursos desta sentença”, norma que veio a ser alterado pelo DL 200/2004, de 18 de Agosto, de modo a permitir que a assembleia de aprovação do plano se reúna para aprovação do mesmo logo após o termo do prazo para a impugnação da lista de credores.
[14] Na redação do DL 200/2004, de 18 de Agosto, que se encontra ainda atualmente em vigor.
[15] Acórdão relatado por Fernando Samões, segundo o qual, a al. b) do nº2 do citado art. 233º consagra precisamente como exceção à regra da extinção da instância do processo de verificação de créditos o facto de “o encerramento decorrer da aprovação do plano de insolvência”, sendo “lícito presumir que, ao consagrar a referida exceção, quis a continuação do apenso de verificação de créditos até à decisão final”.
[16] Acórdão relatado por Paulo Barreto, que adota a interpretação de que a ressalva introduzida pelo DL 200/2004, de 18 de Outubro, quanto à hipótese de encerramento pela aprovação de um plano de insolvência, diz respeito tão só às ações de restituição e separação de bens.
[17] Acórdão relatado por Freitas Neto, e ainda no mesmo sentido, Ac. do TRG de 04-06-2013, ambos disponíveis no site da DGSI.
[18] E quer os mesmos respeitem ao apenso da reclamação de créditos e de restituição de bens processado nos termos previstos no art. 140º e ss., quer se processem através da ação ulterior autónoma, prevista no art.146º.
[19] Segundo tais autores, “embora se possam invocar razões substantivas para justificar o interesse na prolação da sentença de verificação, como meio de estabilização do passivo do devedor, certo é também que outros motivos há que desaconselham semelhante opção, que poderia, em diversas situações, perturbar a execução do próprio plano aprovado e homologado” - Obra citada, pág. 888, nota 11, ao artigo 233º. Ora, contra tal argumentação sempre se dirá não se atingir em que medida a sentença de verificação poderá perturbar a execução do plano, quando, em caso de homologação prévia de um plano de recuperação, aquela sentença deverá ser adaptada quanto aos seus objetivos, limitando-se a verificar os créditos reclamados e a qualificá-los dentro de cada uma das categorias previstas no CIRE (como comuns, privilegiados, garantidos ou subordinados), sem proceder à respetiva graduação, esta sim, tornada inútil, uma vez que a satisfação dos credores será feita não através da liquidação da massa, mas de acordo com o modo descrito no plano.
[20] No sentido de que a letra da lei, aparentemente, permite também o prosseguimento das ações de verificação ulterior de créditos, se pronunciam Ana Prata, Jorge Morais Carvalho e Rui Simões, sem que adiantem, contudo, qualquer novo argumento à discussão gerada à volta da interpretação de tal norma – “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, Almedina 2013, pág. 645.
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IV – Sumário elaborado nos termos do art. 713º, nº7, do CPC.
1. O trânsito em julgado da decisão homologatória do plano de insolvência só não determina o encerramento do processo quando do plano resulte a existência de bens a liquidar e de pagamentos a efetuar no âmbito do processo de insolvência.
2. Não prevendo a liquidação de quaisquer bens a efetuar no processo de insolvência, o facto de à sua data não ter sido proferida sentença de verificação de créditos não obsta ao encerramento do processo por aprovação do plano.
3. A homologação de um plano de insolvência não importa a inutilidade do processo de verificação de créditos ou das ações ulteriores de créditos: a sentença de verificação a proferir continua a manter interesse como meio de estabilização do passivo do devedor, servindo como título executivo juntamente a sentença de homologação de um plano de insolvência, e ainda para efeitos de incumprimento do plano.
4. O encerramento do processo de insolvência por aprovação do plano não acarreta a extinção da instância do processo de verificação e graduação de créditos (nem das ações ulteriores de créditos), devendo prosseguir até final, ainda que não tenha sido proferida sentença de verificação.

Maria João Areias