Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0622843
Nº Convencional: JTRP00039720
Relator: MARQUES DE CASTILHO
Descritores: LIVRANÇA
AVAL
Nº do Documento: RP200611140622843
Data do Acordão: 11/14/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: LIVRO 231 - FLS. 187.
Área Temática: .
Sumário: I- O facto de a letra (livrança) ser um título formal, cuja eficácia está dependente do preenchimento de certos requisitos, não torna o acordo de preenchimento também um negócio formal.
II- No domínio das relações imediatas, se a livrança foi preenchida pelo primeiro adquirente e é este que reclama o pagamento, pode-lhe ser oposta a excepção de preenchimento abusivo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

Relatório

Os opoentes/executados
B…………. e C……………..
vieram deduzir oposição à execução nos termos do artigo 813º do Código Processo Civil, como serão todas as outras disposições legais infra citadas de que se não faça menção especial que é movida por
D……………… SA
na qual são executados além dos opoentes
E………………… Ldª
F…………………..
G………………….
tendo alegado que o aval por si aposto na livrança dada à execução foi em branco, sem qualquer quantia ou data nela mencionada, não tendo dado qualquer autorização para o seu preenchimento, razão pela qual a mesma é nula por ter sido preenchida abusivamente.

Os executados limitaram-se a apor as suas assinaturas no lugar de subscritores e avalistas sendo todos os dizeres constantes dos títulos (data de preenchimento, data de vencimento e valor da livrança) omitidas aquando da aposição da assinatura que foi contemporânea do financiamento tendo sido firmado um contrato de preenchimento por via do qual, aqueles autorizavam o banco exequente a completar as livranças aquando do vencimento, sem pagamento, do financiamento referido e que o Banco exequente não foi autorizado pela executada ou por qualquer dos avalistas a preencher as livranças por qualquer valor não sendo os constantes dos títulos os devidos e igualmente não tendo o Banco apesar de solicitado a dar resposta sobre tal preenchimento (artigo 7º da p.i.e documento junto) dado qualquer resposta o que foi obtido do Banco de Portugal onde refere ser credor de Euros 3 936 e de 178 177 à data de 17/01/2006 cfr. Doc. nº 2.
O Mmº Juiz do Tribunal a quo proferiu decisão na qual por manifestamente improcedente e ao abrigo do disposto no artigo 817º nº 1 alínea c) indeferiu liminarmente a mesma.
Inconformados vieram os executados supra melhor identificados interpor o pressente recurso tendo para o efeito nas alegações oportunamente apresentadas aduzido a seguinte matéria conclusiva que passamos a reproduzir:
1. Foi alegado que as livranças ajuizadas foram avalizadas em branco, sem que delas constasse o valor prometido pagar e hoje ajuizado (por contrato de preenchimento assinado pela principal obrigada e pelos avalistas).
2. Foi, outrossim, alegado que a devedora principal das livranças não deve a quantia ajuizada mas, outra inferior.
3. Foi alegado que os avalistas e a devedora principal jamais foram interpelados quer do vencimento da obrigação subjacente, quer da própria livrança ou
4. que também as livranças tivessem sido apresentadas a pagamento a qualquer dos executados.
5. É permitido ao avalista, tal como ao fiador, usar de todos os meios de defesa, não só próprios como também aqueles que competem ao devedor principal (art. 637º do C. Civil).

6. "Até porque a obrigação do avalista é subsidiária de outra obrigação cambiária ou da obrigação de outro signatário" (art. 32º de LULL).
7. E assim sendo, permitido é ao avalista alegar que a divida subscrita pela executada principal ao abrigo de um contrato de preenchimento, não é devida, pelo que a sua cobrança constituiria um enriquecimento à custa do avalista, sem causa, o que obriga o Banco exequente a restituir aquilo com que injustamente se pretende locupletar (art. 473º do C. Civil).
8. E por tal razão é que é permitido ao empobrecido reagir através desta acção ao indevidamente pedido (art. 474º e 475º do C. Civil), sob pena de não haver lugar à restituição por enriquecimento.
9. Nas obrigações pecuniárias a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora e os apelantes só ficam constituídos em mora depois de terem sido judicial ou extrajudicialmente interpelados para cumprir - o que só acontece com a citação para a acção, pelo que os juros quer da obrigação principal, quer da obrigação cambiaria, apenas serão devidos a partir desta citação (art. 806º e 805º do C. Civil).
10. O Senhor Juiz a quo não se pronunciou sobre esta questão, pelo que ocorre nulidade da sentença, alínea d) do n° 1 do art. 668º do CPC.
Termina pedindo que para além de ser nula deve a decisão ser revogada por ofensiva dos citados preceitos legais.
Após o envio a este Tribunal foram na conformidade do estatuído no artigo 700º solicitadas peças processuais, sob a forma de certidão relativas ao processo executivo que se mostram de relevância para o conhecimento do mérito dos autos que se mostram juntas a fls. 39 a 45 inclusive.
Não foram apresentadas contra alegações.
Mostram-se colhidos os vistos legais dos Exmºs Juízes Adjuntos pelo que importa decidir.
THEMA DECIDENDUM
A delimitação objectiva do recurso é feita pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal decidir sobre matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam do conhecimento oficioso, art. 684 nº3 e 690 nº1 e 3.

Qualificação do recurso
Na conformidade do estatuído nos artigos 817º alínea c) com referência ao artigo 234-A nº1 e 2 o recurso do despacho proferido é de agravo e não de apelação o que neste acto se corrige de acordo com o disposto no artigo 700º nº 1 alinea b).
Das conclusões dos recorrentes, transcritas no antecedente relatório constata-se que estes pretendem questionar, na oposição que deduziram,
A) a exequibilidade das livranças garantia a que deram o respectivo aval pelo integral cumprimento do contrato de financiamento de crédito celebrado com a executada sociedade, tendo as mesmas sido avalizadas em branco sem que delas constasse o valor prometido pagar e ajuizado
B) O seu montante por inferior e falta de interpelação para o pagamento
C) O montante de juros peticionados quer da obrigação principal quer da cambiária e momento de exigibilidade existindo omissão de pronuncia sobre tal matéria na decisão proferida.

DOS FACTOS E DO DIREITO
A matéria de facto de relevância para a decisão é a que se mostra retratada supra e que não foi colocada em causa pelo que para a mesma se remete.
Vejamos.
O processo de oposição à execução é no fundo e na essência um processo de declaração tendente a verificar se o direito de crédito, expresso formal e abstractamente no título executivo, existe na realidade.
O processo de embargos é destinado a contestar o direito do exequente, quer impugnando a própria exequibilidade do título, quer alegando factos que em processo declarativo constituiria matéria de excepção.(1)
Se a acção executiva se fundar em título diferente da decisão judicial, em princípio, admite-se amplamente a defesa do executado: este pode invocar qualquer fundamento de oposição à pretensão do exequente, com a mesma amplitude como poderia defender-se na acção declarativa, em que se discutisse a existência da titularidade do direito de que aquele se arrogue - art. 816º
Os embargos de executado traduzem-se numa acção declarativa de simples apreciação negativa.
Conforme se decidiu em Acórdão do STJ in CJ-1996-1-102 “ … embora os embargos de executado revistam natureza de uma acção declarativa de simples apreciação negativa, o ónus de prova, ao contrário do que naqueles acontece, impende sobre o autor (embargante/executado).”
Tal inversão do ónus da alegação e prova deve-se ao facto de ser mais fácil provar a existência de um direito ou de um facto, apontando para determinada causa específica de um ou de outro, do que se demonstrar a sua inexistência, eliminando todas as causas possíveis da sua produção.
Assim, dada a natureza de dependência funcional dos embargos relativamente à execução, ao embargante/executado cabe o ónus de alegar e provar os fundamentos da causa de pedir do seu pedido, nomeadamente os factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do exequente/embargado pelo que à semelhança das petições do processo comum, também o embargante deve expor as razões de facto e de direito que fundam a sua pretensão.
No que respeita à matéria de facto integradora dos requisitos legais de que depende a procedência dos embargos, o ónus geral de alegação, consta do art. 3º nº 1º e, principalmente, do art. 264 nº 1, não podendo o tribunal substituir-se ao embargante a não ser na atendibilidade de factos instrumentais que resultem da instrução e discussão sendo por outro lado, o dever de investigação que a lei, processual comete ao juiz apenas limitado à matéria de facto subjacente ao litígio - art. 664 do CPC.
Ora, verifica-se que na petição inicial dos embargos, os embargantes/avalistas alegam para além de que se trata de uma livrança “em branco” que o valor reclamado é o correspondente ao que lhes terá sido informado conforme documento nº 2 do Banco de Portugal e não o peticionado.
Analisada a petição, verifica-se que efectivamente os embargantes alegam em que se traduz concretamente também esse preenchimento abusivo.

Podendo embora, existir a livrança em branco sem ter havido contrato de preenchimento, quando este último ocorra, o preenchimento tem de fazer-se nos limites e termos ajustados.
Na verdade, o contrato de preenchimento é o acto pelo qual as partes ajustam os termos, em que deverá definir-se a obrigação cambiária, tais como a fixação do seu montante, as condições relativas ao seu conteúdo, o tempo do vencimento, a sede do pagamento, a estipulação de juros, etc. (cf. Abel Pereira Delgado - LULL, 3ª ed. pag. 58).
O preenchimento da letra (livrança) em branco, condição imprescindível para que possam verificar-se os efeitos normalmente resultantes das letras (livranças), faz-se de harmonia com o chamado contrato de preenchimento, que pode ser expresso (nos termos convencionados pelas partes) ou tácito (de acordo com as cláusulas do negócio determinante da sua emissão) – cf. Pinto Furtado -Títulos de crédito-145 e Abel Pereira Delgado – op. cit.-58 e Ac. RP-Jur.Rel., 14, 654.(2)
O pacto de preenchimento de livrança entregue em branco não é necessariamente um negócio formal.
O facto de a letra (livrança) ser um título formal, cuja eficácia está dependente do preenchimento de certos requisitos, não torna o acordo de preenchimento também um negócio formal.
É de supôr e aliás foi alegado igualmente que a livrança foi entregue em branco, foi acordado o seu preenchimento e se porventura como se disse esse preenchimento foi abusivo torna-se fundamental alegar em que consistiu esse preenchimento, tal como minimamente, salvo o devido respeito o fizeram os embargantes que evidenciam ter intervindo em tal pacto de preenchimento.
Impõe-se assim que os embargantes aleguem e demonstrem qual foi o acordo realizado, visando o preenchimento da livrança entregue em branco, para mediante a matéria provada se poder concluir pela violação ou não desse acordo.
Tal alegação, como vimos, pertence aos embargantes, pois, como decidiu no STJ (Ac. de 28.05.96-BMJ-457) “na acção executiva, a alegação, e prova dos factos respeitantes ao preenchimento abusivo da letra deve ser feita nos embargos de executado (arts. 812 e segts do CPC)”.
Ora o que se verifica ainda é que os embargantes são avalistas nas referidas livranças relativamente ao contrato de financiamento de crédito que foi estabelecido pelo exequente e pela executada empresa.
E relativamente ao mesmo contrato alegam como se disse ter firmado o contrato de preenchimento por via do qual “aqueles autorizavam o banco exequente a completar as livranças aquando do vencimento, sem pagamento do financiamento referido”.
O título de livrança no caso representa a subscrição e oferecimento pelo beneficiário da concessão de financiamento do crédito, de uma garantia em favor da entidade que lhe faculta o mesmo, título esse que sendo em branco, apenas torna efectiva aquela garantia para a entidade, com o seu completo preenchimento, nomeadamente do quantitativo em dívida, passando, então, tal documento a revestir a natureza de título cambiário - arts. 75º a 77º da LULL.
Fundando-se a execução, de que os presentes embargos constituem oposição, na livrança subscrita pelos executados/embargantes, como avalistas é manifesta a natureza cambiária do referido processo executivo, em que a inaplicabilidade dos princípios da literalidade e da abstracção, imanentes aos títulos de crédito, apenas pode ter lugar no domínio das relações imediatas - arts. 17º, 47º, 48º e 77º da LULL.
Temos, pois, que, na situação em análise, o aludido contrato de financiamento de crédito foi objecto de uma dupla garantia, constituída, por um lado, pela subscrição de livranças de caução ou garantia, enquanto que, por outro lado, esta subscrição cambiária foi, por seu turno, igualmente garantida através do aval prestado pelos mesmos.
Dispõe o art. 10º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças (aplicável às livranças por força do art. 77º da mesma LULL) que "se uma letra incompleta no momento de ser passada tiver sido completada contrariamente aos acordos realizados, não pode a inobservância desses acordos ser motivo de oposição ao portador, salvo se este tiver adquirido a letra de má fé ou, adquirindo-a, tenha cometido uma falta grave".

A análise desta norma permite extrair a ilação de que, mesmo antes de preenchida a letra em branco(3), ou, no mínimo, no momento do seu preenchimento(4) se constitui a correspondente obrigação cambiária de quem a subscreveu.
Assim sendo, o fundamento da acção destinada a accionar a livrança em branco (depois de preenchida) é o próprio título, com as assinaturas dos sujeitos dela constantes.(5)
Em consequência, a execução instaurada pelo embargado, porque exclusivamente baseada na livrança devidamente assinada pelos embargantes no lugar destinado ao aval, reveste, sem dúvida, a natureza de acção cambiária.
Sendo, por isso, absolutamente alheia à execução - e, nessa medida irrelevantes - as denominadas obrigações causais, isto é, as relações extracartulares eventualmente celebradas entre os sujeitos que figuram no título.
Certo que nos casos da livrança em branco podem os demandados opor ao exequente a inobservância do acordo de preenchimento, contanto que este o haja desrespeitado.
Donde resulta que nas relações imediatas - como aqui acontece - se a livrança foi preenchida pelo primeiro adquirente e é este quem reclama o pagamento, lhe pode sempre ser oposta a excepção de preenchimento abusivo.(6)
Importa a este propósito citar o Acórdão de 27/6/2006 in www.dgsi.trp.pt. desta Secção doutamente lavrado pelo Exmº Relator Mário de Sousa Cruz que passamos a reproduzir numa situação em tudo análoga aquela que é objecto dos presentes autos e que é do seguinte teor citando o Prof. Fernando Olavo:
“(...) O título de crédito abstracto (leia-se aqui, a livrança) tem necessariamente não uma mas duas causas – uma causa próxima e uma causa remota: Causa remota é o negócio jurídico fundamental, subjacente ou causal, isto é, aquele negócio que dá lugar à emissão do título de crédito. Causa próxima é a convenção executiva, a qual muitas vezes se encontra implícita (...) Pode definir-se a condição executiva como sendo a convenção pela qual as partes do negócio jurídico fundamental concordam em que se emita um título de crédito.(...)
Nos títulos abstractos os direitos neles integrados vivem independentemente da causa o que não quer dizer que esta jamais possa ser invocada. O negócio jurídico causal pode ser invocado nos mesmos termos em que entre as mesmas partes podem ser invocados os direitos decorrentes de vários negócios que tenham celebrado.”
Deriva daí que os intervenientes originários num título de crédito podem opor entre si qualquer excepção que tenha como suporte a relação jurídica subjacente. (carregado nosso)
No entanto, quando introduzidos no comércio jurídico e em poder de terceiros, isto é, quando à relação cartular deixe de corresponder a relação causal que lhe serviu de fonte, os dizeres do título tornam-se válidos por si mesmos, e a sua razão de ser executiva é a de impedir que os obrigados na relação cartular possam opor ao portador legítimo qualquer excepção de direito material fundadas em relações pessoais delas com o sacador ou portador anterior que visasse exonerá-los. A única excepção admitida na lei, é apenas a de que, ao tornar-se portador do título, esse novo portador tivesse actuado conscientemente em detrimento do devedor.”
É alias o que ressalta inequivocamente do art. 17.º da LULL, aplicável às livranças, de acordo com o disposto no art. 77.º da mesma Lei.
E assim sendo o que se verifica na decisão em apreciação é com o devido respeito um entendimento diferente e que se nos afigura não ser o próprio por não estar de acordo com o que vem de ser exposto em doutrinação.
E prossegue no mencionado e citado Acórdão “Na verdade, o portador legítimo de uma livrança tanto pode ser aquele que nela tem o lugar de beneficiário da mesma, como aquele que estando na posse dela, justifica a sua posse, através de uma série interrupta de endossos.- art. 16.º da LULL
Se o portador da livrança for o beneficiário originário e o avalista for o da relação causal, está-se no domínio das relações imediatas, tornando possível a discussão das excepções que poderiam opor-se ao devedor avalizado, porque não se saiu da relação jurídica subjacente que deu origem ao título.

Se no entanto o portador da livrança for já um terceiro interveniente (a quem a livrança foi endossada directamente pelo anterior beneficiário ou que se mostre justificada a respectiva posse por uma série ininterrupta de endossos), não poderá ser deduzida qualquer excepção de direito material assente nas relações pessoais dos obrigados com os anteriores sacadores ou portadores, porque, deixando de haver correspondência entre a relação causal e a relação cartular, torna-se essencial para segurança do comércio jurídico, assegurar a validade do título, nas suas dimensões de completa literalidade, abstracção e autonomia. É aí que assenta a ratio legis do art. 17.º da LULL.
É certo que por vezes se vê escrito, como na decisão recorrida, (tal qual como nesta objecto do presente recurso) que entre o portador da Livrança e o avalista do subscritor, a relação existente é uma relação mediata, por se intrometer formalmente o avalizado.
A primeira parte dessa afirmação até pode ser verdade, como acima deixamos ressalvado, quando, por exemplo, o portador da livrança não é o originário beneficiário desta, e resolveu endossá-la, mas já não será assim quando o portador da livrança continua a ser o tomador originário ou retomou a livrança depois de uma série ininterrupta de endossos. (carregado nosso)
O que não pode aceitar-se é que, não saindo o título das relações dos primitivos intervenientes, não possa o avalista do subscritor (que é responsável da mesma maneira que o afiançado, nos termos do art. 32.º-1.ª parte da LULL), opor ao primitivo credor qualquer excepção de direito material, fundada sobre as relações pessoais que este pudesse opor no negócio subjacente.
Em face do exposto, e salvo o devido respeito, não se mostra sempre correcta a afirmação de que, pelo facto de entre o avalista do subscritor de uma livrança e o tomador desta existir na relação cartular o avalizado subscritor, que se esteja, por esse simples facto, no domínio das relações mediatas entre aqueles:
Vale aqui o sustentado, por exemplo, no Ac. do STJ de 3 de Julho de 2000, Col. Jur. Acs. STJ, ano VIII, tomoII-2000, pg. 140, Ribeiro Coelho, Garcia Marques e Ferreira Ramos, onde se escreveu que cabe no domínio das relações imediatas de uma livrança a relação “entre o subscritor da promessa de pagamento e o respectivo beneficiário, ou entre este e a pessoa a quem a endosse, ou entre esta e o subsequente endossado. Mas, serão igualmente imediatas as relações entre (...) o avalista do subscritor e o beneficiário, visto que as suas obrigações, independentemente dos avalizados, têm como primeiro credor o interveniente cambiário que assim se lhes opõe.”
É claro que esta excepção de preenchimento abusivo, como facto impeditivo do direito do exequente, tem que ser alegada e provada por quem a deduz como aliás já supra tivemos oportunidade de referir constituindo, por isso, entendimento praticamente uniforme do STJ, o de que "é ao embargante que cabe alegar e provar os termos do acordo de preenchimento e a desconformidade do completamento da livrança (ou da letra) em relação a esse acordo".(7)
Aliás, perante a doutrina do Acórdão Uniformizador deste STJ de 14/05/96, relativo aos cheques, razão não se vislumbra para que se não siga a mesma orientação relativamente às letras.(8)
É assim, aos avalistas, embargantes da execução e ora recorrentes, que incumbe o ónus de provar o preenchimento abusivo por parte da exequente tal como pretende mas cujo direito através do despacho tal como se encontra proferido lhes é vedado.
Em face do exposto, podem os embargantes, avalistas da subscritora das livranças, deduzir oposição à execução que lhe foi movida pelo tomador, quando este seja ou continue a ser o beneficiário originário da livrança, mantendo-se a mesma identidade da relação causal, subjacente o que manifesta e inequivocamente é o caso dos autos.
Face ao exposto, tem o despacho proferido que ser revogado importando por consequência a sua substituição por outro em que se ordene o recebimento dos embargos deduzidos por forma a determinar o seu ulterior conhecimento ficando deste modo prejudicadas as demais conclusões recursivas elencadas.

DELIBERAÇÃO

No provimento do agravo, revoga-se a decisão recorrida que indeferiu liminarmente a oposição à execução, ordenando-se a sua substituição por outro despacho onde se dê continuidade aos autos.
Sem custas.

Porto 14 de Novembro de 2006
Augusto José Baptista Marques de Castilho
Maria Teresa Montenegro V. C. Teixeira Lopes
Emídio José da Costa
_________________
(1) Lopes Cardoso (Manual de Acção Executiva-3ª ed.-275),
(2) Cf. Pinto Furtado -Títulos de crédito-145 e Abel Pereira Delgado – op. cit.-58 e Ac. RP-Jur.Rel., 14, 654.
(3) Mário de Figueiredo, in RLJ Ano 55º, pag. 242; Gonçalves Dias, in "Da Letra e da Livrança", vol. IV, pag. 420.
(4) Pinto Coelho, in "Lições de Direito Comercial", vol. II, Lisboa, 1943, pag. 31.
(5) (3) Abel Pereira Delgado, in "Lei Uniforme sobre Letras e Livranças Anotada", 6ª edição, Lisboa, 1990, pag. 155.
(6) Ferrer Correia, in "Lições de Direito Comercial", Reprint, Lisboa, 1994, pag. 484.
(7) Ac. de 06/04/2000, no Proc. 48/00 da 2ª secção (relator Dionísio Correia). No mesmo sentido, apenas como referência, os Acs. de 23/09/98, no Proc. 576/98 da 1ª secção (relator Ferreira Ramos); de 11/04/2000, no Proc. 225/2000, da 1ª secção (relator Tomé de Carvalho); de 06/06/2000, no Proc. 428/00 da 1ª secção (relator Martins da Costa); e de 10/01/2002, no Proc. 3980/01 da 7ª secção (relator Araújo Barros).
(8) Publicado no DR-A-1ªSerie de 11/07/96, com a seguinte formulação: "em processo de embargos de executado é sobre o embargante, subscritor do cheque exequendo emitido com data em branco e posteriormente completado pelo tomador ou a seu mando que recai o ónus de prova da existência de acordo de preenchimento e da sua inobservância".