Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
80/10.0PTPRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EDUARDA LOBO
Descritores: CONVERSÃO DA MULTA EM PRISÃO
NOTIFICAÇÃO PESSOAL
Nº do Documento: RP2011121480/10.0PTPRT-A.P1
Data do Acordão: 12/14/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: A notificação ao arguido do despacho que converte a pena de multa em prisão subsidiária deve ser efetuada por contacto pessoal.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 80/10.0PTPRT-A.P1
1ª secção

Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO
No âmbito do Processo Comum com intervenção do Tribunal Singular que corre termos no 4º Juízo Criminal de Matosinhos, o arguido B… foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez p. e p. no artº 292º do Cód. penal na pena de 95 dias de multa à taxa diária de € 7,00.
Tendo-se frustrado as tentativas para proceder à notificação pessoal do arguido do despacho que converteu a pena de multa em prisão subsidiária, o Mº Público promoveu que o mesmo fosse notificado “através de via simples, para a morada constante do TIR ou outra que este tenha comunicado aos autos”.
Por despacho proferido a 06.09.2011 foi indeferida aquela promoção.
Inconformado o Mº Público interpôs o presente recurso, extraindo das respectivas motivações as seguintes conclusões:
1. No despacho recorrido, foi recusada a notificação do arguido, por via postal simples, do despacho que determinou a conversão da pena de multa em prisão subsidiária, com fundamento na extinção do TIR, e das obrigações dele decorrentes, após o trânsito em julgado da sentença, conforme prescrito pelo artº 214º nº 1 al. e) do Código de Processo Penal;
2. Não obstante o teor literal desta norma, “uma boa interpretação da lei [é aquela] que, numa perspectiva prático-normativa, utiliza bem a norma como critério de justa decisão do problema concreto” (Castanheira Neves). Não ponderar nas consequências práticas é tornar a interpretação jurídica um mero jogo teórico sem utilidade social, não ponderar nos valores constitucionais é torná-la uma “ordem” sem sentido de justiça material;
3. Nesta perspectiva, dever-se-á defender que a ratio do artº 214º nº 1 al. e) do Código de Processo Penal não é extensível à forma de notificação postal simples prevista no artº 196º nº 2 do Código de Processo Penal, uma vez que:
- o TRI é inerente à posição de arguido, a qual não se extingue até ao arquivamento do processo – artº 57º nº 2 do Código de Processo Penal (Souto Moura);
- ou essa forma de notificação é comum ao arguido e a outros sujeitos processuais, não tendo qualquer conteúdo coactivo e não fazendo parte, por isso, do TIR enquanto medida de coacção (Ac. do TRP de 06/04/2011, proferido no proc. 53/10.3PBMTS-A.P1);
4. Esta é solução imposta pela “normatividade jurídica vigente”:
- se antes da sentença, o TIR é, do ponto de vista dos direitos do arguido, admissível, apesar de poder redundar na condenação ou sofrimento de uma pena mais gravosa, por maioria de razão deve-o ser depois do respectivo trânsito em julgado, especialmente quando se trata de um despacho de aplicação ope legis, que não altera a natureza da pena de multa de cuja sentença condenatória a arguida tem conhecimento pessoal;
- está longe de não salvaguardar os direitos de defesa e do contraditório do arguido, uma vez que o “não conhecimento pelo arguido do acto notificado nestas situações é imputável ao próprio arguido” (Ac. do Tribunal Constitucional 17/2010), “sobre o qual impende um dever geral de diligência [Ac. TC 545/2006; 378/2003; 111/2007]” em ordem a conferir funcionalidade aos seus direitos e deveres (Ac. do TRP de 02/03/2011, proferido no proc. 230/07.4GBLMG.P2);
- e opera a ponderação mais razoável (artº 18º nº 2 da CRP), entre os direitos de defesa do arguido (artº 32º nº 1 da CRP) e a existência de uma administração de justiça penal eficaz, base da existência de um Estado de Direito (artº 2º da CRP);
5. Outra perspectiva:
- tutela apenas a irresponsabilidade dos arguidos, na melhor das hipóteses, ou a fuga consciente à aplicação das penas a que foi condenado, na pior;
- e coloca em causa a eficácia da administração da justiça penal, revelada in casu pela impossibilidade de execução de uma mera pena de multa de 40 dias (?) há mais de um ano e meio;
6. A doutrina consagrada no AUJ 6/2010 exige, a latere, a sua aplicação à notificação do despacho que converteu a pena de multa em prisão subsidiária, especialmente porque, do ponto de vista do exercício dos direitos de defesa do arguido, são mais importantes as notificações no âmbito de execução da pena de prisão suspensa, do que as notificações no âmbito da execução da pena de multa;
7. Nestes termos, a decisão recorrida, não procedendo a uma interpretação restritiva do artº 214º nº 1 al. e) do Código de Processo Penal, violou o disposto nos artºs. 57º, nº 2, 196º nº 1 e 204º do Código de Processo Penal.
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Devidamente notificado, o ilustre defensor do arguido não respondeu às motivações de recurso.
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Neste Tribunal da Relação o Sr. Procurador-Geral Adjunto limitou-se a apor o seu visto.
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Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
É o seguinte o teor do despacho recorrido: (transcrição)
«A promoção do Ministério Público visa aplicar às formalidades da notificação do despacho que converteu a pena de multa em prisão subsidiária a mesma tese que fez vencimento no Ac. de Fixação de Jurisprudência nº 6/2010.
Ou seja, entendendo-se que as obrigações resultantes do TIR se mantêm para além do trânsito em julgado da sentença, pretende-se que a notificação do condenado se realize por via postal simples, nos termos do disposto no artº 113º nº 1 al. c) e 196º nº 2 e 3, al. c).
É certo que a situação sobre a qual versou o aludido Acórdão – notificação do despacho que procede à revogação da suspensão da pena de prisão – é semelhante à que se discute nos presentes autos – notificação de despacho que procede a conversão de pena de multa em pena de prisão subsidiária.
É também certo, tal como consta da douta promoção, que permitir a notificação por via postal simples do despacho de revogação da suspensão da pena de prisão será mais “ofensivo” que a notificação do despacho que converte a pena de multa em prisão subsidiária. Pelo que, se quem pode o mais, pode o menos, não se anteveriam entraves à aplicação daquela jurisprudência ao presente caso, analogicamente.
Mas, não obstante as semelhanças, a verdade é que o thema decidendum no presente processo é distinto do daquele Acórdão, pelo que a decisão que resolveu o conflito de jurisprudência não é aqui aplicável com a força de jurisprudência fixada.
E ainda que o fosse, tal precedente não seria vinculativo, como decorre claramente do artº 445º nº 3 do CPP.
Ora, concedemos que a solução promovida pelo Ministério Público apresenta notórias vantagens a nível prático, promovendo a efectiva aplicação da Justiça e a afirmação do Estado de Direito. Mas reconduz-se também a uma interpretação contra legem que bule com os direitos ao contraditório e à defesa constitucionalmente consagrados no artº 32º da CRP.
Na verdade, a possibilidade de subsistência do TIR para além do trânsito em julgado da sentença condenatória esbarra, inevitavelmente, com a redacção clara do artº 214º nº 1 al. e) do CPP, nos termos da qual as “medidas de coacção extinguem-se de imediato (…) com o trânsito em julgado da sentença condenatória”.
Incluindo-se o TIR entre as medidas de coacção legalmente previstas, e não constando da lei qualquer ressalva à referida extinção, como sucede, com o caso da caução no nº 4 do citado preceito, impossível se torna aderir à tese promovida.
Assim, inexistindo, porque extinto, o TIR, impossível se torna a notificação por via postal simples por aplicação conjugada dos arts. 113º nº 1 al. c) e artº 196º nº 3 al. c) do CPP.
Podemos concordar que o arguido mantenha tal qualidade depois de ter sido condenado, como bem aponta o Acórdão de Fixação de Jurisprudência e a promoção em apreço. Mas tal circunstância em nada impede a referida extinção do TIR, e das obrigações dele decorrentes, após o trânsito em julgado da sentença, imposta pelo art. 214º nº 1 al. e) do CPP.
Mais se diga que no presente caso não é defensável a existência – duvidosa e contestada nos votos de vencido lavrados no Acórdão – de uma “condenação mediata” (o segmento que condena na pena de prisão principal) que por estar condicionada não transita em julgado e permite a subsistência do TIR para além do trânsito em julgado da “condenação imediata” (parte da sentença que aplica a pena substitutiva).
Aqui o que existe na sentença é uma única pena, a de multa, que é convertida atento o seu não cumprimento voluntário ou coercivo. Não temos, como sucedia no caso do Acórdão nº 6/2010, uma pena de prisão principal condicionada ao não cumprimento da pena substitutiva (a suspensão). A sentença que condenou em pena de multa transita então em julgado integralmente, não havendo segmentos condicionados. Cai assim outro dos fundamentos que foram invocados no Acórdão, e que poderiam ser aqui também elencados.
Discordando dos fundamentos expostos na promoção e no Acórdão para a subsistência do TIR prestado pelo arguido, impossível se torna defender a sua notificação por via postal simples do despacho de fls. 127, devendo então prosseguir-se as diligências tendentes a obter a notificação pessoal do arguido/condenado.
Termos em que se decide indeferir o promovido, devendo ser aberta nova vista para os fins que possam ser tidos por convenientes.»
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III – O DIREITO
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar[1], sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do C.P.P.[2].
Das conclusões de recurso é possível extrair a ilação de que o recorrente delimita o respectivo objecto à questão de saber se a notificação ao arguido do despacho que converte a pena de multa em prisão subsidiária deve ser efectuada por via postal simples com prova de depósito ou, antes, se impõe a notificação por contacto pessoal.
Entende o recorrente que à situação em discussão nestes autos é aplicável, “por analogia”, a doutrina constante do AFJ nº 6/2010, DR nº 99, 1ª série, de 21/5/2010.
Nesse aresto o STJ fixou jurisprudência no sentido de que «a notificação ao condenado do despacho de revogação da suspensão da pena de prisão pode assumir tanto a via de “contacto pessoal” como a “via postal registada, por meio de carta ou aviso registados” ou, mesmo, a “via postal simples, por meio de carta ou aviso” [artigo 113.º, n.º 1, alíneas a), b) e c) e d), do CPP]».
Antes de mais, importa salientar que concordamos com a afirmação constante da decisão recorrida no sentido de que a doutrina fixada no AFJ nº 6/2010 não é aplicável ao caso em apreço com força de jurisprudência fixada, essencialmente por se tratar de diferente questão de direito (artº 437º nº 1 do C.P.P.).
Com efeito, a situação dos presentes autos é diversa daquela sobre que recaiu o Acórdão de Fixação de Jurisprudência citado, já que o mesmo versa sobre a notificação ao arguido do despacho que revoga a suspensão da execução da pena de prisão, enquanto que no caso em apreço se discute as formalidades de notificação ao arguido do despacho que converte a pena de multa em prisão subsidiária.
Assim, para além da jurisprudência fixada no acórdão em causa não ser obrigatória no caso presente, nem sequer se pode entender, a nosso ver e salvo o devido respeito, que se está perante uma situação análoga. Note-se que, para além da posição que fez vencimento ter sido bastante controvertida, como se pode constatar nomeadamente pelo teor dos votos de vencido, a mesma teve como pressuposto o entendimento defendido, como expressamente se refere no acórdão, de que a decisão que aplica uma pena de prisão suspensa na sua execução «se traduz em duas condenações: a condenação — imediata — em pena substitutiva de «suspensão da pena de prisão» (artigos 50. ° e seguintes do Código Penal) e a condenação, mediata e eventual, em pena de prisão (condicionalmente substituída)».
Nesta perspectiva, considerou-se, no citado acórdão, que: «Assim perspectivada a condenação em pena de prisão suspensa, poderá afirmar-se, então, que, na ausência de recurso ou no seu insucesso, dela transitará tão-somente a condenação imediata do arguido na pena (substitutiva) de «suspensão da pena de prisão», ficando por transitar — já que dependente de um futuro despacho prévio de revogação da suspensão — a condenação (condicional) em pena de prisão.
Assim sendo, a aplicação do artigo 214.° do CPP, «Extinção das medidas de coacção», à condenação em pena de prisão suspensa apenas teria reflexos na condenação imediata (suspensão da pena de prisão), mas já não na condenação mediata (pena de prisão suspensa). Daí que o termo de identidade e residência e as obrigações dele decorrentes se houvessem de manter relativamente à condenação (condicionalmente substituída) em pena de prisão (até ao trânsito da revogação da pena substitutiva ou à sua extinção e, com ela, à cessação da eventualidade da sua reversão na pena de prisão substituída).»
Ora, não é este o caso da sentença que aplica uma pena de multa. Não só esta decisão não se pode considerar condicional - o cumprimento da pena, ou seja, o pagamento da multa, não está dependente da verificação de qualquer condição -, como a mesma não está dependente de uma decisão posterior, como acontece no caso de ser aplicada pena de prisão suspensa na sua execução, a proferir nos termos do art. 56°, n.° 1, ou nos termos do art. 57°, n.º 1, ambos do Cód. Penal. Por outro lado, não é defensável que as obrigações decorrentes do termo de identidade e residência se mantenham até ao trânsito em julgado da decisão que converta a pena de multa em prisão subsidiária. Com efeito, tal decisão pode nem vir a ser proferida. O arguido pode pagar a multa ou, não a tendo pago, pode ter bens susceptíveis de penhora e ser instaurada execução para cobrança da mesma.
Afigura-se-nos, assim, que a pretensão do digno recorrente esbarra num facto, quanto a nós incontornável, de o termo de identidade e residência previsto no art. 196° do CPP, enquanto imposição de limitações à liberdade do arguido, ser uma verdadeira medida de coacção[3] e, como tal, estar extinto, face ao trânsito em julgado da sentença que condenou o arguido em pena de multa, nos termos do art. 214°, n.° l, al. e), não sendo assim mais possível a sua notificação por via postal simples, nos termos do art. 113°, n.° l, al. c), a qual só era admissível por estar prevista nos n.°s 2 e 3, al. c), do art. 196°, não estando já o arguido obrigado a não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado, nos termos da al. b) do n.° 3 do mesmo preceito legal, todos do CPP.
Como se decidiu no Ac.R.Lisboa de 04.06.2008[4] sendo o TIR uma medida de coacção, são inadmissíveis as notificação posteriores ao trânsito em julgado da sentença condenatória através de via postal simples, com prova de depósito: “I – As obrigações decorrentes da prestação do termo de identidade e residência extinguem-se, como prevê a alínea e) do n.º 1 do artigo 214º do Código, com o trânsito em julgado da sentença condenatória. II – Não sendo aplicável ao condenado o disposto no artigo 196º do Código de Processo Penal e não existindo qualquer outra norma que preveja a sua notificação através da via postal simples, não pode, quanto a ele, ser adoptada esta modalidade de notificação”.
Neste sentido, se tem pronunciado, alias, a maioria da jurisprudência da segunda instância. Vejam-se, nomeadamente, os acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 22.04.2008, Proc. nº 545/08.1 (Fernando R. Cardoso), de 20.01.2011, Proc. nº 247/06.6PAOLH-B.E1 (Sénio Alves); acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 23.04.2008, Proc. nº 0810622, (João Ataíde), de 20.04.2009, Proc. nº 732/06.0PBVLG-A.P1 (Artur Oliveira), de 19.01.2011, Proc. nº 662/05.2GNPRT-A.P1 (Maria Dolores S. Sousa), de 23.02.2011, Proc. nº 18/08.5PHMTS-B.P1 (Maria Leonor Esteves), de 09.03.2011, Proc. nº 630/06.7PCMTS-A.P1 (Moisés Silva), de 30.03.2011, Proc. nº 140/06.2GNPRT-B.P1 (Airisa Caldinho), e de 18.05.2011, Proc. nº 241/10.2PHMTS-A.P1 (Lígia Figueiredo); do Tribunal da Relação de Coimbra 29.06.2011, Proc. nº 87/06.2SBGVA.C1 (Frederico Cebola), e de 06.07.2011, Proc. nº 17/06.1GBTNV.C1 (José Eduardo Martins); do Tribunal da Relação de Lisboa de 04.06.2008, Proc. nº 4602/2008-3 (Carlos Almeida), de 17.06.2008, Proc. nº 4129/2008-5 (José Adriano), de 15.09.2011, Proc. nº 518/09.0PGLRS.L1-9 (Almeida Cabral), todos disponíveis em www.dgsi.pt[5].
Também o Tribunal Constitucional se pronunciou no mesmo sentido. Como se pode ler no Ac. do TC nº422/05[6] “(…) a insubsistência da obrigação jurídica de manutenção da residência declarada e da comunicação imediata da sua alteração torna intolerável que se continue a ficcionar que o mero depósito da carta postal simples no receptáculo postal da residência mencionada em termo juridicamente caduco seja meio idóneo de assegurar, pelo menos, a cognoscibilidade do acto notificando, designadamente quando esse acto encerra uma alteração in pejus da sentença condenatória e tem por efeito directo a privação da liberdade do notificando. (…) Para respeitar o direito ao recurso constitucionalmente garantido no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, a possibilidade de interposição, pelo arguido, de recurso de decisões penais desfavoráveis tem de ser uma possibilidade real e efectiva e não meramente fictícia, como sucederia no presente caso se se atribuísse relevância a uma notificação por via postal simples que manifestamente não garante, com o mínimo de certeza, a cognoscibilidade da decisão impugnanda.”
Vejamos, então, qual o regime que decorre da nossa lei adjectiva para a notificação ao arguido da decisão que converte a pena de multa em prisão subsidiária.
Em sede de notificações e para o que agora releva, dispõe o artº 113º nº1 do CPP que:
“1- As notificações efectuam-se mediante:
a) Contacto pessoal com o notificando e no lugar em que este for encontrado;
b) Via postal registada, por meio de carta ou aviso registados;
c) Via postal simples, por meio de carta ou aviso, nos casos expressamente previstos; ou
d) Editais e anúncios, nos casos em que a lei expressamente o admitir.
(…)”
Por seu lado há também que ter em conta o regime resultante da imposição de Termo de Identidade e Residência que no nº2 do artº 196º do C.P.P. dispõe que “Para o efeito de ser notificado mediante via postal simples, nos termos da alínea c) do nº1 do artº 113º, o arguido indica a sua residência, o local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha” e que na alínea c) do nº3 estabelece que “Do termo deve constar que àquele foi dado conhecimento: (..) c) De que as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada no nº2, excepto se o arguido comunicar outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrem a correr nesse momento.”
Conclui-se assim que, fora do âmbito das obrigações decorrentes do TIR, o legislador pretendeu restringir as notificações por via postal simples aos casos expressamente previstos na lei (artº 113º nº 1 al. c) do C.P.P.).
Ora, extinguindo-se as medidas de coacção, imediatamente com o trânsito em julgado da sentença condenatória (cfr. al. e) do nº 1 do art. 214º)[7], sendo o T.I.R. inequivocamente uma medida desta natureza, como vimos, que implica a sujeição do arguido às obrigações plasmadas nas als. a) e b) do nº3 do art. 196º, nomeadamente a de “não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado”, com as implicações e consequências indicadas nas demais alíneas desta norma, é forçoso concluir que a chegada do momento processual expressamente estabelecido implica que o T.I.R., seguindo o destino traçado na lei, se extinga de forma imediata e automática.
Extinto o T.I.R. e, com ele, a obrigação de o arguido manter actualizada a informação sobre o local da sua residência, deixa de ser aplicável o disposto na al. c) do nº 3 do art. 196º (que pressupunha a vigência daquela obrigação), tornando-se a aplicar as regras gerais relativas à notificação dos actos.
Reservando a lei a forma de notificação por via postal simples aos casos expressamente previstos e inexistindo qualquer outra norma que a preveja para o caso de que nos ocupamos, afastada fica a sua aplicação. E, de entre as restantes duas modalidades previstas que se apresentam como admissíveis, só a notificação por contacto pessoal, face aos contornos do caso, oferece garantias de assegurar o desiderato legal, em concreto o de assegurar a cognoscibilidade da decisão por parte do respectivo destinatário.
Concordamos, por isso, com o argumento utilizado no Ac. R. Évora de 22.04.2008[8] “Uma vez que, no presente caso, estavam juridicamente extintas essa medida de coacção[9] e esta última obrigação, perante a insubsistência da obrigação jurídica de manutenção da residência declarada e da comunicação imediata da sua alteração, torna-se intolerável que se continue a ficcionar que o mero depósito da carta postal simples no receptáculo postal da residência mencionada em termo juridicamente caduco seja meio idóneo de assegurar, pelo menos, a cognoscibilidade do acto notificando, designadamente quando esse acto encerra uma alteração in pejus da sentença condenatória e tem por efeito directo a privação da liberdade daquele. Para respeitar o direito ao recurso constitucionalmente garantido no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, a possibilidade de interposição, pelo arguido, de recurso de decisões penais desfavoráveis tem de ser uma possibilidade real e efectiva e não meramente fictícia, como sucederia no presente caso se se atribuísse relevância a uma notificação por via postal simples que manifestamente não garante, com o mínimo de certeza, a cognoscibilidade da decisão que decretou a conversão da pena de multa em pena de prisão.”
Sem dúvida que a decisão que procede à conversão da pena de multa em prisão subsidiária constitui uma verdadeira modificação do conteúdo decisório da sentença, sendo facto inquestionável que o arguido foi condenado, não numa pena de prisão, mas numa pena de multa.
E como expressivamente salientou o Cons. Manuel Braz no voto de vencido que lavrou no AFJ nº 6/2010 «as razões que impõem a notificação do próprio condenado (…) – necessidade de garantir àquele um efectivo conhecimento do conteúdo dessa decisão “em ordem a disponibilizar-lhe todos os dados indispensáveis para, em consciência, decidir se a impugna ou não” como se reconhece no acórdão – exigem também que a notificação se realize mediante contacto pessoal. Só esse meio assegura o efectivo conhecimento da decisão; não a comunicação pela via postal registada, que representa apenas uma presunção de notificação
Admitir-se a notificação do arguido por via postal simples da decisão que converte a pena de multa não paga em prisão subsidiária, e que portanto afecta a liberdade do arguido, significaria ficcionar a sua notificação do despacho que ordena a sua prisão, fazendo de conta que lhe foi facultada a possibilidade de exercer um direito[10].
Conclui-se assim que a decisão recorrida não merece censura, improcedendo o recurso interposto.
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IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto pelo Mº Público, mantendo-se consequentemente a decisão recorrida.
Sem tributação, face à isenção do recorrente.
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Porto, 14 de Dezembro de 2011
(Elaborado e revisto pela 1ª signatária)
Eduarda Maria de Pinto e Lobo
António José Alves Duarte
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[1] Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 3ª ed., pág. 347 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada).
[2] Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/95.
[3] Neste sentido se pronunciou o Prof. Germano Marques da Silva in Curso de Processo Penal, Vol. II, 4ª edª., pág. 324: “o termo de identidade e residência é uma medida de coacção enquanto a sujeição a esta medida implica deveres para o arguido limitadores da sua liberdade”.
[4] Proferido no Proc. nº 4602/2008-3, Cons. Carlos Almeida, disponível em www.dgsi.pt
[5] Em sentido contrário, podem ler-se os Acórdãos desta Relação de 16.03.2011, no Proc. 4989/07.3TAMTS-A.P1 e de 06.04.2011, no Proc. nº 53/10.3PBMTS-A.P1, ambos relatados pela Des. Maria do Carmo da Silva Dias e disponíveis em www.dgsi.pt.
[6] Consultado em http://www.tribunal constitucional.pt/tc/acordaos/20050422.html
[7] Com excepção da caução (artº 214º nº 4 do C.P.P.), que apenas se extingue com o início da execução da pena de prisão, se for esta a pena imposta.
[8] Proferido no Proc. nº 545/08-1, relatado pelo Des. Fernando Ribeiro Cardoso e disponível em www.dgsi.pt
[9] Referindo-se, naturalmente, ao termo de identidade e residência e às obrigações dele decorrentes.
[10] Como, com propriedade, se refere no Ac.R.Évora de 25.10.2011, Fernando R. Cardoso, disponível em www.dgsi.pt