Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
201/10.3TTVCT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EDUARDO PETERSEN SILVA
Descritores: PRÉMIO DE ANTIGUIDADE
RETRIBUIÇÃO
Nº do Documento: RP20120109201/10.3TTVCT.P1
Data do Acordão: 01/09/2012
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: Um prémio de antiguidade, dependente desta, pago mensal e regularmente em valor fixo e proporcional ao tempo de trabalho efetivamente prestado constitui retribuição e beneficia da garantia de irredutibilidade desta.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 201/10.3TTVCT.P1
Apelação

Relator: Eduardo Petersen Silva (reg. nº 115)
Adjunto: Desembargador Machado da Silva
Adjunto: Desembargadora Fernanda Soares

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório
B…, residente na Rua …, bl. ., ent. ., …, …, Viana do Castelo, veio intentar a presente ação de processo comum emergente de contrato individual de trabalho contra “C…, Ltª.”, sociedade comercial com sede na …, …, Viana do Castelo, pedindo a sua condenação no pagamento de todas as diferenças de retribuição resultantes da eliminação de todos os prémios, nomeadamente do prémio de antiguidade
Alegou, em síntese, que foi admitida ao serviço da R. em 13/5/91 e que para além da sua remuneração base sempre auferiu três prémios – de antiguidade, assiduidade e de produção – sendo um fixo e os outros dois variáveis; desde agosto de 2008, a R. deixou de lhe pagar esses prémios.

A R. apresentou contestação, na qual alegou, em síntese, que até janeiro de 2007, nenhum dos prémios era autónomo, mas sim variáveis porque dependentes e que depois, todos esses prémios ficaram dependentes da produtividade; a A. nunca atingiu, desde agosto de 2008, os objetivos de produção necessários para a atribuição dos prémios.

Procedeu-se à realização de audiência de discussão e julgamento, tendo sido proferido despacho de decisão da matéria de facto, que não sofreu reclamações, e seguidamente proferida sentença cuja parte decisória é a seguinte:
Julgar a presente ação parcialmente procedente, por provada, e em consequência, condenar a R. a pagar à A. todos os prémios de antiguidade desde agosto de 2008, acrescidos dos juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal”.
Inconformada, interpôs a Ré o presente recurso, apresentando a final as seguintes conclusões:
A. A R. em 1999, com o intuito de compensar os seus trabalhadores quanto à sua antiguidade, assiduidade e produtividade, institui três prémios que embora autónomos eram, entre si, dependentes

B. Prémios que, em 2007, foram reformulados no que cabe à sua forma de atribuição - Doc.1- contestação.

C. E, em fevereiro de 2009, sem retirar qualquer um dos fatores/vertentes atribuídos no sistema de recompensas, a R., voltou a introduzir-lhes modificações.

D. Para conhecimentos dos interessados foi afixado o Regulamento de Atribuição.

E. Sem que qualquer reparo, ou observação da A.

F. O prémio de antiguidade sub judice reclamado não deve ser considerado como uma diuturnidade.

G. E, ao contrário do que a A. alega, não lhe foi retirado.

H. Tão somente englobado no prémio de produtividade conforme ficou assente no item 9 os "Facto Provados".

I. Ou seja, foi reestruturado e integrado sendo certo que quanto á sua determinação jamais fora independente dos demais prémios.

J: Sempre o prémio de antiguidade dependeu da assiduidade que, por sua vez, condicionava a produtividade.

K. Pelo que não é correto afirmar-se que houve uma descaracterização do prémio de antiguidade tornando-o só então dependente de fatores incertos.

L. Pois sempre assim sucedeu.

M. Logo, o prémio de antiguidade não foi retirado mas apenas integrado.

N. E, por assim ter sido, como foi, nada, a tal titulo, é devido à A. pela R.

Contra-alegou a A. pugnando pela manutenção da sentença.
O Exmº Senhor Procurador Geral Adjunto nesta Relação emitiu parecer no sentido do recurso não merecer provimento.
Corridos os vistos legais cumpre decidir.

II. Matéria de facto
A matéria de facto dada como provada na 1ª instância – e que este tribunal mantém, porque a matéria de facto não foi impugnada e porque os elementos do processo não impõem decisão diversa, nem foi admitido documento superveniente com virtualidade para infirmar aquela decisão (artigo 712º, nº 1 do CPC) – é a seguinte:
1 – A A. foi admitida ao serviço da R. em 13/5/91 para, sob as suas ordens, direção e fiscalização, exercer as funções correspondentes à categoria de operador de acabamento de 1ª.
2 – Auferia, em 2007, o salário base mensal de €453,00 e, a partir de agosto de 2008, de €470,00.
3 – Até fevereiro de 2007, a R. pagava aos seus funcionários, para além da retribuição base, três prémios autónomos:
- prémio de assiduidade;
- prémio de produção;
- prémio de antiguidade.
4 – O prémio de assiduidade tinha o valor de €13,22 mensais, que não seria pago se o trabalhador faltasse trinta minutos ou mais no mês.
5 – O prémio de produção tinha um valor variável mensal, estando dependente da produtividade do trabalhador definida de acordo com os parâmetros fixados pela R.
6 – O prémio de antiguidade dependia, quanto ao seu valor, da antiguidade do trabalhador na empresa, sendo que no caso da A. tinha o montante de €50,00 por mês.
7 – Em caso de faltas do trabalhador, o prémio de antiguidade era pago proporcionalmente ao tempo de trabalho efetivo (ex: trabalhador que faltasse metade do mês recebia apenas metade do prémio devido).
8 - A partir de fevereiro de 2007, a R. passou a pagar os prémios de assiduidade e antiguidade apenas àqueles trabalhadores que atingissem 60 minutos de produção/hora em média mensal.
9 – A partir de janeiro de 2009, a R. passou a pagar dois prémios – de assiduidade e produtividade (englobando neste último o anterior prémio de antiguidade) -, sendo que ambos ficaram dependentes da produtividade do trabalhador.
10 – A A. esteve de baixa médica de 9 de novembro de 2007 a 15 de julho de 2008, tendo-lhe sido atribuída a IPP de 3% por doença profissional.
11 – Desde agosto de 2008, a R. deixou de pagar à A. qualquer prémio.

III. Direito
Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões do recorrente, nos termos do disposto nos artigos 684º, nº 3, e 685º-A, nº 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do disposto nos artigos 1º, nº 2, al. a), e 87º do Código de Processo do Trabalho, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, a questão a decidir é saber se não são devidos à recorrida os prémios de antiguidade.
A sentença recorrida mostra-se elaborada de modo completo, coerente, sintético e eficaz e nela se lê:
“A questão colocada pela A. é de enorme singeleza na sua formulação: os prémios de produção, assiduidade e antiguidade que lhe eram pagos pela R. fazem ou não parte integrante da sua retribuição, sendo por isso ilícita a conduta da empresa ao deixar de os pagar por ter alterado o seu critério de atribuição.
Como é sabido, vigora no direito laboral, como principio fundamental constitutivo da retribuição, o da sua irredutibilidade (cfr. atual artº. 129, nº. 1, d), do C.T.), com isto querendo significar que é proibido ao empregador diminuir a retribuição dos seus trabalhadores.
Por isso, caso se entenda que os prémios em causa fazem parte integrante da retribuição da A., então necessário será concluir que a R. não tinha legitimidade para deixar de os pagar.
O que tudo nos reconduz à análise, sempre espinhosa, do conceito de retribuição.
Dispõe o art.º 258 do C Trabalho.:
1 – Considera-se retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho.
2 – A retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, direta ou indiretamente, em dinheiro ou espécie.
3 - Presume-se constituir retribuição qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador".
Resulta daqui que a retribuição do trabalho é "o conjunto de valores (pecuniários ou não) que a entidade patronal está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da atividade por ele desempenhada (ou, mais rigorosamente, da disponibilidade da força de trabalho por ele oferecida)", integrando a mesma não só a remuneração de base como ainda outras prestações regulares e periódicas, feitas direta ou indiretamente, quando as mesmas, sendo de caráter regular e periódico, criem no trabalhador a convicção de que elas constituem um complemento do seu salário - cfr. Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, Vol. 1º, 10ª ed., pág. 395 e pág. 410).
Ficam, desta forma, excluídas do conceito de retribuição todas as prestações de caráter esporádico, atípico, anormal ou problemático que, por isso mesmo, não podem ser computadas no rendimento com que, regularmente, o trabalhador pode contar. Ou seja, são de excluir todas as prestações que dependam da verificação de um facto que não é certo ou seguro, como acontece com a atribuição de um determinado montante pela bom desempenho do trabalhador ou pela sua assiduidade (circunstâncias que podem ou não verificar-se num determinado período).
Vejamos então o que se passa no nosso caso, pelo período anterior a fevereiro de 2007.
Até fevereiro de 2007, a R. pagava aos seus funcionários, para além da retribuição base, três prémios autónomos:
- prémio de assiduidade;
- prémio de produção;
- prémio de antiguidade.
O prémio de assiduidade tinha o valor de €13,22 mensais, que não seria pago se o trabalhador faltasse trinta minutos ou mais no mês.
Por seu lado, o prémio de produção tinha um valor variável mensal, estando dependente da produtividade do trabalhador definida de acordo com os parâmetros fixados pela R.
Por fim, o prémio de antiguidade dependia, quanto ao seu valor, da antiguidade do trabalhador na empresa, sendo que no caso da A. tinha o montante de €50,00 por mês. Em caso de faltas do trabalhador, o prémio de antiguidade era pago proporcionalmente ao tempo de trabalho efetivo (ex: trabalhador que faltasse metade do mês recebia apenas metade do prémio devido).
Resulta daqui, e compaginando estes dados com o que supra fica dito, que desde logo se deverá excluir do conceito de retribuição o prémio de produção, pois que, como se viu, este dependia da ocorrência de uma circunstância que não era de verificação indiscutível: o da trabalhadora ter tido a produtividade que a empresa fixava.
Mas igualmente será de não atribuir aquela qualidade ao prémio de assiduidade, na medida em que igualmente este ficava dependente de um fator de verificação não previsível: que o trabalhador não faltasse trinta minutos ou mais no mês.
Conclusão diversa, porém, se chega quanto ao prémio de antiguidade, pois que este reúne todos os requisitos para ser qualificado como parte integrante da retribuição: era um montante fixo, sendo certo e periódico o seu pagamento. Aliás, este prémio de antiguidade, tal como então se encontrava definido pela R., consubstancia claramente uma diuturnidade nos termos que se encontram estabelecidos no artº. 262, nº. 2, b), do C. Trabalho. Ora, é liquido, segundo julgamos, quer na jurisprudência quer na doutrina, que as diuturnidades fazem parte integrante da retribuição.
É certo que a R. alegava que este prémio não era verdadeiramente um prémio fixo, pois que dependeria igualmente da assiduidade.
Afigura-se-nos que existe aqui um manifesto equívoco de raciocínio.
É evidente que se o trabalhador tivesse faltas num determinado mês, o prémio lhe seria reduzido de forma proporcional. Mas isto não lhe confere um caráter variável. Pelo contrário, apenas o torna exatamente equivalente à retribuição base, que também só é paga de acordo com o tempo de trabalho efetivamente prestado pelo trabalhador. Aquele prémio de antiguidade era reduzido, em caso de faltas, nos mesmos exatos termos em que era reduzida a sua retribuição.
Caso bem diferente, como vimos, era o do prémio de assiduidade, o qual era de todo retirado caso o trabalhador faltasse trinta minutos ou mais no mês.
Concluí-se, assim, que o prémio de antiguidade – o qual, como vimos, apesar de ter esta designação, configura uma verdadeira diuturnidade – fazia parte da retribuição dos trabalhadores da R. e, como tal, está sujeito aos mesmos exatos princípios, dos quais se destaca, como vimos logo no início, a sua irredutibilidade.
Pois bem, a partir de fevereiro de 2007, a R. passou a pagar o prémio de antiguidade, que é o único que agora nos interessa, apenas àqueles trabalhadores que atingissem 60 minutos de produção/hora em média mensal.
Mais tarde, a partir de janeiro de 2009, e para o que aqui nos interessa, manteve basicamente esse sistema, ou seja, trabalhador que não atingisse aquele nível de produção não tinha direito a nenhum prémio, incluindo o de antiguidade.
Ora, ao descaracterizar dessa forma o prémio de antiguidade/diuturnidade, tornando-o dependente de um fator que é incerto, a R. claramente violou o princípio da irredutibilidade da retribuição, como aliás se constata com o caso da A., que pura e simplesmente deixou de o receber desde agosto de 2008, por não conseguir atingir a produtividade exigida.
Esse prémio/diuturnidade, que apenas depende da antiguidade do trabalhador na empresa, não pode agora ficar subordinado a qualquer outra exigência que atinja a possibilidade do trabalhador o receber com a mesma periodicidade e certeza com que ele lhe era pago até então.
Significa isto que a ação interposta pela trabalhadora terá que proceder no que se refere a este prémio de antiguidade, o qual lhe é devido desde agosto de 2008, nos mesmos termos em que era pago pela R. até à alteração que se produziu em fevereiro de 2007”.

Nada temos a apontar à sentença recorrida, com a qual se concorda. Cumpre dizer que a recorrente continua, nas alegações de recurso, a insistir na sua defesa, ou seja, a insistir na dependência do prémio de antiguidade da assiduidade, e por via desta, da produtividade, isto é, na sempre ocorrida dependência entre os prémios, e desta dependência da produtividade faz decorrer o caráter não retributivo e a possibilidade de livremente alterar as condições dos prémios. E continua ainda a referir que a A. não recebeu prémios por não atingir a produtividade. Simplesmente, a recorrente não pediu a reapreciação da matéria de facto, que se encontra definitivamente fixada, e dela decorre, no que toca ao prémio de antiguidade, por efeito do facto nº 7, exatamente o contrário do que a recorrente defende. Concordando-se inteiramente com o juízo que o Mmº Juiz a quo fez sobre a não dependência do prémio de antiguidade, anteriormente a 2007, da assiduidade, concorda-se também com a conclusão de que os factos referidos em 8 e 9 revelam alterações não consentidas pela lei no que toca ao mesmo prémio. Por último, se a recorrente pretendia demonstrar que a recorrida não tinha direito ao prémio de antiguidade por ter faltado, tal constituía matéria de exceção que lhe incumbia provar. Desse modo, e na sequência do facto nº 11, a condenação resulta evidente.
Nestes termos, e seguindo de perto a disciplina dos artº 713º nº 5 e 6 do CPC, confirma-se a sentença recorrida.

IV. Decisão
Nos termos supra expostos acordam negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.

Porto, 9.1.2012
Eduardo Petersen Silva
José Carlos Dinis Machado da Silva
Maria Fernanda Pereira Soares (vencida por considerar que como questão prévia o recurso não é admissível por falta de alçada e vencimento em montante superior à alçada do Tribunal, conforme já relatado noutro processo da Ré)
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Sumário:
Um prémio de antiguidade, dependente desta, pago mensal e regularmente, em valor fixo, e proporcionalmente aos dias trabalhados se o trabalhador faltar, constitui retribuição e beneficia da garantia de irredutibilidade desta.

Eduardo Petersen Silva
(Processado e revisto com recurso a meios informáticos (artigo 138º nº 5 do Código de Processo Civil).