Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0713692
Nº Convencional: JTRP00040705
Relator: MARIA DO CARMO SILVA DIAS
Descritores: PROCESSO SUMÁRIO
DESOBEDIÊNCIA
DESCRIMINALIZAÇÃO
Nº do Documento: RP200710310713692
Data do Acordão: 10/31/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE.
Indicações Eventuais: LIVRO 502 - FLS 211.
Área Temática: .
Sumário: A conduta que, nos termos do nº 2 do art. 387º do Código de Processo Penal, na redacção anterior à introduzida pela Lei nº 48/2007, constituía crime de desobediência foi descriminalizada com a entrada em vigor deste último diploma.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam, em audiência, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto:
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I- RELATÓRIO
No Tribunal Judicial de Gondomar, nos autos de processo comum nº …/04.0PAGDM do .º Juízo Criminal, foi proferida sentença, em 8/2/2007 (fls. 92 a 99), constando do dispositivo o seguinte:
“Por todo o exposto julgo a presente acusação procedente, por provada e em consequência decido condenar o arguido B……….:
a) Pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º, nº1 e 2, do D.L. nº 2/98, de 03/01, na pena de 200 (duzentos) dias de multa à taxa diária de 2,00€ (dois euros), o que perfaz o montante de 400,00 € (quatrocentos euros);
b) Pela prática de um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348º, nº1, alínea a), do C. Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de 2,00 € (dois euros), o que perfaz o montante de 200,00 € (duzentos euros).
c) Em cúmulo na pena única de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de 2,00 € (dois euros), o que perfaz o montante global de 500,00 € (quinhentos euros).
d) Não se aplica qualquer coima ao arguido no que concerne à contra-ordenação pela qual foi acusado dado já haver uma decisão emanada pelo Governo Civil do Porto sobre a mesma.

Mais condeno o arguido no pagamento da taxa de justiça, que fixo em 2 UC´s e nas custas do processo, que incluem os mínimos de procuradoria, contada a favor dos S.S.M.J., acrescido de 1% desse montante de acordo com o disposto no artigo 13º, nº3, do D.L. nº 423/91 de 30 de Outubro;

Fixo a título de honorários ao Ilustre Defensor Oficioso dos arguidos, de acordo com o disposto na Portaria 1386/2004, de 10 de Novembro, a quantia de 11 Ur´s.
(…)”
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Não se conformando com a sentença, o arguido B………. interpôs recurso dessa decisão (fls. 111 a 114), formulando as seguintes conclusões:
“1- O Tribunal a quo condenou o arguido B………. na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de € 2,00, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal e na pena de 100 dias de multa pelo crime de desobediência, portanto, em penas de multa muito próximas dos limites máximos, no caso, respectivamente, 240 dias e 120 dias.
2- Assim tendo sucedido, não resultou valorada a conduta adoptada pelo arguido em audiência de julgamento, o qual confessou que conduziu o veículo em questão no dia, hora e local constantes da acusação, não sendo possuidor de carta de condução tendo demonstrado sentido arrependimento em audiência de julgamento, colaborando assim com a justiça.
3- Sem prescindir, também não foram devidamente atendidas, no momento da determinação concreta da medida da pena, as condições pessoais e económicas do arguido, nomeadamente o parco salário que aufere, € 400 (quatrocentos) euros, rendimento esse que não lhe permite solver a multa em que foi condenado, sendo pai de um filho ainda menor de três anos de idade, que pese embora se encontrar em família de acolhimento está prestes a ser entregue à guarda e cuidados do pai.
4- Assim sendo, consideramos que não poderia ter sido aplicada ao arguida pena de multa superior a 100 dias, à taxa diária máxima de € 1,50, pela prática do crime de condução sem habilitação legal e pena de multa nunca superior a 60 dias, à taxa diária nunca superior a € 1,50, pela prática do crime de desobediência.
5- Assim não tendo sido decidido, entendemos que foi violado o disposto nos artigos 47 nº 2 e 71 nº 2-d) do CP”.
Conclui pedindo a revogação da sentença e a sua substituição por outra que contemple o provimento total do recurso.
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Respondeu o MºPº na 1ª instância (fls. 125 a 128), pugnando pelo não provimento do recurso.
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Nesta Relação, o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer (fls. 133 a 135), concluindo, também, pelo não provimento do recurso.
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Foi cumprido o disposto no art. 417 nº 2 do CPP.
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Colhidos os vistos legais, realizou-se a audiência.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
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Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
“1º - No dia 19 de Agosto de 2004, pelas 18.00 horas, na Rua ………., em ………., Gondomar, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros de marca Peugeot, modelo ………., que ostentava a matrícula JU-..-.., sem ser titular de carta de condução que o habilitasse a conduzir o referido ou qualquer veículo e apresentando uma taxa de álcool no sangue de 1,15 g/I;
2º - Nas circunstâncias de lugar e de tempo acabadas de referir, o arguido foi interceptado e detido por um elemento da Polícia de Segurança Pública da 1ª Divisão da Esquadra de ………., devidamente uniformizado e no exercício das suas funções - o agente principal C………. - o qual, após o cumprimento das formalidades legais, o libertou de imediato e notificou para comparecer no Tribunal Judicial da Comarca de Gondomar, a fim de ser submetido a julgamento sob a forma de processo sumário, no dia 20 de Agosto de 2004, pelas 9.00 horas;
3º - O arguido, porém, não compareceu na data e hora mencionadas, apesar de ter sido advertido e ficado ciente - aquando da notificação referida supra -, que a sua não comparência no tribunal no dia e hora designados o faria incorrer na prática de um crime de desobediência;
4º - O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei contra-ordenacional e penal;
5º - O arguido quis conduzir na via pública o veículo acima identificado, nas condições referidas, sabendo que não estava habilitado para tal e que a condução com taxa de álcool no sangue igual ou superior a 0,5 g/l é proibida e punida por lei contra-ordenacional;
6º - O arguido ao não comparecer no tribunal na data e hora designadas, fê-lo para se eximir à acção da justiça, ciente também que, com a sua conduta, incorreria na prática do crime de desobediência;
7º - O arguido tem antecedentes criminais, tendo sido condenado:
a) Pela prática, em 07/09/99, de um crime de condução ilegal, p. e p. pelo artigo 3º, nº1 e nº2, do D.L. nº 2/98, de 3/01, em 80 dias de multa à taxa diária de 1000$00, a qual foi declarada extinta pelo seu pagamento;
b) Pela prática em, 07/08/2002, de um crime de furto simples, na pena de 120 dias de multa à taxa diária de 3,00€;
c) Pela prática em 19/12/2002, de um crime de furto qualificado, na pena de 18 meses de prisão, cuja execução foi suspensa pelo período de dois anos, através de sentença proferida em 18/05/2006;
7º - O arguido aufere cerca de 400,00€, por mês, vive com a mãe, tem um filho de 3 anos, actualmente entregue a uma família de acolhimento;
8º - O arguido demonstrou arrependimento.”

Quanto aos factos não provados consignou-se o seguinte:
“Não se logrou provar qualquer outro facto com interesse para a boa decisão da causa e todos aqueles que estejam em contradição com os factos dados como provados.”

No que respeita à fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, mencionou-se:
“O Tribunal formou a sua convicção nas declarações prestadas pela testemunha C………., agente da PSP, a exercer funções na Divisão de Trânsito do Porto, o qual depois de reflectir acabou por se recordar da situação em questão, afirmando que se tratou de uma fiscalização normal, que ocorreu sem incidentes, que o arguido se mostrou colaborante, que referiu não ser possuidor de carta de condução, que o arguido assinou a notificação para se apresentar no tribunal no primeiro dia útil subsequente ao da fiscalização, onde consta expressamente que o não comparecimento o faria incorrer na prática de um crime de desobediência. Mais referiu que tem por hábito advertir todos os arguidos de que a falta de comparência os fará incorrer na prática de um crime de desobediência e bem assim que constitui ponto de honra para si advertir os arguidos para lerem antes de assinar todos os documentos que lhe são apresentados, designadamente os TIR e notificações como as dos presentes autos.
O arguido prestou declarações, assumiu que no dia, hora e local constante da acusação conduzia o veículo em questão, que não era nem é possuidor de carta de condução, que está arrependido, mas que não se recorda de ter sido advertido de que a falta de comparência ao tribunal no dia que lhe foi indicado o faria incorrer na prática de um crime de desobediência, pese embora tenha afirmado que a assinatura constante do notificação junta aos autos a fls. 4 é sua.
Ora tais declarações no que toca ao facto de não ter ficado ciente de que a sua falta de comparência no tribunal na data e hora que lhe foi indicado o faria incorrer na prática de um crime de desobediência não colheram na medida em que o próprio arguido, não nega que tenha sido advertido, apenas referiu não se recordar, por outro lado o Senhor Agente que o interceptou referiu, de forma peremptória, que adverte sempre os arguidos para lerem antes de assinaram o documento que lhes é apresentado – sendo que na notificação consta a letras negras a cominação inerente à falta de comparência.
Mais assentou no teor de fls. 4, 10 e 15 e no teor do certificado do registo criminal de fls. 83 e ss.”

Quanto ao enquadramento jurídico-penal, consignou-se:
Está o arguido acusado pela prática um crime de condução de veículo a motor na via pública sem habilitação legal, p. e p. pelo art° 3°, n° 2, do Decreto-lei nº 2/98, de 03/01, com referência aos art°S 121º, n° 1, 122º, nº 1, e 123º do Código da Estrada; um crime de desobediência, p. e p. pelo art° 348º, n° 1, alínea a), do Código Penal, por referencia ao artº 387º, nº 2, do Código de Processo Penal; e uma contra-ordenação muito grave, p. e p. pelos artºS 81º nºS 1, 2, 3 e 4, 146º, alínea m), e 147º, alínea i), do Código da Estrada.
Nos termos do disposto no artigo 3º do D.L. 2/98 de 3 de Janeiro:
nº1 “Quem conduzir veículo a motor na via pública ou equiparada sem para tal estar habilitado nos termos do Código da estrada é punido com prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias.
n.º 2 Se o agente conduzir, nos termos do número anterior, motociclo ou automóvel a pena é de prisão até dois anos ou multa até 240 dias”
Nos termos do disposto no artigo 348º, nº1, alínea a), do C. Penal:
“Quem faltar à obediência devida a ordem ou mandado legítimo, regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias se:
b) Uma disposição legal cominar, no caso, a punição da desobediência simples; ou”
O crime de desobediência tem como requisitos: a existência de uma ordem ou mandado legítimo, regularmente comunicada de autoridade competente, a falta à sua obediência, a intenção de desobedecer e que uma disposição legal comine, no caso, a punição da desobediência ou que, na sua ausência, a autoridade ou o funcionário façam tal cominação.
O artigo 387º, do C.PPenal, consagra o processualismo a adoptar quando após a detenção não for possível a realização imediata de audiência de julgamento e ainda for possível manter a forma sumária do processo.
Por seu turno e no que concerne à contra-ordenação, imputada ao arguido, foi a mesma alvo de levantamento da contra-ordenação nº ………, sobre a qual já incidiu decisão conforme resulta do documento junto aos autos a fls.91.
Quanto ao crime de condução sem habilitação legal:
A conduta do arguido, ao conduzir o veículo automóvel, acima aludido, na via pública, sem ser titular da carta de condução, agindo de forma voluntária e consciente, apesar de bem saber que tal conduta não lhe era permitida pelo facto de não possuir a necessária habilitação legal, preenche todos os elementos, objectivos e subjectivos, do crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º, n.º 1 e 2, do D.L. n.º 2/98, de 3 de Janeiro que lhe é imputado.
Quanto ao crime de desobediência:
A conduta do arguido ao, apesar de notificado por autoridade policial para estar presente no tribunal no dia 20 de Agosto, pelas 9.00h, a fim de ser submetido a julgamento sob a forma sumária e advertido de que a sua não comparência o faria incorrer na prática de um crime de desobediência, não compareceu na data, hora e local indicado para o efeito, fazendo-o de uma forma livre, voluntária e consciente bem sabendo que a sua conduta era punida e proibida por lei, preenche todos os elementos constitutivos do crime de desobediência.”

Por sua vez, na fundamentação da pena concreta aplicada ao arguido, consta o seguinte:
“Uma vez concluído que o arguido praticou um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º, nº2, do D.L. nº 2/98, de 03/01, cuja moldura penal é de pena de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias e que praticou um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348º, nº1, alínea a), do C. Penal, cuja moldura penal é de pena de prisão até um ano ou pena de multa até 120 dias, importa determinar a medida concreta da pena.
A determinação concreta da pena deverá, atender às necessidades de prevenção especial, de prevenção geral e da culpa, sendo certo que, tal como dispõe o artigo 70º, do Código Penal, se ao crime forem aplicáveis em alternativa, pena privativa e pena não privativa de liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Aliás a opção por medida privativa da liberdade só deverá ser tomada por uma de duas razões: ou razões de prevenção especial de socialização, estritamente ligadas à prevenção da reincidência latu senso; e/ou na base de que aquela escolha é imposta por exigências irremediáveis de tutela do ordenamento jurídico. A esta escolha, são, pois alheias quaisquer considerações ligadas à culpa do agente.
No caso concreto, o arguido tem antecedentes criminais, tendo sido condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, praticado em 07/09/99, pela prática de um crime de furto simples, praticado em 07/08/2002 e pela prática de um crime de furto qualificado, praticado em 19/12/2002.Todavia as sentenças relativamente à prática dos crimes de furto foram proferidas em datas posteriores à data dos factos praticados pelo arguido nos presentes autos, pelo que as penas aplicadas ao arguido não são susceptíveis de conduzir à conclusão de que não foram suficientes para evitar que o arguido cometesse os crimes em questão nos presentes autos.
Desta forma, considero ser de aplicar ao arguido uma pena não detentiva da liberdade.
Na determinação da medida concreta da pena, deverá o tribunal, ao abrigo do disposto no artigo 71º, do C. Penal, ponderar a culpa do agente atendendo às necessidades de prevenção de futuros crimes e a todos os elementos exteriores ao tipo legal que deponham a favor ou contra o arguido.
O artigo 71º, nº2 do C. Penal, consagra um conjunto de circunstâncias agravantes ou atenuantes que devem ser atendidas na determinação concreta da medida da pena como, o grau da ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, a intensidade do dolo ou da negligência, os sentimentos manifestados na preparação do crime e os fins ou os motivos que o determinaram, as condições pessoais do agente, a sua situação económica, a conduta anterior e posterior ao facto.
A determinação concreta da pena deverá, em concreto, atender às necessidades de prevenção especial, de prevenção geral e da culpa.
Dispõe o artigo 40º, do Código Penal, que a aplicação das penas visa a protecção dos bens jurídico e a reintegração social do agente (nº1) e que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (nº2).
A culpa, salvaguarda da dignidade humana do agente, não sendo o fundamento último da pena, define, em concreto, o seu limite máximo, absolutamente intransponível, por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que se façam sentir.
A moldura da pena aplicável ao caso concreto há-de definir-se entre o mínimo imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias e o máximo que a culpa do agente consente; entre tais limites encontra-se o espaço possível de resposta às necessidades da sua reintegração social.
Utilizando os critérios que se vêm de enunciar, tendo em atenção as finalidades da pena, consagradas no artigo 40º, do Código Penal, concatenados com a elevada ilicitude, considerando os tipos de crime em causa e as repercussões que os mesmos podem ter, sobretudo no que concerne ao crime de condução de veículo sem habilitação legal, a culpa elevada dado o dolo directo, as elevadas necessidades de prevenção especial, atento o facto de o arguido já haver sido condenado, para além de outros crimes, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal o que induz claramente que a pena sofrida não foi suficiente para evitar o cometimento dos crimes dos autos e geral, tudo ponderado, considero adequado fixar-lhe a pena em 200 dias de multa, à taxa diária de 2,00 €, o que perfaz o montante de 400,00€ relativamente ao crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º, nº2, do D.L. nº 2/98, de 03/01 e
A pena de 100 dias de multa à taxa diária de 2,00€, o que perfaz o montante de 200,00€, relativamente à prática do crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348º, nº1, alínea a), do C. Penal.
Ao abrigo do disposto no artigo 77º, do C. Penal, condeno o arguido na pena única de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de 2,00€, (dois euros) o que perfaz o montante de 500,00€ (quinhentos euros).”
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II- FUNDAMENTAÇÃO
Uma vez que estamos em face de recurso interposto antes da entrada em vigor da Lei nº 48/2007 de 29/8 (que alterou o CPP), atento o disposto no artigo 5 do CPP não é aplicada a nova disciplina em matéria de recursos por “fragilizar” a posição processual do arguido/recorrente, além de quebrar a harmonia e unidade dos actos nesta fase do processo.
O recorrente B………. não põe em causa a decisão proferida sobre a matéria de facto.
Por outro lado, também esta Relação não detecta no texto da decisão recorrida, por si ou conjugado com as regras da experiência comum, qualquer dos vícios previstos no nº 2 do art. 410 do CPP, os quais são de conhecimento oficioso[1].
Assim, não se verificando os vícios previstos no art. 410 nº 2 do CPP, nem existindo qualquer nulidade de conhecimento oficioso, considera-se definitivamente fixada a decisão proferida pela 1ª instância sobre a matéria de facto.
Pese embora não venha questionada a qualificação jurídica dos factos dados como provados (que à data dos factos integravam a prática pelo arguido B………., em autoria material e em concurso real, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º, nº2, do D.L. nº 2/98, de 03/01 e de um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348º, nº1, alínea a), do C. Penal, este com referência ao art. 387 nº 2 do CPP na versão então vigente), a verdade é que, com a entrada em vigor da Lei nº 48/2007 de 29/8, que alterou a redacção do art. 387 do CPP (deixando de existir a cominação, antes prevista no nº 2 do mesmo preceito, de faltando ao acto para o qual fora notificado, incorrer no crime de desobediência), coloca-se a questão de saber se estará descriminalizada (art. 2 nº 2 do CP) a conduta que integrava o crime de desobediência aqui em questão.
E, não há dúvidas, que tal como actualmente se mostra estruturado o processo sumário e a respectiva audiência de julgamento, foi clara a intenção do legislador de deixar de punir (com o crime de desobediência) o arguido que (anteriormente detido “fora do horário de funcionamento normal da secretaria judicial”), notificado pela entidade policial (depois de o sujeitar a termo de identidade e residência e de o libertar) para comparecer perante o Ministério Público no 1º dia útil seguinte, à hora que lhe fosse designada, viesse a faltar.
Com efeito, através da dita alteração ao CPP, foi eliminado o segmento do art. 387 nº 2 do CPP que cominava a desobediência simples para tal comportamento (ou seja, deixou de se fazer referência a essa cominação prevista no art. 387 nº 2 do CPP na versão anterior à Lei nº 48/2007), bem como foi eliminada a norma contida no anterior nº 3 do mesmo art. 387 (que ordenava, caso o arguido não comparecesse, que fosse lavrado auto de notícia, o qual seria entregue ao Ministério Público e serviria de acusação pelo crime de desobediência, que seria julgado conjuntamente com os outros crimes, se o processo mantivesse a forma sumária).
Isto significa que essa alteração não se traduz em vazio legislativo, mas antes na opção do legislador, de mudar as consequências daquele comportamento faltoso do arguido, no âmbito do processo sumário.
E, essa modificação justifica-se porque, também “em homenagem à celeridade processual”[2], foi alargada a possibilidade de recurso ao processo sumário (ou seja, foi alargado o âmbito de aplicação da forma do processo sumário), sendo certo que, actualmente, desde que se verifiquem os pressupostos deste tipo de processo, a audiência de julgamento sempre se realizará (independentemente da hora da detenção), mesmo que o arguido não compareça, caso em que será representado por defensor oficioso (cf. art. 387 nº 3 do CPP na versão actual).
Repare-se ainda que, agora, no processo sumário, o arguido detido que for libertado, é notificado e advertido pelo órgão de policia criminal, nos termos que constam do nº 3 do artigo 385 do CPP na versão actual e, também, no caso de a audiência de julgamento ser adiada, é advertido pelo juiz nos termos do referido art. 387 nº 3 do mesmo código na versão actual.
Ou seja, a cominação de, em processo sumário, faltando ao dito acto para o qual fora convocado (notificado) incorrer no crime de desobediência, foi substituída pela advertência (contida na respectiva notificação) de que a audiência de julgamento, em processo sumário, se realizará mesmo que o arguido não compareça, sendo representado por defensor.
Essa foi a consequência legal (julgamento na ausência, com representação por defensor) que o legislador quis agora expressamente consagrar para situações em que o arguido falte ao acto (audiência no processo sumário) para o qual for devidamente convocado.
Daí que, com esse regime especial tivesse desaparecido a referida cominação de sancionar o comportamento do arguido faltoso com o crime de desobediência.
É que manter essa cominação, hoje em dia, era perfeitamente gratuito e até excessivo e desproporcionado (art. 18 nº 2 da CRP), portanto inconstitucional, uma vez que a audiência de julgamento em processo sumário sempre se realizará mesmo que o arguido não compareça.
Trata-se, por isso, de uma conduta que deixou de ser considerada juridicamente desvaliosa (com a alteração introduzida ao CPP, o legislador abandonou a via de sancionar penalmente essa conduta), não obstante simultaneamente terem sido alteradas regras meramente processuais atinentes ao processo sumário.
Ora, esse novo entendimento do legislador tem reflexos em relação às condutas anteriores, como é o caso da que estamos aqui a analisar.
Note-se que a disposição legal (anterior versão do art. 387 nº 2 do CPP) que cominava a desobediência simples para aquele comportamento faltoso do arguido, foi apenas introduzida com a Lei nº 59/98 de 25/8 que alterou o CPP de 1987 (anteriormente essa cominação não existia e, como é claro, aquela alteração de 1998, porque desfavorável ao arguido, não podia ser aplicada retroactivamente).
E, não se pode, também, esquecer que o preenchimento do tipo legal do crime de desobediência (art. 348 nº 1-a do CP) depende, no caso concreto, da existência de uma outra disposição legal (anterior art. 387 nº 2 do CPP) que cominava a punição da desobediência simples (“cominação legal e funcional”), cominação essa que, todavia, hoje não existe.
O limite da incriminação em questão é “a existência de uma lei que preveja a pena de desobediência para o não cumprimento do mandado em causa”[3].
Isto é, era aquela norma processual (anterior versão do art. 387 nº 2 do CPP) de natureza material (quando cominava a punição pelo crime de desobediência) que “condicionava a efectiva responsabilidade penal” na parte aqui em análise.
Ora, faltando “a razão para punir o facto”, por ter desaparecido a referida cominação, deixa de subsistir razão para a censurabilidade da conduta em causa.
É que a “lei extravagante” (no caso a versão actual do art. 387 do CPP) deixou de conferir dignidade penal àquele comportamento do arguido faltoso (deixou de prever o facto típico).
Sendo o crime de desobediência, na sua estrutura, configurado como “lei penal em branco”, «a alteração do conteúdo normativo da norma extrapenal determinará a revogação tácita da norma penal em branco»[4], o que significa que aquela conduta descrita na anterior versão do art. 387 nº 2 do CPP deixou de ser punida em virtude da alteração introduzida pela citada Lei nº 48/2007.
É certo que essa opção legislativa se prende simultaneamente com a alteração de outras regras relativas ao processo sumário - v.g. quanto aos próprios pressupostos (art. 381 do CPP na versão actual) - o qual tem agora um âmbito muito mais alargado do que anteriormente.
Porém, não obstante, no caso concreto, o arguido não ter sido julgado em processo sumário, isto não significa que se deva manter a censura penal por ter faltado à diligência para a qual fora convocado com a cominação do crime de desobediência.
Aliás, a conduta criminosa que fundamentou a sua detenção, foi julgada, embora em processo comum (sendo proferida a decisão objecto deste recurso).
Ou seja, não é pelo facto de as regras formais do processo sumário hoje em dia serem diferentes das anteriormente previstas na lei e de o arguido não ter sido julgado em processo sumário, de acordo com as regras processuais então vigentes, que passa a subsistir a punição daquela conduta do arguido que faltou à diligência para a qual fora convocado com a cominação de cometer um crime de desobediência (cominação esta prevista na anterior versão do citado art. 387 nº 2 do CPP).
Aliás, nesse aspecto, a norma do anterior art. 387 nº 2 do CPP teria de ser classificada como norma processual penal material (na medida em que previa a sanção do crime de desobediência para o tipo de conduta do arguido que aí descrevia), o que significa que sempre lhe seriam aplicáveis os “princípios constitucionais da proibição da retroactividade da lei penal desfavorável e da imposição da retroactividade da lei penal favorável”[5].
Por isso, também agora, com as alterações acima assinaladas, introduzidas pela Lei nº 48/2007, há que retirar as consequências dessa opção legislativa, não obstante a circunstância de aquela conduta do arguido faltoso deixar de ser considerada como juridicamente desvaliosa, encontrar justificação na simultânea alteração de regras processuais formais relativas ao processo sumário.
A eliminação dessa cominação (de incorrer no crime de desobediência) na notificação prevista no anterior nº 2 do art. 387 do CPP acarreta a consequente descriminalização da punição de tal conduta (de faltar à diligência para a qual fora convocado nos termos da versão anterior do dito preceito legal), por esse facto punível segundo a lei vigente no momento da sua prática ter deixado de o ser pela lei nova (art. 2 nº 2 do CP), que o eliminou do número de infracções.
O que deixou de ser censurado como crime de desobediência foi aquela “conduta faltosa do arguido”, descrita na anterior versão do art. 387 nº 2 do CPP (daí que a descriminalização seja daquela conduta, por ter sido eliminada a referida cominação, e não do crime de desobediência que continua a existir, mas para casos em que se verifiquem os respectivos pressupostos, v.g. no caso previsto no art. 348 nº 1-a) do CP, se houver ainda hoje disposição legal que comine a punição como desobediência simples).
Esta interpretação teleológica tendo em atenção a própria ratio essendi da norma em questão, atendendo ao seu efeito útil, o que exige uma compreensão racional do argumento histórico e mesmo do literal (apelando também ao artigo 9 do CC), é a única que está de acordo com o princípio da legalidade, com “o fim almejado pela norma”, considerando o espírito do legislador e a unidade do sistema jurídico, mostrando-se, assim, “funcionalmente justificada”.
Embora não seja o caso destes autos (na medida em que o arguido foi condenado pelo crime de desobediência previsto no art. 348 nº 1-a) do CP), sempre se dirá que nem fazendo apelo ao disposto no art. 348 nº 1-b) do CP a situação se altera (não obstante a conduta proibida descrita nessa modalidade do tipo legal supor a “ausência de disposição legal”[6] – sendo que a disposição legal anteriormente existia, ficando apenas “perfeito o acto” desde que fosse efectuada também aquela “cominação funcional” – hoje em dia, em processo sumário, a autoridade ou o funcionário, na notificação que efectuarem, não devem, nem podem estabelecer a anterior cominação, sob pena de a ordem ser ilegítima e, portanto, não lhe ser devida obediência, podendo o seu destinatário resistir ao seu cumprimento, assumindo uma atitude passiva ou negativa – art. 21 da CRP; caso contrário, teria sido encontrada a fórmula de contrariar a vontade do actual legislador de não punir com o crime de desobediência a conduta do arguido faltoso; se o legislador não quer punir essa conduta, por entender que a mesma não merece tutela penal, não é legítimo que a autoridade ou o funcionário lhe confira dignidade penal – transformando aquele comportamento inócuo em comportamento criminoso – desprezando e ignorando a vontade do actual legislador que a retirou; actualmente se o arguido faltar sujeita-se apenas às respectivas consequências: por um lado, consequências gerais que são as previstas no art. 116 do CPP para quem falta injustificadamente a qualquer acto processual[7] e, por outro, consequências particulares ou especiais que é o julgamento em processo sumário se fazer na sua ausência, sendo representado por defensor oficioso).
Ainda que se entendesse que essa conduta, com referência à versão anterior do art. 387 nº 2 do CPP, integrava o crime de desobediência previsto no art. 348 nº 1-b) do CP[8], a solução final era a mesma, isto é, não podia hoje ser punida como crime de desobediência.
Com efeito, é até indiferente, neste caso, que a qualificação da conduta em causa seja feita pela alínea a) ou pela alínea b) do nº 1 do art. 348 do CP (a admitir-se a possibilidade de uma ou outras das construções jurídicas assinaladas), uma vez que foi modificado o “conteúdo normativo” daquela norma “extrapenal” (isto na medida em que, era a versão anterior do art. 387 nº 2 do CPP, que descrevia o facto típico e que nos remetia para o crime de desobediência), faltando hoje (face à nova redacção do citado preceito do CPP) “a razão para punir o facto”, por ter desaparecido a referida cominação (daí que deixasse de subsistir razão para a censurabilidade da conduta em causa).
O intérprete apenas era remetido para o tipo previsto no art. 348 do CP (para uma ou outra das modalidades previstas no seu nº 1), por virtude daquela norma do processo penal (art. 387 nº 2 do CPP na anterior versão, que descrevia o facto típico).
Não existindo agora essa cominação (legal e funcional) do crime de desobediência (art. 387 nº 2 e 3 do CPP na versão actual), já não é possível integrar a conduta no art. 348 do CP (seja enquadrando a conduta na alínea a) ou na alínea b) do seu nº 1).
Assim, tendo em vista o disposto no artigo 2 nº 2 do CP, conclui-se pela extinção do procedimento criminal quanto ao crime de desobediência imputado ao arguido/recorrente (pelo qual fora condenado, embora por decisão não transitada em julgada, face ao recurso ora em apreço), por via da referida descriminalização (uma vez que o facto punível pela lei vigente no momento da sua prática deixou de o ser pela lei nova que o eliminou do número das infracções).
Logicamente deixa de subsistir a pena que lhe fora aplicada por esse crime de desobediência, ficando sem efeito o cúmulo jurídico efectuado, uma vez que apenas passou a existir a pena que lhe fora aplicada pelo crime de condução de veículo sem habilitação legal.
Posto isto, a questão que resta, agora, decidir, tal como o recorrente B………. delimita o objecto do recurso, incide apenas (face à referida descriminalização da conduta que integrava o crime de desobediência) sobre a medida da pena aplicada pelo crime subsistente de condução de veículo sem habilitação legal (portanto quanto à respectiva pena individual aplicada), a qual considera excessiva e violadora do disposto nos arts. 47°, n°2 e 71°, n° 2-d) do Código Penal.
Alega, para tanto, que o tribunal da 1ª instância, por um lado, valorizou excessivamente os seus antecedentes criminais e, por outro, que não ponderou devidamente as suas condições pessoais de vida, a confissão e o arrependimento manifestados, reveladores da sua colaboração com a justiça.
Pede que a pena de multa seja reduzida de modo a não ultrapassar os 100 dias, devendo ainda ser reduzida a taxa diária para quantia não superior a € 1,50.
Passemos então a apreciar a questão colocada que resta apreciar no recurso apresentado pelo arguido.
Assim:
Como sabido, as finalidades da pena são, nos termos do artigo 40 do Código Penal, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade[9].
Na determinação da pena, o juiz começa por determinar a moldura penal abstracta e, dentro dessa moldura, determina depois a medida concreta da pena que vai aplicar, para, de seguida, escolher a espécie da pena que efectivamente deve ser cumprida[10].
No que respeita à escolha da espécie das penas alternativas abstractas previstas para o crime em questão (alternativa da pena de prisão ou da pena de multa) o tribunal apenas pode utilizar o critério da prevenção, como determina o art. 70 do CP.
Com efeito, ao momento da escolha da pena alternativa são alheias considerações relativas à culpa. Esta (a culpa) apenas funciona como limite (e não como fundamento) no momento da determinação da medida concreta da pena já escolhida[11].
Por sua vez, nos termos do artigo 71º, nºs 1 e 2, do Código Penal, a determinação da medida da pena, dentro dos limites fixados na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo-se, em cada caso concreto, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a seu favor ou contra ele.
Diz Figueiredo Dias[12], que “só finalidades relativas de prevenção, geral e especial, não finalidades absolutas de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido às suas reacções específicas. (...) Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de reintegração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida.”
Mais à frente[13], esclarece que “culpa e prevenção são os dois termos do binómio com o auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena em sentido estrito”.
Acrescenta, também, o mesmo Autor[14] que, “tomando como base a ideia de prevenção geral positiva como fundamento de aplicação da pena, a institucionalidade desta reflecte-se ainda na capacidade para abranger, sem contradição, o essencial do pensamento da prevenção especial, maxime da prevenção especial de socialização. Esta (…) não mais pode conceber-se como socialização «forçada», mas tem de surgir como dever estadual de proporcionar ao delinquente as melhores condições possíveis para alcançar voluntariamente a sua própria socialização (ou a sua própria metanoia); o que, de resto, supõe que seja feito o possível para que a pena seja «aceite» pelo seu destinatário - o que, por seu turno, só será viável se a pena for uma pena suportada pela culpa pessoal e, nesta acepção, um pena «justa». (…) A pena orientada pela prevenção geral positiva, se tem como máximo possível o limite determinado pela culpa, tem como mínimo possível o limite comunitariamente indispensável de tutela da ordem jurídica. É dentro destes limites que podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial - nomeadamente de prevenção especial de socialização - os quais, deste modo, acabarão por fornecer, em último termo, a medida da pena. (…) E é ainda, em último termo, uma certa concepção sobre a ordem de legitimação e a função da intervenção penal que torna tudo isto possível: parte-se da função de tutela de bens jurídicos; atinge-se uma pena cuja aplicação é feita em nome da estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada; limita-se em seguida esta função pela culpa pessoal do agente; para se procurar atingir a socialização do delinquente como forma de excelência de realizar eficazmente a protecção dos bens jurídicos”.
Uma vez determinada a pena concreta principal, pode ainda impor-se, consoante os casos, que o tribunal pondere se a deve substituir por outra pena, dentro do leque das respectivas penas de substituição previstas na lei.
Ora, considerando a moldura penal abstracta do crime previsto no art. 3 nº 2 do DL nº 2/98 de 3/1 (pena de prisão de um mês até 2 anos ou pena de multa de 10 dias até 240 dias), o arguido B………. foi condenado na pena de multa de 200 dias à taxa diária de € 2,00.
Analisando a decisão sob recurso no que respeita à fundamentação da pena concreta aplicada ao mesmo arguido, verificamos que não merece censura a 1ª operação efectuada pelo tribunal da 1ª instância, quando ainda conseguiu dar preferência à moldura abstracta da pena de multa.
Não obstante o antecedente criminal (sentença de 15/3/2001) por crime (cometido em 7/9/99) da mesma natureza (tendo presente que as restantes duas condenações, por crimes de furto simples e qualificado, são posteriores – respectivamente de 22/6/2005 e de 18/5/2006 – à data da prática dos factos aqui em apreço, que ocorreram em 19/8/2004), considerando os factos assentes neste caso concreto, as razões de prevenção geral positiva (suficiente advertência) e mesmo de prevenção especial (carência de socialização do arguido B……….), a moldura abstracta da pena de multa, satisfaz plenamente as finalidades da punição.
Importando restabelecer a confiança na validade das normas violadas (“reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida”), no caso em análise a mesma ainda se satisfaz com a aplicação de uma pena de multa, tendo em atenção por um lado a necessidade de uma eficaz protecção e tutela do bem jurídico violado e, por outro, a própria reinserção social do arguido B………. .
Daí que se concorde com a 1ª operação efectuada, mostrando-se cumprido o disposto no art. 70 do CP.
Agora passando à 2ª operação a efectuar, impõe-se ao tribunal fundamentar, de modo concreto, o quantum da pena de multa a aplicar pelo mencionado crime cometido pelo arguido.
Na determinação da pena concreta aplicada ao arguido, o tribunal da 1ª instância, considerou “a elevada ilicitude considerando os tipos de crime em causa, as repercussões que os mesmos podem ter, sobretudo no concerne ao crime de condução sem habilitação legal, a culpa elevada, dado o dolo directo, e as elevadas necessidades de prevenção especial”, face às condenações, anterior e posteriores, que já lhe foram impostas.
Pois bem.
Tendo em atenção o disposto no art. 71 do CP, na determinação da medida da pena importa atender “a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuseram a favor do agente ou contra ele”.
Para tanto, há que considerar que o arguido agiu com dolo (directo) e com consciência da ilicitude da sua conduta.
Por outro lado, importa atender ao seu modo de actuação (que se insere dentro do que é habitual neste tipo de crime) e às consequências da sua conduta (sendo certo que não se provou que tivesse ocorrido qualquer acidente, nem tão pouco perigo concreto para terceiros).
Para além disso, embora tendo como limite a medida da sua culpa, há que ter em atenção a necessidade de prevenir a prática de futuros crimes, sendo certo que à data dos factos em questão já tinha sofrido uma condenação por crime idêntico ao ainda em apreço nestes autos e, posteriormente, sofreu duas condenações por crimes diversos, o que também revela uma personalidade desatenta ao direito.
São, assim, prementes as razões de prevenção geral (necessidade de restabelecer a confiança na validade das normas violadas) e de prevenção especial (carência de socialização) neste caso em análise.
Para além disso, também, se terá de atender à sua idade (à data dos factos tinha 27 anos de idade, visto que nasceu em 23/1/1977, consoante consta da sentença, na parte relativa à sua identificação) e condições pessoais de vida (aufere cerca de € 400,00 por mês, vive com a mãe, tem um filho de 3 anos, actualmente entregue a uma família de acolhimento[15]), circunstâncias estas que devem ser valoradas e consideradas como atenuantes da sua conduta, por necessárias à ressocialização que se almeja.
Importa, ainda, considerar a confissão quanto ao crime de condução sem habilitação legal, nos moldes em que foi efectuada pelo arguido (constante da motivação de facto da sentença), que apesar do pouco relevo, sempre foi acompanhada de arrependimento, circunstâncias estas que devem ser valoradas como atenuantes da sua conduta, já que também revelam, da sua parte, alguma sensibilidade positiva à pena a aplicar, com reflexo favorável no juízo de prognose sobre a necessidade e a probabilidade da sua reinserção social.
Tudo ponderado, uma vez que o arguido tem uma personalidade ainda recuperável, entendemos que a pena a aplicar pelo crime de condução de veículo sem habilitação legal, deve situar-se um pouco acima da metade do limite máximo da moldura da pena de multa abstracta prevista para esse crime.
Justifica-se, por isso, a redução (embora não nos moldes apontados pelo recorrente) da pena aplicada pela 1ª instância quanto ao mencionado crime de condução de veículo sem habilitação legal, por se considerar que a mesma, ponderadas as agravantes e as atenuantes, é excessiva (traduzindo uma retribuição da culpa não consentida, tendo presente que esta – a culpa – funciona como limite da medida da pena e não como seu fundamento) e desproporcionada.
Assim, considerando os factos apurados e tendo em atenção o limite máximo consentido pelo grau de culpa do arguido B………., atentos os princípios político-criminais da necessidade e da proporcionalidade, julga-se adequada e ajustada a pena de 160 (cento e sessenta) dias de multa para o crime de condução sem habilitação legal.
Quanto à taxa diária a fixar, importa ter em atenção, por um lado, os limites estabelecidos no art. 47 nº 2 do CP à data em que os factos foram cometidos (segundo o qual, cada dia de multa corresponde a uma quantia entre € 1,00 e € 498,80) – regime claramente mais favorável, tendo em vista o disposto no artigo 2 nº 4 do CP (uma vez que, a mesma norma, actualmente prevê que cada dia de multa corresponde a uma quantia entre € 5 e € 500) – e, por outro, que a mesma deve ser fixada “em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais”.
O montante diário da pena de multa deve representar um sacrifício para o condenado[16], dessa forma também se conferindo credibilidade à sua natureza de verdadeira pena alternativa à prisão.
Ora, perante os factos dados como provados e o disposto no art. 47 nº 2 do CP vigente à data dos factos aqui em apreço, por ser o regime mais favorável, atento o disposto no art. 2 nº 4 do CP, julga-se ajustada a taxa diária de € 2,00 (dois euros), fixada pela 1ª instância.
Assim, julga-se ajustada e adequada, a pena de 160 (cento e sessenta) dias de multa à taxa diária de € 2,00 (dois euros), ou seja, a multa de € 320,00 (trezentos e vinte euros), pelo crime subsistente de condução de veículo sem habilitação legal.
E, como é evidente, se o arguido não conseguir pagar de uma só vez a multa em que foi condenado, sempre poderá requerer, nos termos do art. 47 nº 3 do CP, o seu pagamento em prestações.
Assim, procede parcialmente o recurso ora em apreço.
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III- DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação, em:
A – tendo em vista o disposto no artigo 2 nº 2 do CP, julgar extinto o procedimento criminal quanto ao crime de desobediência imputado ao arguido/recorrente (pelo qual fora condenado, embora por decisão não transitada em julgada, face ao recurso ora em apreço), por via da referida descriminalização e, nessa parte, ordenar o arquivamento dos autos;
B – conceder parcial provimento ao recurso aqui em apreço e, consequentemente, alterar a sentença recorrida, nos moldes acima mencionados, condenando o arguido B………., apenas pela autoria material de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º, nº1 e 2, do DL nº 2/98, de 03/01, na pena de 160 (cento e sessenta) dias de multa à taxa diária de 2,00 € (dois euros), o que perfaz o montante de € 320,00 (trezentos e vinte euros);
C – no mais, negar provimento o recurso.
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Pelo decaimento, vai o recorrente condenado nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 2 UCs.
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(Processado em computador e revisto pela 1ª signatária. O verso das folhas encontra-se em branco – art. 94 nº 2 do CPP)
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Porto, 31 de Outubro de 2007
Maria do Carmo Saraiva de Menezes da Silva Dias
Jaime Paulo Tavares Valério
Luís Augusto Teixeira
José Manuel Baião Papão

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[1] A sindicância da decisão sobre a matéria de facto no âmbito dos vícios enunciados no art. 410 nº 2 do CPP é de conhecimento oficioso, conforme jurisprudência fixada pelo STJ no acórdão nº 7/95, publicado no DR I-A de 28/12/1995.
[2] Cf. Proposta de Lei nº 109/X, publicada no DAR II Série-A nº 31 de 23/12/2006, pp. 5 a 53.
[3] Cristina Líbano Monteiro, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, AAVV, dirigido por Jorge Figueiredo Dias, Coimbra: Coimbra Editora, 1999, p. 350, citando Eduardo Correia (ActasPE, 441). E, também, não se pode esquecer que já há muito anos a doutrina vem questionando a legitimidade desta (do crime de desobediência) incriminação.
[4] A. Taipa de Carvalho, Direito Penal, Parte Geral, Questões Fundamentais, Porto: Publicações Universidade Católica, 2003, p. 201, definindo antes (sem deixar de notar as divergências doutrinais na matéria) norma penal em branco como sendo “uma norma que contém a sanção penal e que, quanto ao facto típico, remete, total ou parcialmente, para a descrição feita por uma outra norma extrapenal do ordenamento jurídico”.
[5] Taipa de Carvalho, Sucessão de Leis Penais, Coimbra: Coimbra Editora, 1990, p. 223.
[6] Antes de 15/9/2007, a conduta aqui em apreço seria punida nos termos do art. 348 nº 1-a) do CP, uma vez que existia a disposição legal – o art. 387 nº 2 do CPP – que estabelecia essa cominação de incorrer no crime de desobediência, embora tivesse que ser também efectuada pela entidade policial no acto de notificação, para se tornar perfeito o acto. Daí que, sempre se podia defender que a conduta não podia cair no “saco sem fundo” da alínea b) do nº 1 do citado art. 348 do CP. Mas, não é pelo facto de assim se ter entendido na sentença sob recurso, que fica esvaziado o tipo no que se refere à modalidade prevista no art. 348 nº 1-b) do CP. De resto, se a conduta deixou de ser censurada penalmente porque o legislador encontrou outra alternativa (outra consequência), retirando-lhe dignidade penal para a enquadrar como crime de desobediência, não podemos, nesse caso, “ressuscitar” ou “represtinar” a incriminação que deixou de existir (violando, desse modo, também, de alguma forma o princípio da separação de poderes), com recurso ao art. 348 nº 1-b) do CP.
[7] Prevendo a lei, no art. 116 do CPP, as consequências (pagamento de soma entre 2 UC e 10 UC, bem como a possível passagem de mandados de detenção) da falta injustificada de comparecimento de pessoa regularmente convocada para diligência processual (v.g. julgamento), seria legítima a ordem de um juiz que determinasse que qualquer pessoa que faltasse injustificadamente à 1ª data designada para julgamento fosse novamente notificada para comparecer na 2ª data designada para julgamento, com a cominação de que, caso faltasse, incorria em crime de desobediência? A resposta terá de ser negativa, quanto à cominação do crime de desobediência. Como diz, José Luís Lopes da Mota, “Crimes contra a Autoridade Pública”, in Jornadas de Direito Criminal, Revisão do Código Penal, Alterações ao Sistema Sancionatório e Parte Especial, vol. II, Lisboa: CEJ, 1998, p. 437 e 438, “uma vez que nem todas as desobediências constituem crime subsumível ao art. 348º, parece poder fundadamente afirmar-se que a concreta qualificação de um comportamento como crime de desobediência deve ser equacionada em três momentos: em primeiro lugar, pela verificação da subsunção a uma norma que preveja um ilícito próprio [aqui incluindo, entre outras, situações a que correspondem uma sanção de natureza processual]; em segundo, pela verificação da subsunção a uma norma que concretamente o qualifique como crime de desobediência (simples ou qualificado), cominando com a punição da desobediência; finalmente, pela subsunção directa ao nº 1, e respectiva alínea b) do art. 348 do CP”. Ora, prevendo o art. 116 do CPP um regime próprio para quem falta injustificadamente a diligência para a qual foi devidamente convocado, não pode o juiz derrogar esse regime especial sob pena de violação, além do mais, do próprio princípio da legalidade, tendo presente também o carácter subsidiário do direito penal (esta solução impõe-se, mesmo sem fazer apelo, v.g. ao elemento histórico, resultante da diferente posição do legislador quando vigorava o CPP de 1929). Como diz Cristina Líbano Monteiro, ob. cit., p. 354, reportando-se à modalidade do crime de desobediência previsto no art. 348 nº 1-b) do CP, “não podendo fugir à letra da lei, será tarefa dos tribunais ajuizar, caso por caso, se o princípio da significância, ancorado no carácter fragmentário e de ultima ratio da intervenção penal, não levará com frequência a negar dignidade criminal a algumas condutas arguidas de desobediência (do art. 348), porventura pelo excesso de zelo de um dedicado servidor da administração pública”. E, obviamente, mesmo os tribunais (v.g. juiz) estão sujeitos ao princípio da proibição do excesso ou princípio da proporcionalidade (adequação, necessidade, exigibilidade e justa medida) – art. 18 nº 2 da CRP.
[8] Nesse caso, defendendo que, não obstante o teor da versão anterior do art. 387 nº 2 do CPP, não se tratava aí de uma “cominação legal”, por ser necessário que a entidade policial efectuasse aquela cominação (o que significava que, não constando do acto de notificação aquela cominação, o arguido faltoso não incorria no crime de desobediência), assim concluindo que não existia disposição legal a cominar directamente a desobediência (porque dependia sempre de um acto de notificação mais completo, portanto, também e ainda de uma “cominação funcional”), sendo, por isso, o crime enquadrável na previsão do art. 348 nº 1-b) do CP.
[9] Anabela Rodrigues, «O modelo da prevenção na determinação da medida concreta da pena», in RPCC ano 12º, fasc. 2º (Abril-Junho de 2002), 155, refere que o art. 40 CP condensa “em três proposições fundamentais, o programa político-criminal - a de que o direito penal é um direito de protecção de bens jurídicos; de que a culpa é tão só um limite da pena, mas não seu fundamento; e a de que a socialização é a finalidade de aplicação da pena”.
[10] Neste sentido, v.g. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Parte geral II, As consequências jurídicas do crime, Editorial Noticias, 1993, p.198.
[11] Anabela Rodrigues, «Pena de prisão substituída por pena de prestação de trabalho a favor da comunidade (prática de um crime de receptação dolosa) Sentença do Tribunal de Círculo da Comarca da Figueira da Foz de 29 de Maio de 1998», in RPCC ano 9º, fasc. 4º (Outubro-Dezembro de 1999), p. 644, a propósito da aplicação em alternativa de duas penas principais, esclarece que “(…) a opção pela aplicação de uma ou outra pena à disposição do tribunal não envolve um juízo, feito em função das exigências preventivas, sobre a necessidade da execução de pena de prisão efectiva – que o juiz sempre terá que demonstrar para fundamentar a aplicação da pena de prisão -, mas sim um juízo de maior ou menor conveniência ou adequação de uma das penas em relação à outra, em nome da realização das referidas finalidades preventivas.”
[12] Figueiredo Dias, ob. cit., p. 72.
[13] Figueiredo Dias, ob. cit., p. 214.
[14] Figueiredo Dias, "Sobre o estado actual da doutrina do crime”, RPCC, ano 1º, fasc. 1º (Janeiro-Março de 1991), p. 29.
[15] A referência feita no texto da motivação, no sentido de o filho estar “prestes a ser entregue à guarda e cuidado do pai”, não pode ser atendida, visto que não consta dos factos dados como provados, acima já considerados definitivamente fixados.
[16] Assim, entre outros, Ac. do TRC de 9/12/2004, CJ 2004, V, 51.